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Ijuí (RS)
2019
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Ijuí (RS)
2019
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AGRADECIMENTOS
(Hamlet, Shakespeare)
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RESUMO
ABSTRACT
The present monographic research has as its theme to approach the perspective of the
construction of the image and the profile of the criminal in the current society that is
organized in subsystems, such as the law, the economy, politics, etc. This research emerged
from a theoretical research of monographic procedural method, based on the premise of
knowledge of fundamental bibliographies for its development and the methodology developed
is the constructivist system from which it is understood that society is formed by
communications produced by social subsystems, of meaning. The method of approach is
exploratory and qualitative, where: I: first it was made the selection of works needed to
develop the research; II: then the reading and subsequent comprehension of such works was
performed; III: following this, the file was done and finally; V: the elaboration of this
monograph. Overcoming the historical issue of punishing the body, exploring the physical
perspective to be evidenced in this research project addresses the ideal known as "shaping the
soul", based on the principle of vigilance. We then analyze Jeremy Bentham's theory of
Panopticon, as well as Foucault's contributions to that theory, as well as the study of the Super
Panopticon and the Synoptic of Mark Poster and Thomas Mathiesen, respectively. Following
is investigated Niklas Luhmann's Systemic Theory, which understands that society is formed
by communication systems; In this bias, we analyze how the construction of the criminal
profile is composed in some of Luhmann's subsystems, such as Law, Politics, Economy,
Media and Science. It concludes by concluding that in the disciplinary society (from the
perspective of the panopticon therefore) the criminal is constructed as one who behaves in the
opposite way to those whom the observer, regarded as omnipresent, by the observed desires;
however, the way in which the figure of the criminal is constructed is complex, depending on
communications of various kinds in various social systems beyond politics and law; and in
society because of communication, practices such as the exclusion of agents who do not meet
their requirements are common, and likewise, an exclusion serves as an example for others to
happen.
RESUMEN
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 9
PRÓLOGO ............................................................................................................................... 12
CONCLUSÃO.......................................................................................................................... 86
INTRODUÇÃO
Para essa construção teórica, será realizada uma breve analise e posterior reflexão de
duas grandes teorias: a teoria do panóptico e a teoria sistêmica. O panóptico será trabalhado
sobre a perspectiva de Jeremy Bentham e Michael Foucault, enquanto que a ideia do Super
Panoptismo e o Sinóptico serão abordados nas construções literárias de Mark Poster e Thomas
Mathiesen, respectivamente. Outra grande teoria a ser abordada é a teoria sistêmica de Niklas
Luhmann e suas aplicações aos moldes de construção social atual se tratando da visão que
temos do criminoso atualmente, e de que forma a própria construção sistêmica destes opera.
O Super Panóptico e o Sinóptico irão integrar tais contribuições teóricas com seus
respectivos apontamentos; já no segundo capitulo a pretensão é a de se explorar para além das
bases teóricas a questão central do comportamento humano, ou seja, de que forma a
observação e a vigilância exploram a capacidade de discernimento e a condução de
comportamentos daqueles que a envolvem. Será trabalhada igualmente a construção do
criminoso nas observações sistêmicas com ênfase em especial a constituição do perfil do
criminoso no Direito e a sobreposição de códigos.
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Temos como objetivo geral, portanto, estudar como o perfil do criminoso é construído
nas comunicações sociais, em concordância com o raciocínio da teoria do panóptico no que
tange a disciplina nos comportamentos da sociedade imersa na lógica dos sistemas sociais;
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enquanto são dois objetivos específicos: a) entender o panoptismo e os modos pelos quais
essa estratégia de observação persegue o criminoso; e b) entender como a comunicação
constrói essa noção de criminoso, que se dá nos mais diversos sistemas sociais (Direito,
Política, Economia, etc.).
PRÓLOGO
Light Yagami era um promissor estudante do último ano do ensino médio na região
Kanto no Japão, detentor de notas consideradas perfeitas por seus colegas e também
professores, e por essa razão não era surpresa seu QI ser igualmente invejável. Por trás de
toda educação de ponta que recebeu ao longo da vida, bem como a estrutura familiar
favorável que lhe fornece um alicerce sólido quanto as suas perspectivas futuras, o jovem não
consegue desenvolver empatia com as demais pessoas. Embora consiga disfarçar em público
em seu interior ele sabe como é crescente sua insatisfação com a sociedade, que é vista por ele
como “podre” (OHBA, 2012, s.p.).
Para o jovem o próprio Direito Penal perdeu sua função e tornou-se meramente
simbólico, enquanto que autoridades policiais por sua vez não cumprem seu papel de proteger
os cidadãos “de bem” daqueles que causam o caos social, denominados por si como
“marginais”, “bandidos” ou simplesmente “criminosos” que são desnecessários em sua ótica.
O jovem estudante tem sua percepção social bastante objetiva e inflexiva, não
permitindo, portanto, que circunstâncias pessoais adentrem seus conceitos e saberes
concretos. Ao esboçar suas opiniões não oferece emoção, sendo impiedoso e implacável, o
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que pode ser explicado também pelo estilo de vida que leva, regrado, cético e desprovido de
relações íntimas até mesmo com a própria família.
As regras expostas nas primeiras folhas do caderno são claras: escreva o nome de
qualquer pessoa e mentalize seu rosto que essa morrerá em 40 segundos, vítima de ataque
cardíaco; se preferir, no ato de escrever o nome de alguém poderá definir a forma com a qual
a pessoa virá a óbito, entretanto terá um tempo determinado para narrar as condições de sua
morte antes que ela aconteça, e assim será. Light, inicialmente duvida dos “poderes” do
caderno, achando ser realmente alguma “pegadinha de mau gosto” (OHBA, 2012, s.p.).
Horas depois, dominado pela fúria ao ver um telejornal retratar um crime em sua
cidade ele descobre que o tal caderno não se trata de uma simples brincadeira, e que ele tem
em mãos um verdadeiro instrumento de repressão social jamais visto antes, uma vez que o
aparentemente simples caderno dá ao seu detentor a façanha de matar aquele que escrever seu
nome ali, desde que este visualize o rosto da vítima em sua mente (para que pessoas com o
mesmo nome não sejam afetadas).
Tal proeza faz com que Light tenha a iniciativa de decidir “limpar a sociedade”
eliminando assim os “indesejados” por ele, ou seja, pessoas que ele considera infratoras e,
portanto, desnecessárias ao progresso e prosperidade social. O jovem inicialmente se limita a
matar aqueles criminosos aos quais aparecem em noticiários na mídia ou outros veículos de
informação, bem como nomes que se lembra em sua cabeça inicialmente, causando assim um
verdadeiro expurgo.
Em sequência decide anotar no caderno, com condições de óbito formuladas por si, os
criminosos mais procurados do mundo, bem como os que praticaram crimes que na visão dele
são repudiáveis, e já estão presos. Tendo suas ações devidamente impactadas à sociedade ele
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perde-se na própria mentalidade deficiente de que irá se proclamar o “deus do novo mundo” e
a partir daí se percebe um caráter sádico em sua fala e nas suas ações bem como sua frieza
emocional.
Kira parece estar em todo lugar e é capaz de matar alguém sem ao menos estar diante
da pessoa e isso parece funcionar de fato, visto que estes índices realmente diminuem
tamanho o medo da sociedade. Inclusive, surgem blogs e paginas na internet de fãs de Kira,
que ameaçam seus desafetos dizendo que se eles não pararem de lhe incomodar, vão colocar o
nome e a foto deles online para Kira os eliminar, banalizando todo o contexto apresentado,
onde simples frustações e descontentamentos para a sociedade já servem como vitimas em
potencial.
L percebe que as primeiras vítimas eram pessoas da região Kanto no Japão, e entende
que serviram como “testes” para Kira testar seus poderes (sejam eles quais forem) e então faz
uma transmissão nessa região, dizendo que se trata na verdade de uma internacional. Nessa
coletiva, um homem dizendo ser o detetive L expõe seu nome real, este sendo “L. Lind
Taylor” e monstra seu rosto ao ameaçar Kira dizendo que não irá descansar até descobrir
quem ele é.
Com tal “afronta” Light decide descobrir quem é L para matá-lo, e continua a executar
criminosos apenas para irritá-lo e reforçar seu poder. Nesse contexto inicia-se uma batalha
psicológica entre ambas as partes, afinal Light agora também está sendo observado. Em
determinado ponto da história, Light conhece Misa Amani, uma jovem fã de Kira pelo fato
dele ter executado o assassino de seus pais, e assim decide usar a jovem como álibi perante a
família, dizendo se tratar de sua namorada.
Posteriormente, um segundo caderno entra em cena e para nas mãos de Misa, que
agora é capaz de identificar Light como Kira, e além de o idolatrar se apaixona pelo mesmo; o
que ocorre é que o rapaz nem sequer se preocupa com o bem-estar da mulher, e apenas a
mantêm perto por ela ser útil, afinal esta virou sua cúmplice e pode executar pessoas enquanto
ele está fazendo outros afazeres.
Ao ingressar na faculdade, Light segue executando pessoas, só que dessa vez de forma
mais elaborada para confundir as forças policiais, enquanto que L está no Japão trabalhando
ao lado do pai do mesmo. Alguns agentes americanos por indicação de L são enviados para o
caso, mas Light consegue executá-los ao acessar seus dados em uma pasta, e no caso de um
em especial, decide matar a sua noiva também “por precaução”. Nesse momento, Light passa
a matar impiedosamente qualquer pessoa que cruzasse seu caminho, com ou sem ficha
criminal.
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L ao começar a desconfiar que algum dos membros das famílias de um dos policiais
do caso poderia ser Kira instala câmeras na casa destes para observar o comportamento de
todos os membros (obviamente sem estes saberem, apenas com a anuência dos policiais).
Light, entretanto, descobre que está sendo observado e passa a “driblar” o sistema de
vigilância através de Misa, e do caderno da mesma.
Assim, se instaura uma grande batalha psicológica entre ambos, onde Light
desenvolve novas formas de utilizar o Death Note, bem como se utiliza de outras pessoas para
cumprir seus desejos, e assim segue com suas convicções. A situação apenas se complexifica
quando ele passa a trabalhar como investigador policial ao lado de L, após se graduar na
faculdade, e assim passa a investigar a “ele mesmo” sendo constantemente observado por L.
Ainda, serão trabalhadas noções básicas do que podemos entender como vigilância
contemporânea através da análise, por exemplo, da big data, redes de comunicação, sistemas
de monitoramento em presídios e até bancos de perfis genéticos a fim de contextualizarmos a
sociedade atual em meio a evolução da tecnologia.
