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Triângulo amoroso

Gloria Bevan

Digitalizado e revisado por Lá Oliveira


Triângulo amoroso

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Triângulo amoroso

Gloria Bevan

CAPÍTULOI

Lee estava acomodando a Sra. Cartwright numa poltrona, sob


um tímido sol de inverno, quando a velha senhora lhe fez uma
súbita proposta:
— O que você acharia de trabalhar como minha dama de
companhia por dez dias numa ilha de Samoa, no Pacífico Sul?
— Eu? — Lee arregalou os olhos, surpresa.
— Não me olhe desse jeito, menina! Eu duvido que você vá
encontrar outra chance como esta. E o que é melhor, vai ser paga
por isso. Só espero que seja sensata o suficiente para aceitar a
proposta, pois é tolice sua recusá-la. Você não acredita que eu esteja
falando sério, não é?
— Mas claro que sim! — Lee sorriu. Parecia uma adolescente,
com o rosto coberto de sardas e o nariz arrebitado, aparentando
muito menos do que seus vinte anos.
Cuidar da Sra. Cartwright, que tinha ganho a fama de ser a
paciente mais caprichosa e autoritária daquela luxuosa estância de
saúde, tinha sido uma experiência e tanto. O convite que ela está me
fazendo agora, pensou Lee, seria mais um teste de resistência.
— Eu me decidi por você porque me pareceu uma criatura
dócil e desprotegida — prosseguiu a Sra. Cartwright, num tom
condescendente.
Dócil e desprotegida! Lee ficou tensa. Será que Jeremy
pensava a mesma coisa dela? Jeremy, que tinha lhe prometido o
mundo? É muito simples conseguir as coisas que se deseja na vida,
ele tinha dito. Tudo o que precisava, explicou persuasivo, era um
pequeno capital para fazer um ou dois negócios que tinha em

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mente; assim teria condições de criar fortuna rápido, para que


pudessem finalmente casar e viajar pelo mundo, juntos. Porque o
amava, ou pelo menos assim pensava, Lee entregou-lhe a pequena
herança deixada pelos seus pais. Mas, aos poucos, o dinheiro
desapareceu e Jeremy também. Na verdade, ela não ficou surpresa
quando soube que, em uma de suas frequentes viagens pelas
cidades do interior da Inglaterra, Jeremy tinha começado um caso
com uma mulher mais velha do que ele; era a proprietária de uma
vasta rede de butiques, espalhadas pelos grandes centros
comerciais do país. Sentiu-se, porém, profundamente magoada e
desiludida. Como pôde ter sido tão tola, a ponto de confiar nele por
tanto tempo? Já fazia um ano que tinham rompido, mas, mesmo
assim toda vez que pensava em Jeremy era com raiva.
Estava com raiva agora, decidida a recusar a oferta da Sra.
Cartwright. Mas surpreendeu-se ao responder:
— Vou ter de pensar no assunto.
Seria tolice aceitar a proposta para ser dama de companhia da
Sra. Cartwright, mas Lee não podia deixar de sentir pena dela,
completamente sozinha no mundo. Podia comprar tudo o que
quisesse, menos aquilo de que mais precisava: amigos ou
simplesmente alguém a quem pudesse dar um pouco de carinho.
Apesar da agressividade da Sra. Cartwright no trato com as
pessoas, no fundo ela era muito frágil e carente. Lee lembrou-se do
que costumava lhe dizer sua amiga Ann: “O problema é que você
insiste em sentir pena das pessoas erradas!” “Talvez ela tivesse
razão, mas mesmo assim...
— Agora que estou bem melhor, só preciso mudar de clima. E
uma viagem para uma ilha no Pacífico Sul, onde o sol brilha todos
os dias, seria o ideal para passar o tempo até que eu fique

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completamente recuperada. Mas eu preciso de alguém para tomar


conta de mim quando eu não estiver me sentindo bem, alguém de
quem eu possa depender em qualquer circunstância.
— Eu não sou uma enfermeira qualificada — explicou Lee. —
Ia prestar exame para a escola de enfermagem, mas minha mãe
ficou doente e eu acabei tendo que desistir para tomar conta dela.
— Mas isso não tem importância: — A Sra. Cartwright
gesticulava bastante, balançando suas inúmeras pulseiras de ouro.
— Tudo o que eu quero é uma pessoa para me acompanhar na
viagem. Vai ser uma maneira fácil de você ganhar dinheiro, pois só
terá de tomar conta das malas, providenciar táxis e fazer as reservas
e passagens. Suas pernas são bem mais fortes que as minhas, por
isso acho que não terá problemas para tratar dessas coisas. —
Encarou Lee com um olhar penetrante. — Você já esteve fora da
Inglaterra antes?
—Não.
— Não importa, você me parece uma garota sensata e
inteligente. Eu lhe direi tudo o que tem de fazer.
Aposto que sim, pensou Lee. Tudo o que faria seria tomar
conta de uma mulher impertinente e autoritária. Mas mais uma vez
sentiu pena da Sra. Cartwright. Não tinha dúvidas de que ela não
estava bem de saúde e de que precisava muito de uma
acompanhante naquela que talvez viesse a ser sua última viagem
para o exterior.
— Talvez eu não consiga uma licença de meu emprego aqui —
argumentou ela.
Estava claro que a Sra. Cartwright estava acostumada a
resolver as coisas a seu jeito.

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— Falei com Matron esta manhã e ela concordou em lhe dar


três semanas de férias; disse que tudo poderá ser resolvido
facilmente, sem nenhum problema. Então, o que a faz hesitar
agora? Na sua idade eu daria um ano da minha vida para ter uma
chance dessas.
Não para cuidar de uma pessoa tão difícil como a senhora!,
pensou Lee. Mas estava sendo muito rígida em seu julgamento. Na
verdade, costumava se dar muito bem com pessoas mais velhas.
— Eu e meu marido passamos nossa lua-de-mel em Apia, no
hotel Aggie Grey; naquela época era um lugar calmo, quase
selvagem. E eu sempre tive vontade de voltar a Samoa e explorar a
ilha.
Era um pouco difícil imaginar a Sra. Cartwright como uma
noivinha recém-casada em romântica lua-de-mel numa ilha do
Pacífico. Mas talvez estivesse subestimando a capacidade de amar
daquela mulher.
— E foi por isso que, assim que conseguimos algum capital,
Will resolveu ajudar as pessoas daquelas ilhas, principalmente de
Samoa. Colaboramos na construção de hospitais, escolas e outras
obras. Eu costumava dizer a Will que ele era sentimental demais,
um velho bobo, que ninguém jamais reconheceria o que ele estava
fazendo. Mas, quando ele punha uma ideia na cabeça, ninguém
conseguia convencê-lo a desistir. Pretendo ver em que pé estão
essas obras todas. Você já tinha ouvido falar nessa ilha?
— Sim, já — respondeu Lee, pensativa. Samoa, a paradisíaca
ilha do Pacífico, onde Jeremy pretendia levá-la quando ficassem
ricos. Sentiu um aperto no coração. Samoa era um nome que
evocava muitas lembranças.
Mas a Sra. Cartwright a fez voltar ao presente.

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— Você acredita em horóscopo? — perguntou.


—Bem.
— Deixe-me adivinhar. Você é de Câncer! Tem todas as
características.
Lee arregalou os olhos, surpresa.
— Como é que a senhora adivinhou?
— Estudei astrologia muitos anos. Olhe, acho melhor dar uma
lida nisto aqui, pois talvez ajude você a se decidir. — Colocou nas
mãos de Lee um jornal dobrado na página onde havia um
horóscopo. Para o signo de Câncer, havia os seguintes conselhos:
"Dia excelente para tomar uma decisão. Acrescente um pouco de
iniciativa aos seus planos e sairá vencedora. Terá chance de visitar
lugares distantes e fazer novos amigos. Há ... a probabilidade de
um romance para os inatingíveis cancerianos".
Um romance! Se amor fosse aquilo, a incerteza, a dor e a
desilusão, então ela já tinha aprendido a lição. Jamais cairia nessa
armadilha de novo. Quanto às outras coisas que o horóscopo dizia,
talvez fizessem algum sentido. Afinal, por mais que fosse difícil
lidar com a Sra. Cartwright, seriam dias ensolarados em um cenário
paradisíaco.
— Como é, já se decidiu? Pelo amor de Deus, o que você tem a
perder?
— Está bem, irei com a senhora.
A Sra. Cartwright começou então a fazer planos, exibindo um
olhar triunfante.
— Combinado. Eu soube que há uma agência de turismo aqui
perto, no fim da rua; você pode dar um pulo até lá e providenciar
tudo; nesta agenda estão marcadas todas as datas. — Entregou a

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agenda a Lee. — E avise logo a sua família sobre a data de nossa


partida.
— Eu não tenho família.
— Vá então à agência na hora do almoço. Não se esqueça, o
nome da ilha é Samoa e as reservas devem ser feitas no hotel Aggie
Grey. O nome da cidade é Apia.
E haja paciência!, pensou Lee. Dez dias com aquela mulher não ia
ser fácil.
Mais tarde, no refeitório das enfermeiras, Lee contou às
colegas sobre suas próximas férias.
— Férias? Você chama isso de férias? — disse Phyl, uma
garota negra.
— Ela não vai deixá-la em paz nem por um minuto —
comentou outra moça.
— Bem, pelo menos eu posso pegar uma cor; aqui eu vivo
branca como um lençol.
— Não esteja tão certa disso — preveniu Phyl. — Se eu
conheço bem aquela mulher, ela não vai deixar você sair do hotel.
Lee não havia sentido tanto calor quando desceu do avião, na
noite anterior. Mas agora, caminhando pelas ruas sob aquele sol
escaldante, era difícil acompanhar a Sra. Cartwright.
— Vamos para o lado oeste da ilha e lá poderemos apanhar
um pouco de sol — sugeriu ela.
Apanhar um pouco de sol! Estávamos praticamente
derretendo sob ele, pensou Lee, enquanto enxugava o suor da testa;
e este é nosso primeiro dia na ilha. Logo entendeu por que a
maioria dos nativos preferia ficar sob a sombra das palmeiras que
contornavam a baía; alguns protegiam suas cabeças com
sombrinhas ou folhas de árvores.

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Passaram pelas lojinhas de souvenirs, pequenas e escuras;


visitaram igrejas antigas, do princípio do século, que contrastavam
com um moderno supermercado na rua principal da ilha. Andaram
mais um pouco e foram dar num tumultuado mercado aberto, onde
os nativos vendiam frutas e artesanato. Caiu uma leve pancada de
chuva quando lá chegaram, aliviando um pouco aquele calor
insuportável. Ao passarem por uma rua movimentada, um garoto
abordou Lee com insistência:
— Compre um colar de conchas! Custa só quarenta cents. A
senhorita tem bastante dinheiro!
— Amanhã. — Lee encerrou logo o assunto, preocupada com
a aparência da Sra. Cartwright que, além de pálida, parecia exausta.
Lee olhou à sua volta e viu que o hotel onde tinham se hospedado
estava muito distante. Fora uma grande tolice saírem àquela hora,
mas a Sra. Cartwright tinha decidido fazer o programa logo após o
almoço.
— É melhor tomarmos um táxi. — sugeriu a velha senhora,
mas, ao dar os primeiros passos, teve de parar. — Preciso tomar um
pouco de água, veja se consegue!
Lee a fez recostar num muro e disse:
— Já vou! — E saiu correndo pela rua, forçando passagem
pela multidão, para encontrar um bar ou coisa parecida no meio
daquelas lojinhas. Finalmente encontrou um lugar onde faziam
sucos naturais e bebidas típicas. O balcão estava apinhado de
jovens.
— Um suco, por favor! Suco de laranja ou água, qualquer
coisa serve.
A mulher que atendia no balcão pareceu não entender. Lee
repetiu em seguida, mais devagar, apontando para o copo de uma

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jovem ao seu lado. Quando finalmente ela compreendeu, disse


alguma coisa e demorou para que Lee percebesse que o problema
era o copo; tinha que pagar por ele separadamente.
As mãos de Lee ... tremiam quando finalmente saiu dali levando
um copo d'água. Correu pelas calçadas com cuidado, para não
esbarrar em ninguém e derrubar a água, até que conseguiu chegar
ao local onde estava a Sra. Cartwright. Mas, para seu espanto, ela
não estava mais lá. Havia só um grupo de nativos no local, falando
uma língua que ela não compreendia.
— Onde está aquela senhora, uma que estava passando mal.
— perguntou, trêmula.
Viu então um guarda de trânsito dirigindo-se a ela.
— Você está procurando por aquela senhora que desmaiou?
— Desmaiou? Oh, meu Deus! Sim deve ser ela, eu tinha ido buscar
um copo d'água. Sabe me dizer onde ela está?
— Não se preocupe, um senhor a levou de carro até o pronto-
socorro.
— Deve ter sido o calor; chegamos ontem à noite, sabe, e não
estamos habituadas.
— Realmente, está quente demais — concordou o guarda. —
Vocês são inglesas?
—Sim.
— Nem todos conseguem suportar essa mudança brusca de
clima, principalmente uma pessoa da idade dela. Aqui está a
máquina fotográfica que ela deixou cair quando desmaiou. Amanhã
a sua amiga já estará boa, pode ficar tranquila.
— Espero que sim. — Lee ficou tomada de um certo pânico; e
se fosse alguma coisa mais grave? O que faria com aquela mulher,
doente numa ilha do Pacífico? O melhor que tinha a fazer era

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procurar a Sra. Cartwright e certificar-se do que estava realmente


acontecendo.
O guarda pareceu ler o seu pensamento.
— Quer que eu providencie um táxi?
Enquanto o táxi seguia para o pronto-socorro, apesar da
preocupação, Lee conseguiu observar a estrada larga e ladeada de
árvores frondosas. Em todo o percurso havia casas suntuosas com
jardins bem cuidados, cheios de flores coloridas que acentuavam o
ar tropical. O hospital tinha paredes de pedras. Pagou a corrida e
caminhou apressada até a recepção.
— A Sra. Cartwright, como está passando? — perguntou à
enfermeira que, sem nada dizer, levou-a a um cubículo separado
por uma cortina, onde um médico simpático a cumprimentou.
— A senhorita está com a Sra. Cartwright?
— Exatamente. O senhor poderia me informar como ela está
passando? — perguntou Lee.
— Ela teve uma ameaça de insolação — respondeu o médico
num inglês com sotaque. — Hoje ela dorme aqui, vai ficar em
observação. Amanhã deverá passar por alguns exames, mas não
precisa ficar preocupada.
Como não ficar preocupada? Ela não podia dizer àquele
médico gentil o que lhe passava pela cabeça. Provavelmente a Sra.
Cartwright iria ficar furiosa com ela por não estar ao seu lado
quando desmaiou.
— Será que eu poderia vê-la?
— Lamento muito, mas ela disse que não quer ver ninguém,
pediu-me para lhe dizer isto. Talvez amanhã.
Pelo jeito, as suspeitas de Lee estavam confirmadas: a Sra.
Cartwright jamais a perdoaria pela sua omissão. Se ao menos

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pudesse vê-la e explicar tudo! O médico aguardava, paciente. Lee


percebeu então que não podia tomar mais tempo dele.
— A que horas poderei vê-la amanhã?
— No horário de visitas, à tarde — respondeu com um sorriso.
— Ela deverá estar bem melhor amanhã, pelo menos espero.
Lee suspeitou de que aquelas palavras queriam dizer que,
depois de um boa noite de sono, a Sra. Cartwright seria um pouco
mais condescendente com ela. No caminho para o hotel, voltou a
pensar em tudo o que acontecera. A Sra. Cartwright nunca iria
perdoá-la, ainda mais com aquele gênio difícil. Lee estava
realmente preocupada. Se ao menos tivesse encontrado a casa de
sucos mais depressa, e se a mulher tivesse entendido logo o que ela
queria!
Assim que chegou ao hotel, foi até a piscina. Ao ver a água
límpida reluzindo sob a luz do sol, decidiu dar um mergulho. Foi
até o quarto, vestiu um biquíni e desceu rápido para refrescar o
corpo na água fria. Nadou um pouco, depois se deitou na grama
verde, sentindo-se mais relaxada sob o sol de Samoa. Talvez o fato
de a Sra. Cartwright não havê-la recebido não quisesse dizer muito.
Afinal, já estava habituada com as crises de humor da velha. Talvez
fosse apenas uma questão de tempo.

Ali ficou até quase o fim da tarde. A uma certa hora sentou-se
e viu os garçons impecavelmente vestidos de branco, preparando as
mesas do restaurante ao lado da piscina, onde provavelmente
seriam servidos pratos típicos durante o jantar. De. volta ao seu
quarto, tomou um banho de banheira, com sais perfumados.
Escolheu um vestido de algodão florido, que deixava seus ombros à
mostra e acentuava a cintura. As sandálias eram vermelhas,

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combinando com o fundo da estamparia. Depois de secar e escovar


os longos cabelos, que chegavam à cintura, aplicou um pouco de
brilho nos lábios e acentuou o contorno dos olhos. Olhou-se
detidamente no espelho e se achou meio infantil. Mas não havia
nada que pudesse fazer.
Ouviu então um murmúrio de vozes e o som dos primeiros
acordes da orquestra, sinal de que o jantar já devia estar prestes a
ser servido. Desceu para se juntar aos outros hóspedes no
restaurante. Enquanto procurava um lugar para ficar, entre as
mesas rústicas de madeira, sentiu o cheiro do churrasco que estava
sendo preparado pelos nativos. A iluminação era discreta: velas em
arranjos feitos com folhas de palmeiras e cascas de cocos. Lee pegou
seu prato e serviu-se, como os outros, das comidas típicas colocadas
numa mesa enorme. Havia camarões, frutos do mar e churrasco de
carneiro, servido com abacaxi e saladas variadas. Um cardápio
típico dos trópicos. Depois de se servir, Lee olhou ao redor, sem
saber onde iria sentar-se. Finalmente optou por uma mesa pequena
e ali se acomodou sozinha. Bem à sua frente havia um outro
hóspede solitário e extremamente charmoso. Era alto, cabelos
claros, de corpo bem proporcionado e queimado de sol. O que
havia naquele rosto que a atraía tanto, a ponto de não conseguir
tirar os olhos dele? Mesmo àquela distância, dava para perceber seu
ar autoritário. Quem seria e por que estaria jantando sozinho?
No momento em que ele levantou a cabeça e seus olhos se
cruzaram, Lee ficou chocada, pois o olhar dele era hostil. Não
conseguiu entender o porquê disso; afinal, era uma estranha para
ele. Só se ele a estivesse confundindo com outra pessoa, alguém que
o magoou ou coisa parecida. Ficou surpresa e, ao mesmo tempo,
intrigada. E pensar que há pouco estava atraída por ele! O

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desconhecido continuou a encará-la agressivamente. Talvez seja


defesa, pensou furiosa, ou então convencimento. De qualquer
forma, ia esperar uma oportunidade para lhe dar o troco!
Aos poucos, os convidados foram se retirando, indo para o salão ao
lado, onde um grupo de jovens tocava canções típicas. Alguns
casais começaram a dançar. Lee ficou ouvindo a música suave e
admirando a decoração do hotel. Sabia que o dono tinha morado ali
por muitos anos e que hoje em dia era uma figura legendária.
Nisso, começou a ouvir, sem querer, a conversa de duas moças que
não notaram a sua presença. Estavam falando sobre aquele homem
que tanto a intrigara durante o jantar.
— Vá em frente, por que você não tenta? É a sua grande
chance, pois agora é a vez das garotas tirarem os rapazes para
dançar. Você mesma não disse que ele é o homem mais atraente da
ilha?
— Talvez, mas também parece ser o mais indiferente. Ele nem me
olhou quando eu o cumprimentei esta manhã.
— Talvez ele não tenha ouvido.
— E mais provável que esteja morrendo de saudades da
namorada. Não, não vou tentar nada com ele, seria perda de tempo.
— Agora é tarde demais, ele já está indo embora. Aliás, ele
parece não estar interessado em nada do que acontece por aqui,
você notou? Queria saber quem é ele! Ouvi dizer que é da Nova
Zelândia.
— É isso aí. Parece que é proprietário de fazendas de gado.
Comentam que vai ficar só dois dias. Está de passagem, parece que
veio apenas visitar um amigo.
— É. Você está mesmo sem sorte. Vamos depois ao espetáculo
de dana ao ar livre? Quem sabe ele não estará lá?

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— Boa ideia! Mas amanhã eu garanto que me aproximo dele.


Hoje está muito estranho, parece até que está com raiva de alguém,
com essa cara de poucos amigos.
Embora em silêncio, Lee teve que concordar com o que as moças
diziam. Ele realmente parecia furioso!
Levantou-se e subiu a escada que levava à parte superior do
hotel. Deteve-se no painel de informações para se inteirar dos
programas e excursões que o hotel oferecia. Decidiu ir ao
espetáculo de dança que as duas moças tinham mencionado. Antes,
porém, ligou novamente para o hospital para ter notícias da Sra.
Cartwright.
— Lamento muito, mas ela disse que não quer ver ninguém
esta noite — respondeu uma enfermeira.
— Será que daria para você dizer a ela que é Lee quem quer
vê-la? Pergunte, por favor, se ela.
— Sinto muito, mas ela pediu para lhe dizer que não quer ver
ninguém mesmo, nem a senhorita.
— Está bem. Ligo amanhã.
— Acho melhor.
Pensativa, Lee colocou o telefone no gancho. Esperava que não
houvesse problemas mais sérios com a saúde dela. No dia seguinte,
quando fosse buscá-la no hospital, iria sugerir que comprassem
alguns vestidos com estamparias típicas da ilha e que a maioria das
mulheres usava por aquelas bandas. Isso provavelmente iria animá-
la um pouco, pois era muito vaidosa.
Lee foi até o seu chalé, retocou a maquilagem e fez uma bela
trança com seus cabelos negros. Estava quente demais para deixá-
los soltos. Informou-se sobre o local onde seria o espetáculo e
dirigiu-se para lá. Era na ponta da praia e para chegar tinha de

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percorrer toda a avenida principal. Caminhava vagarosamente para


sentir melhor a brisa que vinha do mar.
Quando chegou, foi recebida por duas jovens simpáticas, que
lhe serviram um drinque numa casca de coco. Estava escuro e Lee
demorou a encontrar uma mesinha vazia. Nesse momento, os
músicos começaram a tocar, num ritmo frenético, e lindas jovens
surgiram no palco, apresentando uma dança sensual e alegre,
tipicamente polinésia.
Quando o número terminou, Lee aplaudiu entusiasmada
como os outros espectadores, levantando-se da cadeira. Foi quando
se deu conta de que alguém mais estava sentado ao seu lado, na
mesma mesa. Apesar do escuro, pôde reconhecer o homem solitário
que tinha chamado a sua atenção durante o jantar. Se antes ele a
olhara com desprezo, o que estaria fazendo ali, ao seu lado?
Provavelmente não havia outra cadeira vaga, concluiu. Mas se ele a
estivesse confundindo com outra pessoa, agora era a oportunidade
para esclarecer tudo.
— Pensei que iria encontrá-la aqui. — disse ele, num tom
bastante hostil. — Lamento interromper o seu divertimento, mas.
Lamenta coisa nenhuma, pensou Lee, e isso está bem claro em
sua expressão.
— Antes que continue. — havia um ar triunfante no rosto dela
—, quero que saiba que está havendo um engano. O senhor me
confundiu com outra pessoa.
— Acho que não. Você é Lee, não é?
— Sim — respondeu, boquiaberta. Como ele tinha descoberto
seu nome? Se era um novo tipo de cantada. Não, positivamente
não, pois ele continuava hostil. — Como soube que eu estaria aqui
esta noite?

