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Publicado em NOVA ESCOLA 07 de Agosto | 2019

Saúde emocional

Meu aluno está se cortando. E


agora?
A automutilação – ou cutting – é uma prática perigosa encontrada por
muitas crianças e adolescentes como forma de aliviar o sofrimento. Conheça
os principais sinais de alerta que indicam que um aluno está em risco e saiba
como ajudá-lo
Ana Carolina C D'Agostini

A automutilação – ou cutting, do verbo cortar em inglês – é uma prática que consiste em


ferir intencionalmente o próprio corpo por meio de cortes na pele Crédito: Getty Images

A automutilação – ou cutting, do verbo cortar em inglês – é uma prática que consiste em ferir
intencionalmente o próprio corpo por meio de cortes na pele. Embora possa ocorrer em qualquer
idade, é mais comum que essas agressões se iniciem na adolescência, mais especificamente entre os
13 e 17 anos de idade. Os cortes são geralmente feitos em regiões do corpo que podemm ser
facilmente escondidas pela roupa, como a barriga, as coxas e os braços.

A automutilação não é algo simples de se entender. Dizer que essa é apenas uma forma de "chamar a
atenção" é uma simplificação de um pedido de socorro que não está encontrando outras formas de se
manifestar. Se machucar e criar cicatrizes pode ser uma forma de falar – ou de gritar – sobre o que se
está sentindo. Para um adolescente, se cortar, muitas vezes é a única forma encontrada para lidar e
amenizar uma dor emocional intensa que pode, inclusive, apontar para quadros de depressão,
ansiedade ou sofrimento por uma situação de violência recorrente. O bullying ou o cyberbullying, por
exemplo, são fatores de risco para comportamentos autodestrutivos.

LEIA MAIS O Brasil está mais ansioso. E você, professor?

Embora muitos adolescentes justifiquem a prática da automutilação como algo que ao provocar a dor
física ameniza-se a dor psíquica, é importante que eles entendam que essa não é uma alternativa
eficaz, pois traz um alívio temporário que leva a um círculo vicioso e que coloca a própria saúde e a
vida em perigo.

Um fator de risco importante para a automutilação é o incentivo. Há diversas páginas nas mídias
sociais e sites focados no estímulo a práticas como essa, no qual os seguidores compartilham dicas de
como fazer os cortes e postam fotos das feridas. Fazer parte de comunidades como essas provoca o
encorajamento e aumenta as chances desse comportamento ocorrer, além de trazer o senso de
pertencimento a um grupo, elemento importantíssimo na adolescência. Segundo texto publicado pelo
Centro de Valorização da Vida (CVV), cerca de 18% das pessoas que adotaram o comportamento
autolesivo começaram por causa do efeito de contágio.

LEIA MAIS Mutismo seletivo: conheça as causas, sintomas e formas de tratamento

Em maio deste ano, o presidente da República sancionou a lei que cria a Política Nacional de Prevenção
da Automutilação e do Suicídio. A lei propõe um sistema nacional de prevenção do suicídio e da
automutilação, oferecendo serviço telefônico gratuito para atendimento ao público. Além disso, o
Governo Federal, via Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), lançou, em
abril, a campanha Acolha a Vida, com foco na prevenção dessas questões.

LEIA MAIS Burnout, depressão, ansiedade. Como desatar esses nós

Hoje, segundo levantamento da Organização Mundial de Saúde (OMS), estima-se que a segunda maior
causa de morte entre os jovens no Brasil seja o suicídio. A automutilação, embora não
necessariamente seja uma tentativa de suicídio, pode causar ferimentos graves e até mesmo a morte.
Fora os riscos mencionados, pode ser um sinal de depressão, indicar a presença de pensamentos
suicidas e/ou um alerta para a presença de estresse emocional intenso.

