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HISTÓRIA A – 10.

º ANO
Módulo 3 (APONTAMENTOS)

1. A geografia cultural de Quatrocentos e Quinhentos


Os seculos XV e XVI conheceram um importante movimento de renovação cultural vulgarmente designado
Renascimento que, inicia- do na Itália, rapidamente se espalhou por toda a Europa.

1.1. Principais centros culturais de produção e difusão de sínteses e inovações


Este movimento de renovação cultural traduziu-se pelo apareci- mento de novas formas de pensar, de sentir e de agir
que se repercutiram na produção artística, científica e literária. Implicando rupturas e continuidades em relacao a
Idade Media, inovações e processos de síntese, este movimento cultural teve origem em determinados centros
europeus e, a partir deles, difundiu-se para outros países.

Um conjunto de condições propiciou este movimento de renovação cultural. Em primeiro lugar, os descobrimentos
facilitaram a abertura da Europa ao mundo, o que motivou um enorme esforço de produção de novos instrumentos e
técnicas, a (re)criação pelos europeus de importantes inovações adquiridas no contacto com outras civilizações e,
sobretudo, um novo processo de construção do conhecimento alicerçado na observarão e na experiencia. Por outro
lado, esta abertura da Europa ao mundo favoreceu o enriquecimento de sectores sociais liga- dos ao comercio que
não deixaram de investir na cultura e apoiar os artistas como forma de manifestarão da sua ascensão social. Por
último, a invenção da imprensa por Gutenberg potenciou a rápida expansão das novas ideias, retirando ao clero o
monopólio quase exclusivo que ate então detinha sobre a cultura.

Este movimento de renovação cultural teve origem na Itália, o que se compreende se considerarmos o enriquecimento
da burguesia das cidades italianas, o gosto pelo embelezamento dos seus palacios e ainda o facto de a Italia dispor
de um importante legado cultural romano. Florença e, merce da ação dos Médicis, o principal centra intelectual e
artístico ao longo do seculo XV: Marsílio Ficino (1433-1499) e Picco della Mirandola (1463-1494) iniciam o estudo de
textos clássicos; Filippo Brunelleschi (1377-1446) recupera a noção de ordem arquitetónica; Donatello (1386-1466) e
Sandra Botticelli (1444-1510) introduzem a perspetiva e o gosto pelo desenho da figura humana. Mas, no fim do
seculo XV, o apoio de vários papas revelou-se decisivo para a transformação de Roma no mais importante centra
cultural europeu: Donato Bramante (1444-1514) e o arquiteto responsável pela Basílica de S. Pedro; Miguel Ângelo
(1475-1564), Leonardo da Vinci (1452-1519) e Rafael (1483¬-1520) conferem a pintura e a escultura um esplendor
nunca antes alcançado. Finalmente, na segunda metade do seculo XVI, já a cidade de Veneza detém a primazia na
dinâmica cultural e artística, particular- mente devido ao génio de pintores como Jacopo Tintoretto (1518-1594),
Vecellio Ticiano (1488-1576) e Paolo Veronese (1528-1588).

Países da Europa como a Franca, os Países Baixos, a Alemanha, a Inglaterra e a Península Ibérica sofreram a
influência cultural italiana (fig. 1). Os Países Baixos rivalizaram desde cedo com a Itália, quer ao nível da pintura,
devido a descoberta da pintura a óleo e ao realismo pictórico de Jan van Eyck (1390-1441), Rogier van der Weyden
(1400-1464), Hugo van der Goes (1442-1482) ou, mais tarde, Pieter Bruegel (1528-1569), quer, sobretudo, devido a
ação do humanista Erasmo de Roterdão (1466-1536). A Franca e sobretudo permeável a difusão do humanismo,
especialmente em centros como Paris ou Lyon, destacando-se Rabelais (1494-1553). Na Alemanha, o movimento
renascentista repercutiu-se especialmente na difusão do humanismo em centros como Nuremberga, Colonia ou Erfurt,
mas também através de pintores como Albrecht Durer (1471-1528), Lucas Cranach (1472-1553) e Hans Holbein
(1498-1543), cujos trabalhos conseguem uma inovadora interpretação da estética renascentista importada de Itália. A
Inglaterra conheceu alguma influência do humanismo, designadamente em universidades como Oxford e Cambridge,
e na obra de Thomas More (1478-1535). Na Península Ibérica, finalmente, o Colégio das Artes de Coimbra ou a
Universidade de Alcala de Henares constituíram também importantes centros de difusão do humanismo.