Sob a ótica de Bentham (2000, p. 19) vários podem ser os propósitos para a inspeção
de um determinado número de pessoas, “[...] seja o de punir o incorrigível, encerrar o insano,
reformar o viciado, confinar o suspeito, empregar o desocupado, manter o desassistido, curar
o doente [...]”. O autor salienta também, que tais razões pelas quais os sujeitos foram para
estas casas podem inclusive ser controversas e incompatíveis entre si, mas que devem sofrer
os mesmos efeitos da principiologia da observação uma vez que todos esses objetivos podem
ser alcançados em conjunto, e ainda conquanto eles estejam lá, saber quais os motivos que os
levaram até lá é completamente irrelevante (BENTHAM, 2000, p. 20-34) desde que
observados os rigores necessários e a finalidade de sua inspeção seja atingida.
dentro desta teoria seria se cada indivíduo realmente estivesse nesta condição de observação
contínua, mas sendo isso inviável o que se deseja, portanto, é que o sujeito acredite
efetivamente que está nessa condição, ou seja, sendo observado a todo momento e assim se
crie uma sistemática onde não haja razão para o indivíduo pensar o contrário.
A ideia geral do autor sobre a estrutura da casa de inspeção é de que esta se trata de
um edifício circular, onde os apartamentos ou simplesmente celas dos prisioneiros ocupam os
arredores deste e que essas celas, são separadas entre si, para que não haja de forma alguma
comunicação entre os prisioneiros; o alojamento do inspetor fica no centro e a distância entre
este mesmo alojamento e as demais celas seria chamado de área anular ou intermediária. A
ideia é de que cada cela tenha uma janela grande o suficiente não só para permitir a entrada da
luz como também para que seja possível uma boa visão por parte do inspetor, além de
partições prolongadas que devem servir ao propósito de não permitir que haja possibilidade
dos presos terem contato visual. Ainda sobre as celas, elas serão naturalmente mais espaçosas
ou menos espaçosas de acordo com o uso que se planeja fazer delas (BENTHAM, 2000, p.
21-24).
No interior das celas se localizam grades de ferro, preferencialmente finas, que não
dificultem a visão do inspetor e entre estas um espaço razoável para uma porta, por onde se
dará a entrada do prisioneiro em um primeiro momento e que servirá também para o inspetor
e seus possíveis assistentes. É importante ressaltarmos a presença de lâmpadas próximas às
janelas e tubos de metal que passariam pela área anular e comunicariam o espaço onde o
prisioneiro se encontra e o alojamento do inspetor, bem como serviria também para atender as
possíveis instruções dadas pelo observador em questão ao prisioneiro. Estes tubos além de
evitarem o esforço de voz excessivo por parte do inspetor, resguardam o silêncio necessário
que se deve ter nas casas de inspeção e também, a possibilidade de haver uma multiplicidade
de inspetores e inspecionados (BENTHAM, 2000, p. 22).
Um sino, que funcionaria como espécie de alarme estaria suspenso no que o autor
denominou “campanário” e se comunicaria através de uma corda com o alojamento do
inspetor; acerca do aquecimento das celas, esse fenômeno ocorreria da seguinte forma: através
de tubos aos arredores destas cujo funcionamento (e a necessidade da criação do calor
artificial por si só) seria semelhante ao que ocorre nos viveiros, e as correntes de ar aquecidas,
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produzidas pelas fornalhas, entrariam em contato com os presos através de tubos internos
(BENTHAM, 2000, p. 23).
Bentham (2000, p. 24) discorre sobre as dimensões que acredita serem essenciais à
casa de inspeção e ainda salienta que se o edifício que for demasiadamente pequeno, a
circunferência não será grande o suficiente para permitir um número suficiente de celas.
Sobre a profundidade dos alojamentos, seria de 13 pés (aproximadamente 4 metros), enquanto
que, a distância do exterior do edifício ao alojamento seria de 32 pés (em torno de 10 metros).
Ainda temos que, segundo o autor, essa hipótese de edifício contará ainda com elevações e
medidas diferenciadas logo, cada andar comportará um número diverso de presos
(BENTHAM, 2000, p. 25-26).
O autor dispõe sobre a capacidade de lotação dos edifícios e entende que o número de
presos deve atender a finalidade ou propósito da instituição à qual tal edificação é dedicada; o
que é pertinente entendermos neste momento é o que Bentham (2000, p. 27) chama de “força
inspecional”, ou seja, a possibilidade de substituição de inspetores e suas respectivas rondas,
além da ideia de gratificação que seria criada aos presos com a existência de oportunidades de
se ter um arejamento através de áreas como, por exemplo, um “jardim-cozinha”. Ressalta-se a
todo momento a necessidade de uma vigilância constante também para a custódia segura dos
presos, vista como indispensável, uma vez que esta é o alvo de severas críticas a outras
proposições feitas na história.
Por mais que se crie uma ideia essencial de observação à qual o preso se condiciona
(mesmo que em um determinado momento ele não esteja sendo inspecionado) é necessário
que a inspeção seja feita sempre na medida em que atenda sua demanda de eficácia, afinal nas
palavras do autor “quanto maior for a probabilidade de que uma determinada pessoa, em um
determinado momento, esteja realmente sob inspeção, mais forte será a sua persuasão”
(BENTHAM, 2000, p. 30) e assim mais intenso será o sentimento que ele tem de estar sendo
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Outra vantagem na ótica do autor é a grande carga de problemas e desgostos que tira
dos ombros daqueles ocasionais inspetores de uma posição superior, tais como juízes e outros
magistrados (BENTHAM, 2000, p. 32). É interessante salientarmos que sob o ponto de vista
de Bentham a eficácia na vigilância não deve ocasionar enfermos (que poderia ocorrer por
exemplo pela alta quantidade de detentos); mas o receio que se cria entre os inspecionados já
é o suficiente para as medidas de coerção subsidiárias à inspeção se cumpram. Neste contexto
também, é necessário entendermos as diferentes finalidades as quais a inspeção pode se
destinar (BENTHAM, 2000, p. 35).
A casa penitenciária para Bentham (2000, p. 36) deveria ser planejada ao mesmo
tempo como um local de custódia segura e como um local de trabalho. Todos esses locais
devem necessariamente ser sob a ótica do jurista inglês, um hospital, uma vez que no mínimo
haverá pessoas doentes (mesmo que não se ofereçam meios para sua cura). Entre seus
propósitos devemos destacar seu caráter combatente a fugas, permitindo assim um grau de
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segurança que é raramente obtido na prática. Destaca-se também entre seus benefícios a não
aglomeração e tumulto de inspecionados.
Em termos econômicos o autor estudado afirma que faria tudo por contrato, como uma
cessão dos lucros, dos não lucros ou das perdas, àquele que, sendo em outros aspectos pouco
excepcional, oferecesse as melhores condições e ainda destaca a existência de contadores
responsáveis por relatórios que, quando publicados serão verdadeiros porque tendo o poder
para fazer qualquer coisa que lhe seja vantajosa, não há nada que seja de seu interesse
esconder; dada a punição por perjúrio, é evidente seu interesse em nada esconder
(BENTHAM, 2000, p. 39). Seria essa uma forma de inspeção dos próprios gestores do
Panóptico?
Ainda sobre os contadores surge o seguinte questionamento: que poderes ele terá em
suas mãos como meio de persuadi-los a adotar aqueles ofícios? Para Bentham (2000, p. 49):
“[...] a forma mais breve de responder a essa questão será dizendo-lhe que poderes ele não
terá [...] pois ele não poderá deixá-los (os inspecionados) morrerem de inanição e outros
descuidos por exemplo”. Sobre os responsáveis pela fiscalização e inspeção é necessário que
incida sobre estes uma lógica então de que sejam recompensados ou castigados por seus atos;
sem castigo ou sem lucro obtido por meio dos frutos de seu trabalho, como se pode assegurar
que um homem faça um único gesto de trabalho? (BENTHAM, 2000, p. 50).
será ocupado, e ele terá sua carne e sua cerveja, ou seja, lá o que mais seus ganhos lhe
permitirem”. Neste raciocínio o que resta então é pensar em formas que possibilitariam que os
observados aplicassem seu potencial máximo em seus ofícios, e para responder este
questionamento temos que o sujeito não fará um gesto sem conseguir alguma coisa, a qual ele
não obteria de outra forma e esse estímulo é necessário para que ele dê o máximo de si.
O trabalhador, por causa do estigma que lhe é atribuído em virtude de sua reclusão,
provavelmente terá dificuldade em obter emprego em outro lugar (BENTHAM, 2000, p. 54),
logo o autor prevê a possibilidade da manutenção do vínculo de trabalho, principalmente
àqueles que vieram de localidades mais pobres, cuja percepção da realidade é naturalmente
mais dura e escassa. Essa visão de certa forma pode ser analisada inclusive como uma medida
para economizar com este plano, afinal equipar uma casa penitenciária gera custos, mas
equipar igualmente a força motriz humana traz benefícios que sobrepõem estes gastos.
Uma prisão nesta lógica, como podemos observar então incluí um hospital; em prisões
construídas de acordo com este plano toda cela pode receber as características de um hospital,
sem que para isso seja necessária qualquer mudança (BENTHAM, 2000, p. 73).
Uma das cautelas que podemos destacar obviamente é a do estudo e de sua aplicação,
que decorrerá do ato de corrigir o rigor das inspeções entre os sujeitos, e ocorre com o
confinamento dos inspecionados divididos por telas a horas de estudo. Em relação a isso
Bentham (2000, p. 75) destaca que: “[...] aqueles pensamentos de arrependimento pela tarefa
irrealizada, aquelas lutas cruéis entre a paixão pelo brinquedo e o temor da punição não terão
vez aqui”.
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Neste ponto podemos concordar que a teoria certamente se difere da prática, e tal
entendimento é inclusive firmado pelo próprio autor que esteve sempre aberto a sugestões. O
que concluí é que as medidas apresentadas tem capacidade de preservar a segurança, e se trata
de um princípio geral e capaz de ampliar a visão humana sobre o que chamou de “um novo
estado de coisas” que é igualmente capaz de difundir-se pela sociedade civilizada
(BENTHAM, 2000, p. 84).
O modelo clássico de custódia pode até parecer natural para alguns, entretanto quando
consideramos a ampla variedade de propósitos aos quais este princípio pode ser aplicado e a
eficácia certa que ele promete cumpri-los, o que é passível de se questionar é que não só esse
plano nunca foi até o momento posto em prática de forma eficaz, mas que não se tenha em
algum momento sequer pensado em outro modelo (BENTHAM, 2000, p. 83).
De acordo com Perrot (2000, p. 127), o panóptico não é apenas um modelo de prisão,
mas também um plano exemplar para todas as instituições educacionais de assistência e de
trabalho, e se trata também de uma solução econômica para os percalços do encarceramento.