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— Digamos que me informaram. Soube que tinha saído e


como não há muitas opções na ilha. — Deu um sorriso cínico. —
Estou vindo do hospital.
— Então é sobre a Sra. Cartwright! — Num segundo, tudo
pareceu claro para Lee. — Imagino que foi você quem a socorreu
quando ela desmaiou esta manhã, e que a levou para o hospital.
— Exatamente.
Ela percebeu que ele não queria perder tempo, explicando-lhe
as coisas. Com certeza a Sra. Cartwright, no auge da irritação, devia
ter feito as mais injustas acusações contra ela. Provavelmente lhe
contou que tinha sido abandonada na rua quando passou mal.
— Aposto que a Sra. Cartwright deve ter dito tudo a você,
menos a verdade; isto é, por que é que eu me demorei para voltar
com a água. Mas foi uma loucura, ...
— Levei muito tempo para conseguir encontrar uma casa de
sucos e, quando a encontrei, levei mais tempo ainda para me fazer
entender. Não foi culpa minha. Embora a Sra. Cartwright deva ter
dito outras coisas a meu respeito, saiba que eu fiz tudo o que estava
ao meu alcance para socorrê-la.
— Só que não encontrou um tempinho para ir vê-la no
hospital.
— Eu estive lá, mas não me deixaram vê-la. Acredita em mim?
— Pode ser. Só que eu também estive lá hoje à noite e, com um
pouquinho de insistência, permitiram que eu a visitasse. Bastou um
pouquinho de insistência. Mas com certeza você preferiu aproveitar
a noite para se divertir.
— Como pode dizer isso? A recepcionista do hospital me
disse, quando liguei para saber como ela estava passando, que a

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Sra. Cartwright tinha dado ordens para não deixar ninguém entrar,
inclusive eu.
— Isso é o que você diz.
— O que quer que eu diga não faz diferença para você, não é
mesmo? Você prefere acreditar nela! Eu não sei por que fui me
preocupar em ficar lhe dando todas essas explicações.
— Eu também não sei. Não devia estar perdendo seu tempo,
inventando desculpas.
— Ora, não me aborreça!
— Ah, por sinal, se estiver interessada, saiba que eu levei a
mala da Sra. Cartwright para o hospital. Foi ela quem pediu, pois
podia precisar de alguma coisa. Procurei por você, mas como não
consegui encontrá-la, peguei a chave do chalé com o gerente do
hotel e atendi assim ao pedido dela.
De repente, Lee deixou de lado a irritação e começou a pensar
no estado de saúde da Sra. Cartwright.
— É alguma coisa mais séria?
— Como vou saber? Isso cabe aos médicos. E não me diga que
está realmente preocupada com o estado de saúde dela. A coitada
está completamente só aqui na ilha. Imagino que esteja sendo paga
para tomar conta dela, e não para ficar se divertindo, omitindo-se
diante da primeira dificuldade. Não adianta negar, pois foi o que
aconteceu.
— Foi o que ela disse?
— Mas está mais do que óbvio.
— Não, não está. É muito fácil julgar os outros, mas se
conhecesse a Sra. Cartwright tão bem quanto eu conheço.
— Só sei que é uma velha que depende de você e, pelo visto,
você não está com a menor disposição de ajudá-la.

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— Isso não é verdade. Se me deixasse explicar.


— Não se dê ao trabalho, sei julgar por mim mesmo.
Nesse momento as luzes se apagaram, mas Lee estava tão exaltada
que nem se preocupou.
— Não sei por que fui me preocupar em tentar fazê-lo
entender. Você não tem o direito. — Então Lee parou de falar para
observar um grupo de rapazes que, ao som de tambores e maracas,
executava a dança do fogo, também típica do local.
Ficou deslumbrada com aqueles homens musculosos, os corpos
negros e cobertos de óleo. Dançavam carregando tochas de fogo nas
duas mãos. Um deles chegou bem perto dela, iluminou o seu rosto
com a luz do fogo e, ritmadamente, foi abaixando até o chão. Lee
estava tão fascinada com aquilo, que nem percebeu quando uma
faísca caiu na saia do seu vestido, queimando um pedaço. Mas seu
acompanhante estava atento e, pegando um grande guardanapo,
colocou-o sobre os joelhos dela, para protegê-la.
— Obrigada.
— Tudo bem. Você se queimou ou foi só o vestido?
— Só o vestido. Obrigada por ter agido com tanta rapidez.
Agora acho melhor ir embora, sinto-me ridícula com este vestido
queimado.
— Pode deixar que eu a levo até o hotel — disse ele,
cordialmente, mas sem nenhum entusiasmo.
— Não se preocupe. Acho que eu posso muito bem voltar
sozinha.
— Como quiser. — respondeu friamente.
Lee estava tremendo de raiva e foi andando a esmo, sem
perceber exatamente para que direção estava indo. Quando se deu
conta, se viu num bairro chinês. Tinha certeza de que não tinha

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passado por ali quando saiu do hotel para ir ver o espetáculo de


dança. Parou e tentou localizar-se. Era uma rua deserta, por onde
nunca passara antes. Estava perdida! Ouviu alguém caminhando
atrás dela, mas não se atreveu a olhar para trás. Estava apavorada.
Andou mais depressa e a pessoa acelerou também os passos.
Começou então a correr, com o coração descompassado. Quando
chegou ao fim do quarteirão, dobrou à esquerda e viu que esta rua
não tinha saída. Pensou que ia desmaiar; parou, ofegante, quando
uma voz familiar lhe perguntou:
— Por que a pressa? Por aí você não vai conseguir chegar ao
hotel.
— Então é você.

— Sim, e acho melhor deixar que eu a leve até o hotel, se é


para lá que está indo.
— Obrigada, mas prefiro ir sozinha. Por favor, como posso
chegar à avenida da praia?
— Se prefere assim. Basta voltar por esta rua até o fim, depois
virar à direita; quando chegar numa bifurcação, pegue a esquerda,
e...
— Eu vou com você, então! — disse ela.
Foram caminhando em silêncio pelas ruas desertas, passaram
perto do mercado e viram um vendedor ambulante dormindo na
calçada.
— Ele está protegendo sua mercadoria para ser vendida
amanhã. Com certeza não tem ninguém de confiança para fazer isso
por ele.

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Lee sentiu-se perturbada. Por que ele tinha que falar em


"confiança" novamente? Andaram mais um pouco e ela finalmente
avistou o hotel.
— Agora posso ir sozinha, obrigada.
Saiu apressada, sentindo o olhar dele na sua nuca, mas não olhou
para trás. Parecia que o hotel não chegava nunca. Quando
finalmente passou pela porta principal, respirou aliviada.
Foi direto para seu chalé. Não tinha tido tempo nem de
desfazer as malas. O quarto da Sra. Cartwright, sem as coisas dela,
não tinha o menor sinal de sua passagem por lá. Olhou-se no
espelho: estava com uma aparência péssima. Os cabelos
despenteados, a maquilagem desbotada e o vestido queimado. E
daí? Não tenho nenhum motivo para querer causar boa impressão
àquele fazendeiro da Nova Zelândia, que espero nunca mais
encontrar pela frente, pensou.
Mais tarde, já na cama, ouvindo o barulho do mar e do vento
nas palmeiras, pensou que talvez no dia seguinte suas férias
começassem de verdade naquela ilha. Sentiu o perfume das flores
que enfeitavam o quarto, as mesmas da mesa daquele local onde
tinha assistido ao espetáculo de dança, junto com o estranho. Nunca
mais queria sentir aquele perfume, que a fazia lembrar do homem
de olhos verdes. Queria tirá-lo de sua cabeça o quanto antes. se
conseguisse!

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Gloria Bevan

CAPÍTULO II

Foi difícil para Lee conseguir pegar no sono. Acordou mil


vezes no meio da noite, sobressaltada. Tudo por causa daquele
homem, pensou. Finalmente, muito cedo ainda, quando ouviu o
canto dos pássaros, resolveu levantar-se. Foi até o terraço e respirou
fundo. O azul do céu e a brisa do mar bastaram para levantar o seu
moral. Seria ridículo se deixar abater pelas críticas mordazes
daquele estranho.
Entrou depressa no chuveiro e em poucos minutos já estava
vestida, nada melhor que um short e uma frente única para
aguentar aquele calor. Calçou um par de sandálias brancas, de salto
baixo, colocou um pouco de brilho nos lábios para protegê-los do
sol, e sentiu-se pronta para enfrentar o dia. Estava ansiosa para
estar com a Sra. Cartwright de novo no hotel; no fundo, queria
mesmo era provar àquele homem que estava enganado, que seu
julgamento tinha sido precipitado.
Quando saiu do chalé, duas jovens conversavam alegremente,
sob a sombra de uma árvore. Sorriu para elas e foi em frente.
Sentada sozinha numa mesa, no restaurante próximo à
piscina, serviu-se de laranja, abacaxi, manga, e uma xícara de chá.
Satisfeita, voltou ao chalé e ligou para o hospital. Tentou várias
vezes, mas a linha estava sempre ocupada. Decidiu então tomar um
táxi e ir até lá, pois a Sra. Cartwright devia estar ansiosa para voltar
ao hotel.
Ao chegar à rua, encontrou com o mesmo menino que tinha
tentado lhe vender um colar de conchas no dia anterior.
— São só quarenta cents, senhorita.
— Hoje, não.

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Gloria Bevan

— Ontem a senhora disse hoje.


— Ah, então está bem. — Escolheu dois colares e pagou ao
menino. — Vou levar este outro para a minha amiga.
Tomou um táxi e seguiu para o hospital, passando por um
caminho que agora já lhe era mais familiar. No dia anterior, tinha
dado tudo errado, mas agora Lee estava otimista, ansiosa para
entregar o colar de presente à Sra. Cartwright, que já devia estar
completamente recuperada. Realmente as coisas pareciam
melhores, pois a recepcionista a saudou com um sorriso alegre,
informando-a de que o médico falaria com ela em poucos minutos.
Lee sentou-se numa poltrona, até que uma enfermeira lhe pediu
que a acompanhasse. Entrou numa pequena sala onde encontrou o
mesmo médico do dia anterior.
— Quer notícias da Sra. Cartwright?
— Sim, como está ela?
— Muito bem.
— Graças a Deus! Posso vê-la?
— Lamento, mas é impossível, sua amiga foi embora.
— Embora? O que quer dizer com isso? Eu não compreendo.
Para onde?
— Voltou para a Inglaterra. Achou o clima daqui quente
demais, insuportável, segundo ela, e insistiu em ir embora. Havia
um voo para Londres hoje de manhã, e ela conseguiu um lugar. O
avião saiu há uma hora.
Lee percebeu que não havia mais nada a fazer ali e saiu. Havia
um certo tom de censura na voz do médico; com certeza ele
também não a tinha em alta conta. Era a segunda pessoa a quem a
Sra. Cartwright devia ter dado a sua própria versão da história. E

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agora? Decidiu voltar à sala do médico, na tentativa de conseguir


mais alguma informação.
— Desculpe, mas, ela não deixou nenhum recado para mim?
— Nenhum recado. Nada! — o médico respondeu, sacudindo
a cabeça. Alguma coisa naquele rosto infantil de Lee, que agora
estava vermelho
e com a expressão mais desolada do mundo, deve ter sensibilizado
o doutor:
— A Sra. Cartwright saiu muito apressada — disse ele. — Mas
você vai conseguir se dar bem aqui sozinha, não se preocupe.
— Sim, eu sei, obrigada. Agora, com licença.
Já estava na porta de saída do hospital, quando uma enfermeira foi
correndo ao seu encontro.
— Você é Lee, não é? A Sra. Cartwright me pediu que lhe
informasse que a conta dela no hotel já está paga.
Lee agradeceu pela informação; no fundo, já esperava por isso.
Como um autômato foi até o táxi que ainda estava em frente do
hospital. Não se lembrava de ter pedido ao motorista que esperasse,
mas enfim.
Foi tomada de desespero quando chegou ao hotel, indo direto
para seu chalé! E pensar que não poderia mais ficar ali, que não
tinha condições de pagar pela hospedagem, que na verdade não
tinha dinheiro nenhum. Os poucos cheques de viagem que possuía
davam para apenas mais dois dias naquele hotel, se pretendesse
ficar. Não tinha se preocupado em guardar dinheiro para a viagem,
pois a Sra. Cartwright ia mesmo lhe pagar um salário, que ia incluir
as contas de hotel, refeições, e eventuais excursões pela ilha. Lee
estava sem saber o que fazer. Não seria fácil encontrar um trabalho
na ilha, muito menos como auxiliar de enfermagem, que era a única

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coisa que sabia fazer.


Não teria condições de ficar ali e, o que era pior, nem como voltar
para a Inglaterra. A Sra. Cartwright não tinha comprado passagens
de volta, preferindo fazê-lo na hora em que estivesse com vontade
de voltar. Lee poderia apelar para o consulado britânico, talvez,
mas algo lhe dizia que não iam se deixar convencer pela sua
história. Tudo estava contra Lee; a versão corrente da história era
aquela que a Sra. Cartwright tinha dado ao médico e ao homem que
a socorrera.
Tinha que haver um meio de sair daquela situação! Precisava
ter alguma ideia, rápido. Se pelo menos conhecesse alguém na ilha,
poderia pedir um empréstimo no banco. Mas como iriam conceder
um empréstimo a uma estranha que, além de tudo, tinha uma
história muito complicada para justificar a sua situação? Mandar
um telegrama para Londres? Mas se não tinha parentes, nem nada.
Por mais que pensasse, não conseguia encontrar uma solução. Por
outro lado, o próximo voo para Londres seria dali a uma semana.
Sete dias sem dinheiro! Não devia ter confiado na Sra. Cartwright!
Devia ter pensado melhor antes de aceitar aquela proposta.
Lee passou as horas seguintes na piscina, nadando e tomando
sol. Aparentemente era apenas mais uma hóspede usufruindo os
prazeres da ilha e daquele hotel, mas na realidade parecia que sua
cabeça ia explodir a qualquer momento.
A maioria dos hóspedes havia saído, provavelmente numa das
excursões programadas pelo hotel. Não viu mais o estranho que
socorreu a Sra. Cartwright. Quem sabe ele já não tinha voltado para
a Nova Zelândia? Não que se importasse com isso, pelo contrário.
Mas estava ainda tão perturbada pelo desprezo com que ele a
tratou, que não conseguia parar de pensar nele.

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Para seu espanto, ele apareceu nesse exato momento,


sentando-se numa das mesas ao redor da piscina. Era muita
pretensão pensar que ele estava ali à procura dela; e não estava
mesmo, pois em pouco tempo já conversava animadamente com
uma bela jovem. Lee retirou-se para seu chalé. Não conseguia
deixar de pensar naquele homem, mesmo com tantas coisas
importantes para resolver. Quem ele estaria visitando em Samoa?
Seria a namorada? Impossível! Um homem que a tratou daquele
jeito não podia amar ninguém.
Então uma ideia louca lhe ocorreu: pedir ajuda àquele
estranho. Parecia absurdo, mas, afinal, ele não devia ter problemas
financeiros; e, apesar de seus encontros terem sido um tanto
ríspidos, já havia entre eles um certo relacionamento. Tentar fazê-lo
acreditar em sua versão da história era pedir muito, ele não ia
mudar de ideia. Mas talvez pudesse lhe emprestar dinheiro. Ao
mesmo tempo que achava a ideia ousada demais, sabia que era
urgente tomar uma providência. Não havia mais ninguém a quem
recorrer e ele, pelo menos, já sabia da história da Sra. Cartwright. O
máximo que poderia acontecer seria uma recusa, mas fazer o quê?
Lee sabia que, se pensasse demais, ia acabar perdendo a
coragem, por isso vestiu seu roupão branco e dirigiu-se ao chalé
número vinte e cinco.
Depois de bater à porta, arrependeu-se do que estava fazendo.
Mas era tarde demais para mudar de ideia: a porta se abriu e ele
olhou para ela, surpreso.
— Você aqui?
Não era um cumprimento gentil, mas Lee sabia que tinha que
ir em frente.
— Sim, eu mesma.

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— Então, entre.
O chalé era mobiliado exatamente como o dela. Lee foi logo se
acomodando numa poltrona.
— E então? A que devo a honra? — perguntou, irônico.
— Será que dá para você me emprestar um dinheiro para eu voltar
para Londres?
— O quê?
— Eu sei que parece estranho, nós nem nos conhecemos
direito, mas é uma emergência. É só um empréstimo, eu tenho meu
emprego como auxiliar de enfermagem numa clínica para pessoas
idosas, e posso lhe pagar dentro de pouco tempo. — Mas no fundo
não tinha certeza de nada, nem mesmo se continuaria trabalhando
na clínica, sobretudo depois que a Sra. Cartwright contasse a sua
versão da história aos superiores de Lee. — Como a Sra. Cartwright
comprou as passagens e ia pagar as minhas despesas, não trouxe
muito dinheiro comigo. Ela não providenciou as passagens de volta
e como foi embora da ilha.
— Ela foi embora da ilha?
— Sim, num voo hoje de manhã; foi o médico do hospital
quem me contou. Com certeza ela achou que não ia se dar bem aqui
e foi embora.
— E por acaso você se informou sobre o estado de saúde dela?
— Ele continuava acusando-a de negligente, de uma forma ou de
outra.
Lee sentiu o rosto corar. Como tinha tido coragem de pedir
ajuda a esse homem detestável e insensível? Levantou-se, furiosa e
disse:

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— Lamento tê-lo incomodado. Já devia ter imaginado que não


adiantaria nada; você deixou bem claro o que pensa a meu respeito,
embora esteja completamente enganado, muito longe da verdade!
— Não me venha com mais histórias. Como é mesmo o seu
nome? Lee?
— Você sabe que sim.
— Olhe, mocinha, eu tenho uma proposta para lhe fazer. Hoje,
às seis da tarde, eu tomo o avião para a Nova Zelândia. Se quiser
pode vir comigo, e de lá para Londres, que é bem mais fácil.
— Ir com você. para a Nova Zelândia?
— E o que há de errado nisso? Você foi contratada para vir ao
Pacífico sul. A única diferença é que irá um pouquinho mais longe e
comigo, em vez daquela pobre velha. Você foi contratada como
dama de companhia, não foi?
̶ Sim, mas.
— Só que, para começar, é melhor eu ir logo avisando que não
quero que faça comigo o que fez com a Sra. Cartwright. Não quero
ser enganado.
— Pois saiba que eu nunca agi de forma errada com a Sra.
Cartwright. Mas, se não confia em mim.
— Se quer mesmo saber, não confio.
— Então por que está me fazendo essa proposta?
— Digamos que é uma questão de relações públicas. Mas é
melhor eu pô-la a par de tudo, antes que aceite. Meu nome é David
Hamilton e tenho uma fazenda de gado e há espaço suficiente na
fazenda para não termos que ficar olhando um para a cara do outro
o tempo todo, portanto não se preocupe. Será o jeito de você
conseguir o dinheiro.

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— Não entendi muito bem. Você vai me pagar, me dar


dinheiro para ir com você?
— De onde tirou essa ideia? Você vai trabalhar para ganhar
esse dinheiro.
— Como? Que tipo de trabalho?
— Ah, há muita coisa para fazer na fazenda, não se preocupe
que eu vou mantê-la ocupada.
— Então você está me oferecendo um emprego?
— E claro! Ou você achou que estava interessado em você?
Isso já era demais! Ela não tinha por que ouvir aquilo.
— Esqueça tudo! — disse Lee. — Desculpe incomodá-lo.
— Vou entrar em contato com a agência de viagens —
continuou ele, como se não tivesse ouvido o que Lee dizia. —
Marco a sua passagem para o mesmo voo, está bem?
— Mas você confia em mim? Quero dizer, acha mesmo que eu
vou lhe pagar um empréstimo?
— Não se preocupe, eu dou um jeito de fazer com que você
me devolva o dinheiro. Vai ser muito difícil me enganar como
enganou àquela pobre mulher.
— ... Que vi caída na rua! Não precisa repetir isso mais uma
vez. Mas eu insisto em negar que...
— Não perca seu tempo! — Ele enfiou a mão no bolso e tirou
uma carteira. — Você vai precisar de algum dinheiro para acertar a
sua conta do hotel.
— O que eu quero é um empréstimo!
— Está bem, se você se sente melhor assim, garanto que
desconto cada centavo do seu salário, se não me pagar.
— Pode ficar tranquilo. — disse, relutante, enquanto pegava
as notas da mão dele. — Que tipo de trabalho será?

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Era ridículo aceitar um emprego sem nem mesmo saber qual seria.
O que uma garota inglesa poderia fazer numa fazenda de gado da
Nova Zelândia?
— Nós vamos decidir isso quando chegarmos em Mahia.
Porém, uma coisa é certa: não haverá nenhuma velhinha indefesa
para você cuidar.
— Você não perde chance para me agredir, não é?
— Agora que já está tudo combinado, vou até a agência para ver se
consigo um lugar para você no avião. Espero que não se importe de
ir sentada ao meu lado.
Aquela conversa com David Hamilton a tinha perturbado
mais do que queria admitir. Lee foi para seu chalé e começou a tirar
as roupas dos cabides para colocá-las na mala, com as palavras dele
ecoando em sua mente.
Em seguida pensou na loucura que tinha sido aceitar aquela
proposta. Ia demorar muito tempo para conseguir juntar o dinheiro
do empréstimo. Mas não lhe restava outra escolha, pois não tinha
ninguém a quem recorrer. Pensou nisso com tristeza, mas tentou
logo desviar o pensamento. Será que as roupas de verão que tinha
trazido serviriam para o clima da Nova Zelândia? Bem, sendo ou
não adequadas, teriam que ser essas mesmas, até que pudesse
comprar outras, se é que havia lojas no lugar para onde estava indo.
Nesse momento se deu conta de que não sabia nada a respeito do
seu destino e muito menos sobre David Hamilton, a não ser que era
arrogante, cínico e muito elegante. Será que não tinha trocado uma
patroa autoritária por um patrão semelhante? Isso não era nem um
pouco animador!
Nesse momento o telefone tocou e ela estremeceu: só havia
uma pessoa no hotel que podia estar ligando para ela.