1.2. O Cosmopolitismo das cidades hispânicas - Lisboa e Sevilha


Tendo Portugal e a Espanha sido pioneiros na empresa das descobertas, os respetivos polos económicos - Lisboa e
Sevilha - tornam-se importantes centros cosmopolitas nos alvores da Epoca Moderna onde as imensas riquezas
orientais e americanas atraem mercadores dos mais diversos cantos do mundo.
Lisboa e a capital do vasto e disperso império português. Ao seu porto chegam as especiarias (pimenta, canela) e
outros produtos orientais (sedas, porcelanas, tapetes) através da Rota do Cabo, produtos africanos como o ouro e o
marfim ou o açúcar e as madeiras exóticas do Brasil. São estas mercadorias, a par da exportação de produtos
internos (o sal, o vinho, a cortiça), que permitem as importações de prata e cobre (Alemanha), das madeiras e do ferro
(Norte da Europa), dos tecidos (Itália, Inglaterra e Flandres) e do trigo (Europa Oriental).

À cabeça da organização deste império está o próprio rei. A residência da corte e instalada junto ao Tejo, no Paço da
Ribeira, paredes meias com o organismo que controlava todo o negócio ultramarino - a Casa da Índia. Na verdade,
tendo o empreendimento económico da expansão constituído monopólio da Coroa até 1570, à Casa da India cabia a
cobranças dos direitos régios, em regra, um quinto das mercadorias entradas, o estabelecimento de contratos com
particulares associados à empresa, o controlo da carga e descarga de mercadorias e o registo de navios, tripulações e
abastecimentos necessários.

Enquanto base logística da empresa comercial ultramarina, Lisboa dispunha dos armazéns e entrepostos de
mercadorias, de repartições onde eram reguladas as questões náuticas, dos estaleiros para a construção e
conservação de navios, das escolas de formação de pilotos e das tipografias para a impressão das cartas marítimas.

Em consequência da afluência de gente proveniente do estrangeiro, escravos africanos e populações do interior


atraídas pelo dinamismo económico da cidade, verificou-se um forte aumento da população. Na realidade, se, no
princípio do século XVI, a cidade andaria pelos 60 000 habitantes, em meados deste seculo a população tinha
crescido para as 100 000 pessoas, números que a afastavam clara- mente dos restantes núcleos urbanos do país, já
que Porto ou Évora teriam a roda de 15 000 habitantes.

Tal como Lisboa, e o desenvolvimento do tráfico com a América que contribui de forma decisiva para o crescimento de
Sevilha. A instalação da organização congénere da Casa da India - a Casa de Contratacion - funcionou como polo
desse crescimento. E este organismo que centraliza o tráfico americano de prata, ouro, perolas, cochonilha, açúcar e
plantas tintureiras; que importa do Norte da Europa peixe, metais, tecidos, armas; que (re)exporta para a América
estes produtos, bem como o trigo, o vinho e o azeite provenientes do vizinho vale do Rio Guadalquivir.

A Casa de Contratacion dotou-se desde cedo de meios científicos e técnicos fundamentais para o empreendimento de
além-mar. De facto, aí funcionavam uma escola para pilotos, onde se efetuava a aprendizagem da cosmografia, da
arte de navegação e da hidrografia, e um laboratório de cartografia, alem de existir uma fabrica de instrumentos
náuticos como astrolábios, relógios marítimos e quadrantes. Ao contrário de Portugal, o rei espanhol não era o
condutor direto da empresa comercial e marítima. Dai que mercadores e financeiros de diversos quadrantes
proliferassem, conferindo a cidade um notável cosmopolitismo; alem dos genoveses, que detinham o controlo
financeiro, de Bretões e de Portugueses a procura da tão necessária prata para financiar o comércio oriental, também
ingleses e holandeses mar- cavam a sua presença.

