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OS BENTINHOS COMO PATUÁS: O PROCESSO DE

AFRICANIZAÇÃO DE UM OBJETO DEVOCIONAL


CATÓLICO NO BRASIL ESCRAVISTA*
Dossiê

Daniel Precioso**

Resumo: o tema desse estudo é o processo de africanização de objetos devocionais


católicos no Brasil escravista, ocorrido entre meados do século XVIII e do XIX. Nosso
objetivo será descrever e interpretar o modo como os negros nascidos no Brasil (criou-
los) ressignificaram o uso dos pequenos escapulários católicos marianos (Bentinhos) a
partir de um ponto de vista cosmológico tipicamente africano. Procuraremos demons-
trar que, paralelamente à preocupação cristã com a salvação da alma, os negros que
portavam o Bentinho o veneravam como amuleto eficaz para “fechar o corpo”.

Palavras-chave: Crioulos. Bentinhos. Africanização. Patuás.

BENTINHOS AS PATUAS: THE AFRICANIZATION PROCESS OF A CATHOLIC


DEVOTIONAL OBJECT IN BRAZIL SLAVERY

Abstract: the theme of this study is the process of Africanization of Catholic devotional
objects in Brazil slavery, which occurred between the 18th and 19th centuries. Our goal
will be to describe and interpret the way Brazilian-born blacks (Creoles) have re-signi-
fied the use of small Marian Catholic scapulars (Bentinhos) from a typically African
cosmological point of view. We will try to demonstrate that, in parallel to the Christian
threat to the salvation of the soul, the blacks who carried the Bentinho worshiped him
as an effective “closing body” charm.

Keywords: Creoles. Bentinhos. Africanization. Patuás.

* Recebido em: 08.09.2019. Aprovado em: 30.10.2019.

** Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense. Mestre em História pela Universidade Estadu-
al Paulista-Franca, SP. Graduado em História pela Universidade Federal de Ouro Preto. Docente do Pro-
grama de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Goiás, campus Morrinhos. Docente
do Curso de Licenciatura em História da Universidade Estadual de Goiás, campus Quirinópolis. E-mail:
daniel.precioso@gmail.com.

Revista Mosaico, v. 13, p. 18-35, 2020. e-ISSN 1983-7801 DOI 10.18224/mos.v13i1.7642 18


Um preto velho, famoso feiticeiro, respeitado e temido pelo vulgo, lhe tinha dado certa mandinga
ou caborje, amuleto temível e milagroso, que o preto inculcava como um preservativo infalível con-
tra balas, contra raios, contra cobras e contra toda e qualquer espécie de perigos. Gonçalo, supers-
ticioso como todo o homem ignorante, acreditava piamente em todas essas virtudes da mandinga,
e a trazia cuidadosamente cosida em seu cinturão de couro de lontra. Gonçalo trazia também ao
pescoço outro objeto de natureza inteiramente diversa; era um rico relicário de ouro com uma ima-
gem de Nª Sr. da Abadia, que sua mãe lhe dera em seu leito de morte, recomendando que tivesse por
aquela imagem particular devoção, e que invocasse sempre o seu patrocínio em todos os trabalhos
e perigos da vida. Com efeito, Gonçalo tinha a mais viva fé naquela santa imagem, e nunca em dias
de sua vida deixou de beijá-la com fervorosa devoção ao deitar-se e levantar-se da cama, depois
de ter rezado uma ave Maria. Assim, todas as vezes que se achava em perigos, com uma das mãos
apalpava o cinturão, em que trazia o talismã da superstição africana, e com a outra levava aos lábios
o relicário, confundindo desta maneira em sua tosca imaginação o culto da mãe de Deus com uma
grosseira feitiçaria (GUIMARÃES, 1866, p. 01).

O
trecho acima foi retirado da obra O Ermitão de Muquem (1858), do escritor mineiro Bernardo
Guimarães. Apesar da condenação etnocêntrica à religiosidade africana, chamada de ‘gros-
seira feitiçaria’, o autor-narrador capta bem um traço da cultura popular brasileira que está
presente no seu romance e na realidade social de sua época, a africanização de objetos devocionais
católicos. O personagem Gonçalo traz em si duas religiosidades distintas, a cristã e a africana, que
tomam forma em dois diferentes objetos de devoção, a bolsa de mandinga no cinturão e o relicário
no pescoço. Ao ver-se diante de um perigo, Gonçalo leva o relicário cristão até a boca e o beija, ao
mesmo tempo em que segura devotamente sua bolsa de mandinga presa ao cinto. A mesma intenção
devocional, de fechar o corpo, explica o apego íntimo de Gonçalo aos dois objetos religiosos. Era assim
que, no juízo preconceituoso do autor-narrador, Gonçalo confundia em sua tosca imaginação o culto
da mãe de Deus com uma grosseira feitiçaria.
O tema desse artigo é o processo de africanização de objetos devocionais católicos pela po-
pulação negra do Brasil escravista. O objeto devocional enfocado é o chamado Bentinho, pequeno
escapulário de culto mariano que os crioulos, negros nascidos no Brasil, traziam preso ao pescoço
durante o século XVIII e que, no século seguinte, tornou-se um dos principais objetos devocionais
do catolicismo popular brasileiro. Nosso objetivo será descrever e interpretar esse processo de afri-
canização dos Bentinhos entre meados do século XVIII e do XIX. O problema que nos colocamos é:
como o Bentinho, objeto de devoção católico, tornou-se sinônimo de patuá ou amuleto africano no
Brasil do século XIX?
Como a africanização do Bentinho se deu antes pelo seu modo de uso que pela sua compo-
sição material, embora as duas coisas pudessem ocorrer simultaneamente, na primeira seção deste
estudo, revisitaremos os debates teórico-metodológicos travados entre crioulistas e revisionistas, de
modo a nos posicionar frente a eles. Na seção seguinte, apresentamos os modelos interpretativos da
religiosidade africana na diáspora, refutando a operacionalidade do conceito de sincretismo em nos-
so estudo. A próxima seção do estudo aborda o processo de africanização do catolicismo português a
partir do conceito de catolicismo afro-brasileiro proposto por Sweet (2007). Em seguida, analisamos
os usos do Bentinho pela população crioula da Capitania de Minas Gerais durante a segunda metade
do século XVIII, utilizando, para tanto, documentação manuscrita particular das associações reli-
giosas de irmãos leigos – irmandades - sob a invocação de Nossa Senhora das Mercês. Finalmente, a
partir de uma análise de periódicos de diversas regiões do Império do Brasil, consultados na heme-
roteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, demonstramos que a identificação do Benti-
nho com os patuás africanos já estava bem consolidada no século XIX, como também passou a ser
combatida na segunda metade do século tanto pelos pensadores positivistas quanto pelos defensores
do catolicismo ultramontano.
Procuraremos demonstrar que, ao africanizar o catolicismo popular brasileiro, os africanos e
seus descendentes ressignificaram alguns símbolos cristãos de acordo com a sua própria cosmologia,
o que nos ajuda a compreender o processo por meio do qual “algumas crenças africanas se tornaram
parte intrínseca do tecido social brasileiro” (SWEET, 2007, p. 255-256).

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CRIOULISTAS E REVISIONISTAS

A publicação de O nascimento da cultura afro-americana: uma perspectiva antropológica


