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História Breve dos Pigmentos:

III - Das Artes Grega e Romana

JOÃO M. PEIXOTO CABRAL (*)

<Sem>Os textos de Vitrúvio e de Plínio- técnica, em particular o estudo da natu-


o-Velho constituem fontes inestimáveis reza dos pigmentos usados na sua feitu-
de informação sobre os materiais usa- ra. Por conseguinte, embora muitas
dos na feitura de obras de arte na época informações sobre alguns desses pig-
romana. No presente artigo coligem-se mentos nos tenham sido reveladas atra-
alguns apontamentos das notas deixa- vés de fontes literárias da Antiguidade
das por estes dois autores acerca dos Clássica [2, 3], para se efectuar um es-
pigmentos. Reúnem-se ainda alguns tudo completo sobre tal matéria não se
resultados de estudos físico-químicos poderá deixar de recorrer aos referidos
de numerosos pigmentos empregados vestígios.
na pintura grega e romana, realizados
No que diz respeito à a rt e romana, as
por vários investigadores tendo em vista
coisas apresentam-se ma is favoráveis
a determinação da sua natureza. Com-
devido sobretudo à descoberta de pintu-
param-se, por fim, essas notas com os
ras murais em Pompeia (figura 3) e Her-
referidos resultados.
culano (figura 4) a pa rt ir de meados do
séc. XVIII, muitas delas encontradas
1. Introdução figura 1 Cabeça de jovem conhecida pelo no-
num excelente estado de conservação,
me de "a parisiense". Fragmento de um fresco
Quase toda a arte grega que chegou até cretense, de c. séc. XV a.C., proveniente de e aos achados nesses e noutros sítios de
Cnossos e conservado no Museu Arqueológico vasos com pigmentos (figura 5). É inte-
aos nossos dias, com excepção da cerâ-
de Héraclion.
mica pintada, foi achada com a cor dos ressante notar que, logo no início do
materiais usados na sua produção; séc. XIX, alguns desses pigmentos foram
branco no caso do mármore e verde ou e prata, polia-se o metal para lhe avivar examinados por químicos ilustres, no-
azul (da pátina) no caso do bronze. o brilho e preenchiam-se as órbitas com meadamente Chaptal [4] e Davy [5],
Sabe-se, no entanto, que não foi assim pedras semipreciosas ou vidros colori- cujos trabalhos se contam entre os pri-

que os a rt istas a criaram. Nos monu- dos [1]. meiros que deram início à área hoje
mentos, por exemplo, aplicavam-se ele- designada por Arqueometria. O campo
Grande pa rt e dessa a rt e, sobretudo da
mentos decorativos às molduras a fim destes estudos veio a alargar-se apre-
pintura propriamente dita que se encon-
de as tornar mais evidentes e pintavam- ciavelmente com novas descobertas
trava em templos e outros edifícios e
-se os fundos dos baixos-relevos, geral- na Gália Romana (Vaison-la-Romaine,
decorava os muros interiores de pórticos
mente de azul ou vermelho, para os Vienne, Lero), Suíça, Alemanha e Ingla-
das cidades e santuários, acabou toda-
fazer sobressair. Por outro lado, nas terra. Quase todas estas pinturas são
via por se perder. Como aconteceu aos
estátuas de mármore, coloriam-se os frescos, i.e., feitas sobre argamassa de
enfeites de monumentos e estátuas, de
cabelos, os olhos e os lábios, pintavam- cal fresca, que, como se sabe, não tole-
tal pintura mural e da pintura sobre pai-
-se e ornamentavam-se as vestes com ram o uso de ce rt os pigmentos como o
néis restam actualmente apenas raros
motivos decorativos e, em certas épo- realgar e o auripigmento. Em contrapar-
vestígios (figura 1). Deste modo, para se
cas, cobriam-se também os corpos com tida, permitem uma magnífica conser-
fazer uma ideia da pintura grega torna-
uma fina camada de tinta. Mesmo nas vação da camada pictural, a qual fica
-se necessário recorrer à cerâmica pin-
estátuas de bronze, que como os már- praticamente selada por debaixo duma
tada (figura 2) [1].
mores eram postas quase sempre no camada transparente de carbonato de
exterior, enriquecia-se a sua superfície O tema do presente artigo não é, contu- cálcio que se forma no momento da
com dourados e incrustações de cobre do, a estética da pintura mas sim a sua secagem. Além disso, tanto a camada

* Investigador Coordenador Jubilado do ITN e Prof. Catedrático Jubilado do 1ST.


58I QUÍMICA

que não impediu que novos pigmentos apontou as suas aplicações de acordo
viessem pouco a pouco enriquecer a com as respectivas características. Crê-
sua paleta. Devido a limitações de espa- -se que corresponderiam a minerais à
ço, daremos destaque somente a estes base de ferro — goetite (a-Fe00H), limo-
últimos. Uma vez, porém, que sobre nite (1), ocre amarelo, terra de Úmbria e
todos eles existem informações oriun- ce rt as margas. Tais pigmentos têm sido
das de textos de autores romanos [2, 3], detectados em pinturas murais romanas
procurar-se-á em todos os casos com- [6, 9], fazendo-se a distinção entre goeti-
parar essas informações com os resulta- te e ocre amarelo com base em geral
dos das referidas análises. num critério de pureza: no caso da goe-
tite, este mineral encontra-se mais ou
menos puro, ao passo que no caso do
2. Pigmentos amarelos
ocre aparece sempre uma certa percen-
De acordo com Vitrúvio e Plínio-o-Velho, tagem de argila. As margas foram detec-
os pintores romanos dispunham de um tadas apenas numa pintura de fachada
número apreciável de pigmentos ama- em Vallon (Suíça) e, neste mesmo sítio
figura 2 Pormenor de uma pintura sobre ce- relos nomeadamente os seguintes: um arqueológico, foram encontradas tam-
râmica, assinada pelo pintor-oleiro ateniense conjunto de pigmentos agrupados sob a bém num vaso ainda por utilizar.
Exékides, do 3.° quartel do séc. VI a.C., prove-
designação de sil ou ochra (do grego), o
niente de Vulci (Etrúria). O vaso pertence ao
Museu Etrusco Gregoriano do Vaticano. sil falso e o auripigmentum. Todos eles Segundo Vitrúvio, por vezes, falsificava-
já eram conhecidos antes. -se o sil ático mediante o uso de coran-
tes de origem vegetal, o que foi confir-
Plínio classificou os primeiros em função
de argamassa como a camada pictural mado analiticamente por Augusti numa
da origem (Ática, Gália, Siros, etc.) e
podem ser alisadas, o que confere à pintura de Pompeia [9].
pintura um aspecto brilhante que, no
caso por exemplo de algumas obras de
Pompeia e Herculano, se manteve até
figura 3 Chegada de Io a Canopo Fresco de Pompeia, conservado no Museu Arqueológico
ao presente. Nacional de Nápoles.