Não admira por isso que, com uma população semelhante a de Lisboa nos princípios do seculo XVI, tenha chegado
ao fim da centúria com cerca de 150 000 habitantes. Nessa mole imensa, os estrangeiros detinham uma fatia
importante. Comerciantes abastados e membros da nobreza local conferiam a cidade um especto sumptuoso pela
beleza e grandiosidade dos seus palácios, embora esta dinâmica da cidade também atraísse muitos homens de letras,
de ciência e artistas.

2. O alargamento do conhecimento do mundo


Ao longo dos seculos XV e XVI registou-se uma notável progressão no saber e na técnica: alargou-se o conhecimento
do mundo, desvendando-se novas terras, novos mares e novas gentes; aperfeiçoaram-se a ciência náutica e as
técnicas de navegação; a partir da observação e da experiencia puseram-se em questão verdades indiscutíveis ate
então; revolucionaram-se totalmente as conceções astronómicas da época.

2.1. O contributo português


Os descobrimentos empreendidos pelos Portugueses desde os princípios do seculo XV prestaram um contributo
assinalável a este esforço de renovação do saber, da ciência e da técnica.
2.1.1. A inovação técnica

As dificuldades que os Portugueses encontraram ao longo da expansão levaram pilotos, astrólogos, matemáticos e
cartógrafos a procurar soluções para problemas de varia ordem, o que contribuiu para o aprofundamento da
investigação teórica e influenciou o aparecimento da moderna técnica de navegar. No entanto, convém esclarecer
que a maior parte das inovações técnicas introduzidas eram provenientes do mundo árabe, tendo os Portugueses
procedido ao seu aperfeiçoamento, visando adequa-las as condições específicas que a navegação no Atlântico
impunha (irregularidade de ventos e correntes marítimas, inexistência de rotas devidamente tragadas,
desconhecimento da configuração das costas, ausência de pontos de referenda).

Um primeiro passo tinha sido dado, já no seculo XIII, com a invenção pelos Árabes do leme de cadaste fixo no eixo do
navio, em substituição de espadelas laterais semelhantes a remos, o que permitiu melhorar o controlo da embarcação.
Introduzido em Portugal, tem-se levantado dúvidas quanto ao peso desta inovação nas descobertas porque o leme de
cadaste, provido de uma forte alavanca, se revelou bastante incomodo e com um manejo difícil.

Como outras inovações utilizadas pelos Portugueses cuja proveniência deriva dos Árabes, também ao nível das
embarcações tal se verificou. De facto, a caravela (ou caravo) provem de um barco vulgar no Mediterrâneo (o carib),
progressivamente aperfeiçoado pelos Portugueses no sentido de o adaptar as viagens atlânticas. Era um barco
mercante de porte medio, armado de vela triangular, com cerca de 50 toneis, dispondo de grande mobilidade, dotado
de três mastros, sem castelo da proa a fim de não complicar a tarefa de mudança de vela e eventualmente com remos
em situação de combate.

A própria vela triangular ou latina, usada na caravela, e uma invenção grega ou síria que tornava possível melhorar a
manobra das embarcações visto que permitia aos pilotos navegar a bolina, ou seja, aproveitar a força contrária do
vento. Com efeito, o navio avançava em singraduras oblíquas relativamente a sua linha de rumo, virando sucessivas
vezes de bordo numa linha que podia chegar a definir cerca de 50° em relação à direção donde o vento soprava.

Por sua vez, a utilização da bussola, introduzida na navegação mediterrânica ainda no seculo XIII, levou os pilotos a
iniciarem a navegação astronómica, neste caso, ao estudo da variação da intensidade do campo magnético da Terra
para, a partir do rumo norte-sul magnético, determinarem o norte-sul geográfico. Coube a D. João de Castro o estudo
experimental e sistemático da variação magnética, com base num processo atribuído a Pedro Nunes, que o levou a
identificar os fenómenos hoje designados como atracão local e desvio da agulha.