Nesse raciocínio o caráter mais surpreendente do panóptico é de fato a sua pretensão de servir
como uma espécie de solução uniforme para todas as instituições possíveis arquiteturas de
vigilância (PERROT, 2000, p. 159).
Para Miller (2000, p. 89), o panóptico não se trata de uma prisão, mas sim em um
princípio geral de construção através da vigilância, uma “maquina óptica universal” das
massas sociais. A leitura de Bentham para o autor sugere de forma clara e prática que o
panóptico não terá destinação única, servirá não apenas para aprisionar os indivíduos, mas
também servirá como escolas, asilos, hospitais etc.
O panóptico gera a situação onde todos os destinatários de sua aplicação, quais sejam:
o prisioneiro, o pobre, o louco, o estudante, o doente estão entregues a racionalidade e aos
dispositivos, afinal o panóptico acolhe os constrangidos e os leva a renunciar a toda iniciativa
(MILLER, 2000, p. 94).
O ato de circular é vedado, mas se necessário deve se dar por meio de turnos para que
não haja contato entre os habitantes, e essa é justamente a sistemática colocada em questão
pelo o autor: o ato da não comunicação, inclusive com os fornecedores, que estarão a cargo de
fazer o abastecimento dos cidadãos. O ato da inspeção é constante, há uma milícia
responsável por isso, logo torna-se imprescindível o funcionamento do que podemos chamar
de “quarentena”.
É interessante ressaltar que em uma das discussões suscitadas Foucault relata que para
concretizar-se o chamado “estado de natureza” pensado pelos juristas e magistrados os
governantes idealizavam a realidade pestilenta, afinal a peste segundo suas conclusões está na
base do esquema da exclusão, criando uma habitação humana simbólica. Ele aborda também
que o poder disciplinar utilizado no século XIX, como as casas de correção, penitenciárias,
asilos e institutos de ensino vigiados eram, mesmo com seus funcionamentos destinados a
finalidade diversas, formas de vigilância e controle individual funcional que operavam de um
modo duplo: o da marcação com a da divisão binária e da determinação coercitiva
(FOUCAULT, 1999, p. 165).
Logo podemos concluir que o panóptico é sim uma forma de projeção mesmo que
variável de uma realidade, e tem uma polivalência de aplicações e destinos. O esquema
panóptico é destinado a se “difundir no corpo social” e tem por objetivo tornar-se uma função
generalizada (FOUCAULT, 1999, p. 171).
A extensão das instituições disciplinares passa por diversos processos mais profundos
segundo Foucault (1999, p. 173-176) como: a) a inversão funcional da disciplina (com a
neutralização de perigos); b) a ramificação de mecanismos disciplinares (com
desinstitucionalização dos mecanismos em contrapartida da multiplicação da disciplina); e c)
a estatização dos mecanismos de disciplina – com a instrumentalização da vigilância
permanente.
O autor entende em meio as suas constatações que o ponto ideal da penalidade seria a
disciplina infinita, um interrogatório sem termo, um inquérito sem limite, fruto de uma
observação minuciosa e cada vez mais analítica (FOUCAULT, 1999, p. 187); a observação
por si só, prolonga-se, e a justiça então é “invadida” por métodos disciplinares e seus
processos. O que podemos questionar, portanto, é: Seriam as instâncias de vigilância uma
nova forma de encarar o instrumento moderno da penalidade? (FOUCAULT, 1999, p. 189).
Conclui-se com a leitura que a disciplina não é uma forma de instituição afinal, nem
um aparelho desta; mas sim, uma forma de poder (FOUCAULT, 1999, p. 177); e que neste
poder existem instâncias capazes de reforçar ou reorganizar seus mecanismos. Tal poder de
certa forma assume a presunção de espetáculo como também contribuí com profundas
mudanças no sistema jurídico através de sua capacidade de dar desuso a problemas de massa
(FOUCAULT, 1999, p. 183).
constante dos indivíduos. Foucault (1979, p. 62-63) entende que para que a disciplina ocorra,
é preciso vigiar o indivíduo durante todo o momento o submetendo ao que ele chama de
“perpétua pirâmide de olhares”. Desta forma, podemos entender a partir destes apontamentos
que a disciplina se trata, portanto, de um registro contínuo.
De fato, o poder em seu exercício vai muito mais longe, passa por canais muito mais
sutis, é muito mais ambíguo, porque cada um de nós é, no fundo, titular de um certo
poder e, por isso, veicula o poder. O poder não tem por função única reproduzir as
relações de produção. As redes da dominação e os circuitos da exploração se
recobrem, se apoiam e interferem uns nos outros, mas não coincidem (FOUCAULT,
1979, p. 92).
Foucault (1979, p. 92) visa com o panoptismo um conjunto de mecanismos que ligam
os feixes de procedimentos de que se serve o poder e entende que este foi “uma invenção
tecnológica na ordem do poder, como a máquina a vapor o foi na ordem da produção”, e essa
invenção foi utilizada inicialmente de forma com que se fez uma vigilância experimental. O
panoptismo não foi confiscado pelos aparelhos de Estado, mas estes se apoiaram nessa
espécie de pequenos panoptismos regionais e dispersos.
Foucault conta que estudando os problemas da penalidade se deu conta de que todos
os grandes projetos de reorganização das prisões retomam a temática de Jeremy Bentham,
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mas que ao mesmo tempo é importante ressaltar que antes do panóptico de Bentham já
existiam “modelos de visibilidade isolante” que ocorreram nos dormitórios da Escola Militar
de Paris em 1751, onde os alunos eram dispostos em celas que não permitiam seu contato com
os demais colegas. Mas, o autor conclui a partir disto que mesmo que o cerne do panóptico
seja anterior a Jeremy Bentham, ele efetivamente formulou a teoria a qual conhecemos hoje
(FOUCAULT, 1979, p. 115).
Bentham logo não teorizou somente uma figura arquitetural destinada a resolver um
problema específico, como o da prisão, o da escola ou o dos hospitais; para Foucault (1979, p.
116) ele anunciou uma verdadeira invenção que ele diz ser o “ovo de Colombo” e descobriu
uma tecnologia de poder própria para resolver os problemas de vigilância. O filósofo francês
entende também que Bentham é o complemento de Rousseau e nos traz o seguinte
questionamento: qual é o sonho rousseauniano presente em tantos revolucionários? Para isso
podemos ter como resposta prévia:
tais elementos assim na utopia de um sistema geral, de mecanismos específicos que realmente
existem (FOUCAULT, 1979, p. 126).
Para Poster (1990, p. 95), as diferenças entre discurso, escrita e linguagem eletrônica
estão amplificadas e esclarecidas em relação à temática da vigilância, a maior forma de poder
dentro do modo de informação; e ainda, a própria análise deste princípio é capaz de ilustrar a
importância da linguagem teórica e o papel dos meios eletrônicos na construção da sociedade
contemporânea.
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A linguagem promovida pelo modo de informar é onisciente para Poster (1990, p. 97),
que entende que em associação a isso o crescimento da tecnologia – que propiciou meios
eletrônicos – mediou linguagens, e novas formas de poder emergiram. Essas são formas que
enganam o conceito liberal de tirania e o conceito de exploração marxista, afinal a tirania é
um ato político de exercício do poder arbitrário.
Poster (1990, p. 97) esclarece que para os marxistas de forma geral a economia em si é
um ato de exploração que busca poder sem compensação, e que as formas de dominação
crescentes relativas ao modo de informar são formações linguais derivadas de complexas
manipulações de símbolos. Obviamente a tirania pressupõe um discurso, e a ideologia dos
marxistas busca traduzir tais noções de regras em interesse cru e nu das classes dominantes. O
que é pertinente destacarmos de seus ensinamentos em meio a tais alegações é que liberais
essencialmente buscam atos sociais ditos “reais”.
Poster (1990, p. 98) entende que a intenção da posição de Foucault é focar na interna
complexidade e os efeitos práticos da linguagem organizada, e a partir disso a comunidade
disciplinada se torna seu alvo. As análises de Foucault são convictas, porem podem ocultar
padrões de comunicação que associados a pratica podem definir caminhos à padrões de
dominação.
A disciplina e punição são conceitos que operam em pé de oposição para Poster (1990,
p. 99), que entende haver duas outras estratégias de interpretação na história das prisões: a) a
dos liberais, que entendem a prisão como melhoria de outras formas de punição; e b) dos
marxistas, que clamam a reforma de princípios basilares no sistema prisional.
Foucault por sua vez não se baseou em ideias ou ações quanto à origem das prisões, já
que se pautou na complexa articulação da “tecnologia o poder” (POSTER, 1990, p. 99-100).
Para ele a prisão opera de forma com que produz normas para dividir a população entre
aprisionados e não aprisionados, e que o objetivo da prisão é finalmente devolver aos
prisioneiros o status de não aprisionado novamente.
Poster (1990, p. 101) constata que Foucault pegou “emprestado” o termo panóptico de
Bentham, que se traduz na noção de que um vê muitos, mas denota todo um aparato de
definição de normas, observando a mudança entre o negativo em positivo e, estudou o
processo para se aperfeiçoar. Bentham por sua vez ilustrou no panóptico um artifício de
desmotivação da mente criminal e da “irracionalidade da transgressão” para moldar normas.
Para Poster (1990, p. 101) não há escape no panóptico, afinal mesmo quando o
indivíduo não está sendo observado ele deve aceitar a autoridade a ele imposta, afinal é um
sistema de imposição e de dominação que não opera de forma racional como espera-se de
perspectivas humanistas. Bentham na perspectiva do americano é um idealizador cuja obra
prima fracassou, e ele ainda questiona qual seria a utilidade de tal teoria se não reforma
efetivamente os prisioneiros. Para que serviria então?
33
O panóptico pensado no século XIX para Poster (1990, p. 101) teve incompletudes
quanto sua vigilância, pois falamos de um momento histórico onde a presença física ainda era
muito importante. A criminologia foi capaz de aperfeiçoar a lógica do panóptico no que tange
a análise do progresso dos observados, entretanto Foucault ignorou os avanços do século XX
na ótica do autor, onde mesmo em meio a condições de vigilância mais avançadas as pessoas
tornaram-se dados, números e a disciplina veio apenas logo em seguida.
panóptico impõe ainda disciplina a sociedade em se auto observar impondo uma nova
situação social e nova linguagem. Poster (1990, p. 104) afirma que:
Mathiesen (1997, p. 216) ao ilustrar o sistema de regras que regulam a vida do homem
pensado por Foucault, que controlam cada detalhe do aspecto comportamental humano se
questiona: o por quê dele ilustrar contrastes? Os contrastes citados se referem a diferentes
perspectivas de lidar com o cenário criado pela figura do “criminoso” ao longo das décadas;
agora, vislumbrava-se a punição observacional para além do corpo humano e da barbárie que
costumava instaurar-se em meio à sociedade.
terceira hipótese é admitida, a de que Foucault por fim, tinha como objetivo trabalhar a
perspectiva da mudança na ordem social e que, certamente esse era o seu ponto essencial.