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Gloria Bevan

— Sim? — Tentou responder num tom de indiferença.


— Lee? — Ele não esperou pela resposta. — Pode ficar
tranquila, já comprei a sua passagem para o voo de hoje. Apanho
você às cinco horas, está bem?
— Estarei pronta — respondeu, sem entusiasmo.
No horário combinado, David foi buscá-la. Estava, como
sempre, elegante. Limitou-se a pegar a única mala de Lee e, quase
em seguida, perguntou:
— Você já acertou a conta do hotel?
— Sim, é claro. Acha que iria sair daqui sem pagar?
Ele não respondeu, limitando-se a sorrir cinicamente, o que a
deixou ainda mis furiosa. Foram caminhando lado a lado pelos
atalhos que levavam até a porta de saída do hotel.
— Eu sei que vou ficar devendo essa passagem de avião,
mas...
— Não se preocupe, acertaremos isso depois.
— Se eu decidir ficar na sua fazenda.
— Quanto a isso, não tenho dúvidas.
O que ele está insinuando?, perguntou-se Lee. Por que fui me
meter numa situação destas? Pensava em como responder a David
que não pretendia fazer nada que não achasse direito, quando um
carro esporte parou na frente deles, dirigido por uma jovem muito
atraente, que foi logo abrindo a porta para que ele entrasse.
— Carona para o aeroporto? — perguntou ela, num tom
alegre e descontraído. Lee observou que a expressão do rosto de
David Hamilton tinha mudado; ele parecia meio desapontado.
— Eu lhe pedi que não se incomodasse. — disse ele.
— Pediu mesmo? Pois não me lembro.

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Essa deve ser a garota que o fez vir a Samoa, pensou Lee. E
não era para menos pois, além de bonita, esbanjava sensualidade.
— Beverley, essa é Lee; ela vai comigo no mesmo voo.
— Olá, como vai? Espero que não se importe de ir no banco de
trás — disse ela com uma simpatia forçada.
A estrada que levava ao aeroporto era muito mais bonita do
que Lee imaginava. Tinha chegado à noite e não vira praticamente
nada. A paisagem era linda, sobretudo sob aquele crepúsculo
avermelhado. Da estrada, ladeada de árvores floridas, avistavam-se
casas típicas, com belos jardins, que emprestavam um colorido
especial a tudo. A jovem que dirigia o carro mantinha uma
conversa animada com David, que respondia com monossílabos.
Com certeza a presença de Lee o inibia. Sentiu um certo prazer
nisso; afinal, nem tudo devia ser como ele planejava.
Quando chegaram ao aeroporto, foram direto ao balcão
confirmar as passagens. Depois de alguma espera, foi anunciada a
partida; Lee olhou de lado para disfarçar e deixar os dois à vontade
para despedirem-se. Beverley deu um longo beijo em David. Então
Lee e David pegaram suas maletas de mão e foram em direção ao
avião, passando antes pela alfândega. Ventava muito, apesar da
temperatura elevada.
Depois de mostrar a David a sua poltrona, a aeromoça indicou
a Lee onde era o seu lugar, um pouco mais atrás. Com certeza,
pensou Lee, ele tomou cuidado para não ter que viajar ao meu lado.
Não estava nem um pouco preocupado com ela e parecia também
não estar dando a mínima para a jovem que os levara ao aeroporto.
A tal de Beverley continuava acenando de longe e ele fingia que não
via.

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Do seu lugar, Lee podia vê-lo muito bem. Lia uma revista de
economia. Logo em seguida decolaram.
A refeição que serviram a bordo era boa, mas Lee não comeu
quase nada. Não deu conta de como o tempo passou depressa,
assustando-se quando, ao olhar distraída pela janela, viu que
sobrevoavam a cidade de Auckland. As luzes da cidade cintilavam
como brilhantes num veludo negro. Ao ver que estavam para
aterrissar, colocou o cinto de segurança.
Assim que o avião pousou e os passageiros receberam ordem
para sair, Lee viu que David vinha em sua direção, segurando-lhe
então o braço, indicando-lhe a porta de saída. Como se eu fosse
propriedade dele, pensou Lee. Desvencilhou-se de David e foi
caminhando na frente, de cabeça erguida. Ao mesmo tempo em que
assumia essa, atitude desafiadora, ficou com medo de irritá-lo. Mas
ele precisava entender que o fato de emprestar dinheiro a uma
mulher não lhe dava nenhum direito sobre ela.
Quando Lee saiu da alfândega, David veio novamente ao seu
encontro.
— Conseguimos passar sem problemas! — comentou ele,
brincando. — Venha por este lado que eu vou conseguir um carro.
Tinha que admitir que ele era eficiente e que arranjava tudo
com certa facilidade. Mas também, pudera, ele tinha dinheiro,
bastava-lhe assinar um cheque. Pelo que Lee conseguiu entender,
David estava alugando um carro sem motorista, combinando deixá-
lo na cidade mais próxima, no dia seguinte. Era estranho como ele
podia ser tão gentil com a recepcionista da locadora de carros, e tão
rude com ela. David parecia se entender bem com todas as
mulheres do mundo, menos com ela. Não que isso tivesse a menor
importância, é claro.

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CAPÍTULO III

Caminhando pelo saguão do aeroporto, ao lado de David, Lee


observou uma dezena de rostos ansiosos, que tentavam reconhecer
familiares e amigos entre as pessoas que desembarcavam, vindas
das ilhas do Pacífico. Lá fora soprava uma brisa fria. Um carro
amarelo esperava por eles. Depois de colocar as coisas no porta-
malas, David abriu a porta para que Lee entrasse. Ela sentou-se
bem perto da janela para manter a maior distância entre eles. David
não disse nada. Ligou o motor, fez a manobra e tomou a direção de
uma avenida. Esta rodovia vai nos levar sabe Deus para onde,
pensou ela com certo pânico. Afinal, estava apostando tudo na
promessa de um desconhecido, de um homem que, além de tudo, a
desprezava. Era uma situação estranha, e o pior é que,
inexplicavelmente, ele conseguia-lhe inspirar confiança. No fundo,
Lee tinha certeza de que ele ia cumprir a palavra.
Mais tarde, provavelmente já na estrada da fazenda, novas
dúvidas voltaram a perturbar Lee. O que ela sabia sobre aquele
homem, aquele estranho com o olhar mais frio do mundo?

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Começou a rezar em silêncio, pedindo a Deus para que tudo desse


certo.
O silêncio era constrangedor. David não tem nada a me dizer,
pensou Lee. Será que não estava arrependido do que tinha feito?
Afinal, por que ajudar uma garota estranha, se sentia desprezo por
ela? Nas poucas vezes em que tinham conversado, ele mal a deixara
falar. Foram verdadeiros monólogos, acusações de coisas que Lee
não tinha feito. Resolveu fingir que estava dormindo e deve ter
mesmo caído no sono, pois acordou assustada ao ver que sua
cabeça repousava, bem à vontade, no ombro dele. Pediu desculpas
imediatamente e afastou-se.
David dirigia muito bem, isso ela não podia negar. Já era
alguma coisa pois, pelo menos nesse aspecto, não tinha que se
preocupar durante aquela estranha viagem noturna.
— Que horas são? — Ela quis saber.
— Quase meia-noite.
— Meia-noite? — Lee ajeitou-se no banco. — Não pode ser!
Então eu devo ter dormido mais de uma hora. Falta muito ainda?
— Ainda não chegamos na metade do caminho. Mas dentro
de cinco minutos vamos chegar a um lugar onde poderemos dar
uma parada.
— Parada? — Ela tentou adivinhar o que ele queria dizer.
— Geralmente eu interrompo a viagem nesse lugar, pois é o
último onde há acomodações. Não vejo sentido em continuar a
viagem pelo resto da noite, arriscando-me a dormir na direção.
— Não consigo imaginar você fazendo tal coisa! — As
palavras escaparam-lhe da boca. Mas realmente era difícil imaginar
David numa situação sobre a qual não tivesse o mais absoluto
controle.

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Ele ignorou o comentário.


— Mais uma curva e, pronto, chegamos! — Era um prédio
iluminado, onde se lia num letreiro em neon, Roadway Motel. —
Mesmo no caso de estar lotado, tenho certeza de que eles darão um
jeito. Espere um pouquinho aqui, eu vou falar com o gerente —
disse, saindo do carro.
Foi até a entrada e tocou a campainha. Lee ouviu quando a
porta se abriu. Será que o motel estava lotado? Ela quase torceu
para que estivesse, só para David ficar sabendo que não podia sair
por aí afora, dando ordens a todo mundo. Afinal, ele não era tão
poderoso assim, embora quisesse dar essa impressão. Logo ele
estava de volta. Tirou a bagagem do porta-malas e abriu a porta
para que Lee saísse.
— Sem problemas! Parece que vai haver um jogo de futebol
aqui amanhã e os times reservaram todos os apartamentos, mas eu
convenci o gerente a arranjar um lugar para nós.
— Um lugar para nós? — perguntou Lee. — O que quer dizer
com isso?
— Pode ser que você ache inconveniente, mas foi tudo o que
eu pude conseguir. E isso ou nada; eles só tinham um quarto livre, e
me dou por feliz por tê-lo arrumado; pelo menos vamos ter onde
descansar.

Então era assim: ele decidia tudo, sem nem ao menos consultá-
la. Lee parou onde estava e, com um olhar ameaçador, disse:
— Ouça, antes que você continue, gostaria de deixar bem
claro.
— São duas camas de solteiro: duas. Você não precisa ter
medo de mim; é um longo caminho até Mahia e eu preciso dar uma

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parada porque estou cansado. Daqui para frente não há mais


nenhum outro lugar. A não ser que você pretenda passar o resto da
noite no carro, o que para mim não faz a menor diferença.
O tom áspero de suas palavras confirmava isso. Lee decidiu, porém,
enfrentar a parada. Afinal, sua vida agora não se resumia em
arriscar-se o tempo todo, esperando que no fim as coisas dessem
certo?
— Você vai entrar ou prefere ficar no carro? — perguntou
David, balançando as chaves.
— Vou entrar — disse, vencida.
O gerente do motel, um homem moreno de meia-idade, foi
quem os recebeu. Não pareceu surpreso com Lee e ela tentou
adivinhar o que David teria dito para justificar a presença dela ali.
Pela gentileza com que os tratou, imaginou que ele devia ter a
maior consideração por David. Finalmente mostrou-lhes o quarto e
retirou-se, desejando-lhes boa noite.
Lee notou que David já havia pedido café para eles. Então
aproveitou a oportunidade para dar uma olhada no cômodo, onde
havia duas camas de solteiro. Ele estava colocando o café nas
xícaras quando parou e encarou-a de um jeito perturbador.
— Leite? Açúcar?
̶ Leite, por favor.
— Isso vai fazer com que você se sinta melhor.
Será que é muito evidente o meu nervosismo? ̶ perguntou-se Lee.
Para ele devia estar tudo bem, pois quem estava sendo
obrigada a se submeter a tudo aquilo era ela!
Lee se pôs a beber o café aos poucos, fazendo tudo para que ele
durasse o maior tempo possível.
Foi David quem se levantou primeiro, espreguiçando-se.

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— Você quer usar o banheiro primeiro? — Ele parecia estar


totalmente à vontade, nem um pouco constrangido com a presença
dela.
— Vá você, eu vou depois — respondeu, indiferente.
Quando ele saiu, ela se levantou e colocou a sua xícara na
bandeja.
Lee tomou um longo banho de chuveiro. Ao terminar, notou
que as camas tinham sido desfeitas e que David já estava deitado.
Em silêncio, acendeu o abajur do quarto, apagou a luz da saleta e,
em poucos segundos, estava debaixo das cobertas. Sentia-se tensa e
só relaxou quando viu que David dormia profundamente.
Quando acordou na manhã seguinte, David já tinha se
levantado. Ouviu o barulho do barbeador elétrico que vinha do
banheiro. Vestiu-se rapidamente e em seguida foi até a janela. Ao
abri-la, recebeu em cheio a luz do sol. Era um país desconhecido. O
primeiro dia de uma nova vida. Sentiu uma certa excitação tomar
conta de seu corpo e, sem saber por que, lembrou-se do que dizia
aquele horóscopo que a Sra. Cartwright tinha mostrado para ela.
Previa-lhe inclusive um novo amor! Quem sabe em Mahia, ali no
outro lado do mundo, encontraria o grande amor de sua vida? Era
uma bobagem acreditar em horóscopos, mas às vezes não deixava
de ser estimulante. Escovou os cabelos, ainda na janela, em seguida
foi até a pequena mesa. David, outra vez, cuidara de tudo.
Enquanto colocava flocos de milho no leite, pensou nas
pessoas que, como eles, tinham interrompido sua viagem ali. Com
certeza nunca, naquele quarto, se hospedara um casal que dividisse
o quarto dessa forma tão estranha, como ela e David estavam
fazendo. E lá estava ela tomando o café da manhã que David havia
pedido. Que ironia!

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Gloria Bevan

Logo depois, David juntou-se a ela. Deu-lhe bom-dia e sentou-


se à mesa bem em frente a ela. Limitou-se a tomar uma xícara de
café e a comer uma fatia de torrada com geléia. Será que estava
ansioso para chegar em casa depois de uma longa ausência? Ela
também não estava com muito apetite e logo se levantou.
Enquanto ele pagava a conta na recepção, Lee caminhou até o
carro. Lá fora, esqueceu os problemas diante de tanta beleza à sua
frente: montanhas majestosas, com os picos cobertos de neve,
emoldurados por um céu cor-de-anil.
— Aquela montanha é a Ruapehu — disse David,
aproximando-se dela. — Neste país há muita neve, sabe. Nós
estamos no Parque Nacional Tongariro. Veja agora aquilo —
observou, apontando para o outro lado. — É um vulcão.
Lee observou as linhas simétricas da montanha e ficou andando em
círculos, como uma criança, deslumbrada com tanta beleza. O
contraste do azul do céu com os picos brancos das montanhas era
uma coisa realmente maravilhosa.
Por um momento ela se esqueceu com quem estava e
impulsivamente agarrou-se no braço de David, assustada.
— Está saindo fumaça do vulcão! Será que vai entrar em
erupção?
— Dificilmente. Embora não seja isso o que esteja escrito nos
cartões postais, não se pode afirmar nada categoricamente sobre um
vulcão. Ultimamente o Ngaruahoe tem soltado um pouco de
fumaça e cinza, mas acho que é só para mostrar a todos que ele
ainda está vivo. Se bem que haja muitos geólogos de olho nele, eu
pessoalmente acho que não há motivo para preocupações, pois tem
sido assim há muitos anos!

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Gloria Bevan

De volta ao carro, caíram naquele mesmo silêncio incômodo


do dia anterior. Talvez David estivesse arrependido de ter
conversado com ela descontraidamente, como se fossem apenas
dois companheiros de viagem.
Foi o dia mais longo da vida de Lee. Os pequenos vilarejos por
onde passavam iam quebrando a monotonia daquela viagem, que
parecia interminável.
Quando cruzaram com um pastor solitário, que junto com
seus cães conduzia um rebanho, Lee pôde vislumbrar o que a
esperava. Se era esse o tipo de vida que ia levar no interior da Nova
Zelândia, tinha mais é que juntar forças para enfrentá-la. Sentiu-se
isolada do mundo. A vida parecia se repartir entre o alto das
montanhas e as extensas pradarias.
— Onde fica a sua casa?
— Mahia? Estamos chegando lá! — Atingiram o topo de um
monte e ele desligou o carro. — Daqui se tem uma bela vista. — A
emoção transparecia no rosto de David. O que seria aquilo?
Orgulho, excitação? Ela não saberia dizer. Olhava, perplexa, para a
fazenda cujas terras se estendiam até o oceano Pacífico.
— Você tem sorte de ver isso num dia como este; geralmente
há um vento muito chato para atrapalhar. — Ele ia continuar, mas
pareceu se dar conta de sua empolgação exagerada. Mudou de
expressão de repente e concluiu: — É isso aí.
David demonstrava um orgulho tal, que a impressão que se
tinha era de que o único lugar do mundo onde valia a pena viver
era aquela casa enorme, que se avistava do lugar onde estavam
agora.

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Os dois estavam calados, mas dessa vez o silêncio não


incomodava. Lee olhou com curiosidade para o lugar onde as
ovelhas pastavam; parecia uma pequena cidade.
— E aquele prédio comprido, para que serve?
— É ali que se tecem os fios. — Estava claro que ele tinha se
esquecido de que era com ela que estava falando, pois descrevia
tudo com entusiasmo. — Logo depois daquelas árvores, fica o
prédio da velha escola.
— Há uma escola na fazenda? Então existe um número tão
grande assim de crianças.
— Não, no momento a escola está desativada. As quatro
crianças que moram aqui fazem curso por correspondência, mas
aquele velho prédio já serviu, e muito, ao pessoal daqui. Quando eu
comecei a frequentar essa escola, ainda menino, a estrada que
chegava aqui não passava de uma picada aberta no meio do mato,
onde só se passava de trator ou caminhão. No inverno, então, era
impossível, por causa da neve; todo o transporte dos fios era feito
por mar.
Ficaram ainda alguns minutos apreciando a paisagem, depois
voltaram para o carro e seguiram viagem.
Lee não imaginava que o lugar fosse tão antigo, que tivesse um
passado tão respeitável. A despeito de todas as suas apreensões,
sentiu um certo alívio, uma sensação de bem-estar, quando
pegaram uma estradinha que levava à sede da fazenda. Quando
passaram pelo estábulo, um homem olhou para eles, primeiro
surpreso, depois boquiaberto, como se não estivesse acreditando no
que via. Está claro, pensou Lee, que David não costuma trazer
mulheres aqui. Olhou para ele, que já parecia estar esperando esse

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tipo de reação do empregado. David acenou para o homem e


seguiu em frente.
Pela primeira vez, Lee pensou em como David iria explicar a
vinda dela para a família. Por algum motivo que desconhecia,
achou que, apesar de todo seu desprezo por ela, ele não iria contar a
verdade sobre os verdadeiros motivos que o tinham levado a fazer
aquela proposta de trabalho a uma desconhecida. Isso, é claro, se
tivesse família!
Estavam bem próximos da sede e ela pôde ver que era uma
casa enorme, toda rodeada de varanda. Duas mulheres estavam ali
sentadas em cadeiras de balanço. Quando viram o carro,
começaram a acenar, euforicamente para David. A mais velha era
alta e magra, com os cabelos curtos e grisalhos; usava uma blusa de
flanela e calças de lã, dando a impressão de ser muito simples. Lee
gostou. Sabia que não ia conseguir conviver com uma mulher
superficial, fútil, pelo menos naquele momento em que sua vida era
uma verdadeira incógnita. A mais jovem era muito elegante. Tinha
os cabelos loiros e usava um vestido na última moda, além de uma
discreta maquilagem. Parecia uma moça muito fina.
— David, querido! — disse a moça e foi ao encontro deles na
entrada da casa. Abraçou-o calorosamente e reclamou: — Pensei
que você nunca mais ia voltar! Por que ficou tanto tempo fora?
Ele correspondeu gentilmente ao abraço, disse qualquer coisa
em tom de brincadeira para justificar a longa ausência e aproximou-
se da senhora de cabelos grisalhos.
— Olá, mamãe, como vão as coisas? — Abraçou-a pela cintura
e deu-lhe um beijo no rosto.
— Vão bem, agora que você está de volta! — Lee gostou
imediatamente do jeito dela. Apesar da meia-idade, tinha a pele do

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rosto lisa e queimada de sol, contrastando com os olhos claros.


Encarou o filho e perguntou: — Quem é ela?
— É Lee, eu a trouxe comigo para ficar aqui por uns tempos —
explicou David, enquanto entravam na casa. Do jeito que ele falou,
parece referir-se a minha pessoa como um animal de estimação,
pensou, ressentida. — Lee, esta é minha mãe.
Lee sorriu-lhe com simpatia e estendeu-lhe a mão, mas
percebeu uma certa reserva por parte da mulher, que não disse
nada. Parecia aguardar mais detalhes.
— Nós nos conhecemos em Samoa; estávamos ambos
hospedados no Hotel Aggie Grey.
Para Lee, aquela explicação não pareceu convincente, dando
uma impressão errada a respeito da relação dos dois. Olhou firme
para David, pedindo para que se explicasse melhor, mas ele parecia
muito pouco interessado no assunto.
— Lee é inglesa, mamãe. Nunca tinha saído da Inglaterra
antes, então eu sugeri que aproveitasse para dar uma esticada até
aqui e conhecer este outro lado do Pacífico. Disse que aqui temos
lugar suficiente para acomodá-la.
— Sim, é claro. — Apesar de educada, Lee observou que a
mãe de David ainda parecia confusa.
Por outro lado, sentia-se pouco à vontade diante da outra
moça, que olhava insistentemente para David e para ela. Era
evidente um certo ar de suspeita em seu rosto. Quem seria ela?
Provavelmente devia estar se perguntando por que David a tinha
levado e por que estava tão embaraçada diante das apresentações.
Essas perguntas transpareciam nos olhos dela.
— Esta é Katrina, Lee — disse David. — Ela não é exatamente
uma visita, faz parte da família; é minha prima.