Fizeram-se já numerosas análises físico-


-químicas a pinturas da Antiguidade
Clássica, principalmente a pinturas
murais romanas, seja para obter infor-
mações indispensáveis à sua eventual
conservação, seja para esboçar algu-
mas perspectivas relacionadas com as
seguintes questões: 1) quais eram os
pigmentos disponíveis nessa época à
escala local, regional e imperial; 2)
donde provinham; 3) que técnicas de
preparação e aplicação se utilizavam
para eles? Assim, alargando a investiga-
ção a um número significativamente
grande de pinturas, espera-se que se
possam estabelecer as redes de comer-
cialização de tais produtos, caracterizar
certas oficinas de pintores, definir as
deslocações intra- e inter-regionais des-
ses pintores e, finalmente, conhecer a
influência mútua — cultural e artística —
entre regiões adjacentes [6].

Como era de esperar, verificou-se que


não há praticamente nenhum pigmento
usado por artistas de épocas preceden-
tes [7, 8] que não fosse também empre-
gado pelos pintores gregos e romanos, o
QUÍMICA 59

O auripigmentum é, como se disse já


[8], um sulfureto de arsénio (As 2 S 3 ). Plí-
nio chamou-lhe também arrhenicum.
Tem sido igualmente detectado nalgu-
mas pinturas romanas de Pompeia [9] e
de Argentomagus [11].

Note-se, todavia, que os pintores da


Antiguidade Clássica não se restringi-
ram apenas aos pigmentos amarelos
mencionados por Vitrúvio e Plínio. Na
verdade, a análise química permitiu
identificar ainda mais dois pigmentos,
um que foi também herdado do passa-
do — a jarosite [8] — detectado em pintu-
ras murais gregas [12] e romanas [13], e
outro até então desconhecido (ver alí-
nea 2.1), descoberto em Pompeia [9],
de cambiante entre o amarelo-rosado e
o amarelo-acastanhado, constituído so-
bretudo por monóxido de chumbo e um
pouco de carbonato de chumbo, acom-
panhados de sílica, ferro e cálcio. O
emprego da jarosite na pintura mural
romana parece, contudo, ter sido bas-
tante reduzido.

2.1 Massicote figura 4 Amantes na cama. Pormenor de um fresco de Herculano, conseruado no Museu
Arqueológico Nacional de Nápoles.
Ao novo pigmento amarelo, descobe rt o
por Augusti [9] em Pompeia, chamam
certos autores massicote, outros litargí- 3. Pigmentos vermelhos nas tem sido confirmada analiticamente
rio, havendo ainda alguns que conside- por Augusti [9] e Béarat et al. [6].
Tanto Vitrúvio como Plínio deixaram-nos
ram que estes dois nomes são sinóni-
diversas informações sobre pigmentos A rubrica e a sinopis são produtos à
mos. Gettens e Stout [10] fizeram notar,
vermelhos. Existem, todavia, algumas base de hematite (a-Fe 2 0 3 ). Vitrúvio
porém, que eles não têm exactamente o
divergências entre os dois autores. referiu-se apenas à primeira, indicando
mesmo sentido, o qual depende da
várias proveniências em particular a
Enquanto o primeiro menciona quatro
natureza da fonte donde deriva o óxido.
cidade de Sinope, o Egipto, as Baleares
pigmentos — minium, rubrica, sandara-
Massicote é o nome geralmente usado e a ilha de Lemnos. Plínio vai mais
ca e sandaraca a rt ificial —, o segundo
para designar o monóxido de chumbo longe, reconhecendo diferentes varieda-
refere, além destes, mais cinco designa-
— Pb0 — de cor de enxofre, obtido a pa rt ir des de rubrica consoante a sua origem
damente os seguintes: ochra artificial,
do branco-de-chumbo (ver a alínea 6.5) e qualidade — sinopis, cicerculum, pres-
sandaraca falsa, sandyx, sinopis e syri-
por aquecimento a cerca de 300 °C. siore sphragis. Da variedade sinopis (de
cum. Quase todos eles são pigmentos
Sinope) distingue três espécies — verme-
Litargírio é o nome normalmente utiliza- que já eram conhecidos em épocas lha, vermelha pálida e vermelha inter-
do para designar uma mistura de óxidos anteriores. média. Por outro lado, caracteriza a
de chumbo, de que fazem parte não só variedade pressior como vermelha
Com efeito, o minium é o mineral ciná-
o Pb0 como ainda o Pb 3 0 4 (vermelho- escura, acrescentando que custava o
brio (HgS) [8] o qual, segundo Plínio, se
-de-chumbo, ver alínea 3.1) e que se mesmo que a precedente e era usada
extraía de certos jazigos em Espanha,
obtém a partir do chumbo liquefeito por para pintar as zonas inferiores dos pai-
oxidação directa. Apresenta um tom ala- Cáucaso, Etiópia, Ásia Menor e Irão.
néis. Quanto à variedade sphragis, de
ranjado, em virtude da presença de Contava-se entre os pigmentos romanos
cor parecida com a do cinábrio e prove-
Pb 3 0 4 . Desde há muito que é também mais caros, não sendo por isso de estra-
niente de Lemnos, refere que era a mais
um subproduto da refinação da prata nhar que se encontre em regra associa- apreciada e que se utilizava para aplicar
pelo processo de copelação. Plínio cha- do a decorações de alta qualidade e/ou sub-camadas de vermelho antes da
mou-lhe escória de chumbo e ainda em edifícios sumptuosos (figura 6). A aplicação do minium. As análises efec-
espuma de prata. sua presença em pinturas murais roma- tuadas a diversas amostras de rubrica
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têm revelado a presença de três espé- partir quer do branco-de-chumbo (ver