(1976), de Mintz; Price estabeleceu um acalorado debate no campo de estudos da chamada diás-
pora africana. O novo modelo analítico proposto pelos autores, batizado de crioulista, pretendia
despolarizar o debate acadêmico sobre a presença da cultura africana nas Américas, que, até então,
opunha de um lado os que, como Melville J. Herskovits (1895-1963) falavam em sobrevivência de
traços culturais africanos nas Américas e, de outro lado os que, como E. Franklin Frazier (1894-1962)
acreditavam ter havido uma completa aculturação das populações escravizadas devido à brutalidade
do regime escravista. O novo modelo, unindo história e antropologia, enfatizava as transformações
culturais ocorridas nas sociedades escravistas americanas por meio de processos que originaram
novas culturas nem africanas e nem europeias, mas afro-americanas.
Mintz e Price afirmaram que os africanos escravizados não puderam recriar nas Américas as
suas culturas tradicionais. Três premissas sustentavam essa tese: a primeira era a de que as culturas
africanas eram fortemente heterogêneas; a segunda, que o tráfico transatlântico dispersava as pesso-
as de uma mesma etnia em diferentes regiões da América; a terceira, que os africanos escravizados
não puderam reproduzir na América as instituições sociais, religiosas, familiares, governamentais,
entre outras de seu continente de origem. A popularização do modelo da crioulização acabou impri-
mindo nos estudos sobre diáspora africana uma ênfase excessiva nas novas culturas formadas nas
Américas em detrimento das culturas africanas originais1. Porém, nas três últimas décadas, impor-
tantes revisões do modelo crioulista foram promovidas por historiadores africanistas.
John K. Thornton, em A África e os africanos na formação do mundo atlântico (1400-1800) (2004),
demonstrou que o processo de crioulização ocorria antes mesmo dos africanos atravessarem o Atlântico,
ainda no continente de origem. Assim, muitos africanos escravizados já chegaram crioulizados ao con-
tinente americano. Esse era o caso de muitos dos centro-africanos traficados para o Brasil entre fins do
século XVI e meados do XIX. Devido à catolização do Reino do Congo e à colonização portuguesa de
Angola, muitas pessoas escravizadas nessas regiões já vinham batizadas para o Brasil, com rudimentos
de língua portuguesa e religião cristã. O historiador Ira Berlin assinalou que a crioulização não se dava
sempre de forma unilateral, podendo haver também reafricanização. Em seu conhecido artigo De criou-
los a africanos (1999), Berlin demonstrou que africanos crioulizados nos portos atlânticos da África, os
crioulos atlânticos, uma vez escravizados e enviados às colônias escravistas do sul dos Estados Unidos,
acabaram se reafricanizando. Berlin chamou esse modelo de “pendular” (BERLIN, 1999, p. 251-288)2.
Hall (2017, p. 114-149) e Sweet (2007, p. 142) revisaram a tese crioulista de dispersão das etnias
africanas na América, demonstrando que alguns grupos de africanos provenientes de sociedades
em desagregação (devido, sobretudo, às guerras) foram reiteradamente escravizados e enviados em
bloco a determinadas sociedades americanas. A escravização de populações africanas específicas,
resultante do contexto bélico no continente de origem, permitiu, assim, uma aglomeração de deter-
minados grupos étnico-linguísticos africanos nas sociedades escravistas americanas3. Sweet, um dos
mais contundentes críticos do modelo da crioulização refutou o argumento de que a heterogeneida-
de cultural dos povos africanos impedia a recriação de culturas africanas nas Américas. De acordo
com Sweet (2007, p. 142), as semelhanças linguísticas e cosmológicas possibilitaram a formação de
uma cultura pan-africana nas Américas4.
Esse processo de aglomeração de grupos de africanos escravizados em determinadas regiões
brasileiras permitiu recriações culturais africanas (SWEET, 2007). A concentração de nagôs na Bahia
de inícios do XIX, por exemplo, fez com que o ioruba se tornasse a língua franca da comunidade
negra baiana (PARÉS, 2005, p. 94). No mesmo século, nas lavouras paulistas de café, o predomínio
dos escravizados centro-africanos, como demonstrou Slenes (1992, p. 48-67) permitiu a formação
de uma cultura protobanto. Apesar de os escravizados na África terem sido desenraizados de suas
famílias e sociedades as suas afinidades linguísticas e cosmológicas, ao contrário do que afirmaram
Mintz; Price (1976) permitiram a formação de novos laços sociais, os quais eram firmados já na tra-
vessia atlântica, como demonstra a análise de Slenes do termo malungu e das reciprocidades e tabus
criados entre aqueles que compartilhavam a experiência da travessia da kalunga5.

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CATOLICISMO AFRICANO: SINCRETISMO OU DIÁLOGO DE SURDOS?

Para John K. Thornton a similaridade existente entre certos aspectos cosmológicos, a contra-
posição entre: mundo dos vivos e mundo dos mortos e aspectos simbólicos: cruz, água batismal, etc.,
do catolicismo e da religião banto permitiu o estabelecimento de um campo de equivalência entre os
dois sistemas religiosos, dando origem a um catolicismo africano. Em The development of an African
Catholic Church in the Kingdom of Kongo, 1491-1750, artigo publicado em 1984 no Journal of African
History, Thornton afirmou que foram os missionários que, ao trazerem a mensagem cristã ao Reino
do Congo, tentaram moldá-la à cosmologia congolesa. Porém, ideias fixas da religião congolesa resis-
tiram à mudança, o que ocasionou o sincretismo (THORNTON, 2004)6. Em Afro-Christian Syncre-
tism in the Kingdom of Kongo, artigo publicado no mesmo jornal em 2013, Thornton retomou o tema,
adotando, dessa vez, a perspectiva dos congoleses que receberam a doutrina cristã, afirmando que foi
a própria elite congolesa educada em Lisboa que disseminou o catolicismo no Congo, acomodando-o
no seu próprio sistema de crenças local o que teria resultado em um sincretismo incorporado7. Esse
tipo de sincretismo permitiu que “uma grande parte da religião original permanecesse e aceitasse a
mistura resultante como apropriadamente católica” (THORNTON, 2013, p. 55).
Não obstante a mudança de perspectiva, dos missionários para os congoleses convertidos, em
ambos os trabalhos citados, Thornton (2013, p. 53) afirma que “o Cristianismo e a religião do Congo
se fundiram para produzir um resultado sincrético”. No artigo de 2013, procurando rebater as crí-
ticas ao seu trabalho feitas por historiadores como Sweet, Thornton elabora melhor o seu conceito
de sincretismo. Assinala que o aspecto fundamental é o que Fromont (2011, p. 111-3) chamou de
“espaço de correlação”, ou seja, as similaridades simbólicas e cosmológicas existentes entre o cristia-
nismo e a religião banto, que permitiram a incorporação inteligível do catolicismo pelos congoleses
(THORNTON, 2013, p. 57). Foram justamente esses pontos de contatos entre as duas religiões que
tornaram possível um sincretismo, dando origem a uma catolização da religiosidade banto e a uma
africanização do catolicismo8.
MacGaffey também apontou para a existência de um catolicismo africano no Congo, que teria
se desenvolvido ao longo dos dois séculos seguintes à chegada da expedição de Diogo Cão à foz do
Rio Zaire (1485). Porém, diferente de Thornton, MacGaffey relativizou as correlações entre as religi-
ões cristã e congolesa afirmando que um diálogo entre elas não se estabeleceu, caindo assim, no va-
zio as mensagens dos missionários. Um “diálogo de surdos” (1994, p. 259) teria pautado os contatos
entre portugueses e congoleses nos séculos XV e XVI, sendo essencialmente africano o catolicismo
praticado no Congo. Prova disso é o movimento antoniano encabeçado no Congo da segunda me-
tade do século XVII por Kimpa Vita, versão ainda mais africana do catolicismo, que repudiava os
sacramentos, a cruz e os missionários (MACGAFFEY, 1986)9.
A recusa mais veemente da hipótese de sincretismo afro-cristão foi elaborada por Sweet, Se-
gundo ele a religião católica e as africanas não sofreram qualquer intercâmbio na diáspora. Os africa-
nos e os seus descendentes não teriam aceitado facilmente os preceitos católicos e, quando o faziam,
desenvolviam uma forma peculiar de catolicismo africano.

No Brasil dos séculos XVII e XVIII, as religiões africanas não eram sincréticas ou crioulas, mas
sim sistemas de pensamento independentes, praticados em paralelo com o catolicismo. Quando
ocorriam de fato misturas religiosas significativas, como se verificou a partir do século XVIII,
este sincretismo era especialmente evidente entre ganguelas e minas, ou entre ndembos e ardas
– e não entre africanos e católicos portugueses (Sweet, 2007, p. 21).

As religiões africanas e o catolicismo eram, portanto, rivais10 e, quando muito, desenvolveram-


-se paralelamente. Sweet chega a afirmar que foi o catolicismo que se adequou às cosmologias afri-
canas, tendo em vista o desejo de imposição da fé católica aos escravizados, enquanto a cosmologia
africana permaneceu intacta. Essa africanização do catolicismo também se explicava, segundo o
autor, pela eficácia das religiões africanas na resolução de problemas cotidianos daqueles que a elas
recorriam. Esse catolicismo africanizado no Brasil foi chamado por Sweet de catolicismo afro-brasi-
leiro. A seguir veremos como esse processo de africanização dos símbolos e crenças católicas modi-

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ficou permanentemente o catolicismo brasileiro crioulizando-o ao ponto de até mesmo a população
branca incorporar alguns de seus novos significados.