Para o autor, o apelo às prisões na modernidade pode ser observado de certa forma
como uma “técnica de poder” e transforma o crime em objeto da intervenção penal; com as
transformações propostas a partir do panóptico e as sucessivas e divergentes visões de se
encarar questões acerca da vigilância é que se estabeleceu por consequência uma nova
construção social, pelo menos de forma introspectiva.
majoritária ver os VIP’s, os repórteres, as estrelas e quase uma nova classe de atmosfera
projetada (MATHIESEN, 1997, p. 219).
O pós-segunda guerra trouxe consigo inúmeros avanços, entre eles, os alçados pela
televisão, afinal o sinóptico básico caracterizado pela mídia até então, foi fundamentalmente
aperfeiçoado pela televisão que desenvolveu centenas de milhões de telespectadores que
poderiam ver os poucos nos palcos (MATHIESEN, 1997, p. 221). Primeiramente esse
37
A partir dos anos 80 tivemos grandes avanços com as tecnologias de vídeo bem como
as chamadas “tecnologias digitais”, que criaram novos caminhos de comunicação e formas
para tal e essa noção nos guia ao que Mathiesen (1997, p. 221) chama da privatização destes
canais com consequente descentralização deles em polos que desenvolveram assim muitos
sinópticos; porém, há de se ponderar que igualmente a esses sinópticos se demonstraram
muitos panópticos e sistemas de vigilância.
Para o autor neste ponto a sociedade estava se desenvolvendo de uma situação onde
muitos veem os poucos para uma concretude onde poucos veem muitos (MATHIESEN, 1997,
p. 222). Fica claro para Mathiesen (1997) que a visão histórica do panóptico de Foucault bem
como sua estrutura pode estar incorreta, uma vez que se trata de um resgate dos anos 1700 e
1800 onde a sociedade se portava de outra forma.
Mathiesen (1997, p. 223) entende que o panóptico era inquisitorial, mas dele provia-se
a manifestação do sinóptico por consequência, traçando assim uma interação ou fusão entre
ambos.
O Panóptico e o Sinóptico podem ser vistos nas antigas capelas das prisões dos anos
1800. Havia o panóptico, pois o ministro poderia ver todos os prisioneiros sentados
e isolados em seus estandes, mas ao mesmo tempo havia o sinóptico nestes
prisioneiros, que de seus estandes poderiam ver uma pessoa, o ministro no seu posto
(MATHIESEN, 1997, p. 223).
38
Nos tempos modernos essa interação se demonstrou de forma diversa já que agora em
segundo momento ambos se desenvolveram como base de métodos da articulação das
tecnologias, que “controlam os consumidores” (MATHIESEN, 1997, p. 224).
O que é possível de ficar claro é que para Mathiesen (1997, p. 226) o poder se
encontra na delimitação de grupos dentro da representação da nossa mídia em massa, logo o
que foi pensado por Foucault passa a ser uma microforma de poder, logo, um “micro poder”
que é necessário igualmente.
O que nos é pertinente ressaltar ainda dos apontamentos de Mathiesen (1997, p. 229) é
que vigilância é mais uma forma de controle, ou seja, implica na regulação do comportamento
ou atitude dos indivíduos; e assim, a disciplina pensada por Foucault é novamente mais um
sinônimo de tais termos.
Para Mathiesen (1997, p. 229-230) mesmo que Foucault tenha encerrado questões
acerca da punição física com seus discursos ele não “cessou o corpo dócil” do homem em ser
um objeto de atenção, o colocando em uma posição onde esse mesmo corpo se tornou a
máquina de poder a qual o princípio da vigilância explora. O sinóptico por sua vez, se utiliza
de outra máquina, a mídia em massa e a atenção que gera controlando não somente a
disciplina humana, como sua consciência (MATHIESEN, 1997, p. 230-231).
Ao analisar a obra Vigiar e Punir de Foucault, Ferreira (2014, p. 111) observa que se
tem a articulação da justiça criminal com a ciência na conformação de uma epistemologia
científico-jurídica que se funda em um conhecimento capaz de se apropriar do sujeito não
mais em seu corpo físico com se tratava nos tribunais anteriores; observa que o jurista francês
traz consigo um saber distinto de tudo até então, que toma por objeto a figura do delinquente e
o submete ao que chamou de “controle menos bárbaro e agressivo”, gerando assim efeitos
psíquicos que são internalizados de maneira com que o próprio corpo do sujeito comanda a
função da prisão, e sua mente tem papel fundamental na formulação de pretensões.
É importante ressaltar que podemos ver como a disciplina (quando aplicada com toda
sua eficiência) sob os indivíduos é capaz de se disseminar de maneira com que se torna imune
a singularidades, e ainda, é capaz de controlar a potência criadora humana para Ferreira
(2014, p. 113). O autor entende que hoje ninguém participa das experiências sociais e info-
comunicativas no ciberespaço sem que possua uma conta de e-mail e uma senha, ou seja, sem
que deixe rastros digitais para trás e que há inclusive riscos ao quais os usuários muitas vezes
não tem conhecimento; sobretudo quando se trata de aplicativos que se utilizam da
localização geografia do sujeito (FERREIRA, 2014, p. 117).
acarretar na outorga da privacidade e dos direitos sobre os usos que serão feitos destes dados
pessoais (FERREIRA, 2014, p. 118).
Com todas essas percepções, para Ferreira (2014, p. 118-119) o que somos capazes de
enxergar ainda é “ponta do iceberg”, que de certa forma é um problema que irá somente se
agravar na medida em que as liberdades individuais e a privacidade forem cada vez mais
ameaçadas pelo Estado e pelo mercado quanto à utilidade futura dos dados e das informações
que os indivíduos colocam em circulação sobre seus modos de pensar, de ser e de viver.
É interessante ressaltar que Foucault, em Vigiar e Punir dissertava sobre o que Cella e
Rosa (2013, p. 223) chamaram de mudanças no exercício do poder e trouxe consigo questões
pertinentes a uma mudança no paradígma penal com o modelo do panóptico através de
conceitos como a vigilância, o controle e a correção. A partir das ideias de Bentham, e os
ensinamentos de Foucault segundo os autores, se deu a inspiração para as formas de vigilância
atuais com um único observador que tudo vê, mas sem ser visto, de forma onipresente e
onisciente (CELLA; ROSA, 2013, p. 225).
Exemplos da vigilância moderna são recorrentes, mesmo que muitas vezes não
pareçam óbvios, e os autores destacam para ilustrar essa percepção a existência de programas
televisivos como o “Big Brother” cujo controle se estabelece pela ideia de necessidade
relativamente ao veículo de informação (CELLA; ROSA, 2013, p. 226). A web 2.0 por sua
vez possibilitou a inserção nas redes sociais, que conectam o mundo em que se tem acesso e
interação com outras culturas, realidades, costumes etc.; e ainda hoje, estar conectado é uma
tendência que se enraíza cada vez mais de forma profunda, tanto que:
Cella e Rosa (2013, p. 219) nos ensinam que a rapidez das informações supera a falta
de segurança, uma vez que são diários os casos de condutas ilícitas online, mesmo que muitas
vezes falte previsão legal para estas; e desta forma se coloca então a necessidade de se realizar
um estudo acerca da proteção de dados pessoais nestas condições. No Brasil, projetos de lei,
como a “lei de Azeredo” foram ceifados, entretanto já demonstravam uma preocupação com a
proteção destes dados pessoais em ambiente virtual, e esta lei especificamente tinha como
proposta o monitoramento cibernético (por parte das provedoras) dos usuários online
devidamente cadastrados. É preciso não só pensar o direito, mas também pensar se a
legislação que existe é eficaz e se o pensamento incorporado na sociedade atual a respeito do
tema dá suporte às necessidades sociais (CELLA; ROSA, 2013, p. 219).
43
Os bancos de dados para Poster (1990, p. 85): “são discursos em primeira instância,
por que eles afetam a constituição do subjetivo, são formas de escrever traços simbólicos que
se estendem a sua diferenciação, distanciação até serem colocados de forma digital em espaço
transferível e preservável”. Fidalgo (2001, p. 6), entretanto entende que do Super panóptico
pensado por Poster podemos vislumbrar nas plataformas virtuais disponíveis o crescente
desenvolvimento tecnológico pelo qual surgem novas identidades ou ao menos a resistência
às estruturas de dominação, o que é um risco que pode levar a desconstrução da racionalidade.
Para Vasconcellos e Sousa (2018, p. 400) deve haver duas hipóteses para considerar
atualmente o cumprimento da pena de um indivíduo por meio do monitoramento eletrônico,
ou seja, “uma liberdade vigiada”; esses são: a)a crise da pena na prisão tradicional ou b) uma
efetiva transformação no entendimento do estado acerca de qual seria a finalidade da pena.
É possível constatarmos que tal medida é alvo de discussões, uma vez que mesmo uma
tornozeleira, por exemplo, não implique em dano físico, ainda pode ser vista com uma marca
no corpo do apenado, ou mesmo um estigma (VASCONCELLOS; SOUSA, 2018, p. 401).
O ser humano carrega consigo o desejo de conhecimento, e tal inquietude faz parte de
sua natureza; esse fenômeno não é apenas relativo à autossatisfação humana, mas sim o
anseio de constituição do homem como pessoa. Agamben (2010, p. 46) nos ensina que o
termo “persona” significa máscara, e que é através dela que o indivíduo desempenha seu
papel na sociedade, juntamente com sua linhagem genética. Nessa lógica temos que a persona
se transforma em personalidade, que irá por fim ditar o espaço de desenvolvimento do agente
na vida em sociedade.
Com os bancos de dados, Wacquant (2004, p. 54) narra uma situação onde diversos
estados, que eram detentores de tais dados passaram a disponibilizar tais informações em sites
da internet, permitindo assim que qualquer indivíduo tivesse acesso sem a menor barreira
eletrônica quanto a informações judiciais de um condenado. Em outubro do ano de 1998, o
FBI (federal bureau of investigation) colocou em funcionamento nestes bancos de dados o
perfil genético de centenas de milhares de condenados, que com o encarceramento inseriam
ao sistema um conjunto de amostras de sangue e saliva à administração das penitenciárias, e
tal situação narrada na concepção do autor, é o que podemos chamar de fichamento genético
(WACQUANT, 2004, p. 55).