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— Em segundo grau! — corrigiu Katrina, com um sorriso


gracioso. — Há uma grande diferença! Ser prima em segundo grau
torna as coisas mais interessantes — comentou, maliciosamente.
Finalmente encarou Lee e perguntou:
— Por quanto tempo vai poder ficar conosco?
A pergunta ficou no ar. Ela olhou para David, pedindo ada
para dar a resposta certa.
— Depende de você, Lee. — respondeu ele; mas isso podia
querer dizer muita coisa.
A confusão reinava em sua cabeça. Será que ele pretendia ou
não contar o verdadeiro motivo da visita? Visita? Era mais um duro
teste para ela enfrentar, pelo menos é o que o olhar implacável de
David parecia dizer.
— Bem, eu acho que Lee vai ficar por aqui ainda algum
tempo. Ela quer conhecer bem uma fazenda antes de voltar para a
Inglaterra.
Respirou, aliviada. Pelo menos sua situação tinha ficado
menos embaraçosa diante da família. Pelo olhar de suspeita de
Katrina, percebeu que a moça adoraria saber o verdadeiro motivo
dela estar ali. Se a prima de David soubesse, não precisaria temer
nada em relação a mim, pensou Lee.
— Mas vamos entrando, então. Seja bem-vinda e pode ficar o
tempo que quiser, Lee. — O sorriso amigável da mãe de David fez
com que ela se sentisse uma impostora. Seguiu-as por um vestíbulo
decorado com enormes vasos cheios de flores recém-colhidas. Em
seguida, desceram alguns degraus de madeira, que davam para um
hall todo carpetado, cheio de espelhos e portas. — Temos muitos
quartos para hóspedes aqui. Nunca se sabe, um dia é um
comerciante que vem fazer um negócio e acaba ficando, outro dia é

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um camponês que vem à procura de trabalho, jovens que vêm


acampar e acabam se perdendo, vendedores cujos carros quebram
nos arredores.
E eu!, pensou Lee, consciente de sua condição de visita
inesperada.
Enquanto subiam uma escada que levava ao andar superior,
Katrina falava sem parar, agarrada no braço de David. O tom
moderado e calmo da Sra. Hamilton contrastava bastante com a voz
estridente da jovem.
— Vou acomodá-la no quarto azul — disse a mãe de David. —
E um longo caminho, até a última porta no fim do corredor, à
direita. Devem estar querendo almoçar, mas talvez prefira tomar
um banho antes, e se instalar. O banheiro é junto ao quarto; fique à
vontade, querida.
— Obrigada.
David foi também até o quarto de Lee, pôs sua mala sobre
uma pequena mesa, e saiu com Katrina. Lee ainda podia ouvir o eco
da voz estridente da jovem enquanto se afastavam pelo corredor. A
mãe de David ficou no quarto com ela.
— É um lindo quarto, Sra. Hamilton, muito bem decorado. —
De fato, no centro dele havia uma cama enorme, coberta com um
acolchoado de cetim azul, cheia de almofadas em tons diferentes de
azul. A mobília era antiga, de madeira clara, e as paredes eram
cobertas de papel com uma estamparia sobre um fundo também
azul. As cortinas e o carpete eram brancos.
— Digamos que é confortável. — A Sra. Hamilton atravessou
o quarto para abrir as janelas, de onde se descortinava uma vista
belíssima. Soprava uma agradável brisa vinda do mar. — Quando
estiver pronta, desça. Desculpe nossa ansiedade, mas é que David

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se ausentou por muito tempo. Acho que à essa altura você já deve
ter percebido que ele é uma pessoa de vital importância para nós!
Pelo tom de voz, estava claro que a mãe de David sentia muito
orgulho do filho, e uma certa vaidade.
— Você pode me chamar de Jean — ela disse com um sorriso.
— Todos me chamam assim. Eu. — Ela interrompeu-se e Lee notou
que dirigiu o olhar para uma mulher de ar muito severo, parada
perto da porta.
— Entre, por favor, Sra. Mac! — Voltou-se então para Lee e
disse: — Quero lhe apresentar a nossa governanta, a Sra.
Macintosh; é quem mantém as coisas em ordem por aqui. Não sei o
que faríamos sem ela, principalmente quando eu tenho que me
ausentar para cuidar dos problemas dos colonos que moram do
outro lado da fazenda.
— Só cumpro com as minhas obrigações — afirmou a
governanta, com um meio-sorriso. — Desde que David esteja
satisfeito com o meu serviço.
Por essas palavras, Lee percebeu como ela admirava o patrão e
o quanto lhe devia ser grata. Tudo por ali parecia viver em função
de David; isto tinha ficado bem claro pela forma como a mãe e a
prima o receberam. Mas ela não pretendia fazer parte de seu fã
clube!
Depois de um banho quente e demorado, Lee vestiu uma
camisa de tecido fino, um colete xadrez e jeans. Tinha que parecer
como qualquer outro empregado da fazenda. Afinal, era essa a sua
posição.
Desceu correndo a escada e parou um pouco antes da porta da
sala de jantar, para respirar. Ouviu então o som de vozes
masculinas. Preparou-se para enfrentar uma série de olhares

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curiosos e entrou na sala. onde havia um grupo de homens,


vestidos com simplicidade e todos com a pele queimada do sol, que
rodeavam a mesa onde estavam sendo servidos os aperitivos. Para
sua surpresa, ninguém pareceu se dar conta de sua presença. Lee
ficou, então, olhando para o jardim que se via por uma porta que
dava para a varanda. Mas não conseguiu deixar de prestar atenção
nas perguntas que os empregados faziam a David sobre a sua
viagem à Inglaterra.
— Desculpe, Lee. Pretendia acompanhá-la até aqui, mas
atrasei-me — falou Jean Hamilton, vindo em seu encontro. Os
homens continuavam a rodear a mesa. — Você se senta aqui ao
meu lado, Katrina. — Mas a jovem já tinha se acomodado ao lado
de David.
— Olá! — disse para Lee um rapaz de rosto infantil. Usava um
bigode ralo e tinha os cabelos castanhos.
— Ah, é você, Daniel! — Jean Hamilton virou-se para Lee,
com um sorriso. — Este é meu filho mais novo.
— Ouvi dizer, lá na vinha, que David tinha trazido você de
Samoa — comentou o rapaz. — Um ato heroico, conseguir ficar ao
lado do velho David! como conseguiu?
Lee sentiu-se imediatamente à vontade ao lado de Daniel.
Havia entre eles uma simpatia mútua.
— Talvez tenha sido a magia da ilha, não? — respondeu
sorrindo, mas logo se arrependeu, pois, suas palavras causaram
uma impressão totalmente contrária à que pretendia; sem querer
havia insinuado que tinha tido um romance com David.
Rapidamente procurou uma saída. — Para dizer a verdade, David
vai ver se arruma algum serviço para mim aqui. — Será que tinha

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falado outra bobagem? Talvez, pois David e sua mãe se


entreolharam.
— Isso é bom — observou a Sra. Hamilton.
— Mamãe está parecendo David. Manter todos trabalhando!,
esse é o seu lema. Mas aos poucos você vai se acostumar —
confidenciou Daniel a Lee. — Não tenha ilusões a respeito de
David, pois aqui ele é um verdadeiro tigre, um trabalhador
incansável. Talvez não parecesse assim, tomando sol à beira da
piscina, em Samoa.
— Ora, deixe seu irmão em paz! — protestou Katrina. —
Agora diga, David, o que você trouxe da ilha? Alguma coisa
interessante?
Trouxe a mim! Foi o que Lee se sentiu tentada a dizer. Mas
nisso David olhou para ela de um jeito irônico, que pareceu
demonstrar que o mesmo pensamento lhe havia ocorrido.
— Vamos, diga, o que você trouxe para mim? — insistiu
Katrina. — Não me diga que se esqueceu daquela túnica bordada à
mão que eu pedi!
— Eu trouxe, mas ainda está na mala. — respondeu David,
como se estivesse falando a uma criança.
— Já que o assunto é presente, que tal aquele gravador cassete
que você me prometeu? — perguntou Daniel.
— Digamos que não esqueci.
— Trouxe também as fitas?
David riu do entusiasmo do irmão, um riso aberto que mudou
sua expressão de forma impressionante.
— A hora dos presentes fica para depois do jantar — disse
David, encerrando o assunto.

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— Você visitou Beverley em Samoa? — perguntou a mãe. —


Ainda não disse uma palavra sobre ela. Ela está bem? Mandou
algum recado para mim?
— Está ótima — respondeu David. — Mandou dizer que virá
para passar o Natal conosco.
Jean virou-se então para Lee, fingindo um ar indignado.
— Você vê só o que ele tem para me contar? Fui eu
praticamente que o persuadi a dar uma passada em Samoa para
visitar a irmã, e as notícias que ele me traz dela se resumem a isso.
Você chegou a conhecer Beverley enquanto esteve na ilha, Lee?
— Rapidamente. Ela nos deu uma carona ato aeroporto. —
Lee pensou rapidamente em alguma coisa mais para dizer. — Ela
me pareceu muito feliz...
— Ah, isso não quer dizer nada — comentou Jean. — Beverley
se sente bem em qualquer lugar, principalmente em lugares
exóticos como Samoa. Ela vive viajando, sabe? No momento está
trabalhando no Consulado Britânico de Samoa. Mas não ficaria nem
um pouco surpresa se de repente ela se mudasse para o Canadá,
Estados Unidos ou Inglaterra...
— Duvido! — disse David. — Ela parece muito entusiasmada
com um namorado que arrumou lá em Samoa.
— Pois era isso o que eu queria saber! — Jean virou-se para
Lee. — Vê só como eu tenho que praticamente arrancar notícias
dele?
Logo em seguida, David foi absorvido por uma porção de
perguntas que os outros lhe faziam. A conversa então se
generalizou. Os homens falavam sobre pastagens e rebanhos,
usando termos completamente estranhos para Lee. Deu-se conta de
que, na ausência de David, Jim Brady tinha tomado conta de tudo.

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Era um rapaz alto e corpulento e, no momento, contava ao patrão


tudo o que tinha acontecido enquanto ele esteve fora. David ouvia
atento, fazia perguntas específicas, queria saber de todos os
detalhes. Parecia muito ansioso para recomeçar a trabalhar.
Aos poucos, Lee ficou sabendo que David era proprietário
daquela enorme fazenda onde se criavam ovelhas e era responsável
não só pela sua administração como também por todos os negócios.
É um homem muito especial!, pensou ela.
— Eu sou Ernie — disse um homem de meia-idade, dirigindo-
se a Lee. Estava sentado à sua frente na mesa. — Sou motorista de
trator, escriturário, o que você preferir. Moro numa casinha ali
perto dos estábulos, mas faço as refeições aqui com a família,
principalmente em ocasiões especiais como esta, com David
voltando de viagem. A senhorita vai passar umas férias por aqui?
— Mais ou menos isso — respondeu. — David me trouxe de
Samoa para uma visita. — Ela notou um certo ar de dúvida nos
olhos de Ernie e concluiu que não devia ser comum David levar
uma garota para visitar a fazenda. — Pretendo trabalhar para ele —
acrescentou, achando que assim justificava a sua presença.
— É mesmo? — perguntou Ernie.
E por que não? Por que ela não podia trabalhar como todos os
outros? Aliás, todos ali pareciam ter sua função, exceto Katrina.
Com certeza David jamais permitiu que a prima trabalhasse na
fazenda.
A comida estava excelente, com uma enorme variedade de
saladas e vários tipos de carne, pão feito em casa, diferentes tipos
de molhos e arroz.
Quando terminaram a refeição, a Sra. Hamilton dirigiu-se a
Lee. Preciso visitar um vizinho doente, e isso vai me tomar muitas

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horas. Você não imagina a que distancia fica a casa de um vizinho


neste canto do mundo, minha filha. Mas Katrina vai tomar o meu
lugar e fazer as honras da casa para você.
Lee sentiu-se aliviada pelo fato de não estar atrapalhando a
rotina de vida da Sra. Hamilton. Sabia que não era uma convidada,
David tinha deixado isso bem claro.
— Katrina, por que você não leva Lee para conhecer a fazenda
esta tarde? Talvez ela goste de dar um passeio a cavalo.
Seguiu-se um silêncio mortal. Era mais do que óbvio que a ideia
não agradou a moça. Finalmente, sem qualquer entusiasmo, Katrina
perguntou:
— Você sabe montar, Lee?
— Não. mas sempre quis aprender.
— Isso é o mais importante! — Jim Brady a encorajou. — Você
não vai ter a menor dificuldade, tenho certeza. Vai se divertir
muito!
Mais tarde. Lee acompanhou Katrina até os estábulos. Rezou
para que ela não lhe desse um cavalo bravo. Respirou aliviada
quando a viu trazendo uma égua. que lhe pareceu mansa.
— Como é o nome dela?
— Gipsy — respondeu Katrina, lacônica.
— Ela me parece bem mansa.
— Chega a ser até sonsa! Nós mantemos um ou dois animais
desse tipo aqui, no caso de aparecerem crianças que queiram
montar.
— Entendo. — Além de sua óbvia antipatia por Lee. Katrina
agia como se fosse a dona do lugar, fazendo-a sentir-se uma intrusa.
— Monte. Não desse lado, sua boba!

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Lee mordeu os lábios. Não ia perder aquela chance de


aprender a montar, não importava o que Katrina dissesse. Com
muito esforço conseguiu subir na sela, sentindo o tempo todo o
olhar gozador dela.
— Você vem junto? — perguntou Lee com muito esforço.
— Não, tenho coisas muito mais importantes para fazer: mais
não haverá nenhum perigo, desde que você não pretenda bater
algum recorde de velocidade. Suba o morro, lá de cima vai poder
avistar quase toda a fazenda. Assim você fica conhecendo tudo de
uma vez.
— Subir o morro? Mas há tantos por aqui!
— Qualquer um serve. Mas pode ir por um caminho que vou
lhe mostrar. — Katrina puxou então a égua para trás do estábulo e
disse: — É por ali, você passa aquele riacho, e vai subindo.
Lee estremeceu. Teria que se agarrar bem em Gipsy para
conseguir passar por aquele caminho sinuoso, com um riacho cheio
de pedras e vegetação. Mas era muito orgulhosa para desistir.
Sabendo que Katrina não tirava os olhos dela, foi em frente,
devagar.
— Vamos! — Katrina deu um leve tapa na égua, que saiu
galopando.
Em seguida, tudo pareceu acontecer de uma vez só para Lee.
Quando chegou numa trilha que já parecia conhecer, a égua saiu
em disparada. Instintivamente, numa reação de defesa. Lee
agarrou-se à sela e baixou o corpo. Não sabia por quanto tempo ia
durar aquilo, até quando o animal ia conseguir correr naquela
velocidade, mas sabia que tinha que continuar naquela posição,
pois corria o risco de ser atirada longe a qualquer momento. A
subida do morro parecia que não acabava mais!

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Finalmente chegaram a um lugar mais plano e Gipsy


diminuiu a velocidade. A égua parecia cansada, pois transpirava
demais.
— Foi uma bela demonstração, um verdadeiro show o que
você acabou de dar. — Quase sem respiração, Lee se deu conta de
que havia alguém ao lado dela, montado em outro cavalo. — Parece
que ouvi você dizendo que nunca tinha montado antes.
— Honestamente, nunca mesmo. — Agora que tudo já tinha
passado, ela sentia vontade de rir. — Eu estava simplesmente
aterrorizada! Gipsy me pareceu tão mansa e tranquila que eu nunca
imaginei que fosse subir o morro nessa velocidade...
— E não subiria mesmo, a não ser que alguém lhe desse um
tapinha do lado esquerdo — explicou-lhe Jim Brady.
Katrina tinha sugerido que Lee subisse o morro, ela é que
tinha dado o tal tapinha do lado esquerdo, na égua. Katrina queria
que Lee caísse, disso não tinha mais dúvida.
— Você pensa que Katrina acha isso uma brincadeira?
— Com certeza. E você nem foi a primeira, ela já tentou isso
com várias pessoas. Que pena! Se você tivesse caído no riacho, ou
mesmo na subida, eu teria tido a chance de socorrê-la! Seria um ato
heroico e eu adoraria. — brincou Jim.
Lee deu uma risada, sentindo seu bom humor voltar.
— Mas não desanime, você provavelmente vai ter outras
chances ainda, comigo e com Gipsy.
— Bobagem! Você leva jeito para vir a cavalgar otimamente
bem. Deu para ver, pelo jeito como segurou a sela e pela inclinação
certa do corpo na subida. Isso é uma coisa intuitiva, moça. Mas já
que conseguiu chegar até aqui, que tal darmos uma volta para
conhecer a fazenda?

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— Adoraria, mas, você não tem que trabalhar?


— Trabalhar? O que é isso? Hoje é meu dia de folga e eu não
consigo imaginar outra forma de aproveitá-lo melhor, do que
mostrando a fazenda a você. Geralmente quem faz isso é o patrão. E
não se preocupe, vamos só passar por lugares seguros; mesmo que
não fosse assim, eu tomaria conta de você.
Finalmente Lee conseguiu sentir um pouco de segurança na
companhia alegre e descontraída de Jim; e segurança era uma coisa
que ela não vinha sentindo há vários dias. Por que David não podia
ser como Jim Brady? por que era uma pessoa tão difícil de se lidar?
— O que você está procurando? — perguntou Lee, quando
Jim parou o cavalo. Parecia estar tentando detectar alguma coisa à
distância.
— Estou só dando uma olhada para ver se está tudo em
ordem. A gente tem sempre que estar atento, pode haver uma
ovelha doente, uma árvore prestes a cair, o gado pode estar indo na
direção errada.
— Ah. entendo. — Lee observou também muitas vacas
pastando pelos morros e um rebanho de ovelhas que descia por
uma espécie de atalho.
— Tudo isso aí faz parte da fazenda! — comentou Jim.
— Mas é enorme!
— É verdade. E David é a única pessoa que eu conheço capaz
de tomar conta de tudo isto aqui. Qualquer homem que tenha
trabalhado em Mahia consegue emprego onde quer que vá, tal a
precisão com que são treinados. David é o homem certo no trabalho
certo. É uma tradição de família, e tem sido assim desde que seu
avô comprou a propriedade dos maori, uns cem anos atrás: foi

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passando de pai para filho. Mas acho que com David isso não vai
acontecer.
— Você acha que ele não vai ter filhos, não vai casar? — Lee
não conseguiu entender por que estava tão interessada no assunto.
— É bem pouco provável; pelo menos não tomou nenhuma
iniciativa nesse sentido. Nunca se preocupou muito com garotas
desde que Elaine. Aquilo foi terrível!
— O que aconteceu? — perguntou Lee, cheia de curiosidade.
— Ele não lhe falou a respeito? É, imagino que não esteja
empenhado em esquecê-la. Aconteceu há três anos, quatro dias
antes do casamento. Ela sofreu um acidente de carro e morreu
instantaneamente. Foi horrível, David nunca se conformou com
isso. Desde então mergulhou no trabalho, dia e noite, sem parar,
sem dias de folga nem férias. Essa viagem foi a primeira pausa que
fez desde que tudo aconteceu. Sua mãe deve estar aflita para que
ele encontre logo uma moça que o faça esquecer Elaine. — Jim
estava com os olhos fixos nela.
— Não me olhe desse jeito! — protestou Lee, percebendo a
indireta. — Sou simplesmente sua companheira de viagem, nada
mais. Viajar até aqui foi apenas uma questão de conveniência, só
isso. — Ela se interrompeu ao ver a expressão de surpresa no rosto
de Jim. Será que estava sendo enfática demais, ao tentar justificar
sua presença ali? Mas era uma tolice! Não devia explicações a
ninguém! E por que essa preocupação de querer salvar a sua
reputação? Sentiu que nesse momento seu rosto ficou vermelho.
— Se você diz isso. — disse Jim e, para seu alívio, mudou de
assunto. — Ali fica a fiação, e mais à frente o aeroporto. Com
certeza David vai trazê-la para ver algum avião pousando; as

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pessoas da cidade acham impossível um avião aterrissar num lugar


como esse.
Engraçado, pensou Lee, todas as pessoas a tratavam
cordialmente na fazenda, como alguém especial, exceto David. E
mais estranho ainda era como ela não conseguia desviar o
pensamento dele um só minuto!
— Aí vem David — avisou Jim, ao ver alguém que se
aproximava a cavalo na direção deles. — Deve ter ido até o outro
lado da montanha.
Lee não sabia o que se passava com ela. Não suportava David,
mas sentia seu coração disparar toda vez que se aproximava dele.
David estava usando um casaco de couro por cima de uma camisa
xadrez, um lenço amarrado no pescoço e botas de cano alto. Parecia
exatamente o que era: um fazendeiro! O dono da terra, o patrão, e
isso ficou ainda mais óbvio pelo olhar de reprovação que lançou
sobre os dois.
Entretanto, Jim não pareceu nem um pouco intimidado com
isso.
— Lee está aprendendo a montar. E está se saindo muito bem!
Pena que tenha começado de uma forma violenta. Subiu o morro a
galope e só parou quando Gipsy chegou ao alto.
Ela percebeu que David olhava para ela e para Jim, alternadamente
e não entendeu por quê.
— Você não perde tempo! — disse David. Estava mais do que
claro que o comentário não tinha nada a ver com o fato de ela estar
aprendendo a montar. — Até mais...David deu meia-volta e saiu
galopando, sem olhar para trás.
— Que bicho mordeu David? — Jim olhava confuso para o
patrão que, à essa altura, já estava bem distante.

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Lee fez-se de desentendida e, para seu alívio, o rapaz logo mudou


de assunto. Voltaram então aos estábulos, e Jim a ensinou a tirar a
sela do animal.
Sentia-se exausta, pois não estava acostumada a esse tipo de
exercício.
Quando chegou à varanda, encontrou Katrina repousando
numa poltrona.
— Gostou do passeio? — perguntou, prestes a explodir numa
gargalhada.
— Foi demais! Incrível, mesmo — respondeu Lee com
entusiasmo. — Vou ver se consigo ir amanhã de novo. Foi uma
experiência simplesmente excitante. Mal posso esperar pela
próxima vez!
Katrina olhou para ela espantada, enquanto Lee entrava na
casa com uma sensação íntima de triunfo.