A AFRICANIZAÇÃO DE SÍMBOLOS E CRENÇAS CATÓLICAS NO BRASIL

As cosmologias africanas possuem traços gerais comuns e, a partir do século XVIII, quando
os centro-africanos se misturaram aos provenientes da África Ocidental no Brasil, desenvolveu-se
uma cultura pan-africana, que se manteve a parte da portuguesa. Porém, ao mesmo tempo em que
os dois sistemas religiosos, cristão e africano, se desenvolveram paralelamente, “ao longo de várias
gerações, a mistura de aspectos das duas tradições acabou por levar ao desenvolvimento de uma for-
ma africanizada de Cristianismo” (SWEET, 2007, p. 140). Os africanos e seus descendentes no Brasil
continuaram birreligiosos11. Embora o catolicismo afro-brasileiro tenha se processado através de
uma africanização de símbolos e crenças católicas que aliás, também irradiou o seu campo de influ-
ência para o universo de fiéis brancos. Doravante, demonstraremos como os africanos escravizados
interpretaram os rituais cristãos através de seus próprios sistemas cosmológicos, africanizando o
catolicismo praticado no Brasil12.
Nas cosmologias africanas distinguia-se mundo dos vivos e mundo dos mortos. Após a morte,
as almas eram enviadas para a morada dos mortos e de lá exerciam influência sobre a vida dos
parentes vivos. Comunidades de vivos e mortos continuavam, assim intrinsicamente ligadas. A bem-
aventurança -força vital- dos parentes vivos dependia das oferendas, preces e oblações prestadas aos
antepassados mortos. Para além do culto aos antepassados, havia o culto aos espíritos da natureza.
Apesar dos povos africanos conceberem a noção de uma divindade suprema, esta era incomunicável13.
Apenas as divindades secundárias, criadas pela divindade suprema, e os antepassados mortos
exerciam influência sobre os vivos, intercedendo por eles quando invocados. Disso resultava um
panteão com diversas divindades, invocadas para controlar o cotidiano dos vivos e reestabelecer o
equilíbrio social14. Essa cosmologia “enfatizava a importância do pragmatismo terreno sobre a fé”
(SWEET, 2007, p. 140) servindo como antídoto para as ameaças do mundo temporal doenças, secas,
esterilidade e, o maior dos infortúnios, a escravidão nas Américas.
Assim, nas cosmologias africanas os crentes não dependiam da misericórdia de um Deus úni-
co, tampouco concebiam a morte como julgamento entre a redenção – Céu- e a condenação -Inferno.
Todavia, o catolicismo popular que frutificou no Brasil escravista, impregnado de um culto afetivo
aos santos, propiciou zonas de contato entre as cosmologias africanas e o catolicismo.
Muitos estudiosos assinalaram que, assim como os santos católicos intercediam perante Deus
para a salvação dos fiéis, os espíritos menores africanos exerciam influência como intermediários
entre o crente e a divindade suprema (SWEET, 2007, p. 132). O culto aos santos, portanto, constituiu
uma porta de entrada dos africanos no catolicismo popular do Brasil escravista.
Os africanos escravizados no Brasil vislumbraram semelhanças entre os santos católicos e o
panteão de suas divindades: sob um prisma africano, como se dava com os espíritos ancestrais e os
espíritos da natureza, os santos católicos podiam ser invocados para resolver problemas cotidianos
dos fiéis, usando, para tanto, seus poderes sobrenaturais. Nossa Senhora do Parto, da Expectação ou
do Ó, era invocada pelas mulheres para propiciar um bom parto; Santo Antônio era invocado para
assegurar bons casamentos; São Brás para a cura de males da garganta e assim por diante.

Embora os santos não substituíssem os espíritos ancestrais africanos, assumiam um lugar ad-
jacente15 o que criou um ponto de contato entre as crenças africanas e o catolicismo – acabando
por contribuir para a formação de um catolicismo afro-brasileiro (SWEET, 2007, p. 242).

Souza (1986), em seu estudo da religiosidade popular no Brasil colonial, assinalou o caráter
pragmático, mundano e cotidiano do culto aos santos. Esse tipo de religiosidade se distanciava da
escatologia cristã e dos preceitos tridentinos. Embora o catolicismo popular, permeado por caracte-
rísticas mágicas, estivesse impregnado de reminiscências pagãs europeias, foi moldado pela africani-
zação de rituais e crenças católicas16. Símbolos católicos também foram agregados ou ressignificados
à luz das estruturas cosmológicas africanas.

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Em um grande número de denúncias e processos inquisitoriais há menção à cruz, embora esta
fosse integrada nos rituais africanos como encruzilhada “ponto cardeal” um elo para o contato entre
os mundos visível e invisível (THOMPSON, 2011, p. 113).
O sal que os sacerdotes punham na boca dos escravos para batizá-los era associado à proteção
contra infortúnios no mundo visível. E a hóstia consagrada também era requisitada pelos africanos de-
vido aos seus poderes mágicos. Muitas vezes ela era retirada da boca para servir de ingrediente para a
confecção das bolsas de mandingas, muito populares no atlântico português devido à sua eficácia para
fechar o corpo. Tanto mais poderosas eram as hóstias quando colocadas entre a pedra d’ara e a toalha
de altar, oficiando o sacerdote a missa sobre ela (SOUZA, 1986). Pedaços da pedra d’ara, cujos poderes
mágicos decorriam do fato de ser o altar onde o sacerdote oficia o sacrifício da missa, também eram in-
gredientes muitos requisitados para as bolsas de mandingas. Trechos de preces cristãs eram igualmente
colocados no interior desses talismãs. Os próprios sacramentos católicos, provavelmente, foram ressigni-
ficados a partir das cosmologias africanas (SWEET, 2007, p. 227), como no caso citado do sal do batismo.
As irmandades, importantes veículos do catolicismo popular no Brasil escravista, também con-
tribuíram para a africanização de símbolos e crenças católicas. Ao desembarcarem no Brasil, os centro-
-africanos encontravam comunidades negras organizadas em devoção a um santo católico, como que
a venerar um nkisi ou ancestral morto. Em perspectiva centro-africana, o santo passava a ser investido
de poderes mágicos e era invocado para aplacar os infortúnios decorrentes do feitiço que produziu a es-
cravização e a travessia da kalunga (Atlântico) rumo à terra dos mortos (América). Uma vez no interior
das irmandades africanas mais populares no Brasil – as do Rosário –, os africanos podiam contar com o
poder mágico desse poderoso talismã em que consistia o rosário de Nossa Senhora. “Usado ao pescoço, o
poder mágico das suas contas servia de bálsamo protetor contra os poderes malignos, o que sem dúvida
chamou a atenção dos africanos e seus descendentes” (SWEET, 2007, p. 242-243)17.
Os capelães das irmandades negras cumpriam, às vezes, um papel importante na acomodação
de símbolos católicos à religiosidade africana. Embora alguns padres permanecessem

[...] devotamente ortodoxos, exigindo que os seus fiéis obedecessem às leis da Igreja Romana,
outros encorajaram nos seus rebanhos o envolvimento simultâneo em práticas africanas e cató-
licas. Outros ainda procederam a uma africanização dos rituais católicos, como forma de fazer
face aos desafios colocados pelas religiões africanas (SWEET, 2007, p. 23).

A exemplo do que faziam os jesuítas em suas atividades missionárias de catequização das po-
pulações indígenas, os capelães das confrarias negras procuravam conhecer aspectos cosmológicos
africanos para, por meio de analogias e sobreposições semânticas, dotar de significado os símbolos
e as doutrinas católicas. Afinal, como esclareceu Baczko (1985), para que uma mensagem seja trans-
mitida com sucesso, é necessário que haja uma “comunidade de sentido” entre emissor e receptor,
sem a qual o diálogo não se estabelece. Ao procurar essa comunhão de significado, os capelães das
irmandades negras atuavam como espécie de antropólogos, buscando uma prévia compreensão da
religiosidade dos confrades negros para depois integrarem símbolos e doutrinas católicos às estrutu-
ras cosmológicas africanas. E, ao fazê-lo as tornavam, progressivamente, afro-brasileiras.

AS IRMANDADES NEGRAS E A AFRICANIZAÇÃO DOS BENTINHOS

O catolicismo brasileiro se africanizava, sobretudo, quando os fieis passavam a almejar ga-


nhos temporais por intermédio de objetos e rituais religiosos. Diferente das religiões africanas, que
provavam a sua eficácia através de resultados obtidos pelos crentes no mundo visível, o catolicismo
possuía uma teologia abstrata e prometia a redenção aos bons fiéis apenas após a morte (SWEET,
2007, p. 255). Esse foi o motivo da adesão de muitos católicos às práticas mágico-religiosas africanas
de cura e adivinhação, que lhes pareciam muito reais por se comprovarem diária e empiricamente
como, por exemplo, na cura de doenças. Ao africanizar o catolicismo popular brasileiro, os africanos
e seus descendentes ressignificaram alguns símbolos cristãos de acordo com a sua própria cosmolo-
gia. Um desses símbolos foi o chamado Bentinho, que os crioulos, negros nascidos no Brasil, confra-
des de Nossa Senhora das Mercês traziam no pescoço.