Foi certamente com base na bussola que surgiram, ainda no seculo XIV, os portulanos ou cartas-portulano,
representações da costa atra- vessadas por conjuntos de 32 linhas que irradiavam de um mesmo ponto na direção
dos pontos cardeais. Nessas representações, a bacia mediterrânica tinha uma representação cuidada, bem como a
costa europeia ate a Flandres, embora não houvesse topónimos para além da orla costeira. Dado que, como vimos,
não fora ainda reconhecida a declinação magnética, os primeiros portulanos estavam bastante deformados,
especialmente na área do Mediterrâneo.

Os portulanos ficaram conhecidos em Portugal como roteiros. Eram um dos auxiliares mais preciosos a navegação,
em geral manuscritos, (re)elaborados ao longo do tempo, que descreviam as incidências das costas, os perigos a
evitar ou os rios que permitiam a entrada na barra. O roteiro português mais antigo data dos fins do seculo XV,
embora outros se Ihe tenham seguido, da autoria de Duarte Pacheco Pereira, João de Lisboa e D. João de Castro.

Uma das áreas onde a inovação mais se fez sentir foi ao nível da determinação das coordenadas geográficas, uma
vez que, em mar aberto, só era possível conhecer a posição exata do navio a partir da latitude e da longitude, Os
processos de determinação da latitude, usando o astrolábio náutico, foram os primeiros a ser utilizados pelos
marinheiros e baseavam-se na observação da Estrela Polar (hemisfério norte), da altura meridiana da estrela do
Cruzeiro do Sul (hemisfério sul) ou na observação da altura meridiana do Sol a partir de tabelas onde a declinação
solar estava registada. Quanto a longitude, só no princípio do seculo XVI algumas descobertas com interesse foram
realizadas, embora o problema só tenha ficado resolvido a contento no seculo XVIII. Os processos para a sua
determinação eram quatro: o primeiro, baseado nas distâncias angulares da Lua a estrelas fixas, tomadas com a
balestilha; o segundo, baseado na distância angular da Lua ao Sol tomada ao nascer ou ao por-do-sol; o terceiro,
baseado na observação da declinação do Sol ao meio-dia do lugar ocupado pelo observador e comparado com o
valor, a mesma hora, no meridiano de referenda; o quarto, o mais antigo, baseado na diferença de horas de eclipse
lunar.

As regras das marés foram sistematizadas por João de Lisboa com base numa prática antiga que determinava as
horas das marés a partir do número de dias decorridos apos a ultima lua nova. Por outro lado, foram apuradas, com
base em observações fortuitas e experiências intencionais, as regras de pilotagem sobre os ventos ou as correntes,
enquanto o regimento da hora noturna era melhorado com as regras para a determinação da hora com base na
observação do Cruzeiro do Sul.

A determinação da latitude levou a uma mudança na cartografia das terras descobertas no princípio do seculo XVI,
consistindo no aparecimento, nas cartas náuticas, de um meridiano graduado em latitude. Neste especto, o trabalho
de Pedro Nunes, apontando no sentido da utilização de uma mesma escala para a latitude e para a longitude, em
muito beneficiou as dificuldades que os pilotos tinham na leitura das cartas. A última inovação, próxima dos métodos
de projeção catuais, surgiu com a projeção cilíndrica do cartógrafo holandês Mercator, em 1569, caracterizada pelo
facto de os paralelos serem intercetados em angulo reto pelos meridianos. Entretanto, a atualização decorrente do
avanço da exploração marítima do Atlântico e do Índico culminou com o planisfério de Cantino (1502), onde a Africa e
o litoral brasileiro são representados já com bastante fidelidade.