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CAPÍTULO IV

Naquela noite, quando todos se reuniram na sala de visitas,


depois do jantar, David distribuiu os presentes que tinha trazido da
viagem: para sua mãe, um casaco de montaria, para Daniel um
gravador cassete.
— Isso é para você, moleca — disse ele, entregando a Katrina
uma grande caixa branca de onde ela tirou um vestido longo, tipo
túnica, todo bordado à mão.
— Oh, obrigada David, obrigada mesmo! Era exatamente o
que eu queria. — Saiu correndo da sala para voltar alguns minutos
depois usando o vestido, que deixava um ombro à mostra. —
Gostou? — Deu uma volta, de um jeito sensual. — Se agora
tocassem uma música romântica, eu sairia dançando com você.
Sabe, aquelas músicas típicas da ilha.
— Por isso não. — David tirou uma fita cassete da caixa que
tinha dado ao irmão e colocou-a no gravador. Ouviu-se então uma
música típica do Pacífico sul. Katrina ficou deslumbrada e começou
a dançar com movimentos lentos e sensuais, a saia do vestido
batendo em seus pés. Lee lembrou-se de que já tinha ouvido aquela
música antes, exatamente na noite em que tinha visto David pela
primeira vez.
— Eu sei que música é essa! — disse impulsivamente. — É a
que estava tocando aquela noite no restaurante do Aggie Grey em
Samoa.
— É isso mesmo. — David não fez nenhum outro comentário.
Daniel, entretanto, olhou maliciosamente para o irmão e
perguntou:

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Gloria Bevan

— Você gravou essa música no hotel onde você e Lee estavam


hospedados? Acho que faz você lembrar de alguma coisa especial,
estou certo?
— De onde você tirou essa ideia?
— Ele quer me confundir, mas você, Lee, pode contar tudo —
insistiu Daniel. — Foi uma grande noite, não foi? Já posso até
imaginar palmeiras, o perfume das flores, o luar
— Sim. — David lançou-lhe um olhar gelado.
— Não disse? — prosseguiu Daniel entusiasmado, enquanto
Katrina continuava dançando. — Eu sabia. E vocês dois junto.
— Nada isso — interrompeu David. — Na verdade nós
éramos os únicos que não estávamos dançando.
— Se não estavam dançando. — Alguma coisa no olhar de
David devia ter intimidado Daniel, que se calou imediatamente.
— Calma, meu irmão, só estava perguntando.
Nesse momento a governanta entrou na sala, dizendo a David
que alguém o chamava ao telefone.
— Eu atendo no escritório. — Virou-se, saindo por uma porta
à direita. Meia hora depois ele ainda não tinha voltado. É incrível
como a ausência de David esfria o ambiente, pensou Lee
Já era tarde quando as pessoas se recolheram. Lee foi a última a
deixar a sala. Andava devagar, pois estava cansada demais.
Quando se aproximou do hall. David chamou-a:
— Lee, quero falar com você. Venha até o meu escritório, por
favor.
O que seria agora? Acompanhou-o até lá, mais ansiosa do que
nunca. David sentou-se atrás de uma mesa enorme, coberta de
papéis. Nas paredes havia retratos, possivelmente de seus
familiares.

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Gloria Bevan

— Sente-se. Como está se sentindo depois do passeio a cavalo?


— Muito bem. — Até que enfim ele tinha demonstrado algum
interesse por ela.
— Ótimo. Mas a respeito daquele trabalho que prometi
arrumar para você.
— O trabalho? Ah, sim, já pensou em alguma coisa?
— E como! Passei a noite toda ao telefone, tentando encontrar
uma vaga para você, mas não consegui nada. Por isso, acho que vai
ter que ficar aqui.
— Como? Fazendo o quê?
— Cozinhando para os colonos. Que tal?
— O quê?
— É isso aí! Hoje eu fiquei sabendo que a mulher que tinha
sido contratada para começar amanhã não poderá vir. E como não
há nenhuma outra candidata ao cargo, achei que talvez lhe
interessasse. Você é quem sabe.
— Eu? — Lee olhava para ele, incrédula. — Mas eu nem sei
cozinhar.
Isso não era bem verdade, é claro. Já tinha até trabalhado na
cozinha de uma creche uma vez, preparando o almoço das crianças,
mas era muito diferente fazer comida para um bando de
trabalhadores famintos.
— Você aprende logo — respondeu David, não dando a
menor atenção aos seus protestos.
— E quando eu terei chance de aprender? Pelo que entendi,
devo começar amanhã.
— E isso mesmo. — Ele parecia deliciar-se com isso. — Você
quer voltar para a Inglaterra, não quer?

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Gloria Bevan

— Não consigo pensar em nada melhor do que ir embora


daqui o quanto antes!
— Pois esta é a sua chance. Você queria um trabalho, e eu
estou lhe dando.
O orgulho falou mais alto e Lee respondeu:
— Está bem, eu aceito.
— Ótimo. É assim que se fala.
— Bem, preciso saber mais detalhes.
— Sim, é claro, vou colocá-la a par de tudo. Os homens
trabalham o dia todo, das seis da manhã às seis da tarde. O café da
manhã, portanto, é servido às cinco e meia. É melhor você vir
comigo para aprender o caminho e ver onde deverá estar amanhã
de manhã.
De manhã! Lee fez os cálculos rapidamente; ia ter que se
levantar às quatro! Por sorte tinha trazido um despertador com ela.
Seguiu David, como se estivesse vivendo um pesadelo. Lá fora
estava muito escuro e só se ouvia o ruído dos animais. Foram até
um pequeno pátio onde estava estacionado um jipe e entraram no
carro em silêncio. Quando chegaram ao galpão onde ficava o
refeitório, a escuridão pareceu-lhe ainda maior.
David precisou lhe dar a mão para ela poder andar.
Quando ele a tocou, Lee sentiu alguma coisa pegar fogo dentro
dela.
Finalmente David a soltou para abrir uma enorme porta de
madeira e acender as luzes. Era uma antessala, com uma mesa
comprida rodeada de bancos, mas Lee mal teve tempo de olhar,
pois David foi logo indicando uma outra porta.
— Esta é a cozinha onde você vai trabalhar. Aqui há bastante
espaço, estoques de provisões, e o mais moderno equipamento.

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Gloria Bevan

Ela deu uma olhada ao redor e viu um enorme refrigerador, um


fogão elétrico com várias bocas, uma mesa de fórmica no centro,
fornos embutidos na parede e um armário com portas de vidro,
com panelas e louças. Será que ela ia ter condições de aprender a
lidar com tudo aquilo?
— O equipamento está permanentemente ligado e você vai
encontrar carne já cortada em bifes no congelador. — Abriu a porta
para lhe mostrar pilhas e pilhas de bifes congelados, tanto de carne
de vaca como de carneiro. — No café da manhã eles costumam
comer costeletas fritas; depois do mingau de aveia, é claro.
— Min... mingau de aveia? — gaguejou ela.
— Nesse armário estão as torradeiras, neste outro você vai
encontrar geleias, manteiga e mel. O principal é o chá, que está em
caixas, aqui nessas prateleiras. Bem, quanto ao café da manhã, isso é
tudo. Não se esqueça de que a mesa deve estar posta às cinco e
meia. O pessoal é pago pelas horas que trabalha, portanto não
gostam de perder tempo. Logo após o café você já pode começar a
preparar o lanche, que é servido às dez horas. Pode ser sanduíche
de maionese e frios, por exemplo; você encontra tudo na geladeira.
Se preferir, faça uma salada.
Então é só isso, tudo tão simples! Do jeito que ele fala, pensou
Lee, parecia que tudo podia ser resolvido num golpe de mágica.
— O almoço é ao meio-dia em ponto. O lanche da tarde é
servido às três. Também poderá preparar sanduíches e café nessa
hora.
Será que esse pessoal nunca parava de comer?
— Quanto ao jantar, não vai lhe dar muito trabalho. Uma
sopa, um bom prato de carne assada ou costeletas e vegetais é o

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bastante. Eles não se preocupam muito com a variedade dos pratos,


carne é o que mais gostam.
Sentia-se cada vez mais frágil, à medida que ele falava, mas ao
mesmo tempo alguma coisa dentro falava mais forte, e não a deixou
se intimidar. Tudo o que teria a fazer era dar o melhor de si e
esperar que acontecesse um milagre.
— Uma última coisa sobre os lanches: você tem que deixar o
chá, o café. os copos e os sanduíches dentro de uma caixa
apropriada, que eu vou lhe mostrar, e pedir para que um dos
homens a ajude a carregar até a mesa, onde eles mesmos se servem.
Isso é tudo; você termina cedo, pois o pessoal costuma já estar na
cama lá pelas sete da noite. Se lhe sobrar algum tempo durante o
dia.
— Sobrar algum tempo! — repetiu Lee. — Você só pode estar
brincando!
Saíram pela porta que dava no pátio e Lee esperou que ele
apagasse as luzes e trancasse tudo. Ela não conseguia enxergar um
palmo adiante do nariz, e foi preciso que David a segurasse pelo
braço para que não caísse.
— A noite aqui é triste. Se não tomar cuidado, você cai
mesmo. Venha, mais para este lado. Não, para a direita, isso! — E
uma atitude muito normal numa situação destas, pensou Lee,
quando ele soltou seu braço. Mas se era normal, por que se sentia
tão perturbada? Medo do patrão certamente não era; não era amor
tampouco. isso seria um absurdo! Preferiu admitir que era uma
coisa física, pois mesmo detestando David como ela detestava, tinha
que admitir que ele a atraía demais. Fez um esforço enorme para
conseguir se concentrar no que ele estava lhe dizendo, pois não

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queria ouvir mais nada sobre aquele trabalho duro que a aguardava
dentro de poucas horas.
— Você tem despertador?
— Sim. — O despertador era o menor dos problemas!
Naquela noite ela sonhou com David; um David terno e
amoroso, que confiava e acreditava nela, que a amava. Despertou
com batidas na porta, leves, mas firmes.
— Lee! Você já acordou?
Sentou-se rapidamente na cama, afastando os cabelos dos
olhos para poder saber até que ponto aquilo era sonho ou realidade.
Mas o rosto de David, aparecendo na porta entreaberta, não
expressava a menor ternura; parecia impaciente e ostentava, como
sempre, aquele seu ar de reprovação.
— Hora de levantar!
Lee caiu em cheio na realidade. Olhou para o despertador com
ódio: ele a tinha deixado na mão no momento em que mais
precisava de seu auxílio.
— Apanho você em dez minutos — disse ele e desapareceu.
Nunca em sua vida Lee se vestiu tão depressa; enfiou uma
camiseta e um jeans com uma velocidade surpreendente. Resolveu
usar tênis em vez de sapatos, assim se cansaria menos. Foi até o
banheiro, lavou o rosto com água fria para despertar mais rápido,
escovou os dentes, prendeu os cabelos longos e passou um pouco
de colônia.
Quando saiu, David já esperava por ela no jipe.
— Entre — disse ele, abrindo-lhe a porta.
— Eu poderia muito bem ir andando, sabe.
— Assim é mais rápido.
— Quantos homens tomam o café da manhã? Cinco, seis?

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— Quinze.
— Oh! — Não conseguiu dizer mais nada. Como poderia
calcular a quantidade certa para tanta gente? — Não imaginei que
fossem tantos.
— Boa sorte! — disse ele, quando chegaram ao galpão. David
continuava não confiando nela. Mas ela ia mostrar-lhe! Ia aceitar o
desafio, mesmo que isso lhe custasse a vida!
Assim que entrou na cozinha, Lee ligou o fogão e as
torradeiras. Primeiro o mingau de aveia. Foi colocando leite e aveia
num caldeirão enorme, sem calcular nada, mesmo porque nas
embalagens não estavam indicadas as quantidades. Mas será que
deveria ser servido quente ou frio? Era preferível que fosse quente,
assim ficaria pronto mais rápido. Deixou o mingau fervendo no
fogão e foi preparar as costeletas, que encontrou já descongeladas
na gaveta da geladeira. Separou quinze delas, colocou-as no forno, e
torrou várias fatias de pão nas torradeiras elétricas, calculando
quatro fatias para cada homem. Por sorte, corria tudo sem nenhum
problema até aquele momento.
Mas a ilusão durou pouco; dez minutos mais tarde, quando
colocava o mingau nas tigelas, percebeu que alguma coisa estava
errada. Era a carne que, por algum motivo, não assava de jeito
nenhum. Aumentou ao máximo a temperatura. No momento em
que preparava o chá, um homem entrou na cozinha.
— Bom dia, senhorita. O café da manhã já está pronto?
— Prontinho! Esperando por vocês — respondeu, com uma
segurança que na realidade não tinha.
Todos eles pareciam muito gentis e educados,
cumprimentando-a com sorrisos amigáveis e tomando seus lugares

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à mesa. Eram homens fortes, musculosos, com a pele queimada do


sol.
Tomaram seus mingaus sem protestos, o que deixou Lee mais
tranquila. Mas em poucos minutos começou a sentir um cheiro de
queimado vindo da cozinha. Abriu o forno e viu que as costeletas
estavam quase queimadas. Ia entrando em pânico quando um
rapaz loiro veio em sua ajuda. Ao ver as costeletas naquelas
condições, virou-se para o resto do grupo e perguntou:
— Como é pessoal, que tal umas costeletas super bem
passadas hoje?
A resposta foi uma sonora gargalhada.
Como é que eles podem rir numa situação destas?, pensou Lee
desesperada, vendo a carne ser retirada do forno pelo rapaz.
Entretanto, aquele tipo de acidente devia ser comum na rotina
daqueles homens, pois comeram as costeletas assim mesmo. Por
sua vez, Lee continuava preparando chá, chá, e mais chá. Nunca
tinha visto pessoas tomando tanto chá daquele jeito.
Quando terminaram de comer, os homens não perderam tempo;
acenderam seus cigarros, afastaram suas cadeiras e, de um minuto
para o outro, fez-se um silêncio total. Estavam começando mais um
dia de trabalho.
Um dia de trabalho! Lee olhou à sua volta e viu pilhas e mais
pilhas de louça para ser lavada. E pensar que ela ainda ia ter que se
apressar para fazer mais comida para ser servida no lanche. Mas,
apesar de toda a confusão, achou que estava se saindo
razoavelmente bem, pelo menos bem melhor do que esperava.
Começou a preparar rapidamente um bolo salgado, que levava
peixes em conserva e queijo. Era uma receita antiga, que tinha
aprendido há muito tempo. Quando viu que dispunha de todos os

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ingredientes necessários, achou que era a melhor opção.


Experimentou a massa e lhe pareceu saborosa.
Alguns minutos mais tarde, olhou para o relógio do forno e
achou que já estava na hora de retirar o bolo. Só que, mais uma vez,
ela se enganou com a temperatura, pois ficara completamente
torrado. Ao morder um pedaço, viu que estava se arriscando a
quebrar um dente. Dessa vez não ia ter remédio, nem mesmo com
todo o bom humor deles. Ninguém ia conseguir mastigar aqueles
pedaços de carvão! Desolada, encostou na parede e deu de cara com
a última pessoa que queria ver naquele momento: David. Ele estava
parado perto da porta, olhando para ela um pouco assustado.
— Você tem tudo para se divertir! — disse ela, apontando
para a mesa. — Veja só o que aconteceu com o meu bolo. — Batia as
fatias para mostrar quanto estavam duros, com as lágrimas
escorrendo-lhe pelo rosto. — E não venha me dizer para fazer
outro, porque simplesmente não há tempo! Odeio esse relógio.
— Você não está conseguindo regular muito bem esse forno,
não é?
— Ora, você... você!
— Não que isso seja o maior problema.
— O que quer dizer?
— Mesmo que o bolo tivesse dado certo, não seria suficiente.
— Era para ter ficado duas vezes maior. Mas, além do problema do
forno, na correria, eu me esqueci de colocar fermento, por isso não
cresceu.
— Mas mesmo que fosse o dobro, ainda seria pouco.
— Está bem, então! Errei na receita e no controle do forno. Mas, e
agora, o que é que vou fazer para o lanche?

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— Não há problema. Faça sanduíches, só isso. E a carne, já pôs


para assar?
— É claro. — Lee correu para o outro forno e diminuiu a
temperatura.
— Dentro de um ou dois dias você vai se acostumar com tudo
isso.
— Se eu conseguir sobreviver!
— Para o jantar, prepare outro tanto de carne. Os molhos estão
no refrigerador.
— E faço sanduíches de quê? — perguntou, ansiosa.
— De atum com maionese e alface; eles gostam muito.
Sugestões ele sabe dar! Pensou, ressentida. Porque não lhe ajudava
um pouco, em vez de ficar ali. parado, dando conselhos, com aquele
ar de superioridade que a irritava tanto.
— Oi. David. — Katrina entrou na cozinha. Parecia que tinha
acabado de sair de um banho: estava perfumada e com os cabelos
sedosos e esvoaçantes. Não era à toa que David olhava para ela de
um jeito especial.
Finalmente ela tomou conhecimento da presença de Lee.
— Oi, Lee! Você está com cara de quem andou trabalhando, sabe.
— E trabalhei, mesmo! — respondeu, furiosa. Percebeu então
que estava com o rosto suado, os cabelos em total desalinho e a
camiseta e as calças sujas de farinha.
Katrina riu.
— Ouviu só. David? Parece que ela quer se ver livre de nós.
Não se preocupe. Lee. não vou tomar muito do seu tempo, só vim
aqui para lhe trazer isto. — Colocou uma fôrma bem grande sobre a
mesa. coberta por uma toalhinha. — Foi Jean quem mandou. Basta
você dar uma esquentada rápida.

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Lee levantou a ponta da toalha e viu pilhas de fritadas de


milho, um tipo de panqueca, e, o que era incrível, já estavam
prontas.
— É para você servir no lanche. — Lee exaltou com a solução
de seu problema: não conseguia esconder a sua felicidade. — Mas
também não é nenhuma maravilha para você ficar me olhando
desse jeito — acrescentou Katrina — Pois para mim sim. Diga a Jean
que eu agradeço muito e que mais tarde falo com ela pessoalmente.
— Está bem, mocinha, agora vamos dar o fora — disse David,
pegando Katrina pelo braço. — Lee tem muito que fazer
Ela os ouviu rindo quando saíram pela porta da frente. Não sabia o
motivo, mas Katrina não a perturbava mais: sua vida limitava-se
agora a fornos, fogões elétricos e sanduíches. Foi depressa abrir as
latas de atum e acabou cortando o dedo. Mas logo encontrou o
estojo de primeiros socorros e pôs um band-aid no corte.
As dez horas em ponto. Lee já tinha arrumado os sanduíches
nas mesas, junto com as fritadas, leite e chá. Não demorou para que
os homens entrassem no refeitório, parando antes para lavarem as
mãos e os rostos suados.
Enquanto se serviam, Lee correu até o forno para dar uma
espiada na carne. Estava sendo assada num espeto, visível quando
se acendia a luz do forno; devia ficar pronta só para o jantar.
Foi então para a janela e viu que o rapaz loiro que a havia ajudado
no café da manhã, ainda continuava trabalhando. Ele pôs um
último fardo sobre uma pilha, em cuja embalagem estava escrito,
em letras garrafais: "Mahia". Seu significado ela ignorava; notou
também que a palavra estava impressa em todas as máquinas e
guindastes com os quais o rapaz loiro parecia muito familiarizado.
Finalmente ele desligou as máquinas e veio em direção ao

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refeitório, limpando o suor do rosto com uma toalha. Os homens


não paravam de tomar xícaras e mais xícaras de chá. Quando o
rapaz loiro se aproximou para servir-se de uma segunda xícara,
dirigiu-se a ela.
— Acho melhor a senhorita se servir também, senão vai acabar
passando mal.
— Não se preocupe, obrigada.
Lee notou que o rapaz tinha um sotaque um pouco diferente
do que o dos outros, mas não quis levar adiante a conversa. Em
poucos minutos já estavam todos saindo de volta ao trabalho.
A ela só restava a cozinha. Como detestava aquela cozinha!
Começou a lavar a pilha de louça e talheres à sua frente. Num
instante, tudo estará limpo, nunca fora tão rápida em sua vida.
Como já estava perto da hora do almoço, separou metade da carne
que estava sendo assada em fogo brando, transferindo-a para um
outro forno, ao lado, com temperatura mais quente. Pôs tudo numa
fôrma com batatas e um molho que encontrou pronto na geladeira.
Enquanto isso, perguntava-se: Será que vou conseguir terminar de
preparar o almoço antes que eles cheguem? E conseguiu, só que
apenas um ou dois minutos antes. Apesar do trabalho árduo, eles
entravam alegres no refeitório, fazendo piadas a respeito de tudo.
Pareciam exaustos e extremamente famintos. Para surpresa e
alegria de Lee, todos elogiaram a comida.
— Ajeitem as gravatas e os paletós, que hoje o almoço é
especial. — disse alguém.
— Essas batatas caíram muito bem com a carne, parece coisa
fina. — comentou um rapaz do outro lado da mesa.
Às três tenho de servir o lanche, pensou desanimada. Como as
horas podiam passar assim tão depressa? Depois de preparar leite

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com cereais numa tigela enorme, pôs no fogo o arroz que serviria
no jantar. Começou então a fazer sanduíches de patê de tomate com
maionese. Experimentou um pouco de cada coisa e, para sua
surpresa, estava tudo muito saboroso. Baixou o fogo do arroz e,
exausta, sentou-se numa cadeira, enquanto os homens entravam no
refeitório.
— A senhorita me parece muito cansada. É uma experiência
nova. Não é? — perguntou o tal rapaz loiro, bem próximo dela.
— Está muito evidente, é? — disse Lee. forçando um sorriso.
— Foi terrível o episódio da carne queimada, e nem sei como
agradecer por terem comido assim mesmo.
— Não, não estava ruim. Já comi coisa muito pior. sabe? Para
mim também é uma experiência nova trabalhar numa fazenda de
criação de ovelhas, com fiação, essas coisas.
Lee estava se sentindo tão cansada que mal conseguia ouvir a voz
do rapaz.
— Eu estou vindo de uma outra fazenda de gado. não tão
grande quanto esta. Fica a algumas horas daqui. Já faz muito tempo
que estou longe de casa, mas foi muito bom aprender a trabalhar
em fiação.
— Como eu. você está aprendendo com a vida. com a
experiência, não é?
— É isso mesmo, Lee. e não fique surpresa por eu ter
descoberto o seu nome tão depressa. O meu nome é Paul. Paul
Forrest. Agora, que eu esteja aqui, está certo, mas você. —Percebeu
que ele sentiu pena dela. Olhava apreensivo para as mãos de Lee,
uma delas com um curativo, a outra com cortes superficiais. — Não
faz sentido estar confinada aqui neste fim de mundo! Afinal o que
pretende? Escrever um romance?