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Fundada na Espanha do século XIII por São Pedro Nolasco para a redenção dos cristãos escravi-
zados pelos mouros, a Ordem de Nossa Senhora das Mercês se espalhou pelo império português durante
a União Ibérica (1580-1640). Se, em Portugal, as confrarias mercedárias eram elitistas e encabeçadas por
homens brancos, na América portuguesa a Senhora das Mercês tornou-se o orago por excelência das con-
frarias de negros nascidos no Brasil. Na Capitania de Minas Gerais, a partir de meados do século XVIII,
na medida em que aumentava a população escrava nascida localmente18, diversas irmandades das Mercês
foram fundadas pelos crioulos. Em Vila Rica, capital administrativa e política da capitania, duas irman-
dades desse orago surgiram nas paróquias urbanas do Pilar e Antônio Dias em meados dos Setecentos.
Desde os primeiros anos de existência, os confrades das duas associações mercedárias de Vila
Rica, que surgiram de um cisma na comunidade crioula da vila, buscaram a elevação das suas confrarias
ao grau de ordem terceira19. Com esse intento, mandaram procuradores buscarem patentes em conven-
tos distantes, no Estado do Grão-Pará e Maranhão e, até mesmo, em Madri. Embora o status de ordem
terceira tenha demorado a ser oficialmente reconhecido, Mercês de Antônio Dias, em 1828 e Mercês do
Pilar, em 1846, as duas associações passaram a realizar práticas religiosas das ordens terceiras mercedá-
rias desde os anos 1760, como revela um processo judicial da Câmara Eclesiástica do Bispado de Mariana.
As duas irmandades mercedárias disputavam a exclusividade de privilégios constantes em patentes con-
ventuais que alcançaram, mais precisamente, os rituais de absolvição geral e lançamento de Bentinhos20.
O Bentinho era um pequeno escapulário, objeto de devoção composto por dois saquinhos (pe-
quenos pedaços quadrados de pano) confeccionados de lã e presos por dois cordões (Figura 1). Devia
ser trazido ao pescoço, de modo que um saquinho ficasse sobre o peito e o outro nas costas. Não era
obrigatória a estampa de Nossa Senhora nos dois pedacinhos de pano, mas era de praxe colocar nos seus
interiores orações escritas21. Imprescindível era a benção de um religioso carmelita22 ou mercedário ou,
ainda, de qualquer sacerdote autorizado pelos superiores conventuais. Assim, o Bentinho era recebido
ou lançado aos fiéis, como se dizia pelas mãos de um reverendo sacerdote aprovado para tal. Os que
recebessem os Bentinhos e usassem dia e noite, sempre trazendo-os junto ao corpo receberiam as se-
guintes indulgências: 1º se morressem com o escapulário seriam preservados do inferno; 2º morrendo
com o escapulário Nossa Senhora os livraria do purgatório no primeiro sábado depois da sua morte23.

Figura 1: Escapulário e Bentinho (pormenor) de Nossa Senhora das Mercês


Fonte: Capela das Mercês de Mariana (foto do autor).

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De acordo com a doutrina católica, a confissão perante o padre redime o fiel do fogo do in-
ferno, mas não das penas temporais. Para redimir-se das últimas, e arrancar a semente do pecado
de seu ser, o fiel deve cumprir as penitências impostas pelo sacerdote-confessor. Caso faleça antes
de cumpri-las, tem de se purificar no fogo do purgatório24. Em caso de uma morte repentina, sem
os sacramentos da confissão e extrema-unção, a principal forma de livrar a alma de pagar penas no
além consiste na obtenção de indulgências. De acordo com a doutrina cristã, as indulgências formam
um tesouro de merecimentos da Paixão de Cristo e do martírio dos santos. Como há uma comunhão
dos santos com os demais cristãos, estes, a partir do batismo, podem acessar o grande patrimônio
espiritual da Igreja -as indulgências-, desde que cumpram é claro os preceitos católicos.
Os modos de aquisição dessas remissões das penas temporais eram variados: visitando de-
terminados templos e santuários; participando de jubileu ou festividades sagradas; integrando o
corpo de alguma ordem religiosa, etc. Os confrades mercedários, como vimos, mesmo sendo leigos,
podiam ter acesso às indulgências se obtivessem patentes conventuais que os autorizassem a lançar
Bentinhos. Para gozar do privilégio de retirada da alma do purgatório no primeiro sábado após a
morte não bastava, porém, trazer o Bentinho ao pescoço. Era necessário manter-se casto em vida
e, sabendo ler, recitar todos os dias o ofício de Nossa Senhora e, não sabendo ler, observar todos os
jejuns prescritos pela igreja, abstendo-se da carne as quartas, sextas e sábados25.
A centralidade devocional dos pequenos escapulários era tão pronunciada que, às vezes, vi-
nha expressa já nos títulos das irmandades mercedárias. Esse foi o caso da Irmandade das Mercês
do Sumidouro, que se autodesignava Santa Irmandade do Escapulário da Gloriosa Virgem Nossa
Senhora das Mercês e Redenção dos Cativos26. O lançamento dos Bentinhos era assim, ao mesmo
tempo, a principal incumbência dos capelães e o primordial atrativo para o ingresso de irmãos nas
Mercês. São frequentes nos regimentos internos dessas irmandades, referências a livros que com-
pendiavam as indulgências dos religiosos mercedários. Em 1778, a Irmandade das Mercês da Vila
de Sabará, após orientar o ingressante a se confessar e comungar para receber o Santo Escapulário,
revelou que as graças e indulgências concedidas pelo Sumo Pontífice estavam descritas em um livro
de compêndio27.
As leituras públicas desses compêndios, nos principais logradouros e praças dos arraiais, vilas
e cidades, atraíam novos devotos para as irmandades mercedárias. Entre os negros que ouviam essas
pregações públicas, certamente, eram as promessas de proteções contra perigos temporais que exer-
ciam maior fascínio mais do que o próprio privilégio sabatino, retirada da alma do purgatório. Não é
difícil imaginar o encanto ocasionado por certos trechos do compêndio, como o seguinte:

as mais formidáveis tormentas acalmam-se; salvam-se os infelizes sepultados no seio das mais
furiosas ondas; alcançam a margem da corrente os que por ela são arrebatados; e até encontram-
-se vivas pessoas que jazem no fundo dos poços ou nos abismos do mar. Despenha-se a gente do
alto das torres, das casas, das árvores mais elevadas sem sofrer sequer uma leve contusão; pode
um indivíduo ser atirado com balas candentes sem perigo; o raio perde a violência, os incêndios
não queimam, as moléstias mais rebeldes e a própria morte cedem ante a virtude poderosa do
santo escapulário (JORNAL DO RECIFE, 1876, p. 2)28.

Ao ouvirem que os amuletos de Nossa Senhora das Mercês protegiam os seus portadores de
todas essas ameaças temporais, os negros brasileiros certamente os associavam às bolsas de man-
dingas, tão populares no espaço atlântico português e que tinham o poder de fechar o corpo. As
próprias irmandades mercedárias forneciam, mediante pagamento de uma esmola, os saquinhos de
pano ligados por dois cordões –Bentinhos- para os seus irmãos. Era facultado ao ingressante, porém,
trazer o seu próprio escapulário para ser bento e lançado pelo sacerdote-capelão.
Na Irmandade das Mercês da Vila de Sabará, de acordo com o seu regimento interno de 1778,
a esmola do Bentinho era de meia pataca e deveria ser paga junto com a taxa de entrada. A irman-
dade cobrava uma anuidade de meia oitava de ouro, mas permitia a redução dessa taxa para quatro
vinténs de ouro àquele que trouxesse o Bentinho29. Nesse caso o Bentinho trazido pelo ingressante
poderia ser fabricado por um mandingueiro ou mesmo confeccionado pelo próprio ingressante, o
que torna ainda mais plausível nossa hipótese de africanização desses objetos devocionais católicos.