cies de hematite [6]: uma quase pura e alínea 6.5), quer do litargírio, aquecen-
bem cristalizada; uma segunda mal do-os a uma temperatura de cerca de
cristalizada, associada a quartzo e 480 °C durante algumas horas.
minerais argilosos como a caulinite e a
Segundo Vitrúvio, a descoberta de que o
ilite, constituindo uma espécie de ocre
vermelho-de-chumbo se pode obter do
vermelho; e uma terceira desordenada,
branco-de-chumbo teria sido feita aci-
obtida muito provavelmente por aqueci-
dentalmente num fogo. O mesmo autor
mento da goetite. A hematite bem cris-
escreveu ainda que "por este processo
talizada é a que se tem encontrado mais
se chega a um resultado muito melhor
frequentemente.
do que o conseguido a pa rt ir da subs-
O ochra a rtificial corresponderia possi- tância natural extraída das minas". Isto
velmente a um pigmento produzido tem levado alguns investigadores a
mediante aquecimento de um ocre admitir que o produto sintético teria
amarelo (contendo goetite e limonite). começado a substituir o natural logo nos
primórdios da época clássica.
Quanto à sandaraca, admite-se que
fosse o realgar (a-As 4 S 4 ) [8] embora O vermelho-de-chumbo tem sido detec-
este sulfureto não tenha sido ainda tado em várias análises efectuadas a
figura 6 Pormenor de um fresco da villa dos
identificado nas análises feitas à pintura pinturas murais romanas, aparecendo Mistérios, em Pompeia, notável como outros
romana. nalguns casos misturado com ocre ver- da mesma villa por ter o fundo pintado de
cinábrio.
melho [6, 9]. Béarat [6] sugeriu que esta
Assim, o único pigmento vermelho que
mistura talvez corresponda aos pigmen-
só teria começado a ser produzido na
tos sandyx ou syricum, citados por Plí-
Antiguidade Clássica foi a sandaraca das localmente (Pozzuoli). Quanto à
nio. Tem sido também encontrado ainda
artificial, à qual se chamou também caeruleum hispaniense, embora as
por utilizar, no decurso de escavações
secondarium minium, usta, cerussa informações deixadas se afigurem
efectuadas em certos sítios arqueológi-
usta e purpurea. Actualmente, é conhe- pouco precisas, admite-se que fosse um
cos da época romana.
cida pelo nome de vermelho-de-chum- produto natural importado de Espanha,
bo. relativamente barato, constituído por
4. Pigmentos azuis uma mistura de azurite e malaquite [8]
3.1 Vermelho-de-chumbo
e usado sobretudo para preparar pig-
No caso da cor azul, as informações
Este pigmento é um óxido de chumbo — mentos verdes.
dadas por Vitrúvio e Plínio são inteira-
Pb 3 0 4 — no qual o metal se encontra em
mente concordantes. Ambos citam qua- A espécie armenium era, como a caeru-
dois estados de oxidação, li e iv. Ocorre
tro espécies de pigmentos, em particu- leum cyprium, um pigmento natural
na natureza sob a forma do mineral
lar as seguintes: caeruleum, armenium, composto por azurite, distinguindo-se
mínio, muito raro, mas desde há muito
indicum e indicum falso. do cyprium por ser mais claro. Note-se,
que se sabe produzi-lo artificialmente a
todavia, que a palavra armenium se uti-
Na espécie caeruleum Plínio incluiu
lizava também para designar um pig-
diversas variedades, destacando três
figura 5 Vaso em bronze cheio de ocre mento verde constituído por malaquite.
denominadas aegyptium, cyprium e
vermelho da villa de Poppaea, em Oplontis. Ela deriva do nome do país donde provi-
scythicum. A variedade caeruleum
nham os referidos produtos (Arménia) e
aegyptium era o azul egípcio que, como
a circunstância de ter dois significados
se disse já [8], começou a ser sintetiza-
deve-se ao facto de os minerais azurite
do no Egipto durante a IV dinastia
e malaquite se encontrarem em regra
(c.2575-c.2465 a.C.). A variedade cae-
associados.
ruleum cyprium era a azurite [8]. A
variedade caeruleum scythicum devia A espécie indicum, igualmente denomi-
ser o azul ultramarino natural, prepara- nada indicum purpurissum, era o índigo
do a partir da pedra ornamental lápis- [9] (ver alínea 4.2) que se extraía de
-lazúli (ver alínea 4.1). Ainda na espécie certas plantas do género lndigofera,
caeruleum Plínio incluiu outras varieda- designadamente da lndigofera tinctoria
des, nomeadamente as seguintes: ves- originária da Índia. Segundo Plínio e
torianurn, puteolanum, coelon, lomen- outros autores latinos, esta espécie
turn e hispaniense. Segundo Augusti prestava-se muito a falsificações, sendo
[9], as quatro primeiras seriam diferen- a mais corrente a que se fazia a partir da
tes qualidades de azul egípcio fabrica- espuma que sobrenadava nas águas
QUÍMICA 61