47
A partir destas noções é possível entendermos que os dados genéticos podem ser
considerados “dados sensíveis” e derivados de questões “extraordinariamente delicadas”
(FORNASIER; WERMUTH, 2015, p. 10) e podem incidir diariamente na rotina dos
indivíduos apresentando-se assim como ferramentas para arbitrariedades, que podem nos
levar a práticas discriminatórias.
O Direito Penal atualmente vive uma expansão quanto sua aplicação, afinal
presenciamos diariamente a flexibilização das garantias criminais com o desrespeito à
princípios constitucionais no que tange a antecipação da intervenção punitiva de nosso Estado
(FORNASIER; WERMUTH, 2015, p. 11). Para Fornasier e Wermuth (2015) busca-se na
contemporaneidade a análise de provas por intermédio de tecnologias avançadas, estas que,
aplicadas ao âmbito da criminologia buscam identificar, por exemplo, autores de fatos
delitivos por meio da criação de bancos de dados genéticos em países europeus e nos EUA.
No Brasil, podemos vislumbrar o uso de dados deste gênero por meio da lei nº
12.654/2012 (Lei de Execução Penal, para prever a coleta de perfil genético como forma de
identificação criminal), que para os autores acima citados está em fase experimental, afinal a
criação de bancos de dados de perfis genéticos pode ser vista sob uma ótica onde vislumbra-se
a criminologia atuarial, que buscava punir, intimidar ou reabilitar o indivíduo (FORNASIER;
WERMUTH, 2015, p. 13).
Fornasier e Wermuth (2015, p. 14) nos ensinam que a criminologia atuarial busca por
si só características recorrentes de um comportamento humano que seria tido como criminoso,
sob forma de preveni-lo; evidencia-se, entretanto, nestas categorizações uma racionalização
do homem em meio ao Estado.
Neste sentido, o sistema penal brasileiro alçado pelo Estado sempre esteve a favor dos
interesses das hegemonias conservadoras, sendo a imposição da ordem necessária para o
progresso e tendo o Direito penal sido um importante instrumento para gerir e disciplinar as
classes populares (FORNASIER; WERMUTH, 2015, p. 15).
Nessa lógica podemos questionar: qual a relação podemos estabelecer, portanto, entre
as digitais e a biometria humana e seu código genético? O que fica claro, desde já, é que a
nova identidade que emerge na contemporaneidade é a identidade sem pessoa. A redução do
homem à vida nua é atualmente a sua base de identidade no que tange seu reconhecimento
como cidadão; perde-se o nome ou nacionalidade para tornar-se logo, um número pertencente
49
Luhmann, uma vez que segundo o mesmo, a sociedade moderna é marcada por funções
diferenciadas que assumem a forma de subsistemas (LUHMANN, 1997, p. 67). Em sua teoria
ele apresenta uma visão distinta do mecanicismo ao entender que apesar da existência de
contingências no mundo certas funções e estruturas se condensam em ordens que acabam por
formar um sistema.
É possível entendermos, portanto, que imersos nesta lógica podemos conceber a noção
da sociedade como um sistema cognitivamente aberto a possíveis estímulos, mas ao mesmo
tempo operativamente fechado, e essa percepção é fundamental para a compreensão da
terminologia da autopoiese utilizada na teoria de Luhmann (FORNASIER; SILVA, 2018,
s.p.).
Rocha (2013, p. 336) nos ensina que os sistemas de Luhmann a partir da diferenciação
constroem o sentido, que parte da premissa da diferenciação funcional em meio aos sistemas
sociais e ainda que, o sistema é operativamente fechado para manter sua unidade e
cognitivamente aberto para poder observar sua diferença constitutiva.
(LUHMANN, 2000, p. 17). O direito irá dissertar, por exemplo, acerca da lógica do legal e do
ilegal enquanto que a ciência, por exemplo, é mais pragmática e irá falar sobre verdades e
falsidades, afinal a mesma é baseada em seu alto grau de falseabilidade e a possibilidade de
confrontação com o inverídico.
O ambiente é construído pela própria sociedade dentro das condições fornecidas pela
comunicação (se distanciando da normatização através de soluções); nem tudo que
individualiza o homem pertence à sociedade, afinal ela não se trata da soma das liberdades
individuais humanas, mas sim, de suas concordâncias e posteriores complementariedades.
Unicamente a consciência pode guiar a comunicação no caminho da autopoiese, e unicamente
a consciência pode realizar o “ruído necessário” para emergência e evolução social de acordo
com Luhmann (1997, p. 73), e acerca destas colocações é possível percebermos o caráter
evolucionista de seu discurso.
De acordo com Fornasier e Silva (2018), teorias legais que são produzidas pela
educação prática e a aplicação de leis objetivadas através de textos determinam a maneira a
qual o Direito se apresenta hoje, que não é nada a mais do que o resultado da interpretação, ou
53
seja, mais uma forma de comunicar. Neste contexto, é um produto do sistema legal
observando a si mesmo; entretanto, isso não significa que a capacidade reflexiva é a
definidora de sua unidade sistêmica ou do seu significado em si (LUHMANN, 2008, p. 84).
Estas teorias legais citadas são criadas em resposta à prática legal e sua necessidade de
concretização sendo combinadas a uma determinada expectativa gerada pela própria
existência da mesma, e assim, podemos a considerar mero produto de uma necessidade
humana.
Luhmann (1997, p. 67) trabalha com a ideia de um “sistema global”, onde as redes de
comunicação estão interligadas e as informações são parte de um processo de programação
atemporal. O mercado financeiro é volátil, derivado de instrumentos de maximização de
segurança instantânea; e assim ultrapassa as barreiras nacionais com a comunicação de fatores
econômicos e políticos dentro do sistema, trazendo consigo uma nova concepção da palavra
“internacional”.
Mas do que se trata a sociedade? O que queremos dizer com essa terminologia?
Luhmann (1997, p. 69) explica que a sua conceituação tem sido um dos estudos mais difíceis
da sociologia, e por esse motivo acredita que seu conceito deve abranger aspectos além dos
tradicionais, que desafiam os parâmetros de diferença e da unidade, que com a sedimentação
da hierarquia se tornaram um princípio secundário. Em sua construção teórica, ele apresenta a
ideia de que a sociedade não deve ser vista como uma raça apenas, e sim na implicação de que
se trata de algo que tem por objeto o bem comum de todos logo, o sistema formado por
comunicações, já mencionado.
Podemos observar a enorme flexibilidade estrutural no sistema, que pode ser chamado
de sistema racional, pois se trata da distinção e do espaço entre o sistema e o meio ao redor.
Nesse contexto se justifica o “preço da vida moderna” quanto aos impactos ao ambiente
externo e ao próprio homem no seu sistema natural; e em contrapartida se buscam soluções
para torna-la mais razoável. Porém, a nova concepção de modernidade emergiu e distinguiu
separando as funções sistêmicas de razoabilidade mencionadas anteriormente, e proclamou o
desenvolvimento e o custo necessário para o mercado se desenvolver cada vez mais
(LUHMANN, 1997, p. 75).
54
Teubner (1993, p. 19) entende que o Direito, por exemplo, como subsistema se
autodetermina em razão de sua autorreferência, e com isso assevera na ideia da circularidade
das relações jurídicas. O Direito, assim, iria recair em um ciclo contínuo que perpassa pela
evolução da comunicação até o saber legal jurídico.
[...] não conhecemos os limites de um corpo, seja visto como uma compreensão
positiva do poder hipnótico ou como uma compreensão Luhmanniana da ignorância
das miríades de pontos cegos produzidos a cada movimento. O pós-humanismo
requer humildade epistemológica e ambição ontológica (PHILIPPOPOULOS-
MIHALOPOULOS, 2015, p. 73).
A organização do ambiente social e físico pode vir a causar uma irritação dos sistemas
psicológicos, e assim, a partir de uma alteração nos sistemas psicológicos o indivíduo pode
alterar sua forma de se comunicar na sociedade (a ação do indivíduo é uma forma de
comunicar, via compartilhamento de sentidos).
55
Nicola (2013, p. 262) ao estudar Luhmann narra que as estruturas sociais são
concebidas como complexos sistemas que devem desmistificar uma expressiva quantidade de
problemas entre os sistemas e o ambiente, e que a abordagem de Luhmann é interdisciplinar,
afinal são utilizados inúmeros conceitos nos mais variados domínios do conhecimento
humano.
Uma observação muito pertinente acerca da teoria sistêmica à luz dos ensinamentos de
Luhmann é que as propostas do mesmo dizem respeito à observação sociológica, e que a
produção da comunicação é considerada a produção da sociedade em si; neste ponto a teoria
torna-se parte do objeto do qual se ocupa (NICOLA, 2013, p. 263).
A mídia por sua vez observa o crime e cria um espetáculo, e os sistemas selecionam de
acordo com o seu código. Logo, determinados tipos de crime são espetacularizados porque ao
serem observados pelo sistema social da mídia são por estes considerados como tendo alto
valor informativo (ou seja, estão adequados ao polo positivo do código informativo, não
informativo), e essa decisão é embasada em outras decisões passadas já tomadas pelo sistema,
que acabou criando para si próprio aquilo que é espetacularizavel.
O super panóptico vai se utilizar de técnicas de observação para criar o perfil de uma
pessoa através do recolhimento extenuante de dados, enquanto que o sinóptico vai criar um
modelo de comportamento na mídia que vai ser comunicado como modelo a ser seguido.
56
Entretanto, o sinóptico realiza o que se propõe a fazer? Possivelmente uma resposta para tal
pergunta se encontre nas discussões a seguir.
Para Nicola (2013, p. 260), a modernidade fez surgir uma sociedade emancipada,
alienada e desencanada, e que tais características indicam uma nova mentalidade social cujo
espírito recai na “desnaturalização” das relações sociais. Nesse cenário a sociologia como
ciência dessa sociedade passa a buscar seus fundamentos, e olhar sociologicamente para o
direito.
Em uma de suas retomadas históricas, Luhmann (2008, p. 24) conta que nos séculos
XVII e XVIII muito se falava sobre a principiologia da felicidade, que funcionava da seguinte
maneira: se você era satisfeito com sua condição desde o nascimento, poderia ser feliz em
toda sua caminhada ao longo da vida, afinal há mais chances de felicidade em si mesmo (e se
57
adaptando a suas condições) do que qualquer status pode oferecer. Ao fim deste período, se
deu a comercialização do mercado, inicialmente com a agricultura e por fim com a produção;
e com ela, a Revolução Industrial, que trouxe consigo uma “nova ordem social” com uma
nova “estrutura de classes” que não dependia mais da origem, mas sim da carreira e de seu
contingente de visibilidade. Essas mudanças trouxeram um novo panorama social: o da
legitimação do interesse, que com a variedade de produção gera a expectativa; e este aliás, é o
discurso da sociedade moderna.