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O viajante francês Expilly (1977, p. 84-85), que viveu no Brasil em meados do século XIX, notou que
negros e negras da Cidade do Rio de Janeiro, ao lado da Igreja dos Militares, na Rua Direita, comer-
cializavam medalhas bentas e imagens. Segundo Faria (2004, p. 220-221), desde o século XVIII, as
africanas da Costa da Mina, pretas minas, da Vila de São João Del-Rei além de, frequentemente,
portarem esses amuletos, dominavam o seu comércio vendendo-os juntos aos demais produtos de
seus tabuleiros e quitandas.
No livro de assentos de irmãos das Mercês do Pilar de Vila Rica, encontramos referências a
irmãos que tiveram as suas taxas de ingresso na associação pagas em Bentinhos. Esse foi o caso de
Joana Maria dos Passos, crioula escrava de Bibiana Maria dos Passos, moradora atrás da Igreja do
Rosário, que ingressou na irmandade em quatro de junho de 1786 e pagou uma oitava e um quarto
de ouro em Bentinhos30. Esse processo de africanização dos Bentinhos pode ter sido ainda mais pro-
fundo na Irmandade das Mercês da Vila de Sabará, que congregava mulheres africanas provenientes
da Costa da Mina e de Angola31. A calunduzeira Luzia Pinta, que viveu em Sabará nas primeiras
décadas do século XVIII, “ fazia patuás de Bentinhos que distribuía para os seus consulentes, para
protegê-los de doenças e livrá-los de algum azar ou má sorte (grifo nosso)” (COSTA, 2013, p. 72)32.
Algumas irmandades mercedárias, como a de Sabará, possuíam livros próprios para os termos
dos que tomarem Bentinhos33, o que equivalia a um registro de confrades que vestiram o pequeno
escapulário da Virgem. Este livro e o Compêndio das Graças e Privilégios eram guardados, junto com
os demais livros e papéis, pelo escrivão debaixo de chave em um armário no consistório da capela
das Mercês de Sabará. O compêndio deveria ser apresentado, junto com o estatuto, durante todas
as reuniões administrativas da associação para que nunca tenham descaminho. Outro compêndio
deveria ficar sob a guarda do sacristão para por ele se celebrarem Bentinhos e [...] para instrução dos
irmãos34.
De acordo com o Compêndio, a confraria possuía sete santos jubileus por ano, ou seja, sete
solenidades públicas nas quais as penas temporais dos participantes eram perdoadas. É interessan-
te notar que, na antiguidade hebraica, os chamados jubileus eram as solenidades públicas em que
as dívidas e penas eram perdoadas e os escravos libertados. Tendo em vista a redenção de cativos
apregoada pelas irmandades mercedárias, não é descabida a hipótese de que, durante esses jubileus,
confrades cativos dessas associações fossem libertados, mediante ressarcimento dos seus senhores ou
a título da caridade destes35.
Ao longo do século XIX, como veremos, os usos mágicos dos Bentinhos passaram a ser alvo
de críticas. Com a elevação das Mercês de Antônio Dias de Vila Rica ao grau de Ordem Terceira em
1828, o lançamento de Bentinhos ficou restrito aos irmãos não professos já que aqueles que professa-
vam na Ordem recebiam o hábito de irmão terceiro36. O Bentinho passou a ser um sinônimo de não
professo, o que pode ter tornado esse objeto ainda mais atrelado à população negra cativa e pobre,
que não conseguia professar na Ordem. Os chamados Bentinhos (irmãos não professos) formavam
uma categoria inferior de irmãos da Ordem, não apenas por terem vetado o uso de hábitos, mas por-
que a associação não era obrigada a sufragá-los, ou seja, a rezar missas em intenção das suas almas.
Ao ingressarem na associação com estatuto de não professos, deveriam dar uma libra de cera de
esmola da insígnia (Bentinho)37.

OS BENTINHOS COMO PÁTUAS: UMA TRADIÇÃO A SE COMBATER

O baiano Oliveira Mendes, que no século XIX esteve no Reino do Daomé, relatou que “os afri-
canos faziam uma bolsa, semelhante ao ‘breve’ católico, que levavam consigo”. No interior dela, os
negros punham alguns objetos que consideravam como relíquias: cabelos, dentes, bicos de animais e
aves, alfinetes, pontas de lanças, penas e entranhas secas de aves, cascavéis de cobras, etc. (SANTOS,
2013, p. 23). Vimos que, no Brasil escravista, na medida em que se proliferava o uso de objetos e ora-
ções ligados aos santos, os rosários e os Bentinhos católicos foram ressignificados de acordo com a
cosmologia africana. “Os próprios objetos ligados ao culto do Santíssimo Sacramento, a eucaristia,
haviam sido convertidos em elementos capazes de trazer a cura e a proteção para o corpo de quem os
trouxesse junto a si” (SANTANA, 2010, p. 234). Com essa finalidade, pedras d’aras e pedaços de hós-

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tia serviam de ingredientes para a composição de bolsas de mandingas e, quiçá, Bentinhos de Nossa
Senhora confeccionados ou adquiridos por negros que ingressavam nas irmandades mercedárias.
O comerciante inglês Thomas Lindley, que esteve na Bahia na primeira década do século XIX,
em sua Narrativa de uma viagem ao Brasil, notou que o uso de escapulários como amuletos contra
“alguma doença particular, ou para aliviar uma aflição severa” (LINDLEY, 1969, p. 55-57) era uma
prática comum, até mesmo, entre os brancos. Em meados do século XIX, o inglês James Wetherell
também observou que homens e mulheres pertencentes às classes populares da Bahia, fossem eles
brancos ou negros, “usavam rosários como talismãs, além de Bentinhos contendo rezas impressas
em papel e exteriormente ornamentados com o retrato da Virgem, de algum santo de devoção ou
emblemas mágicos” (WETHERELL Apud REIS, 1991, p. 60). Esse costume popular, bem enraizado à
época passou, no entanto, a ser condenado pelos círculos de homens ilustrados do Império do Brasil
a partir de meados do século XIX.
O Diário do Rio de Janeiro, em uma edição de 1833, publicou uma matéria intitulada ‘Inte-
ressantíssimo livrinho contra a peste, feito em formato de Bentinho, para trazer na algibeira ou ao
pescoço’. O tal livrinho, em forma de Bentinho, continha a imagem de Cristo, São Sebastião e São
Zacarias, bispo de Jerusalém. O mais curioso é que o jornal atribuía a origem dessa devoção a uma
gravíssima peste que acometeu Trento durante o célebre concílio. A matéria do jornal aponta um
uso do Bentinho, por parte dos próprios padres do concílio tridentino! como um objeto de proteção
corporal isto é, amuleto contra a peste38.
O uso do objeto sagrado, inclusive com a introdução de imagens e rezas no seu interior, se
aproximava bastante da apropriação que os negros brasileiros fizeram do pequeno escapulário (Ben-
tinho) mercedário. Em uma clara mudança de opinião os redatores do mesmo Diário, sendo o prin-
cipal deles Joaquim Saldanha Marinho, trinta anos depois fizeram publicar a seguinte reprimenda:

— Achamos ridículo senão estúpido que se diga na atualidade que um homem inteligente e ilus-
trado se converta ao catolicismo unicamente por virtude de um Bentinho ou de uma medalha
milagrosa39.

O ataque à crença nos Bentinhos ocorreu no contexto da notícia dada pela redação do Jornal
A Cruz, da conversão de um filho do célebre Wilberforce em consequência de trazer ao pescoço tal
medalha, o que os editores julgavam um absurdo, depondo contra o espírito do jornal que a publi-
cou. Sobre o significado de tal medalha, o jornal afirmava que solapava os princípios da religião e
descatolizava o Brasil. Pelo que continha de idólatra, afeição a relíquias, o Bentinho insultava a razão.
O jornal ressalvava:

— Não negamos nem afirmamos a eficácia dos milagres, limitamo-nos a estranhar que se ensinem
ao povo práticas fanáticas, em vez de verdades reveladas”40.

O tom era de extirpação do que havia de mágico no catolicismo popular brasileiro, alinhando
o catolicismo aos ditames ultramontanos.
A mesma censura aos Bentinhos aparece em outro periódico na mesma década de 1860, o que
demonstra que, durante a segunda metade do século XIX, os portadores de talismãs passaram a ser
acusados de crendice e deturpação da religião católica. A título da razão, pretendia-se extirpar do
catolicismo o que havia de encantamento. Assim, o Jornal do Recife, em 1868, noticiava:

Apareceu aqui nesta vila uma carta que dizem ter sido feita por Jesus Cristo ao povo; e tem isto
de tal sorte entrado na cachola de uma meia dúzia de devotos e devotas – verdadeiras hipócritas
– deste lugar, que já tem extraído diversas cópias para trazerem penduradas no pescoço como
relíquia ou Bentinho41.