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— Digamos que tenho meus motivos. Pretendo ganhar


experiência, sim, mas é duro aprender alguma coisa tendo que estar
o tempo todo de olho no relógio, correndo feito louca.
— Eu compreendo você. — Paul tinha um sorriso doce e
amigo. — Talvez já tenha ouvido falar da fazenda de meu pai. a
White Range.
— Eu acabo de chegar, não conheço nada por aqui, sabe? Vim
da Inglaterra, precisava de um trabalho, e...
— E acabou aceitando este!
— Bem, afinal é um trabalho, não?
— Por nada no mundo ela pretendia revelar o motivo
verdadeiro que a tinha forçado a aceitar a proposta de David
Hamilton. Só de pensar nele tremia de raiva. Nunca iria perdoá-lo
por tamanha humilhação, nunca!
Paul estava lhe dizendo alguma coisa, mas ela se sentia tão
atordoada que não conseguiu entender direito. Quando o viu
aproximar-se da pia, pronto para começar a ajudá-la com as louças,
gritou:
— Não! Não, obrigada, eu me encarrego disso. Tenho a tarde
toda para fazer, não se preocupe. Obrigada pela gentileza.
— Você não está em condições, pelo menos hoje. Vou ficar
ofendido se não aceitar a minha ajuda.
Lee percebeu que, de fato, ele estava disposto e não
demonstrava o menor sinal de cansaço, mesmo tendo trabalhado o
dia todo. Viu também que era inútil argumentar com ele, que já
ensaboava panelas e talheres.
Meia hora depois estava tudo pronto.

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Lee agradeceu bastante e preparou-se para servir o jantar, que


já estava pronto. Agora seria mais fácil, pois só tinha que lavar a
louça do jantar, que era mínima, por ser tudo servido num prato só.
Quando todos terminaram, Paul apareceu novamente na
cozinha para oferecer ajuda.
— Não, obrigada, Paul. Já terminei tudo.
— Está de saída?
— Não, tenho que ver mais umas coisas ainda — respondeu
com um sorriso.
— Então vejo você amanhã.
É um rapaz legal, pensou ela, enquanto o via sair pela porta.
Sua ajuda tinha sido a única coisa boa naquele dia exaustivo; mas
logo se esqueceu dele, pois precisava resolver muitas coisas. Se
preparasse o mingau à noite, talvez lhe sobrasse mais tempo de
manhã; assim, só teria que esquentá-lo. Lembrou-se dos acidentes
do dia e ficou furiosa. Tinha sido tudo culpa de David! Apesar de
sua inexperiência, ele a sujeitou àquilo, só porque precisava de uma
cozinheira. Mas, mesmo assim, exausta e aborrecida, não iria
entregar os pontos, de jeito nenhum!
Concentrou-se novamente na preparação do mingau e decidiu
que também deixaria uns bolinhos de aveia já assados. Olhou
desanimada aquelas panelas enormes. Às vezes tinha a sensação de
que ia desmaiar, de tão cansada, mas respirava fundo, tomava um
copo d'água e reagia.
Mais tarde ouviu passos de alguém entrando no refeitório;
imaginou que fosse um dos trabalhadores que tinha esquecido
alguma coisa. Mas era David.
— Ainda aqui? — perguntou ele, como se a censurasse.
— Estou arrumando umas coisas. — respondeu, seca.

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Gloria Bevan

— Às onze e meia da noite?


— Não é possível!
— Pois então, veja você mesma. — Ela deu uma olhada no
relógio de parede.
— Já estou terminando.
Ele encostou então num canto da mesa, com os olhos fixos
nela.
— Pode-se dizer que você teve um dia cheio!
— E que não vou dar conta de novo amanhã. É isso o que quer
dizer? Tem medo de que eu não acorde viva?
— Sem comida, não há fiação, nem pastagem, nem nada.
— Você não dá a mínima para o que eu estou passando: Não
liga para nada, desde que sua fazenda e sua fiação estejam andando
bem!
— Foi você quem aceitou o emprego!
— Você me forçou a isso!
— Não forcei você a nada.
Não eram as palavras dele que a incomodavam, mas uma
suspeita que, de repente, tomou conta dela.
— Você é mórbido! Planejou tudo isso para me punir de uma
coisa que nem mesmo fiz! Aposto que ninguém desistiu desta vaga
de cozinheira. Você faz tudo de propósito. Sabia que podia me
obrigar a aceitar o emprego por causa. por causa do que aconteceu
em Samoa. O tempo todo. — calou-se de repente, assustada com a
expressão dele.
— Nunca mais se atreva a duvidar da minha palavra!
Entendeu? Nunca mais diga que eu menti! — Foi se aproximando
dela, esperando que Lee se desculpasse.
— Está bem, está bem, eu acredito em você.

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Gloria Bevan

E por mais estranho que parecesse, era verdade. Apesar de ser


frio e calculista, David era o tipo do homem que parecia incapaz de
mentir ou trapacear.
— Termine logo com isso e vamos embora. Você precisa de
algumas horas de sono. Eu a levo até a sede.
— Está bem. — De repente todo o cansaço do dia se abateu
sobre o corpo de Lee de uma vez só. David estava com os olhos
fixos nela. Por que seria?
— Aqui costuma ficar muito quente com os fornos e os fogões
ligados. Amanhã é melhor você usar uma roupa mais fresca.
Lee já tinha percebido que os jeans de tecido grosso e a
camiseta que estava usando eram impróprios para a temperatura
do ambiente. Mas não estava mais disposta a receber ordens ou
sugestões daquele homem.
— Eu uso o que tiver vontade de usar!
— Como quiser! — Ele apagou as luzes e foram caminhando
juntos pela escuridão. David então parou para fechar a porta da
fiação e Lee ficou esperando. Recomeçaram a andar e ela se
lembrou dos degraus que viriam logo à frente; se ele pensava que
não conseguiria descer sozinha, estava muito enganado.
— Eu não preciso. — Mas foi inútil o protesto, pois em poucos
segundos ele já a segurava pelo braço, com firmeza. Lee fez o que
pôde para parecer indiferente ao seu toque. De repente, deu mais
uma vez um passo em falso e foi preciso que David a segurasse pela
cintura para que não caísse. Nada deve acontecer à cozinheira,
senão a fazenda e a fiação não funcionam, ela pensou, furiosa!
Ainda estava muito perturbada com a proximidade dele
quando chegaram ao último degrau. Era difícil continuar a odiá-lo!
Alguma coisa tinha mudado dentro dela e Lee não sabia explicar.

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Gloria Bevan

Por que David me afetava deste jeito? perguntou-se inúmeras vezes


e não encontrou resposta.

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CAPÍTULO V

Lee trabalhou exaustivamente na primeira semana. Não


conseguiu concentrar-se em mais nada, a não ser na preparação
daquelas grandes quantidades de comida para os trabalhadores.
Depois do primeiro dia. Que mais pareceu um pesadelo, foi se
adaptando melhor. Na verdade, o relógio continuava sendo o seu
inimigo e contra ele vivia em constante batalha, mas agora pelo
menos já se sentia mais dona da situação. Paul sempre a ajudava.
Todas as noites, depois de servir o jantar, ele enchia a pia de água
quente e detergente e lavava toda a louça.
— Você vai acabar virando um especialista em lavar pratos em
vez de ser um criador de ovelhas! — brincou Lee.
Naquela noite os homens tinham chegado para jantar mais
relaxados e bem-humorados. Depois de comer, foram todos se
despedir dela. O estágio deles na fazenda tinha acabado.
— Foi um prazer conhecê-la, srta. Lee — disse um deles.
— Espero encontrá-la novamente algum dia — disse outro.
— Vocês não podem estar falando sério, depois do que
aprontei com a comida de vocês — respondeu Lee.
Mas eles realmente estavam sendo sinceros no que diziam, o
que a deixou surpresa.
— Você não iria acreditar! Lembram-se daquela moça que veio
do sul? — perguntou um deles. E assim prosseguiram, contando
histórias sobre as várias vezes em que tiveram que comer coisas
horríveis preparadas por outros cozinheiros e cozinheiras. Lee não
sabia até que ponto era verdade ou piada as coisas que eles
contavam.
Paul foi o último a sair, segurando sua mão por mais tempo.

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Gloria Bevan

— Obrigado por tudo — disse ela com um sorriso. — Só Deus


sabe o que seria de mim, se não fosse a sua ajuda.
— Foi um prazer, pode ter certeza disso! Será que eu posso ver
você novamente? Na próxima semana vou estar trabalhando numa
outra fazenda, mas depois terei alguns dias livres. Que tal se eu lhe
telefonasse para marcar alguma coisa? Você ainda vai estar por
aqui?
Lee não sabia quanto devia a David Hamilton, mas, em
apenas uma semana, com certeza não tinha ganho o bastante para
poder se ver livre dele.
— Claro que sim — respondeu.
— Ótimo! — O rosto de Paul se iluminou. — Telefono para
você na semana que vem, então. Até mais! — Beijou-a suavemente
nos lábios e saiu correndo, antes que ela pudesse dizer qualquer
coisa. Pelo seu jeito de agir, Lee suspeitou de que Paul não tinha
tido muitas namoradas antes. No momento seguinte esqueceu-se
dele.
Era estranho como me sinto em casa dentro desta cozinha,
pensou, enquanto passava um pano. no chão. Os fornos e o fogão já
lhe eram familiares e tinha se acostumado com o peso das panelas e
louças.
Naquela noite ela se sentiu menos cansada do que de hábito.
Quando chegou em casa, o jantar já tinha terminado e deduziu que
todos estariam na sala de estar. Entrou pelo corredor sem se fazer
notar, mas nisso a porta do escritório de David se abriu e ele
perguntou:
— Será que dá para você vir até aqui um minuto, Lee?
Ela imaginou que seria mais uma daquelas conversas impessoais
entre patrão e empregado. Desde aquela noite em que tinha sido

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ríspida com ele, viu David poucas vezes; e, no fundo, sentia-se um


pouco envergonhada de todas as acusações que tinha feito a ele.
Mas nunca iria admitir isso.
— Sente-se — disse ele. puxando-lhe uma cadeira. — É sobre o
seu trabalho desta semana. Já paguei todo o pessoal, só falta você.
— Ele fez alguns cálculos e informou que a diária dela era de trinta
dólares. Lee ficou surpresa, pois era muito mais do que esperava
ganhar.
— Vou providenciar o seu cheque. — Pegou o talão e ia
começando a preencher quando ela o interpelou:
— Mas não há necessidade! Quero dizer, eu devo dinheiro a
você, aquele empréstimo que você me fez em Samoa. Combinamos
que seria descontado do meu salário quando eu começasse a
trabalhar aqui.
David ficou em silêncio por um momento. Desde que se
conheceram, era a primeira vez que ele a encarava como uma
pessoa séria, capaz de assumir seus compromissos.
— Está bem, então. — Ele fechou o talão. — Se é assim que
você quer!
— Sim, é.
Lançou-lhe um daqueles olhares penetrantes e Lee sentiu-se
envergonhada das mãos vermelhas de tanto lavar louça e das
marcas de queimaduras nos braços. Já fazia alguns dias que ela não
usava maquilagem, mas também não fazia sentido, tendo de
enfrentar o calor daquela cozinha. Seus cabelos, então, estavam
horríveis, pois ficavam presos de manhã à noite e eram escovados
só de manhã rapidamente, antes de ir trabalhar. Mas por que estava
tão preocupada com a sua aparência? Talvez David nem tivesse
reparado!

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— Eu quase não mexi no dinheiro que você me emprestou em


Samoa. Acredito que agora, com o meu próximo trabalho, terei
condições de juntar cada centavo.
— Seu próximo trabalho?
— Sim, foi isso que nós combinamos, não foi? Você ia me
arrumar trabalho até eu conseguir juntar dinheiro para voltar a
Londres. Por sinal, você sabe quanto está custando uma passagem?
— Por volta de oitocentos dólares.
Oitocentos dólares! Isso era muito mais do que ela esperava,
mas não tinha outra opção a não ser começar a juntar cada centavo
que ganhasse.
— Tudo o que preciso é de um trabalho.
— Como cozinheira não serve? — perguntou-lhe com aquele
seu cinismo habitual. Lee ficou furiosa!
— Acho que deve haver uma outra coisa.
— Quer dizer então que não gostou.
Fez um esforço para não lhe falar tudo o que estava pensando;
mas dessa vez não ia aceitar a provocação dele. Forçou um sorriso e
disse:
— Bem, o pessoal não reclamou.
— Eu lhe avisei de que eram pessoas fáceis de se tratar.
Lee achou que David fosse fazer algum comentário sobre o seu
trabalho. Para seu desapontamento, ele não disse mais nada. Depois
de algum tempo achou que seria inútil ficar ali, naquela
expectativa. Devia estar louca ao admitir a possibilidade de ele
tratá-la com um pouco mais de consideração.
— Tenho que encontrar outro emprego. — Conseguiu dizer
finalmente. — Preciso ganhar mais para poder comprar a minha
passagem de volta.

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Esperava que ele lhe dissesse alguma coisa, que fizesse outra
proposta. Mas David simplesmente permaneceu em silêncio,
olhando para ela de um jeito estranho.
— Ah, então é isso o que você quer?
Provavelmente, não tinha nenhum outro emprego para ela, pelo
menos na fazenda, senão ele já teria dito. Mas se não fosse ali, onde
poderia ser!
— Escute aqui, já lhe paguei o dinheiro que lhe devia e acho
que agora estamos quites — disse Lee, finalmente.
— E mesmo? — respondeu, irônico.
Ela ignorou o comentário e, prosseguiu:
— Vou tentar conseguir um emprego em algum outro lugar,
como auxiliar de enfermagem. Deve haver alguma coisa! Neste país
não existem hospitais, por acaso?
— E você não pensou no contrato de trabalho? Como
estrangeira, você não vai conseguir ir muito longe, principalmente
porque não tem nenhum diploma, nem mesmo de enfermagem.
— Como sabe disso? — perguntou, com os olhos arregalados
de espanto.
— Andei investigando.
— Ah, claro, eu devia imaginar.
— Sendo assim, só poderá permanecer no país sob a minha
custódia. Vou procurar de novo um trabalho para você conseguir
juntar o dinheiro da passagem. Você não pode ir embora.
— Mas não vou ficar como prisioneira nesta fazenda!
— Isso quem decide sou eu.
Lee levantou-se da cadeira e aproximou-se dele. Quis
esbofeteá-lo, mas David foi mais rápido, imobilizando o seu braço e
segurando-a pela cintura com força. Numa fração de segundos seus

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corpos e seus lábios se encontraram. Lee tentou virar o rosto, mas


foi inútil. David beijou-a com a mesma violência com que a agarrou.
De repente, afastou-se bruscamente e Lee quase perdeu o equilíbrio.
— Seu... seu...
— E vai ter mais, se você não se comportar direitinho!
Depois de lhe lançar um olhar indignado, Lee virou-se em
direção à porta e saiu correndo. Não sabia realmente o que fazer!
Com certeza ele não estava acostumado a desafios; quanto mais de
um empregado. De qualquer forma ele tinha merecido, por agir
daquele jeito.
Na manhã seguinte ela acordou cedo e começou a se vestir
com pressa, até lembrar que não tinha mais que trabalhar na
cozinha. Estava certa de ter feito um bom serviço, pelo menos
David não apontara nenhuma falha. Sentiu uma enorme satisfação
por isso, e também por se dar ao luxo de ficar deitada um pouco
mais e também por poder cuidar dos longos cabelos naquela
manhã.
É estranho tomar o café da manhã na sede da fazenda, pensou
Lee. Ficou surpresa ao encontrar David; ele costumava sair bem
mais cedo, com os outros empregados. Conversava com Katrina,
que parecia atenta a cada palavra que ele dizia. Sem dúvida era seu
tipo preferido de mulher. Além de jovem e bonita, nunca o
contrariava, só sabia lhe lançar olhares apaixonados. Pela primeira
vez ocorreu a Lee que talvez Katrina não fosse tão frágil como
tentava parecer. Aquilo devia ser um artifício para chamar a
atenção de David, para conseguir o seu amor. E devia estar
conseguindo, pois bastava ver o jeito como David olhava para ela.
— Olhem só quem está aqui! — comentou Daniel da outra
ponta da mesa. — Pensei que nunca mais fosse se livrar daquele

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trabalho! — A simpatia de Daniel levantou o moral de Lee. Tinha


tido tempo de tomar um longo banho, fazer uma máscara de beleza
para revitalizar a pele do rosto e tratar dos cabelos que estavam
soltos, jeitosos e esvoaçantes como nunca estiveram. Percebeu que
Daniel olhava para ela, admirado.
A nova aparência de Lee não passou desapercebida nem a Katrina
nem a David.
— E então, não vai dizer alguma coisa a Lee, David? Que ela
foi um sucesso como cozinheira, por exemplo. — lembrou Daniel.
— Foi um trabalho como qualquer outro — interveio Lee. — Depois
de um tempo a gente se acostuma.
— A julgar pelas suas mãos, acho que você demorou um
pouco para se habituar — observou Daniel.
— No começo eu era um pouco descuidada — justificou-se
Lee, sorrindo para Daniel. — As facas são muito afiadas, e com todo
aquele apetite dos trabalhadores.
Daniel lhe serviu uma xícara de café.
— Então agora você vai poder conhecer melhor Mahia. A
senhora percebeu, mamãe, que desde que Lee chegou aqui, ela só
conhece u a fiação? Que tal um passeio depois do café, Lee?
— Você não está esquecendo de nada? — perguntou David
num tom autoritário. — E o trabalho de demarcação dos limites da
fazenda?
— O que tem isso? — Por um momento Daniel pareceu
confuso.
— Acho melhor você terminar esse serviço logo. Lee não vai se
importar.
Quando ela ia lhe dar uma resposta, David acrescentou:
— Mesmo porque posso levá-la pessoalmente.

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— Você não precisa sair especialmente por minha causa!


— Mas tenho que ir mesmo. Os rapazes estão fazendo uma
queimada no alto do morro e eu quero ir dar uma olhada; se quiser,
pode vir comigo. — Olhou em direção a Daniel. — E não se
preocupe com o meu irmão, ele vai encontrar uma porção de coisas
para fazer. Afinal não importa com quem você vai, não é nada
especial, só uma voltinha pela fazenda.
Só que com você!, pensou Lee, que há cinco minutos se sentia
animada. Desconfiou de que, por algum motivo, ele tinha
interferido deliberadamente nos planos do irmão. Até Katrina
parecia surpresa.
— Você vai acabar se acostumando com a competição — disse
ela a Lee. — É a falta de garotas aqui que provoca isso. — Deu uma
gargalhada. — Não que eu tenha algo contra.
— É verdade, sabe — comentou Jean, rindo. — Aos poucos,
você acaba se acostumando.
David levantou-se e deu o assunto por encerrado.
— Eu apanho você às dez horas, Lee.
— Eu também vou junto. — disse Katrina.
— Lamento, mas hoje, não. Com aquelas nuvens escuras que
estão se formando no céu, há a possibilidade de pegarmos uma
tempestade. Você não deve se molhar, pode apanhar um resfriado.
Lee ficou indignada. David só se preocupava com o bem-estar de
Katrina, Lee que se danasse. Com certeza só a via como a cozinheira
dos trabalhadores.
— Com licença agora — disse ele. — Vejo você mais tarde,
Lee.
Jean olhava para Katrina, um pouco confusa.

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— Será que John vai conseguir chegar hoje para o baile? Ele
prometeu ficar até o fim da semana.
— Oh, é verdade. eu tinha quase esquecido!
— Ele jamais se esqueceria de você, Katrina.
— Pois é, Jean, acho que John sente alguma coisa por mim,
não?
— Claro que sim. — Daniel interferiu, parecendo recuperar o
seu bom humor. — Toda vez que você passa uma temporada
conosco, ele dá um jeito de vir também. Ah, o velho John! Vocês
formam um belo casal!
— Ora, pare com isso!
Jean voltou-se para Lee.
— Katrina e John se conhecem desde crianças. As fazendas
dos pais deles não ficam muito longe uma da outra e os dois foram
praticamente criados como irmãos.
Katrina deu uma risada e disse:
— Não é bem assim que John vê as coisas, Jean.
— Pois a culpa é sua — observou Daniel. — Você não deveria
encorajar tanto o pobre rapaz.
— Encorajá-lo! Pois eu já lhe disse mil vezes que não quero
nada sério, mas ele nem liga.
— Bem, acho que você não deve se preocupar — continuou
Daniel. — Talvez você tenha a sorte de John se interessar por
alguma outra garota no baile do fim de semana. — Olhou para Lee
e acrescentou: — Alguma cara nova, entende?
— Você acha mesmo. — Katrina lançou um olhar de desafio
para Lee. — Fique sabendo, Daniel, que ele não enxerga ninguém
além de mim:
Lee deu um jeito de mudar de assunto.

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— Onde vai ser o baile? Eu não vi nenhum salão por aqui.


— Não viu, porque não existe — explicou Daniel. — O baile
acontece no saguão da fiação; não há nem necessidade de polir o
chão. de tão liso que é. É incrível como as coisas mudam por aqui
quando se fala em baile. Vem todo mundo, menos a minha
namorada: ela está trabalhando na cidade. Mas desta vez vou
arranjar uma substituta.
Às dez horas em ponto Lee estava pronta. Usava jeans
apertados e camiseta azul-marinho. Foi até a sala de estar e lá
encontrou a governanta.
— Eu preparei alguns sanduíches; quando se sai a passeio com
David. nunca se sabe a que horas se vai voltar — disse ela.
— Obrigada, foi muito gentil — agradeceu Lee, ao pegar a
cesta com os sanduíches. Em seguida foi até a varanda, e então
ouviu o barulho do motor do carro de David.
Uma vez dentro do carro, ficou mais tranquila. Que
importância tinha David ser tão insensível? A verdade é que estava
visitando um outro país. onde talvez nunca mais tivesse
possibilidade de voltar, e por isso mesmo tinha de aproveitar ao
máximo. Não demorou muito para que avistassem o mar. Quando
pararam em frente a uma porteira, ela perguntou:
— Alguma coisa errada?
— Não, nada errado.
— Então por que parou?
— Estou esperando você abrir a porteira.
— Eu? — perguntou, surpresa.
— Isso mesmo. Aqui é assim. Não é o motorista quem abre a
porteira. Isso é privilégio do passageiro.
— Privilégio?

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— Dever, se prefere assim. Como é, vai quebrar o


regulamento.
Lee olhou para ele e acabou acreditando que ele dizia a
verdade.
— Está bem, então. — Desceu do carro e foi abrir a porteira. O
trinco era duro, difícil de manejar. Ele não foi ajudá-la, é claro, nem
ela esperou que fosse. Finalmente deu um puxão com mais força e a
porteira se abriu. Esperou que o jipe passasse para fechá-la de novo
e teve de novo a mesma dificuldade.
— Se você tivesse.
— Ajudado você? — perguntou David, quando ela entrou no
carro. — Ora, você precisava aprender. Mas as próximas vezes
serão mais fáceis.
— Quantas outras, posso saber?
— Nunca tive curiosidade de contá-las. Mas agora você vai ter
a oportunidade de fazer isso.
— Pelo visto.
Percebeu então que estavam passando por uma estrada que
ela conhecia. Depois de algum tempo chegaram a um pequeno
aeroporto, onde um avião de pequeno porte fazia manobras. David
desceu do carro e disse:
— Vou até lá. O vento nordeste está soprando muito forte e ele
está sem estabilidade.
— Quer dizer que o piloto não vai trabalhar?
— Seria perda de tempo, ia ter que voltar em seguida.
Logo depois, Lee viu o piloto recolhendo o avião e ficou
deslumbrada quando se deu conta da paisagem à sua volta.
— Ainda há muita terra para ser plantada — explicou David,
enquanto ligava o motor do carro. — Pretendo plantar capim numa

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boa parte dela. O visual é gratificante e as ovelhas também


aproveitam.