das caldeiras das tinturarias onde a odisseia através da Ásia, iniciada em


referida planta era também empregada Veneza em 1271, o qual chegou mesmo
para tingir tecidos. a afirmar que era usado no fabrico dum
pigmento azul. Desconhece-se o pro-
Análises efectuadas por Augusti [9] a
cesso empregado na Antiguidade Clás-
diversas amostras de azul colhidas nal-
sica para o efeito. É provável, no entan-
gumas pinturas murais de Pompeia per-
to, que não se limitasse apenas à
mitiram identificar três pigmentos — o
moagem e lavagem da pedra, como se
azul egípcio, a azurite e o azul ultrama-
procede na preparação doutros pigmen-
rino natural. O facto de não se ter detec-
tos minerais designadamente da azuri-
tado o índigo não deve estranhar-se, figura 7 Fragmento polido de lápis-lazúli, do
te, a menos que ela fosse de muito boa Afeganistão, onde se podem uer alguns veios
dado que, por ser uma substância orgâ-
qualidade, pois desse modo obtém-se brancos de calcite e pequenos flocos de pirite.
nica, é facilmente alterável (2). Por seu Espécime conservado no Museu Britânico de
um produto azul acinzentado pálido de História Natural.
turno, Béarat [6], em 35 amostras da
fraca qualidade. Tanto quanto se sabe,
mesma cor, seis das quais colhidas em
foi só depois de 1200 que no Ocidente
Pompeia e as restantes em diferentes
se começaram a desenvolver processos
lugares romanos da Suíça, apenas con- magnia ou azurro dell'Alemagna. A esse
destinados à concentração e purificação
seguiu identificar o azul egípcio. Assim, nome é costume acrescentar ainda a
da lazurite, embora a matéria-prima
tudo leva a crer que, na época romana, palavra natural para não o confundir
continuasse a vir do Oriente [14]. Alguns
o pigmento azul mais utilizado fosse o com o produto artificial, que foi sinteti-
deles vêm descritos em fontes literárias
azul egípcio. zado pela primeira vez por Guimet [17]
dos sécs. XIV e XV, os mais detalhados
em 1826 (a comunicação científica só
Note-se que este último pigmento, dos quais são o redigido por Cennino
foi publicada em 1831) e, pouco tempo
quando moído finamente, fica pálido Cennini [15] e os relatados no Manus-
depois, por Gmelin [18], produto esse
impedindo a obtenção de azuis carrega- crito Bolonhês [161.
que começou a ser fabricado em 1830
dos. Por esse motivo, para se obterem
Repare-se que na Antiguidade Clássica tanto em França como na Alemanha.
tons escuros, era frequentemente apli-
o nome azul ultramarino, derivado de
cado sobre uma sub-camada negra. Por 4.2 Índigo
azurrum ultramarinum, não era ainda
outro lado, para se obterem tons mais
utilizado para designar o pigmento pro- O indigo, como se disse atrás, extraía-se
claros, era em geral diluído com dolomi-
duzido a partir do lápis-lazúli. Todavia, da planta indiana Indigofera tinctoria
te e, às vezes, com cré ou aragonite [6].
segundo Merrifield [16], no início do sendo, pois, uma substância orgânica
4.1 Azul ultramarino, natural séc. XIV ele já estaria em uso na Itália a (S 2 ' 2 bündoline 3,3' diona) — C16H10 N202
fim de se poder distingui-lo facilmente — com a estrutura molecular da figura 8A.
O azul ultramarino era produzido a par-
da azurite, à qual, por não ser importa- Era usado não só como pigmento, em
tir do lápis-lazúli, que é uma pedra
da do ultramar, se passou a chamar pintura, mas também como corante, na
semi-preciosa constituída por uma mis-
azurrum citramarinum, azurro della indústria têxtil. Note-se que, nessa
tura de vários minerais, sobretudo lazu-
rite (um feldspatóide calcossódico, de
cor azul-forte) acompanhada às vezes
por sodalite (um feldspatóide sódico,
figura 8 Estruturas moleculares (A) do índigo e (B) do seu isómero indirubina.
também de cor azul) e haüynite (um
feldspatóide alumino-cálcico, próximo
da sodalite) e normalmente por calcite e
pirite. Estes dois últimos minerais apre- O
// H
sentam-se como pequenas manchas
brancas e douradas num fundo azul, as A
C /N
C=C
quais conferem à pedra um aspecto N/
H
C
característico que alguns autores clássi- i/
0
cos descreveram como semelhante a
um céu estrelado (figura 7). Daí que ela
tenha sido sempre muito apreciada
desde a antiguidade mesopotãmica até
aos nossos dias.

O lápis-lazúli seria importado do Orien-


te, provavelmente das minas de
B
C

H
> =c 7
CI
NH

Badakshan, no Afeganistão, menciona-


das por Marco Polo na descrição da sua
62 I QUÍMICA

extracção, se separa juntamente uma processos de fabricação deste pigmento Baldo, que foi detectada unicamente
quantidade variável do seu isómero indi- e indicou algumas variedades — scolex, em Avenches, Bõsingen e Vallon. Verifi-
rubina (8 2 ' 3 -biindoline-2',3-diona), tam- santerna e hieracium —, anotando que cou-se, por outro lado, a presença de
bém chamado vermelho-índigo, cuja eram aplicadas não só em pintura como mais dois pigmentos — a malaquite e o
estrutura molecular está esquematizada ainda em medicina e em metalurgia. verdigris — mas cada um deles apenas
na figura 8B. No indigo de Bengala, por numa única amostra e, no caso do ver-
Segundo Vitrúvio, a creta viridis ou terra
exemplo, a percentagem de indirubina digris, misturado com uma terra verde e
verde existia em vários lugares mas a
no produto fabricado oscila normalmen- azul egípcio. O uso da malaquite em
melhor vinha de Esmirna. Este seu
te entre 2% e 4% [19]. pinturas murais romanas foi também
apontamento é normalmente interpreta-
comprovado por Augusti [91 e Guineau
0 indigo, quando purificado, é um pro- do como querendo referir-se à celadoni-
et al. [11], e o do verdigris por Augusti
duto azul escuro (figura 8) insolúvel na te de Chipre, a qual seria exportada
[9] e Delamare etal. [21].
água, álcool, éter e ácido clorídrico. Na através do porto de Esmirna. Julga-se,
presença de álcalis, pode ser reduzido todavia, que o termo creta viridis era uti-
por diversos agentes redutores a leuco- lizado para designar rochas ricas em 6. Pigmentos brancos
Indigo (2,2'-diindoxilo), solúvel, redução quaisquer minerais argilosos verdes,
Os pigmentos brancos citados por Vitrú-
esta que constitui um passo fundamen- i.e., não só em celadonite mas também
vio foram o paraetonium, o melinum e a
tal no processo usado nas tinturarias. em glauconite, clorite, etc.. É importan-
cerussa artificial, o último dos quais cor-
Com efeito, o corante é fixado pelas te notar que Plínio se referiu ainda a um
responderia ao produto conhecido hoje
fibras têxteis na sua forma reduzida,
pelo nome de branco-de-chumbo. Plí-
sendo depois transformado em indigo,
nio menciona ainda a cerussa natural,
insolúvel, por oxidação ao ar.
que corresponderia ao mineral cerussi-
Impo rt a registar que, em 1870, Baeyer te, e diversas variedades de cré como a