Tal como o Jornal do Rio de Janeiro, o Jornal de Recife condenava a veneração de relíquias e,
sobretudo, a utilização delas para a confecção de talismãs para fechar o corpo. O racionalismo da
segunda metade do século XIX pretendia realizar o desencantamento do mundo, em especial, do
mundo católico popular africanizado. O mesmo ocorria em Portugal, sendo emblemática a crítica

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ácida à veneração de objetos sagrados pelos católicos, desferida por Eça de Queirós, em 1887, no
romance A relíquia. O mesmo Jornal de Recife, em 1876, publicou uma transcrição de trechos do
Compêndio dos escapulários, do reverendo Guglielmo, em que se lê: “O escapulário [Bentinho] que
era primitivamente um hábito, hoje não passa de um amuleto composto por dois pedacinhos de
pano, presos por dois cordões”42.
Em 1885, o periódico mineiro O Domingo, ao atacar um escrito do pároco de São José Del
Rei, ironizou:

— Se não fosse a declaração de que esse impresso é para distribuir gratuitamente entre os de-
votos, bem podíamos desconfiar que não passava de algum Bentinho feito par ser trocado por
500 réis aí pelo interior43.

A mais veemente censura à venda de Bentinho veio da pena de um padre chamado Mariano,
que assinou um artigo escrito para O Noticiador Catholico, jornal baiano, em uma edição de 1850.
Dando sequência a um artigo em que criticava homens falsários que, vestindo opas de irmandades,
pediam esmolas nas ruas das cidades baianas, no artigo da sexagésima segunda edição do jornal,
mirou as mulheres que, em andores ambulantes, vendiam Bentinhos, verônicas e rosários. Não se-
riam mulheres como estas, a exemplo da calunduzeira Luzia Pinta e das pretas minas estudadas por
Sheila Faria (2004), as fornecedoras de Bentinhos usados pelos confrades mercedários, como vimos
na seção anterior desse estudo?
Voltando à matéria jornalística de 1850, o padre Mariano advertiu que estas mulheres vive-
ram, na juventude, escandalosamente e, com o avançar da idade, passavam a vender esses Bentinhos
pelas ruas da Bahia, dando ainda consulta às donzelas em suas aflições. Para o padre, essas práticas
eram em tudo destoantes do século XIX, que caminha em progresso [...], difundindo luzes e levando
a perfeição das ideias”. O padre defendia a destruição de tais instituições e lamentava que, apesar de
reprovadas pela maior parte, contudo continuam a subsistir44.
Em 1869, a Semana Ilustrada, jornal satírico carioca, escarnecia a venda de Bentinhos nos
seguintes termos:

Fui ter com outro amigo. Já o achei tranquilizado.


- Tenho passaporte, disse ele...
- Passaporte?
- Bilhete de passagem para o céu; aqui está.
E mostrou-me um Bentinho que um industrioso lhe vendera, e mediante o qual o meu amigo
iria direitinho ao céu... por um tostão.
Não pude deixar de admirar a barateza da viagem. Para ir a Botafogo paga-se dois tostões; para
ir ao céu um tostão. Verdade é que a Glória fica antes de Botafogo.
O bilheteiro do paraíso (provavelmente algum agente de S. Pedro) não imaginou coisa nova. Já
de há muito se vendem Bentinhos para ter perdão dos pecados, coisa assaz cômoda e lucrativa.
Os adelos vendem pelas ruas umas medalhas de chumbo, com uma caricatura de Virgem; a gente
compra uma delas, vai a um padre, que a benze, e fica-se livre dos crimes cometidos. Polícia que
prende um pecador assim absolvido comete um atentado45.

O mais eloquente relato que relaciona os Bentinhos aos patuás africanos é dado por Carmo
Gama na conclusão de seu conto da roça, intitulado O ermitão de Matozinhos, publicado em 1899
n’O Pharol. Em nota à conclusão, adverte o autor: “como todos os contos, todas as lendas populares
têm um fundo histórico, remoto ou próximo,” o que sugere que o relato a seguir estava presente na
tradição oral. O conto faz referência ao costume de fiéis visitarem o santuário de Bom Jesus de Mato-
zinhos, em Congonhas do Campo (MG), para pegar pedaços de uma pedra milagrosa e metê-las em
seus Bentinhos, exatamente como os africanos faziam com a pedra d’ara das igrejas na composição
de suas bolsas de mandinga.

A pedra milagrosa lá está. Quando chegarem à frente da igreja [do Bom Jesus de Matozinhos],
subam pelo lado da mão esquerda e, lá em cima, de um lado da porta que dá para o Sancta sanc-
torum, de lado, aí vê-la-eis, parte no alicerce da parede e parte sobressaindo. Nessa parte que

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está visível, é onde se tiram os pequenos fragmentos, que são levados pelos crentes para todos os
cantos do Brasil. Dizem que essa pedra é milagrosa, tanto que, todos os anos, o povo tira, tira, a
poder de martelo, de canivete, até de picareta, e ela, no ano seguinte, está na mesma! Dizem que
cresce até nos Bentinhos; por isso, o ano passado, a muito custo, obtive um pedacinho e trago
aqui no meu Bentinho46.

Sem dúvida o Bentinho era muitíssimo popular no Brasil do século XIX, como o comprova
a recorrência com que literatos caracterizam as suas personagens populares, sertanejos, tropeiros,
ermitões, etc., com o objeto no pescoço. No conto O tropeiro, publicado no jornal carioca Revista
Popular em 1862, encontra-se a seguinte caracterização da personagem do tropeiro:

era uma figura severa e lhana: uma barba cerrada e preta, a fronte alta e queimada, os cabelos lisos
e pretos de caboclo, davam-lhe uma certa distinção de fisionomia. A camisa vermelha se lhe abria
ao pescoço, e deixava ver um peito largo e valente, e aos seus latejos se agitava o Bentinho; - quem
não o tem de nossos patrícios?47

No romance regional de José de Alencar, O Sertanejo (1875), o poder do Bentinho é evocado


em mais de uma passagem em que o protagonista realiza verdadeiras proezas com risco de morte,
como quando conduz pela orelha uma onça48. Em uma crônica do Rio de Janeiro, publicada em 1892
no jornal mineiro O Pharol, um morador legítimo do bairro da Penha, oriundo de Braga vestia: ros-
cas, rosarinhos, chifre, folhagem, comenda, Bentinho, chapéu de palha de milho, roupa branca toda
manchada de vinho verde49.
O Bentinho sempre possui poderes miraculosos nessas obras. No conto O nariz d’Ella. Nar-
ração de um louco, de A. J. Baptista Guimarães, por exemplo, publicado em 1869 nas páginas do
Diário de Belém, o narrador se apaixona pelo nariz de uma donzela. Em tom tipicamente romântico,
a virgem suicida deixando uma carta-testamento na qual pede à mãe que entregue um embrulho ao
seu amado. No enterro, a mãe cumpre o último desejo da filha. O moço – narrador do conto – passa
a trazer o nariz de sua finada amada dentro de um Bentinho.
O Bentinho, como uma relíquia, palpitava no seu pescoço, de modo a fazê-lo sentir a respi-
ração da virgem morta50. Demonstramos sobejamente que, durante o século XIX, a associação do
Bentinho a um talismã que livra de fascínios, quebrantos e maus olhados estava consagrada51. Os
dicionários de língua portuguesa contemporâneos, com razão, arrolam o verbete Bentinho como si-
nônimo de patuá. Essa tradição popular, oriunda de uma africanização de um objeto católico, apesar
de ter servido de mote para a montagem de diversos personagens literários, foi alvo de críticas vora-
zes durante o século XIX por parte dos adeptos do racionalismo e de um catolicismo desencantado.