— Entendo. — Sonhadora, observava a pele queimada e os


lábios carnudos de David. Não conseguia entendê-lo! Embora a
tratasse rudemente a maior parte do tempo, em certos momentos
conseguia ser extremamente gentil. Será que era assim com todos
ou apenas com ela?
Já estavam rodando há algum tempo, quando Lee sentiu um
cheiro forte de fumaça que vinha do morro onde estavam fazendo a
queimada e que David pretendia inspecionar.
Ele parou o jipe, desceu e pediu que Lee esperasse. Depois de
mais ou menos meia hora, estava de volta. Fez a manobra e
seguiram por uma outra estrada, que foi dar quase no topo de um
morro, onde havia uma cabana rústica. Estacionou o carro e
perguntou:
— Vamos entrar? Ou você não está com fome?
Ela estava realmente com fome, e muita. Pegou a cesta de
sanduíches enquanto ele abria a porta do carro e teve que entrar
correndo na cabana pois, além do vento forte, começaram a cair
grossos pingos de chuva.
— Os garotos costumam usar este lugar quando fazem
excursões pelos morros. Seja bem-vinda?
Dentro da cabana havia uma lareira rústica já com lenha
dentro, uma cama coberta com uma colcha de pele de carneiro,
algumas latas de comida numa estante, uma mesa e um banco
coberto com pele de boi.
— Dá pra quebrar um galho, quando se está longe da fazenda.
— Ele acendeu um fósforo e, num instante, a lenha pegou fogo. Os

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gravetos estalavam, quebrando o silêncio. David foi até uma


torneira, atrás da casa, encheu um caldeirão de água e colocou-o na
lareira sobre uma espécie de grelha.
— A Sra. Mac mandou alguns sanduíches. — disse Lee.
— Eu sei que sempre posso contar com ela!
E comigo não! pensou, irritada. Será que estava tão sensível a
ponto de achar que tudo o que ele dizia era uma indireta para ela?
Mas uma coisa era certa: Lee se importava, e muito, com a opinião
de David a seu respeito.
A chuva aumentara bastante, batendo com força na vidraça da
janela. David tinha parado ao lado dela e agora olhava no fundo de
seus olhos. Uma emoção muito forte tomou conta dela. Com muito
esforço, Lee desviou o olhar e procurou um assunto.
— Quer que eu providencie as xícaras para o chá?
— Por favor.
Tinha que tomar cuidado para não cair em nenhuma cilada.
Inimigo ou não, a verdade era que ele exercia uma atração
fortíssima sobre ela e, pior que isso, suas defesas eram frágeis
demais. Nesse momento um relâmpago iluminou a cabana, fazendo
um barulho ensurdecedor. Mesmo David pareceu assustado. A
água já estava fervendo e ele se apressou em fazer o chá.
Lee achou os sanduíches deliciosos. Eram todos de pão feito
em casa, e havia os mais diferentes tipos de recheio: presunto,
tomate, ovos, carne fria, maionese.
Ouvia atenta David falar de todo o trabalho que tinha tido
para construir Mahia, fazendo dela uma fazenda modelo. Aos
poucos foi se dando conta, de que estava diante de um homem
excepcional. Ele certamente notou o seu interesse, pois nunca lhe
pareceu tão descontraído e gentil.

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— Se quiser saber qualquer coisa sobre Mahia, pergunte para


mim!
Lee tomava seu chá, sem encará-lo. De repente, armou-se de
coragem e arriscou:
— Está bem então, há uma coisa que eu quero saber: por que
você quis me trazer aqui hoje? Não queria que eu saísse com o seu
irmão? Você não confia nem um pouco em mim, não é mesmo?
— Daniel? — Pela expressão de David, Lee se deu conta de
que tinha cometido um engano.
— O que eu quero dizer é que você nunca se preocuparia em
me levar a passear — explicou-se.
— Isso já faz parte de nossa rotina. Sempre que temos visita,
um de nós a leva para conhecer o lugar.
— Mas eu não sou visita! Você mesmo fez questão de deixar
isso bem claro. — Foi interrompida pela entrada súbita na cabana
dos dois homens que estavam trabalhando na queimada.
— Por hoje acho que não dá para fazer mais nada. Essa chuva
não vai parar! — disse um deles, enquanto tirava o paletó molhado
e o colocava junto ao fogo para secar.
— Você tem razão. Esta é Lee. — David fez as apresentações.
Choveu durante toda a viagem de volta. O vento soprava forte
nas árvores e os relâmpagos cortavam o céu.
Normalmente Lee entraria em pânico numa situação dessas, mas ao
lado de David sentia-se segura.
Quando já estavam bem próximos da casa da fazenda,
ouviram um ruído muito forte: um raio atingira uma árvore,
derrubando-a.
— Sorte que caiu do outro lado, senão estaríamos debaixo
dela. — comentou David.

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Enquanto o carro rodava, os pensamentos de Lee vagavam.


Assim que começasse a trabalhar de novo, iria guardar cada
centavo de seu salário para pagar a passagem de volta. Mesmo
porque nem tinha como gastar naquele lugar, onde não havia
apelos de consumo. Mesmo que quisesse comprar um vestido novo
ou um sapato, não poderia. Mas, também, quem ia se preocupar
com a sua aparência?
Lembrou-se então de Paul. Foi o único homem que a notou ali,
naquele fim de mundo. Seria eternamente grata pela ajuda que ele
lhe tinha dado, mas duvidava que fosse encontrá-lo de novo,
mesmo que quisesse. Seu único desejo era sair dali e voltar depressa
para a Inglaterra. Involuntariamente virou o rosto na direção de
David; a chuva tinha molhado seus cabelos e seus traços agora
pareciam ainda mais marcados. Mordeu os lábios, desolada.
Precisava tirar David Hamilton da cabeça! Tinha de conseguir!

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CAPÍTULO VI

Quando chegaram, Lee notou que havia um carro esporte


vermelho, todo sujo de barro, estacionado na garagem.
— Parece que John conseguiu chegar, mesmo com essa
tempestade! — comentou David. — Deve ter sido a motivação que
o fez vencer os obstáculos.
Será que David estava enciumado com a chegada do rival, um
homem que, ao que tudo indicava, estava profundamente
apaixonado por Katrina? Se fosse isso, até que ele conseguia
disfarçar suas emoções com facilidade. Mas David era imprevisível,
ponderou. Só que Lee já havia aprendido uma coisa: controlar-se
muito bem em qualquer situação. O que não deixava de ser
péssimo, pois comprometia a sua espontaneidade.
Uma hora mais tarde, depois de tomar um banho e vestir um
vestido leve, escovou bem os cabelos, deixando-os soltos e foi para
a sala de estar. Alguém tinha posto um disco em alto volume.
David devia ter saído para verificar o estoque, mas Katrina parecia
muito feliz. Estava sentada no carpete perto do toca-discos, com um
rapaz ao lado. Ele se levantou quando Lee entrou na sala.
— Olá! — Pela expressão de surpresa dele, Lee deduziu que
Katrina não havia mencionado sequer seu nome ao rapaz.
Era estranho, mas parecia que só agora Katrina estava tomando
consciência de que Lee existia. Com a pele do rosto mais corada, os
olhos realçados por um ligeiro contorno, o vestido gracioso e as
sandálias de saltos altos, Lee era realmente uma outra pessoa.
— John. Lee. — Katrina fez as apresentações rapidamente.
O rapaz não conseguiu disfarçar a admiração e estendeu a mão
para Lee, segurando-a por um momento.

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— Katrina não me falou de você.


— Lee é a cozinheira dos trabalhadores que vêm fazer estágio
ou, pelo menos, era — disse Katrina. Havia malícia em suas
palavras. — Você ainda não conseguiu outra colocação, Lee? Acho
que tinha mais é que agarrar esse emprego mesmo, quando chegar
a nova turma de estagiários.
Lee deu uma risada.
— Talvez, mas não estou tão ansiosa assim! — Sorriu para o
rapaz. — Nunca pensei que fosse um trabalho tão duro.
— Posso imaginar. — Ele olhava para ela, medindo-a dos pés
à cabeça. — Mas deve ter sido só para adquirir experiência. Por
acaso você não é uma jornalista fazendo uma matéria sobre como é
o trabalho de cozinheira numa fazenda?
— Não, mesmo! — Lee sentou-se numa poltrona e cruzou as
pernas com graça.
— Pois eu jamais diria que você trabalhasse nesse tipo de
coisa.

— Mas é verdade! Só que agora a fiação está parada e eu estou


tentando encontrar um outro emprego.
— Que tipo de emprego você tem em mente?
— Nenhum em especial. Não é nada fácil encontrar, ou
melhor, escolher um emprego no campo.
— E tem que ser no campo?
Como responder a essa pergunta? Não podia contar que tinha
vindo com David por causa de um empréstimo, que não seria fácil
conseguir um contrato de trabalho sendo estrangeira, que afinal era
mais ou menos uma prisioneira ali naquele lugar. Respondeu o que
lhe pareceu mais razoável.

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— Gosto daqui. Está sendo uma experiência inteiramente


nova para mim, num país diferente.
— Ela é inglesa. — Interveio Katrina, tentando encerrar o
assunto.
— Estou me dando bem e aprendendo muito — continuou
Lee, sem se deixar intimidar.
Aparentemente as respostas foram convincentes, pois John
pareceu entender os seus motivos. Katrina. por outro lado. parecia
bastante irritada.
— Na Inglaterra, eu costumava trabalhar como auxiliar de
enfermagem em clínicas de convalescença. Mas não consigo me
imaginar fazendo esse tipo de trabalho por aqui, pois todos
parecem esbanjar saúde.
— Mas há muita falta de enfermeiras aqui. A maioria das
moças prefere ir para as grandes cidades. E não podemos censurá-
las por isso. Mas. se você está pensando seriamente em conseguir
um emprego.
— E como.
— É que minha irmã. — disse John, pensativa.
— Ora, venha, vamos dançar! — interrompeu-o Katrina.
mudando o disco da vitrola.
— Num minuto, querida. — Desculpou-se e voltou-se
novamente para Lee.
— Michelle e seu marido estão morando na nossa fazenda, no
momento, nós não moramos muito longe daqui. O fato é que
Michelle está esperando gêmeos para muito breve e já está cansada
de colocar anúncios em jornal solicitando uma jovem com prática
em enfermagem para lhe dar uma ajuda, pelo menos no começo. O
médico da família também está tentando encontrar alguém, mas.

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até agora. nada. Se você pudesse ficar com ela. pelo menos nos
primeiros meses, tenho certeza de que Michelle nem saberia como
lhe agradecer!
— Quando é que ela.
— O parto está marcado para a semana que vem.
— Mas isso seria maravilhoso! — exclamou, eufórica. — Viria
a calhar, tanto para mim, quanto para ela. Diga à sua irmã que irei
vê-la. — Lee interrompeu-se, pois David entrava na sala.
— Prazer em vê-lo, John. — David é um verdadeiro mestre na
arte de disfarçar seus verdadeiros sentimentos, pensou ela. Ele foi
até o bar e começou a preparar um drinque. — Não atolou em
nenhum ponto da estrada?
̶ Por sorte, não.
Lee estava ansiosa para que John continuasse a falar naquele
assunto.
Enquanto os dois conversavam, teve tempo de observar
melhor David. Ele usava uma malha colorida sobre uma calça de
veludo bege. Estava mais atraente do que nunca.
— O que você vai beber, Lee, um sherry? — perguntou David.
— Sim, por favor.
— Você, eu sei, Katrina. E você, John?
— Cerveja, por favor.
Depois de servir as bebidas, David acomodou-se numa
poltrona, olhando ausente para o copo de uísque. Em seguida,
voltou sua atenção para a chuva que batia na vidraça.
— Se essa chuva continuar, vamos ter que mandar os tratores
jogarem pedregulhos na estrada — disse ele. — E olha que pode
durar até o dia em que você for embora.

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— O que não vai demorar muito. — respondeu John.


Nesse momento Katrina levantou-se e saiu da sala, batendo os pés;
parecia furiosa.
— O que há com ela? — Quis saber David.
— Nada de grave. É que está acostumada a ser o centro das
atenções! — explicou John. — Acabei de conhecer Lee, nem sabia
que ela estava aqui com vocês.
— Foi tudo muito rápido. Coincidiu de estarmos em Samoa na
mesma época. Eu dei uma parada lá para visitar minha irmã
Beverley. Lee estava vindo da Inglaterra e demonstrou interesse em
conhecer a Nova Zelândia, principalmente a zona rural. Então me
pareceu uma boa ideia convidá-la para visitar a fazenda.
— Foi assim mesmo? — perguntou John, um tanto surpreso.
Também não era pra menos! A essa altura devia estar tentando
adivinhar o que Lee seria: uma cozinheira ou uma turista
desocupada?
Evidentemente o que mais importava no momento era a
necessidade de sua irmã conseguir uma enfermeira, tanto que foi
logo adiantando tudo a David.
— Lee estava me dizendo que está procurando emprego, e por
acaso eu sei de um que vai servir perfeitamente para ela.
Minha irmã está esperando gêmeos e, quando sair do hospital,
vai precisar de uma enfermeira, entende?
— Não! — A negativa de David assustou tanto Lee quanto
John, que se entreolharam. Ele se levantou, foi até o bar para servir-
se de uma outra dose e acrescentou: — Lamento muito, mas não
será possível.
— Mas você não disse que estava disposta a aceitar o
emprego, Lee? — perguntou John.

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Antes que ela pudesse dizer alguma coisa, David respondeu


por ela. E seu tom incisivo deixou bem claro que ele estava falando
de negócios.
— Você me prometeu. Lee, que iria aceitar o emprego que eu
estava arrumando para você. Falamos sobre isso ontem à noite
mesmo. lembra-se.
Os pensamentos de Lee estavam confusos. Realmente, tinha
dito que esperaria até que ele encontrasse alguma colocação para
ela, mas David não tinha mencionado nenhum trabalho específico.
Se ela resolvesse desafiá-lo e não cumprisse a promessa, ele
simplesmente poderia informar as autoridades sobre a sua situação
irregular no país, e daí tudo estaria perdido. Não queria ser expulsa
da Nova Zelândia!
— Acho que você está certo — concordou, afinal. Virou-se
então para John: — David ficou de me arrumar alguma coisa aqui
mesmo e eu concordei com isso. Talvez sua irmã ainda consiga
encontrar alguém.
— Duvido. Mas, em todo caso, não há outra opção, não é
mesmo? Lee sentiu uma imensa vontade de dizer a John quanto
preferia a proposta dele, mas, pela expressão dura de David,
percebeu que não seria possível. Novamente teve a sensação de ser
uma prisioneira. E David era o culpado: ele parecia sentir um
prazer mórbido em mantê-la sob seu comando.
Lee notou que Katrina ainda parecia muito fria com John
quando a família se reuniu à noite para jantar. Mas ela já tinha seus
próprios problemas para ficar se preocupando com a infelicidade
de John. Sabia que David não gostava dela, que não suportava vê-la
por perto, e, mesmo assim, quando surgiu a oportunidade para

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livrar-se dela. agiu como um ditador. Por mais que tentasse, não
conseguia entendê-lo!
Enquanto comiam, David conversava com John sobre sua
intenção de asfaltar a estrada do aeroporto: a governanta entrou,
chamando a Sra. Hamilton para atender ao telefone.
— Será que não dá para ligarem mais tarde
— É um interurbano de Palmerston North, do hospital.
— Do hospital? Então eu atendo. — Jean levantou-se e foi
correndo para a outra sala. Quando voltou, todos a olhavam com
curiosidade.
— Qual é o problema? — perguntou David.
— É sua tia Edith. Ela sofreu um acidente há umas duas
semanas, levou um tombo e quebrou a bacia. Só agora conseguiram
entrar em contato conosco! Bem, mas o que importa é que ela já está
bem, engessada é claro, e tudo está correndo satisfatoriamente.
Acontece que ela vai receber alta dentro de uma semana e, é claro,
não vai poder ficar sozinha em casa. Eu a convidei então a ficar aqui
conosco e ela agradeceu muito; disse que vai ver se consegue uma
enfermeira, mas acha que isso será muito difícil. Então tomei a
liberdade, querida — segurou a mão de Lee, que estava sentada ao
seu lado na mesa — de oferecer os seus préstimos. Desculpe-me se
fui precipitada. Disse para ela vir tranquila, porque tínhamos aqui a
pessoa perfeita para cuidar dela. Vai ser difícil! Tia Edith vai ter de
ficar imobilizada por um bom tempo. Será que deveria tê-la
consultado antes?
— Não, não, de jeito nenhum! A senhora agiu como devia. Eu
vou cuidar dela, pode ficar tranquila! — Será que o entusiasmo não
foi excessivo?, Lee perguntou-se. Mas era exatamente o que estava

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precisando, isto é, trabalhar na sua área, ganhar seu dinheirinho


sem ter que se submeter à escravidão que David lhe impunha.
Lembrou-se então do episódio em Samoa e decidiu consultar
David. Será que ele ainda tinha aquela imagem dela, a da
enfermeira que maltratava velhinhas, abandonando-as nas horas
difíceis?
— O que você acha, David? — perguntou Lee.
— De qualquer forma, agora já é tarde para mudar alguma
coisa. Quem decide é você.
Jean olhou para ele, surpresa.
— Mas você não iria querer que...
— Como eu já disse, quem decide é Lee.
— Por mim, tudo bem. — Ela mal podia acreditar no que
ouvia. Depois de tantas batalhas com David, finalmente conseguira
uma vitória.
Se ele tinha se aborrecido, logo recuperou o bom humor, pois
Lee o viu, minutos depois, rindo e conversando com os outros,
respondendo às provocações de Katrina e fazendo brincadeiras.
Lembrou-se de ter lido em algum lugar que, quando um homem
provocava uma mulher, estava provavelmente apaixonado por ela.
Será que John também estava apaixonado por Katrina?
Provavelmente.
— Ultimamente, a coisa mais difícil do mundo é ver você,
David — protestou Katrina. — Nem sei por que venho passar
temporadas aqui. Se você está sempre tão ocupado!
— Para ficar longe da sua casa, é claro! — respondeu ele. — O
que mais poderia ser? Como passou o dia hoje, o que fez de bom!
— Nada de muito excitante. Fiquei conversando com Daniel,
esperando John chegar. Também, você ficou fora tanto tempo.

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— Ora, Katrina, você não precisa de mim por perto.


— Quem disse isso?
Será que David a encarava como uma futura noiva, alguém
que ele viu crescer, ou será que tinha tanta certeza da adoração de
Katrina por ele que só conseguia tratá-la como uma criança? De
uma forma ou de outra, a situação era muito incômoda para John,
que ficou calado o tempo todo. ao lado de Katrina. sem tocar na
comida do prato.
David, ao contrário, parecia simpaticíssimo, brincando com
todos e distribuindo atenções até mesmo a Daniel, por quem nutria
uma certa indiferença.
— Ouvi falar hoje. na vinha, que você contratou alguns
músicos para o baile de amanhã à noite. Como conseguiu, Daniel?
— perguntou David.
— Não há problemas quando se faz os contatos certos, mano.
— Quanto a isso, eu confio em você.
O que tinha acontecido para David estar tão bem-humorado?
Será que tinha alguma coisa a ver com a vinda de sua tia para a
fazenda e o fato de Lee ter que cuidar dela? Será que David estava
encarando isso como uma vitória, logo após tê-la proibido de
aceitar a oferta de emprego de John? O único jeito de saber era
perguntar diretamente a ele.
Lee esperou que terminassem a refeição e que David se
retirasse, para depois ir bater à porta de seu escritório.
— Sou eu, Lee.
— Entre.
Ele estava sentado atrás da escrivaninha, com uma porção de
papéis espalhados à sua frente. Usando aquele vestido, que ela
sabia que lhe caía bem, Lee sentia-se mais segura para enfrentá-lo.

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— Você, de novo!
Ele insistia em ser grosseiro! Respirou fundo e disse:
— A respeito desse meu novo trabalho, isto é, tomar conta da
sua tia.
— Ah, sim! — Ele parecia mais interessado na pilha de papéis
à sua frente. — Você será paga por isso, é claro, vai receber o
mesmo salário que receberia num hospital, mais as gratificações por
estar fora da cidade, e...
— Não estou preocupada com isso!
— Não está? Pois eu tive a impressão.
— É claro que eu preciso do dinheiro, você sabe disso, mas o
que eu quero saber é.
— Sente-se, Lee.
Ela sentou-se na cadeira bem em frente à escrivaninha, mas
logo se arrependeu. Preferia conversar com David de pé. Agora
estavam muito próximos um do outro e Lee se sentiu como se
estivesse sendo hipnotizada. Fez um grande esforço para continuar
falando.
— Como é que você sabia que sua tia ia precisar de uma
enfermeira quando viesse para cá? Sua mãe só recebeu a notícia na
hora do jantar.
— Na verdade, eu não sabia.
— Mas você disse.
— Eu disse que ia lhe arrumar um emprego e arrumei. O que
há de errado?
— Nada. Mas você ainda não tinha arranjado quando me
obrigou a recusar a oferta de John.
— E por acaso eu disse isso?
— Não, mas...

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— Eu ia acabar encontrando alguma coisa para você fazer,


mais cedo ou mais tarde.
— Não, você não resolveria o problema assim! — Percebeu
que seu tom de voz tinha se alterado. — Ou será que sua tia não é
uma velhinha indefesa de quem eu possa tirar vantagem? — Estava
ofegante quando acabou de falar.
Mas, para sua surpresa, David sorriu.
— Minha tia não ia gostar nem um pouco dessa descrição que
você fez dela. Para dizer a verdade, ela sabe muito bem cuidar dela
mesma.
— Você pretende preveni-la contra mim?
— Será que é preciso, Lee?
Seus olhares se cruzaram e mais uma vez Lee sentiu-se
indefesa para lutar contra o magnetismo daquele homem. Num
esforço para disfarçar a emoção, levantou-se e despediu-se.
Só mais tarde, já deitada em sua cama, no silêncio e na escuridão do
quarto, é que descobriu de quem estava fugindo. Infelizmente, era
dela mesma!