e Emmerling [20] conseguiram sintetizar anularia, a eretria, a selinusia, a argen-


pela primeira vez o índigo, a pa rt ir da taria e a cimolia. É interessante notar
isatina (indole-2,3-diona). Em 1897, ele que, inicialmente, apesar de o número

passou a ser produzido industrialmente de pigmentos referidos pelos dois auto-

na Alemanha, por iniciativa da BASF. res ser apreciável, muitos analistas per-
sistiram em atribuir esta cor apenas a
três substâncias — cal apagada, carbo-
5. Pigmentos verdes nato de cálcio e calcite. Análises poste-

Concordantes são também as informa- riores, em maior quantidade e mais cui-

ções dadas por Vitrúvio e Plínio sobre os dadosas, realizadas por Augusti [91 e

pigmentos de cor verde. De facto, figura 9 Amostra de índigo natural, da Índia. Béarat [6], vieram todavia modificar tal

ambos mencionam quatro espécies, perspectiva. Com efeito, elas permitiram

conhecidas pelos nomes de chrysocolla, põr em evidência um conjunto grande


pigmento denominado appianum, mas
de pigmentos os quais são, por ordem
aeruca ou aerugo, creta viridis e chryso- admite-se que tal nome designasse
de frequência, os seguintes: nas prepa-
colla falsa. especificamente um lugar de extracção
rações, a cal apagada, a cré, a dolomite
de terra verde, como o Vale Appiana na
A chrysocolla nada tinha a ver com o e a aragonite; nos motivos, a aragonite,
cadeia do Monte Baldo próximo de
mineral actualmente chamado crisocola a cré, a dolomite, a cal, a cré anular, a
Verona [211.
[81, o qual é um silicato de cobre, mas cerussite e a diatomite.
sim com a malaquite que, na antiguida- Análises efectuadas a 80 amostras de
6.1 Cal apagada
de, se designava igualmente por arme- pigmentos verdes colhidas de pinturas
nium e é, como se disse já [8], um car- murais romanas, oito das quais em A cal apagada era um dos componentes
bonato básico de cobre. De acordo com Pompeia e as restantes em diversos principais da argamassa romana onde
aqueles dois autores, este pigmento sítios romanos localizados na Suíça, desempenha o papel de cimento ao
pe rt encia ao grupo dos pigmentos mais indicaram que os pigmentos mais usa- transformar-se em calcite, mediante
caros. dos teriam sido as terras verdes, sobre- reacção com o dióxido de carbono do ar.
tudo as celadonites, a que se seguiram Era igualmente utilizada na aplicação da
A aeruca ou aerugo seria o verdigris,
por ordem de frequência as glauconites última camada do supo rt e — intonaco —
que é um acetato básico de cobre [8].
e as clorites [6]. Identificaram-se, pelo sobre a qual se pintavam os motivos.
Mas o termo aerugo parece ter sido
menos, duas variedades de celadonite:
usado por Plínio num sentido mais Como pigmento, admite-se que fosse
uma, semelhante à de Chipre, que exis-
amplo para designar qualquer substân- usada exclusivamente para os fundos e,
te na maior parte dos sítios estudados
cia produzida pela corrosão do cobre e por vezes, para preparar também cores
da Suíça; outra, semelhante à do Monte
do bronze. Plínio descreveu diferentes pouco intensas, como o rosa, em com-
QUÍMICA 63