Considerações Finais

E ficou tão amarelo


Qual de cera um bonequinho
Mete o dedo no nariz
Beija do peito um Bentinho52

Procuramos demonstrar que a população negra, durante a segunda metade do século XVIII,
associou os pequenos escapulários marianos, conhecidos como Bentinhos, aos patuás ou talismãs
africanos. Para além da salvação/retirada da alma do purgatório, os Bentinhos foram usados como
amuletos que protegiam dos males mundanos, fechando o corpo e banindo infortúnios. Frente a um
perigo, o portador do Bentinho costumava leva-lo à boca e beijá-lo com devoção, tal como nos versos
do poema Convulsões de um moribundo, publicado em 1885 no jornal maranhense O Estandarte.
Esse uso africanizado do Bentinho é retratado em muitos romances do século XIX, época em que a
sua associação aos patuás negros já estava consagrada e passou a ser criticada pelos racionalistas e
defensores de um catolicismo desmagicalizado.
É certo que o uso de pedras d’ara e hóstias para fazer feitiços era um costume antigo entre
os próprios ibéricos (OLIVEIRA MARQUES, 1974, p. 171) e que, no Brasil colonial as feitiçarias

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portuguesas se somaram às indígenas e africanas (SOUZA, 1986). Porém, o grande afluxo de africa-
nos escravizados para as sociedades portuguesas durante a Época Moderna fez com que as práticas
mágico-religiosas africanas se tornassem predominantes nos territórios lusos. É, aliás, bem conhe-
cida a popularidade das bolsas de mandingas em todo o espaço atlântico durante o século XVIII
(SANTOS, 2008), inclusive no próprio Reino de Portugal (CALAINHO, 2008).

Notas

1 Com certo exagero, Lovejoy (Apud PRICE, 2003, p. 388) afirmou que o modelo crioulo presume que a
história africana não atravessou o Atlântico.
2 Luis Nicolau Parés, procurando aclimatar esse debate aos estudos da história e cultura afro-brasileira,
afirmou que, na Bahia escravista, esse modelo pendular operava entre os polos da ladinização (crioulização)
e da boçalidade (africanização).
3 As guerras angolanas de 1579 e 1580 foram responsáveis pelo início da primeira corrente do trato negreiro
africano para o Brasil. A desintegração do Reino do Congo a partir da Batalha de Ambuila (1665) e da
guerra civil que se seguiu permitiu o envio de muitos bakongos escravizados para o Brasil. A partir
de inícios do XVIII, a rota da Baixa Guiné enviou muitos escravos “minas”, sobretudo, para a Bahia,
Pernambuco e Minas Gerais. Finalmente, em inícios do XIX, a desintegração do império de Oió e as
guerras na região produziram um grande número de cativos falantes de iorubá (chamados de “nagô” na
Bahia), malês ou não, e hauçás (SWEET, 2007, 29-48).
4 Os princípios cosmológicos fundamentais (explicação, previsão e controle) partilhados pela maioria destes
povos africanos permitiram-lhes elaborar concepções comuns e continuar a desafiar a sua escravidão.
Desta forma, ganguelas, minas e ardas tornaram-se verdadeiramente africanos (SWEET, 2007, p. 142).
Sweet chama essa crioulização interafricana de processo de africanização.
5 Na tradição centro-africana, o termo “kalunga” designa as águas que separam o mundo dos vivos do
mundo dos mortos. Como os centro-africanos associavam o tráfico transatlântico à morte prematura, e a
América à terra dos mortos, o oceano atlântico passou a ser identificado à kalunga (SWEET, 2007, p. 192).
6 De acordo com Thornton (1984, p. 147-167), desenvolveu-se no Reino do Congo um “sincretismo aberto”,
uma vez que o reino era independente e que os missionários cristãos procuraram moldar sua mensagem
às estruturas religiosas locais, aceitando a mistura resultante como católica. A esse modelo de sincretismo
mais tolerante, Thornton opõe um “sincretismo fechado”, que teria ocorrido nas colônias onde os
missionários cristãos procuravam impor a religião oficial sem fazer concessões às religiões tradicionais
dos africanos escravizados.
7 Segundo Thornton (2013, p. 57), ao adotarmos o ponto de vista dos receptores da mensagem cristã,
“podemos dividir o sincretismo como sendo “rejeitado” (rejecting) ou “incorporado” (embracing). No
“sincretismo rejeitado”, as pessoas da área cristianizada adotam apenas as características superficiais da
religião dos missionários a fim de continuar ou talvez esconder a religião original. [...] Porque sua própria
elite tomou a liderança na moldagem da nova religião, o Congo adotou o “sincretismo incorporado” – um
sistema que procura um terreno comum com outra religião de modo a incorporar suas características de
um modo inteligível dentro de uma religião existente” (tradução livre).
8 As expressões são dos historiadores Ronaldo Vainfas e Marina de Mello e Souza. A partir das obras de
Thornton e MacGaffey, Vainfas & Souza (1998, p. 17) concluíram que a “congolização” do cristianismo e a
cristianização da religiosidade congolesa foram “nós imbricados de um mesmo processo”.
9 Para Thornton (1983, p. 106-107), o movimento antoniano combinou a religião tradicional congolesa com
a doutrina cristã transmitida pelos missionários, mas devidamente africanizada. Tratava-se, portanto, na
visão desse autor, de um “catolicismo congolizado”, mas não anti-cristão (ainda que tenha sido categorizada
como herética pelos padres capuchinhos no Congo).
10 Segundo Sweet (2007, p. 142), a religião centro-africana “emergiu como uma força contra-hegemônica” nas
sociedades escravistas portuguesas.
11 Ao falarmos em dualidade religiosa pretendemos enfatizar que “mesmo absorvendo gradualmente
algumas crenças católicas, os africanos continuaram bastante ligados às práticas espirituais africanas das
suas terras de origem” (SWEET, 2007, p. 244).

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12 De acordo com Sweet (2007, p. 225), “a aceitação do Catolicismo por parte dos africanos foi lenta e
desigual, e mesmo quando parecem registrar-se manifestações de devoção à fé cristã, continuam a poder
ser encontrados elementos do passado religioso africano em coexistência com as práticas cristãs... [os
africanos] contribuíram também para transformar a Igreja brasileira, deixando uma marca indelével no
panorama religioso do Brasil colonial.
13 Todavia, a crença em um “Deus único, onipresente e imutável” – como no cristianismo – não se verificava
nas religiões tradicionais africanas. Durante a conversão do Reino do Congo, por exemplo, nzambi mpungu
(o criador de todas as coisas), uma vez associado ao Deus cristão, “começou a envolver-se cada vez mais
nos assuntos do dia-a-dia de muitos congoleses, em especial daqueles que se identificavam como cristãos”
(SWEET, 2007, p. 131).
14 Para uma descrição das cosmologias africanas, Cf. os estudos do antropólogo ugandês Okot p’Bitek (1971a
e 1971b).
15 Muitos africanos escravizados “continuavam a venerar espíritos de antepassados paralelamente ao
Deus cristão,” mas outros “integravam simplesmente o Deus cristão no seu panteão de divindades, sem
reconhecer a sua supremacia” (SWEET, 2007, p. 227). A propensão dos africanos à agregação de entidades
ao seu panteão foi descrita por Luis Nicolau Parés (2016, p. 39). O “princípio de agregação” constituía uma
dinâmica cumulativa dos panteões, formando cultos com múltiplas divindades.
16 A nosso ver, o que Souza (1986) chama de “catolicismo popular” é, em grande medida, catolicismo afro-
brasileiro – visão sugerida, mas não afirmada por João Reis em A morte é uma festa, livro em que o historiador
adota os conceitos de “catolicismo popular” e “catolicismo barroco”, mas, ao tratar da “carnavalização negra
da religião”, define esse tipo de religiosidade como “manifestações afro-católicas” (REIS, 1991, p. 62-66).
17 Sobre o rosário como talismã africano, ver Saunders (1994) e Mulvey (1982, p. 256).
18 Esse processo é chamado pelos historiadores de “crioulização demográfica”.
19 As ordens terceiras eram associações de irmãos leigos ligadas a ordens religiosas. Por receberem uma série
de privilégios e isenções comunicadas pelos seus conventos superiores, como também pelos seus rituais de
iniciação (noviciado e profissão), eram consideradas associações religiosas leigas de status superior ao das
“simples confrarias”. Por esse motivo, quando uma confraria recebia uma patente conventual, tornando-se
uma ordem terceira, dizia-se que ela foi “elevada” a um grau superior.
20 Irmandade da Senhora das Mercês da Capela do Bom Jesus dos Perdões (Vila Rica, 1760-1780). Arquivo
Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana (AEAM), Bibliot. Prat. W - 37, fls. 6.
21 Uma inscrição frequente era Signum salutis, salus in periculis, faedis pacis, et pacli sempiterni [Sinal de
saúde, segurança no perigo, pacto de paz e acordo eterno] que constava no santo escapulário carmelita
entregue pela Virgem Santíssima à Simão Stock. “Notícias religiosas - Bentinhos do Carmo”. O Domingo,
Minas Gerais, ed. 12, 1885, p. 95.
22 O lançamento de Bentinhos (pequenos escapulários) foi adotado pela ordem terceira carmelita – já
que os leigos que a ela pertenciam não podiam vestir o escapulário da Ordem, restrito aos frades da
ordem primeira e às freiras da ordem segunda. Os mercedários apropriaram-se dessa prática carmelita,
provavelmente, porque a sua ordem religiosa também possuía um título mariano. Nas Minas Gerais, os
terceiros carmelitas professos vestiam hábitos, destinando os Bentinhos aos não professos e às pessoas de
condição social inferior, inclusive a escravos de irmãos terceiros.
23 Questões sobre o escapulario ou Bentinhos do Carmo. A Esperança: Jornal Religioso, Político, Scientifico e
Litterario, Paraíba, ed. 8, 1865, p. 2. O segundo privilégio é conhecido como “sabatino”.
24 O temor do Purgatório é um dos traços mais característicos da mentalidade religiosa católica do Brasil
colonial. A proliferação das irmandades de São Miguel e Almas e da Boa Morte, as inúmeras missas
deixadas em benefício próprio ou alheio nos testamentos coloniais e a própria preocupação das irmandades
com o enterro e os “sufrágios” pelas almas dos confrades corroboram essa afirmação.
25 Em caso de impossibilidade de jejuar, deveriam comutar a obrigação por outra obra pia, “como: ouvir
missa, visitar o Santíssimo Sacramento, fazer alguma oração diante de uma imagem de Nossa Senhora,
ou dar alguma esmola nesses dias.” “Questões sobre o escapulario ou Bentinhos do Carmo”. A Esperança:
Jornal Religioso, Político, Scientifico e Litterario, Paraíba, ed. 8, 1865, p. 3.
26 Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora das Mercês do Sumidouro (1783). Arquivo Nacional da
Torre do Tombo (ANTT), Chancelaria da Ordem de Cristo, D. Maria I, livro 15, fls. 195 v.