Sinais de alerta da automutilação

O uso de roupas de manga comprida até mesmo no calor pode ser uma forma de
esconder as lesões;
Mudanças de humor e de comportamento, como o isolamento social;
Recusa em participar de atividades esportivas nas quais o jovem teria que usar bermuda
e camiseta;
Atente-se aos jovens com autoestima baixa e que trazem falas com vazio emocional,
como que são um peso, que não enxergam outras perspectivas para a própria vida ou
que não merecem aquilo de bom que tem acontecido a eles;
As vítimas de bullying ou o cyberbullying apresentam maior risco de autolesão.

Orientações para casos de automutilação

Trabalhe na escola formas de ajudar os alunos a lidar com questões emocionais. O


ensino de habilidades socioemocionais é uma alternativa que promove a busca por
mecanismos de enfrentamento mais saudáveis, além de impactar de forma positiva o
autoconhecimento, a resiliência e a tomada de decisão;
Dê oportunidades aos jovens de encarar frustrações e conflitos sem se machucar e sem
machucar o outro;
Caso um professor ou outro funcionário da escola perceba que um aluno está se
automutilando, encaminhe o caso para a orientação educacional para que a família
possa ser acionada e o jovem encaminhado para atendimento especializado;
Acolha o aluno e escute o que ele está sentindo. Procure não mostrar desapontamento,
raiva ou banalizar o ato;
Não aponte o sofrimento de alguém como frescura ou fraqueza, mesmo que os motivos
possam parecer pequenos para você;
Se um aluno te procurar e dividir que tem se automutilado, encare essa atitude como
um pedido de ajuda e um sinal que você é um adulto de confiança para ele. Procure
ouvir mais do que fazer perguntas;
Indique serviços de apoio para casos como esse e/ou o contato de profissionais de
confiança da escola;
Coloque-se à disposição para conversar quando o aluno precisar, assim ele saberá que
não está sozinho e que poderá contar com um adulto;
Observe como estão as vítimas de bullying ou o cyberbullying na escola e as acompanhe
de perto;
Traga práticas de Cultura de Paz e de combate ao bullying na escola;
Certifique-se que determinado aluno está recebendo acompanhamento psicológico,
para que assim ele consiga substituir automutilação por formas mais saudáveis de se
comunicar e de lidar com o sofrimento;
A família possui papel fundamental na compreensão desse momento vivido pela criança
ou pelo adolescente. Faça a ponte entre o aluno e a família, auxiliando-o a contar o que
está acontecendo e a identificar as causas do seu sofrimento.

O acolhimento, a proximidade, o diálogo e o acompanhamento profissional especializado são as


melhores alternativas para lidar com a automutilação. Casos assim podem acontecer na escola e
podemos nos fortalecer para identificar sinais de risco e garantir que haverá suporte emocional para
diferentes formas de sofrimento e suas manifestações.

Ana Carolina C D'Agostini é psicóloga e pedagoga com formação pela PUC-SP, especialização em
psicologia pela Universidade Federal de São Paulo e mestre em Psicologia da Educação pela
Columbia University. Trabalha com projetos em competências socioemocionais e é consultora
do projeto de Saúde Emocional da Nova Escola.

Busque ajuda e saiba mais

Instituto de Psiquiatria (http://ipqhc.org.br) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da


Universidade de São Paulo
Os Centros de Atenção Psicossocial e as Unidades Básicas de Saúde(UBS) são portas de entrada para o
atendimento na área de Saúde Mental dentro da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo.
O CVV - Centro de Valorização da Vidaconta com uma rede de apoio emocional gratuita focada na prevenção
de suicídio. A ajuda é oferecida, sob total sigilo, por telefone, e-mail, ou chat para qualquer pessoa que precise
conversar. O CVV possui parceria com o Sistema Único de Saúde (SUS) por meio do telefone 188. Além disso, o
Centro conta com uma guia dedicada à prevenção e à informação sobre automutilação
Página do Ministério da Saúde dedicada à prevenção de suicídio
Projeto Cuca Legal, da Universidade Federal de São Paulo

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