2.1.2. A observação e descrição da Natureza

As viagens portuguesas dos seculos XV e XVI constituíram um fator importante para o avanço da ciência e para a
afirmação do método científico. Com efeito, os Portugueses, baseando-se na observação sistemática dos factos e na
sua descrição rigorosa, puderam contrariar muitas ideias preconcebidas sobre o mar, a terra, os rios, a fauna e a flora
de regiões pouco conhecidas ou simplesmente ignoradas. Tratou-se, e certo, de uma atitude que poderemos qualificar
de pré-científica, na medida em que a descoberta resultou apenas do conhecimento empírico, de vivencias
experimentadas (experiencialismo). Em todo o caso, constituiu a primeira etapa do método científico, que outros a
seguir aprofundarão, acrescentando-lhe as fases de natureza racionalista e experimental - a identificação de hipóteses
e a sua experimentação para atingir as leis. Vejamos o contributo de alguns homens que se notabilizaram neste
especto.

É com Duarte Pacheco Pereira (1460-1533) que no Esmeraldo de situ orbis, surge pela primeira vez esta atitude de
valorização da experiência no contexto da observação empírica. Na realidade, procedendo à descrição factual da
exploração da costa africana pelos navegadores Portugueses, o autor corrige erros escritos por autores antigos e
desenvolve uma conceção de experiência, a que chama a madre de todas as cousas, como fonte mais segura de
conhecimento do que os autores clássicos.

Esta atitude sistemática de contradição da autoridade dos antigos e também expressa por Garcia de Orta (1501-
1568), médico e botânico, que publica, em 1563, Colóquios dos simples e cousas medicinais da Índia. Aí o autor faz o
registo científico de plantas medicinais do Oriente, comparando os novos conhecimentos de botânica e medicina que
elas fornecem com aqueles de que ele dispunha, aprendidos no Ocidente.

D. João de Castro (1500-1548), vice-rei da India, e autor de três Roteiros (Roteiro de Lisboa a Goa, Roteiro de Goa a
Diu e o Roteiro do Mar Roxo) onde efetua a descrição dos lugares que percorre, acompanhada de esboços
topográficos e cartográficos ilustrativos, plantas hidrográficas, notações das alturas do Sol e determinação de rotas.
Mas e no Tratado da Esfera que o autor expõe detalhadamente o seu pensa- mento, demonstrando de que forma os
sentidos podem confundir aparências com realidades. Então, tornam-se necessários os cálculos da Matemática e o
auxílio de instrumentos de medida, pelo que o avanço da ciência só acontecerá através da ligação entre conhecimento
empírico e saber científico. O autor legou-nos ainda contribuições ao nível da verificarão das relações de causalidade
entre o nordestear da agulha do astrolábio e as mudanças de meridiano, a sensibilidade da agulha magnética a
proximidade dos metais e o fenómeno da atracão local.

Na sequência dos trabalhos de D. João de Castro, cabe a Pedro Nunes (1502-1578) o "mérito da introdução do rigor
matemático e da geometria na cultura portuguesa, contribuindo para a extensão da linguagem do cálculo não só a
astronomia, mas também a geografia e a ciência náutica. Efetuou a tradução anotada do Tratado da Esfera a partir da
obra do monge inglês João de Sacrobosco (séc. XIII). De sua autoria publicou, em 1547, De crepusculis, sobre a
variação da duração do crepúsculo em diferentes zonas climáticas. Não abandonou, porem, a colaboração estreita
com pilotos e navegadores, tendo daí surgido descobertas técnicas como o anel graduado, o instrumento de sombras
para medir a altura do Sol e o nónio para medir frações do grau, associado ao astrolábio.

Foi esta atitude dos Portugueses que permitiu comprovar a habitabilidade da zona equatorial, a existência de
comunicação entre os hemisférios Norte e Sul ou entre os oceanos Atlântico e Índico, a esfericidade da Terra, os
contornos dos continentes, de rios e dos mares, a existência de terras (América), povos, animais e plantas completa-
mente desconhecidos pelos europeus.
2.2. A matematização do real
A observação e a descrição da natureza estiveram intimamente ligadas a necessidade de conhecimento e utilização
da linguagem matemática, visto que, como diz Galileu (1564-1642), o livro do mundo está escrito em caracteres
matemáticos. Foi a conjugação dos dois fatores, isto e, a valorizarão da experiência e da matemática, que esteve na
origem do método experimental, pelo que a matematização dos fenómenos da natureza constituiu um fator
fundamental da revolução científica.