binação com outros pigmentos. Trata-se ções. É de notar que nas pinturas de Raras vezes, porém, se conseguiu
porém duma hipótese, dado que a sua Avenches, caracterizadas pela riqueza detectá-los, o que tem sido atribuído à
existência só pode deduzir-se através da dos pigmentos, nenhuma cré foi detec- sua instabilidade na pintura a água e/ou
não-identificação de quaisquer outros tada em motivos brancos o que sugere na pintura exposta a gases sulfurosos [9,
pigmentos brancos [6]. que ela talvez tivesse uma cotação rela- 10]. Apesar disso, conhecem-se algu-
tivamente baixa. mas obras onde se identificou a cerussi-
6.2 Aragonite
te, como por exemplo uma pintura
A creta anulare, mencionada por Plínio, grega [22] e uma pintura de Pompeia
A aragonite é outra forma mineral de
carbonato de cálcio, seja de origem era um derivado da cré, que se prepa- [6].
sedimentar marinha, fazendo parte dos rava juntando-lhe vidro moído. Foi iden-
Tanto Vitrúvio como Plínio descreveram
esqueletos fósseis de certos animais tificada numa amostra bruta de Pom-
como se preparava o branco-de-chum-
como corais, moluscos, equinodermes, peia e, excepcionalmente, em dois
bo com base na reacção do vinagre com
etc., seja de origem hidrotermal, for- motivos brancos de Avenches [61.
o chumbo. É interessante notar que o
mando espeleolitos diversos como tra-
6.4 Dolomite processo de preparação se manteve
vertinos, estalactites, etc.. É instável nas
praticamente inalterável na sua essên-
condições termodinâmicas de superfí- A dolomite é um carbonato duplo de
cia até quase aos nossos dias, variando
cie, transformando-se, mesmo esponta- cálcio e magnésio — CaMg(CO 3 ) 2 — es-
apenas umas vezes por outras no que
neamente, em calcite. sencialmente sedimentar e diagenético,
respeita a pequenos pormenores de
que se forma pela dolomização do cal-
Tem sido o pigmento mais frequente- ordem técnica [23].
cário (substituição parcial do cálcio pelo
mente detectado em motivos brancos
magnésio sob o efeito de água salina 6.6 Diatomite
de pinturas murais romanas, encontran-
do-se por vezes misturado com pigmen- rica neste último elemento) ou por pre- A diatomite, igualmente conhecida por
tos doutras cores — vermelho, verde e cipitação directa. É também um mineral terra de infusório, terra de diatomáceas,
amarelo — muitos dos quais são pig- de origem hidrotermal. farinha fóssil, etc., é uma rocha sedi-
mentos ditos caros, como o cinábrio, a mentar leve e porosa, formada sobretu-
Segundo Béarat [6], nas pinturas
malaquite e a folha de ouro, o que leva do por restos de esqueletos de radiolá-
murais da Suíça romana este pigmento
a crer que a aragonite fosse considera- rios e diatomáceas e constituída
parece ser tão frequente como a cré.
da o pigmento branco por excelência da essencialmente por sílica amo rfa.
Em Pompeia, parece ser igualmente tão
época romana.
vulgar como a aragonite, havendo sítios Esta rocha foi detectada por Augusti [9]
É curioso notar que o cinábrio puro não em que na mesma parede se aplicaram ao analisar uma amostra de material vio-
era aplicado directamente sobre a pre- a dolomite e a aragonite. Em Avenches, leta duma pintura de Pompeia, suposto
paração mas sim sobre uma camada de estes dois pigmentos foram usados pelo ser o purpurissum referido por Plínio. O
aragonite colocada em primeiro lugar. mesmo pintor para realizar decorações mesmo investigador verificou ainda que
No caso em que a preparação era bran- contrastadas. O mesmo se verificou a diatomite se achava nesse material
ca, a camada intermédia era composta numa casa de Pompeia, onde o pintor misturada com um corante orgânico de
por uma mistura de aragonite e ciná- composição complexa, o qual corres-
que a decorou utilizou ainda a cerussite
brio. ponderia à púrpura — o ostrum de que
e a cré anular. É possível, portanto, que
fala Vitrúvio — extraída de conchas de
Segundo Béarat [6], no branco de ara- a escolha dos pigmentos brancos pelos
moluscos mediterrâneos pertencentes à
gonite observam-se muitas vezes mi- pintores romanos se baseasse em crité-
família do múrice. Assim, Augusti, tendo
núsculas conchas de moluscos, inteiras rios físicos diferentes.
em conta que Plínio mencionara a creta
ou fragmentadas consoante a granulo-
A dolomite é o pigmento branco mais argentaria ao falar da preparação de
metria do produto. Como o único pig-
correntemente utilizado para a diluição pigmentos violeta, concluiu que o men-
mento contendo conchas, citado por
do azul. cionado produto seria diatomite, que ele
Plínio, é o paraetonium, aquele investi-
desempenharia a função de fixador do
gador sugeriu que esse pigmento cor- 6.5 Branco-de- chumbo
referido corante e que, portanto, o mate-
responderia à aragonite.
Dois pigmentos brancos à base de chum- rial violeta analisado não seria um pig-
6.3 Cré bo foram citados por Plínio: a cerussa arti- mento mas sim uma laca [24].

A cré já era usada como pigmento pelos ficial, também chamada psimithium, e a
Note-se que a púrpura é talvez um dos
egípcios [8]. Na pintura mural romana, cerussa natural, as quais corresponde- corantes mais célebres em tinturaria,
pelo menos em certas regiões [6], pare- riam, como se disse já, ao actual branco- devido ao facto de os imperadores
ce ter sido muito corrente, sendo -de-chumbo e à cerussite respectivamen- romanos terem reclamado para si o uso
empregada para pintar motivos, diluir e te. O primeiro é um carbonato básico de exclusivo de vestes tingidas com ela.
preparar outras cores — azul, amarelo, chumbo —2PbCO 3 .Pb(OH) 2 — e o segundo Nero chegou mesmo a ameaçar com a
verde, rosa e cinzento — e fazer prepara- um carbonato normal — PbCO3 . pena de morte todos aqueles que não
64 I QuíMICA

15. Cennino Cennini, II Libro dell'Arte (The


cumprissem essa norma. Dois factores Agradecimentos
Craftsman's Handbook), D.V. Thompson, Jr.
teriam contribuído para essa preferên-
Agradece-se aos Doutores Maria João (Editor), New Haven, 1933, 37.
cia: o preço, que era enorme (precisa-
Melo e M. Justino Maciel a amabilidade
16. M. Merrifield, Ancient Practice of Pain-
vam-se de c. 10 000 animais para obter
de lerem criticamente o original e algu-
ting (Original Treatises on the Art of Painting
lg de corante), e a beleza da cor, que mas sugestões destinadas à clarificação
from the Xllth to the XVlllth Centuries), 2
toda a gente achava excepcional. do texto.
vols., London, 1849.

17. J.B. Guimet, Annales de Chimie, 46


7. Pigmentos negros
(1831) 431.
Sob o nome de atramentum Vitrúvio
Referências Bibliográficas 18. C.G. Gmelin, em Schweiger (Editor),
agrupou alguns pigmentos negros artifi-
Jahrbuch der Chemie and Physik, Band 24,
1. M. Robertson, La Peinture Grecque,
ciais, de origem vegetal, designadamen- Halle, 1828, 360.
SKIRA, 1959.
te os derivados da fuligem, da madeira e
2. Vitruve, De l'architecture, Livre VII, trad. 19. H. Schweppe, em E.W. Fitzhugh (Editor),
da borra de vinho. Sob o mesmo nome
B. Liou, M. Zuinghedau, com. M.-Th. Cam, Artists'Pigments: A Handbook of Their His-
Plínio distinguiu dois conjuntos, um de Paris, Les Belles Lettres, 1995. tory and Characteristics, vol.2, 1997, 81.
negros artificiais e outro de negros natu-
3. Pline l'Ancien, Histoire Naturelle, Livre
20. A. Bayer, A. Emmerling, Berichte der
rais. Além disso, dividiu o conjunto dos XXXIII, trad. H. Zehnacker, Paris, Les Belles
Deutschen Chemischen Gesllschaft, 3
pigmentos a rtificiais em dois grupos, um Lettres, 1983.
(1870) 514.
de origem vegetal, idêntico ao referido Pline l'Ancien, Histoire Naturelle, Livre
por Vitrúvio, e outro de origem animal XXXIV,trad. H. Le Bonniec, com. H. Gallet 21. F. Delamare, L. Delamare, B. Guineau,