O século XX para Luhmann (1997, p. 70) não trouxe felicidade, muito menos
solidariedade, e a reprodução da mídia de massa ocasionou uma maior discrepância entre
estes; em vão se disseminaram discursos de unidade alimentando utopias, gerando novos
desapontamentos, e assim carências pareceram reafirmar a necessidade na unidade do sistema,
mesmo entre tantas reformas estruturais.
As grandes massas, que almejam condições básicas de existência e que não têm acesso
a nenhuma das funções sistêmicas são suprimidas pelas classes dominantes, agora não mais
no fenômeno de hierarquização, mas sim, dentro dos conceitos de “exclusão” e “inclusão”. As
sociedades tradicionais exercem essas práticas “aceitando ou não” certo grupo em seu meio de
convívio, e elas excluem aliás, as massas através das funções do sistema; uma de suas funções
de acordo com o Luhmann (1997, p. 70) seria a de incluir os indivíduos em sua
movimentação, através da exclusão daqueles que não atendem as suas exigências.
Outra característica que serve para descrever a sociedade moderna como um sistema
funcional diferenciado sob a ótica de Luhmann (1997, p. 71) é que gera classes sociais, e
essas funcionam como um subproduto sem utilidade para as operações seletivas desse sistema
funcional. O pressuposto da estabilidade de fronteiras resulta como uma condição de evolução
que o torna ainda mais complexo. Neste ponto se chega à conclusão de que a sociedade deve
ser definida não por um estado idealizado de funções compensatórias, mas por limites de
operações, onde estes produzem diferenças entre o sistema e o ambiente.
58
Olhando para o futuro não podemos encerrar a lista de possibilidades; entretanto para
Luhmann (1997, p. 76) o pior cenário possível é pensar que em alguns séculos a sociedade
pode de fato aceitar o fator de exclusão, e isso guiaria a ocorrência de que alguns de nós
seriam pessoas de fato, e outros apenas indivíduos. Em diversas cidades, sobretudo as
grandes, podemos observar já a incidência desse fato com as favelas (que se organizam às
margens da construção do padrão ideal). Neste ponto, não é irreal esperarmos que a migração
de pessoas para esses espaços irá alimentar uma diferenciação, que irá ultrapassar questões
regionais, pois irá se tratar de um problema entre a sociedade sistêmica e a sociedade
mundial; e o próprio desenvolvimento humano e do meio que o cerca (LUHMANN, 1997, p.
77).
Neste contexto é ainda mais difícil de entender como estruturas podem ser mudadas e
por que é possível às vezes detectar a direção destas mudanças na diversificação de “espécies”
que amplificam a complexidade da sociedade. Com o crescimento da intensidade do
problema, a demanda instrumental utilizada para resolver o problema também aumenta e
assim surgem critérios. Evidentemente a evolução acontece apenas se a diferença e a
adaptação são preservadas no relacionamento entre o sistema e o seu entorno, meio ao qual
está inserido (LUHMANN, 2008, p. 231).
Para Neves (2012, p. 285), o Direito Ambiental e o Direito Social, dirigidos a inclusão
são formas de constituição secundárias de Direito da sociedade mundial, isso tudo em razão
dos preceitos jurídicos dos Direitos Humanos ainda serem muito frágeis, afinal na medida em
que são encaixados discursos morais acerca da inclusão da pessoa ou exclusão do homem
esses são barrados por discursos cuja mentalidade é voltada ao mercado e ao poder “regular e
sistemático”. Assim, estes mesmos discursos permanecem como simbólicos
predominantemente em plano internacional.
De acordo com Neves (2012, p. 288) essa fragmentação exposta, não significa nada
sob o ponto de vista da integração sistêmica e a questão que se coloca é: como integrar esses
fragmentos em uma ordem diferenciada de comunicação? Como se podem construir relações
de interdependência entre os fragmentos? Para o autor, essa é a questão fundamental da
integração sistêmica.
Neves (2012, p. 289) cita Luhmann ao mencionar que para ele a integração sistêmica
se tratava da “redução dos graus de liberdade de subsistemas ou para seleções” e assim,
trabalhava afinco a interdependência dos sistemas bem como a dependência dos agentes para
com os sistemas sociais.
Logo, o transconstitucionalismo para o autor pode oferecer uma transição entre ordens
jurídicas, bem como se apresentar como uma estrutura reflexiva que poderá guiar o sistema
61
jurídico à solução de problemas complexos no que tange a sociedade mundial por oferecer
modelos normativos para sanar relações conflitantes entre os sistemas (NEVES, 2012, p.
288).
Neves (2012, p. 290) apresenta uma perspectiva muito interessante ao afirmar que
apesar de se reconhecer que o Direito internacional constitui uma técnica hegemônica em
relação aos interesses e privilégios, propõe-se uma compreensão do mundo internacional
como uma comunidade política.
O autor nos ensina que a promoção da inclusão juntamente com a confrontação do que
mencionamos ser a corrupção sistêmica em meio à sociedade mundial encontra melhores
condições no transconstitucionalismo do sistema jurídicos (NEVES, 2012, p. 293).
A história do Direito dos tempos mais remotos até agora para Luhmann é comparável
com a própria existência da sociedade em si, que sempre teve que coexistir de forma
ordenada, e por isso é algo facilmente memorável. Inicialmente os debates eram acerca dos
procedimentos que o Direito se utilizava para se materializar, mas hoje o foco se concentra na
preocupação em relação as decisões judiciais e suas motivações (LUHMANN, 2008, p. 53). A
experiência social advinda de casos que passaram por uma corte são utilizados de forma com
que motivarão decisões ou conflitos futuros, e embasarão argumentos e teses.
Nessa lógica temos que Rocha (2013, p. 335) por sua vez, assevera que: “o direito é
assim, a estrutura de um sistema parcial da sociedade que se baseia na generalização
congruente e expectativas comportamentais normativas”.
63
local de atividade humana. Nesse sentido, o cenário jurídico é uma “ecologia mental,
natural e cultural”, a natureza (no sentido da terra) e o movimento de o social
(PHILIPPOPOULOS-MIHALOPOULOS, 2015, p. 93).
O trabalho em torno de teorias legais, doutrinas, princípios e noções não devem ser
vistas como o trabalho de um profissional defendendo a si do criticismo, ou o ato de justificar
suas próprias ações através de um simbólico processo de legitimação de funções. Essas
interpretações teóricas não querem se restringir à dogmática, pois passam a combinar a
hermenêutica, teorias sistêmicas, a retórica e a argumentação (LUHMANN, 2008, p. 85).
A falta de um perfil “limpo” não significa que a de teoria legal dispensa um conceito
básico, por conceito básico Luhmann (2008, p. 86) explica que se refere a um conceito que é
definido por si mesmo, ou seja, um curto e rotativo que leva ao caminho da autorreferência.
Desta forma, entre normas e fatos há uma distinção que não deve ser confundida ou tratada
levianamente, e essa acepção nos mostra que a teoria legal é subordinada a si mesma no
sistema legal.
Os filósofos de vários períodos diferentes para Luhmann (2008, p. 87) têm estado
preocupados com questões que eram tão abstratas que ninguém imaginou que advogados ou
juristas (e até mesmo pessoas envolvidas de certa forma com questões jurídicas) estariam
interessadas, e uma destas questões, por exemplo, é a própria obediência ao Direito. Isso é
uma questão que definitivamente ninguém espera que o sistema legal vá responder
positivamente, afinal há a obrigação quase que implícita de se obedecer à lei, caso contrário o
“direito” e a “lei” iriam entrar em colapso em si mesmos. Nessas situações a classificação
teórica da questão da obrigação pode ser de grande ajuda para entender até o mais concreto
caso.
Talvez seja possível concordarmos que pelo menos em um ponto não há nada que se
possa ganhar discutindo acerca de natureza ou essência das leis enquanto que a questão que
deveria ser respondida é: há limites para o Direito? (LUHMANN, 2008, p. 57). Essa questão
65
aponta para o velho e bom dilema dos limites analíticos e concretos, sendo que eles são
definidos por quem os observa ou pelo objeto em si. Chegamos assim em um ponto onde
passamos a tratar da interdisciplinaridade e a abordagem internacional da teoria legal, que
pode ser exercida ou extraída de grandes distâncias.
As forças policiais, por exemplo, podem ser vistas como organizações internas do
sistema da política, agindo conforme ideologias que são direta ou indiretamente endossadas
pelo Estado. No Brasil, em especial, além da forte presença no sistema político de racismo e
conservadorismo, a insegurança criminal tem a característica de ser agravada pela “invenção
das forças da ordem”, ou seja, o uso contínuo e diário da violência letal pela polícia miliar, e a
tortura mascarada por artefatos que fazem os suspeitos “confessarem”, o que poderia explicar
também o alto índice de desaparecimentos (WACQUANT, 1999, p. 5).
[...] encorajam todos aqueles que podem buscar soluções privadas para o problema
da insegurança – barricadas em bairros fortificados, guardas armados, vigilância
tolerada e até encorajada por parte dos justiceiros e das vítimas de crimes – o que
tem por principal efeito propagar e intensificar a violência (WACQUANT, 1999, p.
6).
Wermuth (2011, p. 29) nos ensina que na medida em que cresce a insegurança entre a
sociedade, cresce a preocupação com a criminalidade e principalmente com o crime
organizado; e os atentados de 11 de setembro de 2001, provam por si só como o sentimento
de insegurança modificou o cenário mundial. Desde então as políticas norte-americanas se
voltaram para a segurança e a prevenção para estas espécies de eventos.
No início dos anos 2000, Wacquant (1999, p. 20) nos conta que a o tratamento policial
da miséria fascinou um leque de eleitos enquanto que uma série de assassinatos no centro de
Milão deu um novo impulso ao pânico midiático ao redor da “criminalidade dos imigrantes”.
Assim, deu-se origem a uma série de medidas repressivas inspiradas na legislação recente da
Inglaterra, que adotava por sua vez uma alta criminalização dos delitos, mesmo que de baixo
potencial ofensivo, e assim surgiu a “tolleranza zero” (WACQUANT, 1999, p. 21).