Em Portugal, este processo de matematização do real iniciou-se com Pedro Nunes, como vimos, embora ainda não se
encontre nele uma conceção da matemática como linguagem capaz de nos proporcionar a explicação global do
universo ou uma teorização relativamente ao modo como a linguagem matemática atua entre a formulação da
hipótese e a sua verificação experimental. Este passo só Galileu o iniciará.

Entretanto, vulgariza-se o uso dos números e das medidas. A prova está na alteração progressiva da utensilagem
aritmética por parte dos comerciantes de Lisboa, expressa na substituição da numeração romana pela árabe. Assiste-
se deste modo a uma lenta transformação das estruturas mentais a caminho da afirmação de uma mentalidade
quantitativa*, uma vez que num mundo onde a matemática e elementar ou inexistente o homem não tem a razão
formada do mesmo modo que um outro homem que vive num mundo que, mesmo ignorando a matemática, esta
acostumado a hábitos de precisão dos modos de calculo e a retidão das formas de os demonstrar. Poderíamos,
assim, afirmar que estamos perante uma pré-história da matematização do real, uma vez que não se trata ainda de
uma leitura quantitativa e geométrica do universo, mas de uma progressiva e lenta transformação da utensilagem
aritmética e dos hábitos mentais.

A nova etapa que afirma a matemática como condição para a emergência de uma nova leitura do mundo e
desencadeada por Galileu, ao considerar que aquela ciência devia medir tudo o que podia ser medido e tornar
mensurável o que não podia ser medido. Quando fosse possível encontrar uma relação matemática na natureza,
aceitar-se-ia como correta, desmentindo todas as relações que estivessem em conflito com aquela. As eventuais
discrepâncias entre as relações matemáticas e os eventos físicos eram atribuídas a causas subjetivas, em
consequência de erros cometidos pelos investigadores. O equilíbrio entre a natureza e a matemática não podia ser
posto em causa; a matemática era a expressão correta da natureza.

2.3. A revolução das conceções cosmológicas


No início do Renascimento, a teoria geocêntrica era a conceção cosmológica predominante, ratificada pela Igreja. Esta
teoria decorria dos trabalhos de Aristóteles (384-322 a. C.) e Ptolomeu (100¬-165). Segundo Aristóteles, o universo
seria constituído por inúmeras esferas concêntricas, das quais a menor seria a Terra, estando cada um dos planetas,
bem como o Sol, contidos numa esfera. A Terra constituía, pois, o centra do universo assim concebido, movendo-se a
sua volta todas as esferas celestes, de uma forma natural e eterna em círculos perfeitos. A ideia de movimento da
Terra era inaceitável. Ptolomeu afirmou mesmo que, se esse movimento existisse, seria de tal forma impetuoso que os
corpos arremessados para o alto e em linha reta não poderiam cair no mesmo lugar onde tinham iniciado esse
movimento.

Na Antiguidade, autores houve que tentaram contrariar esta teoria como Aristarco de Samos (320-250 a. C.), que
defendeu uma perspetiva heliocêntrica. Esta perspetiva foi retomada nos primórdios do Renascimento por Nicolau
Copérnico (1453-1543), especialmente em De revolutionibus orbium coelestium ("Sobre as revoluções das esferas
celestes"). Aí defende que o movimento circular das esferas celestes se explica melhor se se aceitar a ideia de
movimento da Terra. Neste sentido, todas as esferas girariam, simultaneamente, em volta do seu próprio eixo,
originando o movimento de rotação, e em volta do Sol, provocando o movimento de translação. O Sol estaria imóvel
pelo que o seu movimento era apenas aparente, em resultado da projeção na abobada celeste do próprio movimento
da Terra