onde incluiu os derivados do osso e do de Santerre, H. Le Bonniec, Paris, Les Bel- G.S. Odin, em Pigments et Colorants de

ma rfim - elephantinum - . Quanto aos les Lettres, 1983. l'Antiquité et du Moyen Age, 1987, 103.

pigmentos naturais mencionou dois, que Pline l'Ancien, Histoire Naturelle, Livre XXXV, 22. A. Wallert, Sudies in Conservation, 40/3,
trad. J.-M. Croisille, Paris, Les Belles Lettres,
foram interpretados como vitríolos (sulfa- 177.
1985.
tos) de ferro e de cobre. Nenhuma refe- 23. R.J. Gettens, H. Kühn, W.T. Chase, em
Pline l'Ancien, Histoire Naturelle, Livre
rência foi feita, porém, pelos dois autores A. Roy (Editor), Artists'Pigments: A Hand-
XXXVI, trad. R: Bloch, com. A. Rouveret,
a ce rt os pigmentos naturais já usados no book of Their History and Characteristics,
Paris, Les Belles Lettres, 1981.
passado nomeadamente a grafite, piro- vol.2, 1993, 67.
4. M. Chaptal, Annales de Chimie 70 (1809)
lusite e magnetite.
22. 24. S. Augusti, Rend. Accad. Archeologia,

Análises realizadas a 52 amostras de 5. H. Davy, Philosophical Transactions of the Napoli, XXXVI (1961) 123.

pigmentos negros colhidas em diversas Royal Society 105 (1815) 97. 25. H. Van Olphen, Science, 154 (1966)
pinturas murais, existentes nalguns 6. H. Béarat, em H. Béarat„ M. Fuchs, M. 645.
Maggetti, D. Paunier (Editores), Roman Wall
sítios arqueológicos romanos localizados
Painting: Materials, Techniques, Analysis
na Suíça, e baseadas quer na mo rfologia
and Conservation, Institute of Mineralogy
dos grãos, quer na sua composição quí-
and Petrology, Fribourg, 1997, 11.
mica e/ou mineralógica, permitiram
7. J.M.P. Cabral, Química 62 (1996) 11. Notas
identificar três espécies: a fuligem, o car-
8. J.M.P. Cabral, Química 66 (1997) 17.
vão de madeira e o negro de osso [61. (1) Mistura natural complexa de óxidos e
9. S. Augusti, / Colori Pompeiani, De Luca
Mostraram, além disso, que o pigmento hidróxidos de ferro com algum carbonato.
Editore, Roma, 1967.
mais frequentemente utilizado foi sem (2) Curiosamente, o azul maia, que de acordo
10. R.J. Gettens, G.L. Stout, Painting Mate-
dúvida a fuligem, que se apresenta com com a sugestão de Van Olphen [25] teria sido
rials a Short Encyclopaedia, Dover Publica-
grão muito fino e parece ter sido aplica- tions Inc., 1966.
produzido aquecendo uma mistura de índigo

da juntamente com um ligante orgânico, com atapulgite, é extremamente estável,


11. B. Guineau, I. Fauduet, J.M. Biraben,
ou misturada com argila, ou ainda sobre- Germania, 73/2 (1995) 369. mesmo aos ácidos e à biocorrosão, o que

posta à argila. 12. A. Wallert, Studies in Conservation, 40/3


permitiu que se conservasse praticamente

(1995) 177. inalterável em numerosas pinturas mesoame-


A utilização de pigmentos naturais pare-
ricanas, como por exemplo nas de Bonam-
13. E. Jãgers, E. _lagers, Comunicação oral,
ce ter sido rara e característica apenas
Colloque de Fribourg (1997). pak, província de Chiapas, México, datadas
de certas regiões, como a ilha de Chipre
14. J. Plesters, em A. Roy (Editor), Artists'- do fim do séc. VIII d.C., apesar de terem per-
ou a Grécia onde os minerais de man-
Pigments: A Handbook of Their History and manecido vários séculos sob a influência do
ganês são abundantes.
Characteristics, vol.2, 1993, 37. clima austero da selva de Chiapas.
A complexidade das reacções químicas surge quando nos interroga- feriu ignorar e atribuir os resultados obtidos a uma deficiente execu-
mos sobre o seu desenrolar; embora todas as reacções evoluam no ção experimental. Actualmente tal compo rt amento talvez seja dificil-
sentido de atingir o equílibrio, ou seja, de entropia crescente ou de mente compreendido devido à nossa familiarização com o tema. No
potencial químico decrescente, nem todas o atingem de um modo entanto, o fenómeno é de facto extraordinário. Usando uma analogia
regular e uniforme. Tudo depende dos mecanismos que se encontram de Philip Ball, é como se, ao deitarmos uma colherzinha de natas no
em jogo; se existem várias reacções químicas autocatalíticas acopla- nosso café de repente a víssemos repetidamente espalhar-se unifor-
das, podem produzir-se fenómenos não-lineares, dos quais os mais memente pela superfície produzindo um castanho uniforme e depois
conhecidos são as reacções oscilantes e o caos químico. separar-se de novo, desenhando uma espiral branca num líquido