Wermuth (2011, p. 31) destaca que o direito penal passa então a ser visto como órgão
orientador, visto que vivemos em uma sociedade onde as dificuldades de orientação cognitiva
são cada vez maiores; neste contexto, a sociedade se alarma ao constatar a urgência de
controle e vigilância, construídos socialmente como obsessões, e por consequência gera a
busca pela segregação de grupos de risco, e tais exclusões são vistas como urgências. Essas
exclusões também geram grande distinção entre os indivíduos que podem ou não participar
destes processos, afinal é em um momento destes em que as camadas sociais são reafirmadas:
entre aqueles que podem custear sua segurança e aqueles que são vistos como a insegurança
em si (WERMUTH, 2011, p. 32).
Assim, o futuro para Wermuth (2011, p. 33) é uma marcante ideia de risco de forma
com que é com base nele que as ações presentes sempre são pensadas também para evitar
futuros riscos. Neste contexto, o autor aborda a ideia de “administrativização do direito
penal”, que traz uma valorização do incremento punitivo e assim a política criminal ganha seu
espaço para então dar respostas a nosso apelo pelos riscos que sentimos.
Wacquant (1999, p. 49) nos ensina que os Estados Unidos pós-guerra se consagrou
como potência econômica e com isso gerou fascínio com sua prosperidade econômica a redor
do mundo, se tornando até mesmo um padrão econômico a ser seguido; entretanto, é
necessário considerarmos que houve uma forte redução de gastos sociais para tal feito,
mudança nos critérios de avaliação para a contratação de funcionários, a instituição da
inflexibilidade salarial e da própria demissão, bem como a erradicação de sindicatos e de
benefícios sociais. Com isso, por consequência, ocorreu o que podemos chamar de “dumping
social” onde em contrapartida ao avanço econômico estatal, a precariedade e a pobreza de
massa aumentaram; a insegurança social foi generalizada bem como a prosperidade perdeu
espaço para o crescimento das desigualdades e da forte segregação, que historicamente
sabemos que gera a criminalidade em razão do desamparo das instituições públicas
governamentais (WACQUANT, 1999, p. 49).
Uma das justificativas mais plausíveis para a utilização política do direito penal para
Wermuth (2001, p. 57) encontra-se no fato de por meio dele o legislador adquirir uma "boa
imagem” em face da sociedade, bem como o simbolismo penal que se apresenta como
alternativa barata para a articulação de problemas sociais. A legislação penal logo, se
apresenta como matéria conveniente à política que assume sua forma de espetáculo ao parecer
sanar os problemas sociais, ou buscar resolvê-los (WERMUTH, 2011, p. 59).
De acordo com Wacquant (1999, p. 24) uma das consequências dessa tolerância zero
já propagada internacionalmente é a desconfiança gerada entre as comunidades afro-
americanas, afinal pesquisas da época revelavam que 72% das pessoas pertencentes a essas
comunidades consideravam as forças policiais locais agressivas, hostis, violentas e perigosas.
Com a política da tolerância zero propagada pela política da qualidade de vida ocorre a
sobrecarga dos tribunais (WACQUANT, 1999, p. 25) e ao mesmo tempo os índices de
encarceramento sobem nos Estados Unidos, principalmente de infratores que praticaram
delitos de menor potencial ofensivo.
Logo, para Wacquant (1999, p. 34) fica claro que a exportação destes temas acerca de
teses sobre a segurança incubada nos Estados Unidos serve apenas para reafirmar a influência
moral da sociedade sobre os “maus” pobres e de disciplinar o subproletariado; tal situação
gerou apenas a ramificação de sistemas de segurança privada onde as classes menos abastadas
sofrem novamente pela impotência econômica e vexame social (WACQUANT, 1999, p. 35).
71
[...] a todo momento, mais de um terço dos negros entre 18 e 29 anos é ora detido,
ora colocado sob a autoridade de um juiz de aplicação de penas ou de um agente de
probation, ou ainda está à espera de enfrentar um tribunal. Nas grandes cidades, essa
proporção ultrapassa frequentemente a metade, com picos em torno de 80% no seio
do gueto (WACQUANT, 1999, p. 61).
Wacquant (1999, p. 71) nos conta que uma ocorrência muito similar de exclusão é
notada na Alemanha com os “ciganos” provenientes da Romênia, uma vez que os índices de
encarceramento destes era mais de vinte vezes superior a dos cidadãos locais, os marroquinos
oito vezes e os turcos até quatro vezes. Na França foi possível observar uma crescente leva de
estrangeiros da mesma forma, e houveram também pesquisas acerca do tratamento
diferenciado dos estrangeiros e dos nativos no sistema carcerário, o que Wacquant (1999, p.
72) chama de “desproporcionalidade etno-nacional”.
p. 76) onde tal face jurisdicional serve contra aqueles percebidos pela camada bem inserida
socialmente como “potencialmente perigosos”, “sem-teto”, “sem-documento”, mendigo,
vagabundo etc.
De acordo com Wermuth (2011, p. 62) o direito penal na contemporaneidade não pode
mais deixar de dar respostas à sociedade, e justamente dessa noção surgem teorizações como
a do Direito Penal do Inimigo, de Gunther Jakobs. Nessa ótica, portanto, podemos perceber
que é através da sanção penal atribuída ao criminoso que a sociedade pode seguir confiando
no direito, dada a imposição da pena (WERMUTH, 2011, p. 63).
Entretanto, através dos ensinamentos de Wermuth (2011, p. 67) podemos entender que
há uma grande controvérsia no discurso do direito penal do inimigo, uma vez que esse
entende que o infrator não é reconhecido como pessoa por ser receptor de seus preceitos; mas,
neste ponto reside um grande problema: para o direito ser infringido para o posterior
aparecimento da figura do inimigo este só pode ser infringido por quem seja destinatário de
suas normas, ou seja, um cidadão.
Diante das exposições acima fica claro que grande parte das intervenções punitivas da
contemporaneidade antes de almejar a solução dos problemas da criminalidade buscam
diminuir as inquietações populares frente à insegurança (WERMUTH, 2011, p. 75).
Atualmente não se considera mais o pequeno delinquente como um ser socialmente
desprovido de recursos e marginalizado muitas vezes pelo contexto social que vive e da
73
opressão social que sofre, mas sim são percebidos como inimigos internos, ou seja,
proprietários de interesses egoístas e imorais.
O sistema econômico se mantém em movimento onde aquele que tenta manter sua
propriedade, irá perder sua fortuna, enquanto que aquele que procura mantê-la e ao mesmo
tempo aumenta-la terá que investir de maneiras diferentes no mercado dia após dia
(LUHMANN, 1997, p. 68). Essa plataforma nos leva a problemas de diversas naturezas
dentro das políticas sociais, e os intelectuais estão desenvolvendo cada vez mais instrumentos
dentro deste “denominador comum” que é a pós-modernidade.
Uma das razões pelas quais o presente continuo se difere dos séculos passados é a
inclusão da ruptura, uma vez que o presente necessita de tal ruptura; a ruptura é necessária à
técnica da sobrevivência em troca de inclusão (PHILIPPOPOULOS-MIHALOPOULOS,
2015, p. 19) e viver junto (seja uma família ou grupo de pessoas) sempre foi um paralelo da
própria exclusão; até mesmo nos tempos mais remotos, o perdão e a serventia divina ditavam
parâmetros de exclusão e inclusão social.
74
Wermuth (2011, p. 37) narra que a sociedade complexa, com incrementados riscos
sociais em decorrência de sua contingência configurada na contemporaneidade é uma forma
de gerar mais medo, porém combateremos o medo gerando mais medo? Em virtude disso que
a desigualdades globais são cada vez mais evidentes, criando dois status de seres humanos: os
incluídos em uma economia globalizada de um lado, e do outro os carentes de identidade; e
essa dicotomia resulta em “aqueles que produzem o risco” versus “os que consomem
segurança” (WERMUTH, 2011, p. 38).
Isso é dizer que a alternativa entre o tratamento social da miséria e de seus correlatos
– ancorado numa visão de longo prazo guiada pelos valores de justiça social e de
solidariedade e seu tratamento penal – que visa às parcelas mais refratárias do
subproletariado e se concentra no curto prazo dos ciclos eleitorais e dos pânicos
orquestrados por uma máquina midiática fora de controle [...] (WACQUANT, 1999,
p. 4).
75
A estética dos bairros das grandes cidades brasileiras revelam as desigualdades sociais
na qual encontramos no Brasil por exemplo. Os bairros centrais são mais valorizados
enquanto que as áreas marginais são caracterizadas pela crescente degradação. As áreas mais
76
Luhmann (2000, p. 1) nos ensina que muito do sabemos sobre nossa sociedade temos
conhecimento da informação em razão da mídia em massa, e nós sabemos tanto sobre a
mesma que não sabemos confiar nela, afinal a maneira com a qual a sociedade a conduz gera
a suspeita de manipulação. Ela é, nada mais além um efeito da diferenciação funcional da
sociedade moderna.
Quando falamos de mídia em massa, para Luhmann (2000, p. 2) isso inclui todas as
instituições da sociedade das quais fazemos o uso de tecnologias para copiar e posteriormente
disseminar comunicação, ou seja, livros, revistas, jornais e quaisquer plataformas de
comunicação, até mesmo transmissões ao vivo. A disseminação da tecnologia dentro das
mídias em massa impactou a economia e foi capaz de construir operações comunicativas que
permitem a diferenciação e o fechamento operacional do sistema (LUHMANN, 2000, p. 2).
Para Luhmann (2000, p. 15), o sistema da mídia em massa traz consigo consequências
que geram diferenças sistêmicas ao ambiente, que se fecha operacionalmente. Para a
77
O que alimenta a estrutura de comunicação gerada pela mídia, para Luhmann (2000, p.
9) é a necessidade da sociedade em obter informação. Cada sistema da mídia em massa
funciona de forma com que se presume que cada comunicação irá continuar dentro da
próxima hora ou do próximo dia, e cada programa gera a promessa da existência de outro
programa (LUHMANN, 2000, p. 11).
Para Bourdieu (1997, p. 24), os jornalistas têm “óculos” especiais que lhe servem para
verem coisas determinadas e não outras, e até mesmo as enxergar a partir de um viés e não
considerar outros; assim eles trabalham ativamente na seleção do que é publicado. O autor
ainda considera que a televisão em especial busca a dramatização, exagerando a importância
ou gravidade de certos eventos, elevando o teor trágico de outros, e assim segue.
momento em que se gera um interesse nele por parte da mídia é necessário então tecer ou
simplesmente moldar o perfil do mísero.
Nunca se teve tanto medo como hoje, e nunca se gerou tanta incerteza entre as
pessoas, e a mídia se apresenta desta forma como veículo que anuncia os novos perigos que se
apresentam diariamente e que conseguem escapar de nossas percepções e desafiam nossa
atenção. Para Wermuth (2011, p. 37), na realidade contemporânea, com o advento de novas
tecnologias se prescinde-se os “corpos dóceis” narrados por Foucault.