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27 Estatutos dos confrades de N. S. das Mercês da Redenção dos Cativos de sua capela do Ouro da Vila
Real de Sabará (1778), fls. 27. Esse e outros capítulos foram copiados nos “Estatutos dos Confrades de
Nossa Senhora das Mercês do Arraial de São Gonçalo do Rio Abaixo, filial da Matriz de Santa Bárbara”
(1783). ANTT, Chancelaria da Ordem de Cristo, D. Maria I, livro 14, fls. 79. Portanto, alguns dados
apresentados adiante sobre compêndios e Bentinhos, retirados dos estatutos de 1778 das Mercês de
Sabará, também estão presentes nos estatutos citados da congênere do Arraial de São Gonçalo do Rio
Abaixo.
28 Transcrição - Os Bentinhos. Jornal do Recife, Pernambuco, ed. 293, 24 de dezembro de 1876, p. 2. Essa
matéria jornalística reproduz excertos do Compêndio dos Escapulários, do reverendo Guglielmo.
29 Estatutos dos confrades de N. S. das Mercês da Redenção dos Cativos de sua capela do Ouro da Vila Real
de Sabará (1778), fls. 27.
30 Livro Segundo de Lançamentos dos Termos dos Assentos dos Irmãos (Mercês de Cima, 1754-1830).
Arquivo Eclesiástico da Paróquia de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto (AEPNSPOP), vol. 35, FNU
238, fls. 62 v. Manuel Alves Rosado, morador na Rua Monjahi, que ingressou na mesma associação em
25 de novembro de 1786, também “pagou [seus débitos] em 13 Bentinhos, a quatro vinténs cada um, uma
oitava e meia de ouro e quatro vinténs”. Idem, fls. 63 v.
31 Estatutos dos confrades de N. S. das Mercês da Redenção dos Cativos de sua capela do Ouro da Vila Real
de Sabará (1778), fls. 35 v.
32 Essas bolsinhas presas por cordões eram usadas nas próprias cerimônias de calundu realizadas por Luzia,
quando tomava “uma caixinha ou açafate” e “tirava deste umas coisinhas que chamava seus Bentinhos, e
os cheirava muito bem” (COSTA, 2013, p. 72).
33 Estatutos dos confrades de N. S. das Mercês da Redenção dos Cativos de sua capela do Ouro da Vila Real
de Sabará (1778), fls. 37.
34 Estatutos dos confrades de N. S. das Mercês da Redenção dos Cativos de sua capela do Ouro da Vila Real
de Sabará (1778), fls. 37.
35 A Irmandade das Mercês da Vila de São João Del Rei, no capítulo 17º do seu regimento interno de 1751,
dizia: “... queremos que os irmãos e irmãs que forem cativos, sendo zelosos que bem sirvam a irmandade
com notório procedimento, se acontecer que seus senhores os querem vender a falsa fé, como tem acontecido
muitas vezes para fora da terra, estes serão obrigados a dar logo parte a irmandade e, querendo tratar da
sua liberdade, a irmandade será sua procuradora neste caso.” “Compromisso da Irmandade dos Crioulos
de Nossa Senhora das Mercês sita na Vila de São João Del Rei” (1751). ANTT, Chancelaria da Ordem de
Cristo, Antiga, livro 283, fls. 157.
36 Estatutos da Ordem Terceira de Nossa Senhora das Mercês e Perdões (1837). Arquivo Eclesiástico da
Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias (AEPNSCAD/Casa dos Contos de Ouro Preto),
v. 51, rolo 55, fls. 5 v.
37 Idem, fls. 5 v-6.
38 dizem que os padres do concílio tridentino traziam consigo devotamente certas letras ou caracteres
dispostos em forma de uma cruz, composta por são Zacarias, bispo de Jerusalém; e com efeito
conheceram os ditos padres que era um remédio mui útil contra a peste trazer com veneração as ditas
letras, porque significavam várias jaculatórias devotas e orações afetuosas antigas e aprovadas para
livrar do contágio.” “Interessantíssimo livrinho contra a peste, feito em formato de Bentinho, para
trazer na algibeira ou ao pescoço”. Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, ed. 272, 3 de outubro de
1833, p. 3.
39 Noticiário. Diário do Rio de Janeiro: folha política, litteraria e commercial, Rio de Janeiro, Ano XLIII, n. 94,
abril de 1863, p. 1.
40 Idem.
41 Gazetilha. Jornal do Recife, Pernambuco, Ano X, n. 295, 28 de dezembro de 1868, p. 1.
42 Transcrição - Os Bentinhos. Jornal do Recife, Pernambuco, ed. 293, 24 de dezembro de 1876, p. 2.
43 Estrada de ferro d’além morte. Linhas do Paraíso e do Inferno em comunicação com a da Morte e do Juízo
Final. Indicações para passageiros de ambas as linhas. O Domingo, Minas Gerais, ed. 13, 1885, p. 6.

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44 MARIANO, Pe. “Abusos que condena o progresso atual do século”. O Noticiador Catholico, Bahia, ed. 62,
1850, p. 156.
45 Badaladas. Semana Illustrada, Rio de Janeiro, ed. 461, 10 de outubro de 1869, p. 3682.
46 GAMA, Carmo. Contos da roça - O Ermitão de Mattosinhos (conclusão), O Pharol, ed. 58, 19 de setembro
de 1899, s./p.
47 O Tropeiro. Revista Popular, Rio de Janeiro, ed. 14, 1862, p. 342-343.
48 Na página 34, lemos: - Que há de acontecer? – Eu sei? Algum perigo. – Está defendido. Enquanto tiver no
pescoço o Bentinho, não lhe acontece mal. – Aquele relicário vermelho? – Ninguém sabe quem deitou,
respondeu a sertaneja afirmando com a cabeça. No mesmo dia de nascido, apareceu com ele e não se viu
entrar em casa viva alma, nem a criancinha saiu da minha rede. Só quando eu acordei, ainda assim como
sonhando, senti um cheiro de incenso e vi uma alvura que me cegou.
49 Casos e cousas (Chronica do Rio). O Pharol: propriedade da empresa d’O Pharol, Juiz de Fora, Ano XXVI,
ed. 278, 27 de outubro de 1892, p. 1.
50 GUIMARÃES, A. J. Baptista. “O nariz d’Ella. Narração de um louco”. Diário de Belém: folha política,
noticiosa e commercial, Pará, ed. 126, 1869, p. 2.
51 Essa é a definição de K. Peta, que assinou a matéria “Ao Eleitorado do 9.º Districto”. A Itabira, Minas
Gerais, Ano I, n. 22, 4 de fevereiro de 1894, p. 1.
52 Variedade - Convulsões de um moribundo. O Estandarte, Maranhão, ed. 15, 1855, p. 4.

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