Introduzindo de algum modo uma rutura com a teoria geocêntrica, a revolução coperniciana não rompeu em definitivo
com ela, visto que conservou elementos da teoria aristotélica. Assim, o Sol não e ainda entendido como uma estrela
mas apenas o único corpo central em torno do qual o universo e construído, herdando as funções que, no sistema
ptolomaico, eram desempenhadas pela Terra. Por outro lado, o universo de Copérnico continuava a ser constituído
por esferas e, por isso, finito. A conceção de um universo como espaço infinito só seria defendida por Giordano Bruno
(1548-1600), que pagou com a fogueira a novidade do seu pensamento.
As investigações em torno do heliocentrismo prosseguiram com os trabalhos do dinamarquês Tycho Brahe (1546-
1601). Brahe concluiu que as tabelas astronómicas usadas por Ptolomeu e mesmo Copérnico não continham medidas
exatas, pelo que era imperativo recolher dados precisos que permitissem a construção de tabelas mais fiáveis,
condição necessária para se chegar a uma nova teoria sobre o movimento dos planetas. Em consequência, instalou
um observatório astronómico dotado de sextantes e quadrantes de grandes dimensões que lhe permitiram fazer
observações sistemáticas dos astros, anotar e comparar dados. Na sua obra Novos conceitos astronómicos de Tycho
Brahe, publicada em 1603, defende um sistema planetário que concilia a teoria ptolomaica com a teoria heliocêntrica
de Copérnico: todos os planetas se moveriam em torno do Sol, com exceção da Terra que, ocupando uma posição
estacionária, veria o Sol e a Lua girarem em torno de si.

Os trabalhos de Brahe foram aprofundados e corrigidos pelo seu discípulo Johannes Kepler (1571-1630). Após
observações aturadas dos astros, incluindo o recurso a um telescópio de Galileu, Kepler identificou três leis do
movimento dos corpos celestes:

1ª) Os planetas movem-se em torno do Sol, descrevendo órbitas elíticas e não circulares;
2ª) A linha que liga o Sol aos planetas varre áreas iguais em intervalos de tempo também iguais;
3ª) A razão entre o tempo elevado ao quadrado que o planeta leva para dar uma volta completa em torno do Sol e o
raio medio da sua orbita elevado ao cubo e constante (T2/R3= constante).

Por outro lado, em 1627, publicou as Tabelas Rodotfinas, em homenagem ao Imperador Rodolfo II, seu protetor.
Baseadas nas observações de Brahe, mas tendo em consideração as orbitas elípticas dos astros, nessas tabelas
calculou a posição dos planetas e as respetivas elipses.

Durante algum tempo, Kepler manteve correspondência epistolar com Galileu Galilei (1564-1642). As descobertas
deste vieram confirmar sucessivamente a validade dos princípios da teoria heliocêntrica. Assim, tendo aperfeiçoado o
telescópio, que lhe permitia aumentar os corpos celestes cerca de trinta vezes, descobriu, entre 1609 e 1610, as
crateras da Lua, os satélites de Júpiter - o que demonstrava, contrariamente ao sistema ptolomaico, a existência de
corpos celestes a girar em torno de planetas que não a Terra - e as fases de Vénus, que com- provavam
inequivocamente a sua orbita em volta do Sol.

As descobertas de Galileu, publicadas em italiano com o objetivo de ampliar a difusão das suas conclusões,
chamaram a atenção da Inquisição, que o proibiu, em 1616, de espalhar as ideias heliocêntricas. Aliás, nesse mesmo
ano, o De revolutionibus orbium coelestium de Copérnico, juntamente com todos os livros defensores destas ideias, foi
colocado no Índex. Porém, as suas investigações prosseguiram com a publicação, em 1632, do Diálogo dos Dois
Mundos, em que, ignorando a solução de compromisso de Brahe e recusando o sistema ptolomaico, refuta as
objeções contra os movimentos de rotação e translação da Terra e reafirma a validade do sistema de Copérnico na
explicação dos fenómenos celestes. Novamente condenado pela Inquisição, renega, aos 70 anos, as suas conclusões
anteriores de que a Terra não e o centra do universo e imovei, o que lhe permitiu a comutação da pena de exilio para
a prisão domiciliaria ate a sua morte. Estava, contudo, dado um passo significativo para a renovação das conceções
cosmológicas e, sobretudo, para os progressos da ciência moderna, agora assentes na formulação de leis a partir da
observação, registo e interpretação de factos e experimentação de hipóteses.

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