Wermuth (2011, p. 43) nos ensina que se as prisões panópticas testaram os limites da
rotinização da conduta humana, as prisões contemporâneas constituem “laboratórios da
sociedade globalizada”. O crime na sociedade contemporânea bem como a segurança podem
ser transformados em produtos (WERMUTH, 2011, p. 44) enquanto que uma das principais
características da sociedade globalizada é a grande influência dos meios de comunicação de
massa nos processos de informação de opinião pública.
Wacquant (1999, p. 43) conta que na obra de Sophie Body-Gendrot “As cidades diante
da insegurança: guetos americanos nos bairros franceses” sugere um pensar ainda mais
rigoroso dentro da esfera penal, e em um dos excertos do texto sugere a opção da pura
repressão apontando demais pesquisas. Para o autor, neste contexto se encontra dados iniciais
não comprovados afinal uma pesquisa por si só pode geral falsas alternativas, correspondentes
de uma lógica pautada na repressão, e assim interpela o cidadão-leitor (WACQUANT, 1999,
p. 44).
80
Bourdieu (1997, p. 29) afirma que a televisão, por exemplo, se desprende de ser
apenas um instrumento de registo para tornar-se um de criação de realidades, se tornando o
“árbitro do acesso a existência social” buscando um índice de audiência – o “deus oculto”
desse universo que reina sobre consciências (BOURDIEU, 1997, p. 34). A televisão é um
universo em que se tem a impressão de que os agentes sociais são marionetes de uma
necessidade que é preciso descrever, de uma estrutura que é preciso tornar manifesta e “trazer
a luz” (BORDIEU, 1997, p. 54).
Para Wermuth (2011, p. 46), as imagens aliadas às legendas dizem o que é preciso
compreender e assim, aqueles que trabalham na mídia se transformam em “pequenos diretores
de consciência”. O autor nos ensina que desse fenômeno surge um perigo, diretamente do fato
de que a mídia em massa impõe a sociedade uma forma “peculiar” de enxergar o caso fático;
e esse perigo se potencializa, pois o poder midiático é capaz de gerar mobilização social. Se
trata da sociedade que traça o perfil do criminoso que quer ver atrás das grades e vibra quando
isso acontece, e da mídia que por sua vez transforma isso em mercadoria.
sempre a possibilidade do falseamento de dados para gerar alarde ou vender o produto, e isso
implica novamente na comoção ou repressão social.
Para Wermuth (2011, p. 49) o caso Isabela Nardoni no Brasil ilustra muito bem e de
forma clara como a mídia em massa, na perspectiva nacional, explora o crime e a
criminalidade e serviu como espetáculo midiático por meses consecutivos – marcados
especialmente pelas pressões populares. Exemplos como esse nos demonstram como o
discurso midiático acerca da criminalidade se move por si próprio (WERMUTH, 2011, p. 50).
Para Luhmann (1997, p. 75), a ciência já não se diferencia ou se divide de acordo com
fatores étnicos, culturais ou regionais, mas sim em disciplinas e núcleos de pesquisa, e estas
mudanças ao redor do mundo merecem atenção, pois ocorrem simultaneamente, trazendo
consigo inovações nos mais variados campos do conhecimento como a tecnologia por
exemplo. Os grupos religiosos e fundamentalistas emergem no cenário global trazendo
consigo conflitos de interesse, e cabe ao Estado usar de seus aparatos para buscar meios com
os quais possa se adaptar a estes acontecimentos.
Dadas essas condições, não é mais garantido que esses desenvolvimentos estruturais
vão permanecer compatíveis com a função dos sistemas; a ciência, por exemplo, não tem
conhecimento certamente de todos os riscos de suas decisões, e a física, por sua vez tornou
possível a construção da bomba atômica. Assim a economia encontra vantagem na utilização
de tecnologias de ponta (LUHMANN, 1997, p. 76), e abre com um oceano de novos riscos,
sobretudo sociais. A nova centralidade dos mercados internacionais (que correspondem à
marginalização da produção) nos guiam a uma perda de empregos, e seduz os políticos a
prometerem trabalhos.
82
Em seus estudos científicos Lombroso (2006, p. 50) observou que nas regiões
mediterrâneas da Itália, os criminosos pesavam cerca de cinco quilos a menos que a média de
homens local com um peso considerado saudável para a época, podendo assim serem
considerados indivíduos franzinos. Também se trabalha a visão de que ladrões eram notáveis
por suas expressões faciais suspeitas, testas inclinadas, pequenos olhos, poucos pelos faciais,
entretanto grossas sobrancelhas; enquanto que estupradores geralmente possuem orelhas de
“jarro” para o autor (LOMBROSO, 2006, p. 51).
Para Lombroso (2006, p. 52) assassinos possuem olhares frios, narizes largos e
maxilar “forte”, bem como bochechas “amplas”; a característica mais notória em tal estudo
cientifico e amplamente divulgada até hoje, são os caninos protuberantes, característica mais
comum entre todos os seres analisados em sua pesquisa. Outra observação interessante na
época foi a conclusão de que a maioria desses sujeitos possuíam peles “macias” e algumas
características até mesmo infantis (LOMBROSO, 2006, p. 53).
Para Santos (2012, p. 7209), o homem delinquente apresentado por Lombroso acarreta
perigos provenientes de uma ciência sem consciência, que permitiu que o sistema penal se
direcionasse para a punição de indivíduos determinados como os pobres, os negros, e os
considerados feios e indesejáveis.
Embora a teoria de Lombroso nunca tenha sido comprovada por ter sido situada no
século XIX não foi pelo seu caráter cientifico que ganhou tanta notoriedade (SANTOS, 2012,
83
p. 7210); seu sucesso teria se dado a utilidade social e política por permitir aos Estados
totalitários mecanismos viáveis ao controle social punitivo, eficazes para eliminação e
posterior exclusão de pessoas.
Para Santos (2012, p. 7210) em razão da teoria do criminoso nato, muitos são vistos
como incorrigíveis e assim a responsabilidade penal passa a ser social onde o direito penal se
desprende do fato para se apegar a periculosidade oferecida pelo criminoso.
Em uma época onde o evolucionismo de Darwin com a seleção natural das espécies,
pesquisas em torno da transmissão genética de características dos indivíduos bem como com a
criação do conceito de “eugenia”, estatística e antropometria existiam veio Lombroso (2012,
p. 7213).
Assim, o método utilizado por Lombroso estava em consonância com o que se fazia
numa época em que se necessitava racionalizar as desigualdades sociais e reformular
o conceito de liberdade. O desenvolvimento do capitalismo demonstrou as
contradições sociais e precisava de novas bases ideológicas para sustenta-las. Para
cumprir esse objetivo, conforme Rosa Del Olmo, o racismo teve um papel
importante: os pobres eram pobres porque eram biologicamente inferiores. E essa
afirmação poderia ser feita agora, apoiando-se na ciência (SANTOS, 2012, p. 7214).
Foi estudada por uma ministra americana nos anos 90 a possibilidade de estender esse
“fichamento genético” de criminosos comprovados ao conjunto de pessoas detidas pela
polícia, que seriam cerca de 15 milhões de americanos por ano (WACQUANT, 1999, p. 55),
entretanto isso acarretaria em ocasionar o que o Wacquant (1999) chama de “apertar o laço do
nó penal” ao redor de parcelas subdesenvolvidas, e da classe trabalhadora que se encontrava
desestabilizada em razão da falta de amparo e proteção social.
Para Wacquant (1999, p. 55) essa situação, portanto, acarretava em uma inversão de
valores, afinal não mais servia para inserir um agente infrator novamente a sociedade, mas
sim a submeter as pessoas de um determinado grupo social a uma vigilância intensiva e a uma
disciplina meticulosa, que alimenta a iniciativa do setor privado no encarceramento, conforme
o seguinte trecho:
CONCLUSÃO
agora com um olhar mais cientifico acerca das teorias sociológicas voltadas as questões
acerca da penalidade em nossa sociedade.
Este sentimento de que haja uma “punição” pode ser visto como razoável em meio a
toda esta emergência em nome do medo, o direito penal passa a então a ser visto como órgão
orientador, visto que vivemos em uma sociedade onde as dificuldades se apresentam de
formas cada vez mais expressivas. Neste contexto, a sociedade se alarma ao constatar a
urgência de controle e vigilância e isso agrava por si só a exclusão social, que é uma forma de
resposta ao medo.
A mídia por sua vez exerce um papel fundamental neste cenário por ser capaz de
espetacularizar o crime, agravar situações e dar sua leitura particular de determinada situação;
a busca incessante pelo “furo” é capaz diversas vezes de obstruir certos limites. Existe uma
grande diferença entre as inseguranças diárias provocadas por delitos e crimes e todo o
sentimento folclórico criado socialmente, e a mídia evidencia.
A liberdade de imprensa mudou a forma com a qual a política passou a ser promovida,
e revelou a hipocrisia dentro do meio; o estado de produção contou com novos problemas de
supervisão legal que guiou à deformação de doutrinas que disciplinavam a previsibilidade de
tais legalidades e, em outra mão, a legislação correspondente das cortes afetou a política de
formas com que tornam mais difícil continuar conceituando-a como “democrática”.
Se já não bastasse toda essa estratificação social que nossas inseguranças geraram, a
sociedade é marcada pelo preconceito. Convivemos com as diferenças as negando
diariamente e as criminalizando.
o estado punitivo ao restitutivo, e o enrijecer. Até o presente momento nos estudos realizados
a vigilância se coloca como barreira inconsciente nas pretensões humanas.
O super panóptico vai se utilizar da vigilância para traçar o perfil de uma pessoa
através de um banco de dados, enquanto que o sinóptico vai gerar um modelo de
comportamento na mídia a ser seguido. Tal questionamento feito ao longo da monografia foi
capaz de ser respondido na sequência, e sim, o sinóptico pode operar de forma a moldar um
molde comportamental principalmente através da mídia.
A vigilância policial por sua vez incide nas consequências históricas da hierarquização
de classes e da intensa estratificação social conforme as pesquisas, e nesse contexto as pessoas
“de cor” são submetidas a condições mais duras e severas.
Por fim, conceitos impressos acerca do perfil do homem delinquente são conceitos
sociais e políticos, e que acabam por se propagar ao judiciário, entretanto não são capazes de
serem constatados por outras áreas da ciência. Não há perfil concreto, e o criminoso não
existe verdadeiramente, apenas em circunstâncias derivadas do etiquetamento social do
criminoso; o que temos em meio ao caos social que existe em meio aos sistemas e pautado na
vigilância não são criminosos e sim criminalizados, cujas condições pessoas muitas vezes se
comunicam com suas posteriores condutas.
91
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