A primeira reacção oscilante foi observada em 1917 por William Bray preto. Será apenas nos anos 60 que um outro bioquímico russo, Ana-

quando estudava a decomposição catalítica de peróxido de hidrogénio toly Zhabotinsky, levará a sério os resultados obtidos por Belousov, e

por iodato de potássio, com produção de 0 2 e 1 2 . Mais tarde, em 1951, os reproduzirá experimentalmente de forma irrefutável. A impo rt ância

ao tentar preparar um meio que mimetizasse alguns dos aspectos do desta reacção será então reconhecida, passando a dar pelo nome de

processo metabólico que dá pelo nome de glicólise, o bioquímico reacção Belousov-Zhabotinsky ou reacção BZ. Quando a reacção BZ

russo Boris Pavlovitch Belousov descobriu que, em meio ácido, a oxi- é efectuada num reactor abe rt o alimentado em contínuo as oscilações

dação de ácido malónico por bromato de potássio catalizada por iões são regulares e podem manter-se indefinidamente. Actualmente, são
cério ou ferro dá origem a uma complexa mistura reaccional, na qual cada vez mais numerosos os trabalhos publicados que demonstram a
as concentrações de reagentes e produtos oscilam no tempo. Os tra- generalidade e importância dos sistemas não lineares, em áreas cien-
balhos de Belousov não tiveram qualquer reconhecimento por pa rt e tíficas tão diversas como, por exemplo, a Biologia [1,2], Geologia [3]
da comunidade científica. Eram de tal forma inesperados, que se pre- Meteorologia [4] e Demografia [4].

A reacção de Belousov-Zhabotinsky
HBrO 2 + HBr0 2 4 Br03 + HOBr + H +
2H + + Br03 + Br - 4 HBrO 2 + HOBr
4Ce 4+ + HOBr + 3CH2(COOH)2 + BrCH(COOH)2 + 3H20 4
HBrO 2 + H + + Br - 4 2H0Br
4Ce 3+ + 2Br + 4HOCH(COOH) 2 + 6H +
3H0Br + 3CH 2 (COOH) 2 4 3BrCH(COOH) 2 + 3H 2 0
Br03 + HOCH(COOH) 2 4 3CO 2 + Br - + 2H 2 0
HBrO 2 + 3H + + Br03 + 2Ce 3+ - ) 2HBr0 2 + 2Ce 4+ + H 2 0
4Br03 + 3CH 2 (000H) 2 4 9CO 2 + 4Br + 6H 2 0

Interesse da actividade
O estudo de sistemas longe do equílibrio tem aplicações práticas em a sua racionalização podem ser dadas a um nível muito elementar,
áreas científicas tão diversas como a das Ciências Naturais, as Ciên- por exemplo quando se introduz pela primeira vez o conceito de equi-
cias Sociais, a Física e a Química. Trabalhos recentes publicados em líbrio químico e se fala do Princípio de Le Chatelier. Neste caso podem
revistas de elevado impacto científico como Science e Nature são ser exploradas as diferenças entre os dois tipos de sistema, simplici-
disso exemplo. O estudo da Dinâmica Química de sistemas longe do dade versus complexidade, reversibilidade versus irreversibilidade,
equilíbrio permite a introdução de conceitos como complexidade e
tempo monótono versus flecha do tempo. Esta actividade pode facil-
irreversabilidade que, por sua vez, permitem a compreensão da
mente ser integrada numa cadeira, seminário ou workshop de Histó-
expressão "a flecha do tempo" criada por Ilya Prigogine. São concei-
ria da Química, não só pelo aspecto unificador do pensamento como
tos intelectualmente muito estimulantes, possíveis de ser explicados
pelas histórias científicas que traz, como a do russo Belousov. Pode
com o mesmo entusiasmo a um aluno de Química, Biologia, Geologia
ou Sociologia. As reacções oscilantes são um exemplo deste tipo de também ser estudada em toda a sua complexidade numa aula práti-

sistemas. Podem ser integradas em contextos muito diversos devido à ca de cinética em Química-Física, em que se desenvolvem as equa-
sua beleza e pelo surpreendente do aparecimento de padrões com- ções cinéticas do sistema e se simulam em computador para compa-
plexos, como uma espiral, a pa rt ir do nada. As reacções oscilantes e ração com os dados obtidos experimentalmente [5].

Acerca da actividade
Para que a reacção BZ decorra sem problemas não pode ser usado casos é possível observar a formação de espirais. A estruturação
um vidro de relógio em substituição da placa de Petri e o conteúdo espacial pode durar dezenas de minutos até que, finalmente, o con-
desta não deve ser agitado. A temperatura deve ser mantida entre os traste se apaga quando os reagentes iniciais são completamente con-
15°C e os 25°C e a inexistência de iões cloreto deve ser garantida pela sumidos.
adição de Triton X ou através de outro método (AgNO 3 ).
As oscilações azuis-vermelhas observadas correspondem à oscilação
2+
Os estudantes deverão observar a formação de pontos de germinação da concentração dos complexos [Fe °1 (fen) 3 1 3+ / [Fe ° (fen) 3 ] ou seja
azuis sobre o fundo vermelho, a pa rt ir de onde se começam a formar da razão das formas [oxidada] / [reduzida].
as oscilações azuis-vermelhas que atravessam a solução. Em alguns (nota: fen = 1,10-fenantrolina)

Resposta às perguntas Outras experiências e referências


2) As oscilações observadas entre a cor azul e vermelha correspon- [1] E. O Budrene, H. Berg, Nature, 376 (1995) 49.
3+/
dem ã oscilação da concentração dos complexos [Fe 111 (fen) 3 ] [2] R. A. Gray, J. Jalife, International Journal of Bifurcation and Chaos,
] 2+ . 6 (1996) 415.
[Fe ° (fen) 3

[3] P. Heaney, A. Davis, Science, 269 (1995) 1562.


3) Estar em presença de reacções interligadas, simultâneas, cujos
[4] a rt igo neste número da Química da autoria de J. C. Micheau et al.
produtos de umas são reagentes de outras. As reacções podem ser
[5] 0. Benini, R. Cervellati, P. Fetto, J. Chem. Educ., 73 (1996) 865.
mantidas longe do equilíbrio fornecendo reagentes e/ou removendo
[6] referências no artigo, neste número da Química, dedicado a reac-
produtos.
ções oscilantes.

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