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CAPÍTULO VII

No dia seguinte, as mulheres se ocuparam com os


preparativos da festa.
Katrina, incapaz de se decidir sobre o que vestir na grande
noite, saiu três vezes de seu quarto usando vestidos e penteados
diferentes. Ignorando Lee por completo, pedia apenas a opinião de
Jean.
Na última vez em que fez isso, Jean, que estava ao telefone,
acabou respondendo com um pouco de impaciência:
— Por que você me pergunta? Qualquer coisa cai bem em
você! — Mas percebeu que estava sendo rude. — Qualquer garota
da sua idade fica linda, não importa o que vista. É um pouco
diferente para quem já passou dos quarenta.
— Bem, se você não está interessada.
— Eu estou interessada, Katrina, mas todos eles me parecem
bonitos, não vejo muita diferença. Por que não pergunta a John o
que ele acha?
— Ele saiu com David. John vive dizendo que não vê a hora
de me encontrar e aproveitar a primeira oportunidade para
sairmos.
O que não deve ser verdade, pensou Lee, lembrando-se de
como ela o havia tratado na noite anterior. Katrina era realmente
uma garota difícil de se contentar.
— E de qualquer forma, de que adiantaria pedir a opinião
dele, se John vive me dizendo que fico fantástica com qualquer
roupa que esteja usando? — prosseguiu Katrina.
— E o que há de errado nisso? — quis saber Jean.

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— Ah, você não compreende! — Katrina saiu pisando duro em


direção ao seu quarto, provavelmente para experimentar um outro
modelo ou para mudar o penteado. Lee não tinha esse problema. Ia
usar um longuinho preto que tinha comprado em Londres
especialmente para sua viagem a Samoa.
Um pouco desanimada, ela foi até a cozinha. Em vez do costumeiro
calor provocado pelo forno, entrava uma brisa suave que balançava
as cortinas amarelas das janelas. A Sra. Mac, com seu avental,
impecável como sempre, estava tirando uma torta do fomo,
colocando-a junto com várias outras que já estavam sobre a mesa.
— Posso ajudá-la? Há alguma coisa que eu possa fazer?
— Não, obrigada, eu faço tudo sozinha. Sempre fiz — sua
expressão era um tanto severa e Lee teve a impressão de que não
era muito bem-vinda ali na cozinha.
Foi então até o hall, e ofereceu ajuda a Jean, que aceitou
imediatamente.
— Oh, sim, querida. Será que dá para você ir até o jardim para
apanhar algumas flores? Precisaremos de muitos cravos, rosas e
algumas folhagens também. Ah, hibiscos também, eles não vão
durar a noite toda, mas não tem importância. Estou aguardando
algumas flores que vão chegar da floricultura, mas não serão
suficientes.
— Pode deixar que eu apanho, aproveito também para tomar
um pouco de sol.
— Isso é ótimo! É melhor levar uma tesoura de jardinagem
bem afiada.
Meia hora mais tarde, depois de colocar as flores nos baldes
com água fresca e na sombra, Lee foi até os estábulos. Estava
acariciando Gipsy, quando Ernie veio ao seu encontro.

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— Já está bem familiarizada com os animais, não?


— É verdade, mas a Gipsy é mansa, fácil de tratar.
— Ouvi dizer que você está pretendendo ficar e trabalhar
aqui, só que dessa vez como enfermeira, estou certo?
— É verdade. Era o que eu fazia na Inglaterra; cuidava de
velhinhos convalescendo.
— Ah, então é isso. O patrão não quis falar muito sobre o
assunto, então os rapazes pediram para eu me informar, sabe?
— Pois então pode dizer que você soube pela própria
enfermeira!
— Pode deixar que eu me incumbo de passar adiante; sabe, os
rapazes simpatizam muito com você. Acho que é porque você é
diferente das outras garotas que costumam aparecer por aqui. Não
sei por que o patrão convive com esse tipo de gente!
— Não pergunte a mim!
Decidiu dar uma caminhada, mas logo começou a ventar e Lee
voltou aos estábulos: ia montar Gipsy. Com a ajuda de Ernie, selou
o animal e saiu pelos campos.
Estava absorta, olhando para os raios de sol que se filtravam
pelos galhos das árvores que ladeavam o bosque, quando alguém
chamou por ela.
— Hei, Lee! — Virou-se e deu com John.
— Foi bom encontrar você, John! Estava pensando em cortar
esses galhos, mas são altos para mim; além disso são grossos, é
preciso força. Talvez você possa me ajudar.
— Já sei; você está procurando enfeites para a decoração da
festa de hoje à noite. — Ele tirou um canivete do bolso e começou a
cortar os galhos. — Que tal este? E este?

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Lee desceu do cavalo e foi com ele, entusiasmada, mostrando


o tipo de folhagem que ele devia apanhar. Entraram pela mata
adentro e acabaram descobrindo flores diferentes e muito coloridas.
— Isso vai dar um ar mais festivo ao ambiente — disse ele.
O sol se punha quando saíram da mata com os braços cheios
de flores; nesse momento, Lee reconheceu o cavalo de David,
embora estivesse a uma distância razoável. Sem dúvida ele tinha
visto os dois. Não havia nenhum motivo para se encabular, mas,
mesmo assim, sentiu-se mal. Era ridículo ficar preocupada com o
que David estivesse pensando dela, porém não conseguiu evitar.
Sacudindo a cabeça para livrar-se das pequenas folhas grudadas
nos seus cabelos, Lee esperou que John prendesse as folhagens e as
flores nas selas e a ajudasse a montar em Gipsy. Voltaram e seguida
para casa. Quiseram entrar pela porta dos fundos, mas estava
fechada. Lee chamou então por Jean.
— Sou eu, Lee!
Foi Katrina quem abriu a porta. Depois de lhes lançar um
olhar malicioso, comentou:
— Ah, entendo.
— Lee estava tentando apanhar umas folhagens um pouco
altas e eu resolvi dar uma mão. — explicou John.
— É mesmo?
Lee sentiu vontade de dizer a John que ele estava perdendo
seu tempo, pois Katrina já tinha chegado às suas próprias
conclusões. Deixou os dois a sós e foi procurar por Jean, certa de
que Katrina ia encontrar um meio de punir John. Mas o ciúme dela
não fazia muito sentido, já que estava apaixonada por David e não
por John.

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Ela e Jean passaram o resto da tarde arrumando as flores e as


folhagens nos vasos. Finalmente chegou à noite, quente e abafada.
Jean sugeriu que todos fossem se preparar para o baile.
Na verdade, estava quente demais para Lee usar o vestido
preto. Já ia entrando em pânico quando se lembrou da túnica de
tecido fino e quase transparente que tinha comprado em Samoa.
Resolveu relaxar bastante antes da festa. Encheu a banheira,
colocou sais de banho e ali ficou por um bom tempo. Aplicou uma
máscara de beleza no rosto e creme nos cabelos. Em seguida tomou
uma ducha fria, vestiu um roupão e fez as unhas das mãos e dos
pés, deixando que os cabelos secassem naturalmente. Começou
finalmente a maquilagem, carregando nos olhos um pouco mais do
que de hábito; pôs um par de fivelas nos cabelos e escovou-os bem
para deixá-los soltos. Pôs a túnica, sandálias douradas bem altas e
por fim o colar de conchinhas que tinha comprado do garoto lá em
Samoa. Sua pele queimada do sol contrastava lindamente com as
cores vibrantes da roupa.
Deu uma última olhada no espelho: tinha que admitir que
nunca estivera tão bem antes. Estava realmente bonita,
elegantíssima, apesar da simplicidade. Mas também, ficar bonita
para quem? David com certeza nem iria prestar atenção em sua
aparência. Pelo menos nunca o tinha feito antes. Talvez nem
gostasse de dançar! E, mesmo que gostasse, por que motivo iria
convidá-la? Além de Katrina, sua querida Katrina, provavelmente
todas as moças do baile iam dar em cima dele, e dificilmente David
notaria a presença de Lee.
Seus pensamentos foram interrompidos por uma forte batida
na porta. Só havia uma pessoa na casa com autoridade suficiente
para bater na porta do seu quarto daquela forma: David,

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naturalmente. Lee fez um esforço para parecer surpresa quando


abriu a porta.
— Sim?
Por um momento notou que David a olhava de um jeito
estranho. Ficou alguns segundos parado na porta, lindíssimo em
seu terno bege. Finalmente pareceu se dar conta de que seu olhar
estava insistente demais e perguntou:
— Está pronta?
— Acho que sim. — Mas não se conteve e quis saber: — Estou
bem para ir ao baile?
— Por mim, está — respondeu, casualmente. — Fiquei de
apanhá-la.
— Obrigada. — Lee pensou que teria de ir a pé até o galpão e
essa inesperada preocupação de David com ela reanimou-a.
Olhou para David e viu que ele a encarava abertamente, sem
se preocupar em disfarçar. O que estaria acontecendo? Havia uma
certa excitação em seus olhos. e alguma coisa mais, que parecia ser
ternura.
Quando desciam os degraus ele parou por um momento.
— Lee, há uma coisa que eu. Esqueça! Falo mais tarde. — Lee
percebeu então que Jean estava no pé da escada esperando pelos
dois, elegantíssima num caftã.
— Vocês já estão indo para o baile? Os outros ainda não estão
prontos e eu acho que vou com vocês. Você não se importa, não é,
querida?
— Claro que não. — Mas, no fundo, Lee até que se importava.
David acabava de se mostrar diferente do que normalmente era,
parecia alegre, extrovertido, e o que era mais importante: muito
interessado nela! Talvez estivesse até meio apaixonado. Se fosse

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verdade, seria o momento para se vingar de tudo o que ele a tinha


feito passar. Mas que tolice pensar que David estava apaixonado
por ela, só porque pela primeira vez seu olhar não tinha sido de
reprovação. Como sua imaginação podia ser tão fértil?
Voltou à realidade quando desciam os degraus da varanda e
entravam no jipe.
Quando chegaram, David estacionou o jipe perto dos outros
carros. O clima era realmente de festa! Todos sorriam e
cumprimentavam-se alegremente. Lee deixou-se conduzir por
David até a porta.
O galpão estava irreconhecível, com um sistema de
iluminação diferente, e um palco no fundo, onde os músicos
afinavam seus instrumentos. As pessoas se juntavam em grupos,
todas conversando animadamente: Havia também crianças que
corriam sem parar de um lado para o outro.
— Lee, eu acho que você não teve oportunidade de conhecer
as esposas dos dois pastores daqui da fazenda — disse Jean,
apontando para um grupo alegre. — Ali estão elas, juntas, como
sempre. Lee, esta é Jan, e esta é Robyn.
— Temos que ser amigas e andar juntas porque, além de Jean,
somos as únicas mulheres que moramos realmente em Mahia —
respondeu Jan.
— E temos crianças que nos ocupam muito — disse Robyn,
uma moça alta e loira. — Por isso a gente se ajuda quando as coisas
complicam.
— E sabe que funciona, Lee? — continuou Jan. — Mas às
vezes dá uma vontade louca de dar o fora.
— E por que vocês não.

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— Não tiramos umas férias? Com duas crianças para cuidar?


Lee concluiu que, apesar das reclamações, as duas gostavam de
morar em Mahia.
— É tudo uma questão de amor — continuou Jan. — Quando
você ama um homem, é louca por ele, realmente não importa muito
onde se esteja vivendo. O que importa é estar junto! — Ela olhou
para um homem que estava num grupo perto da mesa. Ele sorriu e
acenou para ela. — Entende o que eu quero dizer?
Lee assentiu com a cabeça. Instintivamente seus olhos se voltaram
para David. Mas por que não conseguia deixar de pensar nele?
Seria masoquismo?
Por um momento, o barulho pareceu diminuir e todas as
atenções se voltaram para Katrina, que acabava de chegar
acompanhada por John. Em contraste com as outras moças que
pareciam recém-saídas de um salão de beleza, era uma verdadeira
nativa dos trópicos. Estava com sandálias douradas bem baixas,
usava a túnica que David tinha trazido de Samoa e tinha enfeitado
os cabelos com flores do campo, naturais. Assim que entrou no
salão, o conjunto começou a tocar uma música suave, como se
aquilo tivesse sido combinado antes.
Com um sorriso estudado, Katrina foi entrando e logo
registrou a presença de Lee. Não soube disfarçar a sua irritação.
Provavelmente estava furiosa por Lee ter quebrado o impacto de
sua chegada, já que ela também usava um traje típico de Samoa.
Nisso, Lee escutou a conversa de Jan e Robyn.
— Robyn, você que já passou férias no Pacífico, me diga uma
coisa: o que quer dizer mesmo uma flor sob a orelha esquerda de
uma moça?
— Que ela está procurando um namorado.

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— Então parece que chegou a tão esperada chance de John!


— Pois eu acho que não é em John que Katrina está
interessada. Para mim é num outro homem. — Ambas olharam na
direção de David.
Naquele momento Katrina começou a dançar com John,
movendo-se com graça pelo salão. Os dois pareciam voar. Os
cabelos de Katrina também dançavam sobre os ombros. Por alguns
minutos foram o centro de todas as atenções, mas em seguida o
grupo dos homens se dispersou e outros casais se dirigiram à pista.
De longe, Lee observava David, que parecia muito entretido
numa conversa com dois homens. Lembrou-se de que todos os
empregados de Mahia costumavam dizer que David vivia dia e
noite em função do trabalho, dificilmente desviando a atenção para
outra coisa. Com certeza ele nem sabe dançar, concluiu ela.
Mas, para sua surpresa, quando o conjunto tocou outra música,
David aproximou-se da mesa onde ela estava e perguntou:
— Quer dançar?
David dançava muito bem, para espanto de Lee. Ele
continuava a surpreendê-la!
A música terminou e Lee já ia se afastando da pista, quando
David a segurou pelo braço. Tocava agora uma música mais
romântica e ela decidiu sonhar um pouco; imaginar que David era
um homem diferente, tão maravilhoso quanto parecia ser. E dessa
vez não ia reprimir o que sentia por ele!
Quando pararam de dançar, David levou-a até um grupo
alegre e descontraído. Lee deu uma olhada à sua volta e viu John,
com uma expressão triste no rosto, e Katrina, com sua cara de
poucos amigos.

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— O nome do baile devia ser "Uma noite no Pacífico Sul" —


disse Katrina. — Não me diga que sua túnica também foi presente
de David, quando estavam em Samoa.
— Não — respondeu David, sério. — Não tive nada a ver com
as compras de Lee em Samoa. — E, desculpando-se, afastou-se do
grupo, para ir cumprimentar algumas pessoas que acabavam de
entrar no salão.
Um pouco mais tarde, quando dançava com Daniel, Lee viu
David dançando com Katrina, que parecia mais alegre e animada.
À medida que a noite foi passando, Lee notou que David dançou
com várias outras moças. Entre elas uma loira altíssima, magra e
elegantemente vestida. Com certeza ele prefere as loiras, pensou.
Estava absorta em seus pensamentos quando alguém se aproximou
dela e chamou:
— Lee!
— Paul! Que surpresa!
Ele parecia extremamente feliz por vê-la. Na verdade, estava
quase irreconhecível no seu impecável terno, muito diferente
daquele jovem solícito que a ajudava na cozinha.
— De onde você está vindo?
— Andei uns cem quilômetros mais ou menos, mas o que
importa é estar aqui. E pensar que eu quase perco esta festa! Só ouvi
falar do baile na última hora, foi a maior correria. Mas não podia
perder esta chance.
— Você gosta tanto assim de dançar?
— Eu gosto é de você, moça! Sabe, tive problemas, a bateria do
carro acabou no caminho, e eu tive que pedir carona — explicou
Paul, enquanto a conduzia para a pista.
— Ainda bem que conseguiu, não é?

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— Mas valeu a pena, só por poder ver você novamente.


— Aposto que você diz isso a todas as garotas que cozinham
para os estagiários.
Continuaram dançando juntos bastante tempo. David tirava
Lee algumas vezes, mas assim que paravam, Paul estava ao seu
lado de novo. Era agradável estar na companhia de um homem que
gostava dela.
Numa dessas vezes, Paul ia tirando Lee para dançar
novamente, quando foi interceptado por David.
— Esta dança é minha! — E, antes que o rapaz pudesse
argumentar, ele já tinha puxado Lee para a pista.
De vez em quando, ela percebia o olhar furioso de Katrina.
Os primeiros raios de sol já começavam a surgir no horizonte
quando os músicos desligaram os instrumentos e as pessoas
começaram a se despedir. Por um momento Lee ficou parada ao
lado de Paul, perto de uma mesa, mas não estava ouvindo o que ele
dizia, pois sua atenção estava voltada para Katrina, que segurava o
braço de David e falava ao seu ouvido. Em seguida viu John,
desolado, num canto.
— Agora que encontrei você, não vou deixá-la escapar mais.
Estou avisando, Lee.
Finalmente ouviu o que Paul dizia.
— Não vejo como poderia.
— Eu dou um jeito. Não vou ser estagiário a vida toda, e, além
disso os telefones existem para quê? — Olhou então para um grupo
de rapazes que o chamavam pelo nome. — Droga, já estão me
chamando para ir embora, é o pessoal que me deu carona. Se pelo
menos eu estivesse com o meu carro. Da próxima vez vou garantir
pelo menos isso, assim poderei me despedir de você como quiser.

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Gloria Bevan

Está bem, eu já vou indo! — disse aos colegas que insistiam para
que ele se apressasse.
Lee percebeu que o salão estava se esvaziando. Os dois
pastores e suas respectivas esposas pararam perto dela para
despedirem-se. Lee acompanhou-os até a porta e lá decidiu que iria
a pé para casa: afinal, a distância era mínima.
Já tinha caminhado um pouco quando um carro se aproximou. Era
David, que abriu a porta do jipe para que ela entrasse.
— Por que não esperou por mim? Estive procurando por você
o tempo todo. Mamãe tinha pressa de voltar para casa e eu precisei
levá-la antes.
— Tudo bem, já estou pertinho da casa! Pensei que você já
tivesse saído, e...
— Acho bom você entrar — disse David, autoritário.
Por sentir-se um pouco ridícula, discutindo um assunto tão
banal, Lee resolveu fazer o que ele pedia.
Entrou no jipe em silêncio e ele deu a partida. Para sua
surpresa, ele estacionou longe da casa, debaixo de umas árvores. O
que estaria pretendendo?
— Quero falar com você. — Pela segunda vez naquela noite,
Lee notou uma certa ternura em David ao se dirigir a ela. Ou será
que a escuridão a estava fazendo ver coisas?
— Já sei, você está chateado por eu ter aceitado o emprego de
enfermeira de sua tia Edith. Essa era a última coisa que você
pretendia arrumar para mim, certo?
— Se quer saber mesmo a verdade, fiquei feliz com isso. Foi
providencial a sua presença aqui, justamente num momento desses!
Fazia tempo que não acontecia uma coisa tão boa.
— Como? — perguntou ela, surpresa.

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Gloria Bevan

— Você não acredita em mim, não é?


— Eu... — Lee não sabia o que dizer. — É difícil acreditar,
depois de tudo o que você já disse. Você desconfiava tanto de mim,
e agora vou trabalhar com sua própria tia, na sua própria casa. O
que fez você mudar de opinião a meu respeito? Não acredito que
esse milagre aconteceu por eu ter me saído bem como cozinheira!
— Você realmente fez um ótimo trabalho, deu o máximo de si.
Mas não foi só isso, não.
Quantas vezes ela tinha esperado por aqueles elogios! E agora,
depois de ouvi-los, sentia-se mais do que nunca confusa.
— Eu acho que isso vai surpreendê-la, mas eu lhe devo
desculpas.
— Por que e desde quando?
— Desde que eu recebi isto — respondeu, tirando um
envelope do bolso. — Chegou na correspondência de ontem, é uma
carta de minha irmã, que mora em Samoa. Acho melhor você ler;
ela explica uma porção de coisas.
A carta dizia:
"Querido irmão, preciso urgente de uma informação sua. O nosso
consulado está à procura de uma jovem de sobrenome Marquand. No dia
em que eu levei você ao aeroporto aqui de Samoa, lembro-me de que
também dei carona a uma jovem a quem você chamou de Lee. Bem, pode
ser coincidência, mas o consulado está procurando na ilha uma jovem
chamada Lee Marquand. Parece que ela andou passando maus bocados por
aqui. De acordo com a superintendente de uma casa de convalescença em
Londres, onde a moça trabalhava antes de viajar, essa tal Lee veio para
Samoa como uma espécie de dama de companhia de uma das pacientes
mais difíceis de se lidar. Parece que essa senhora tinha tentado persuadir
várias outras enfermeiras a acompanhá-la na viagem, mas nenhuma delas
aceitou, justamente por conhecerem seu temperamento. A superintendente

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Gloria Bevan

acha que a srta. Marquand comoveu-se com a paciente e, por ter um bom
coração, acabou aceitando a oferta. Bem, de qualquer forma, a velha
senhora, que por sinal está gozando de perfeita saúde sofreu um desmaio
assim que chegaram à ilha. Contou à superintendente que tinha mandado a
moça buscar um copo d'água, mas que nesse meio-tempo um homem a
socorreu e a levou para um hospital antes que a jovem tivesse tempo de
voltar com a água. Acusou então a enfermeira de tê-la abandonado
deliberadamente na hora em que mais precisava dela, o que não era
verdade, ela acabou por confessar mais tarde. Parece que está muito
preocupada com as consequências de sua atitude, pois a srta. Marquand
estava sem dinheiro e sem condições de voltar à Inglaterra. E a garota
desapareceu, sem deixar sinal. Foi vista pela última vez no Hotel Aggie
Grey. Bem, eu não pude deixar de imaginar se a sua Lee e essa garota que
desapareceu não seriam a mesma pessoa, mas não direi nada a ninguém até
que você me dê notícias. A superintendente da clínica em Londres parece
extremamente preocuada com o paradeiro da moça. Se você puder me
ajudar a esclarecer esse mistério, escreva o mais rápido possível. Por hoje, é
só. Muito amor, da sua irmã, Bev".

Foi um alívio para Lee ler a carta, foi como se tivesse tirado
um grande peso de seus ombros. Sentiu-se leve e feliz, como há
muito não se sentia.
— E agora, o que você vai fazer? — perguntou, excitada.
— Contar a verdade às autoridades, é claro. E pedir desculpas
a você. Eu me enganei a seu respeito, Lee.
— Está tudo bem — respondeu, sorrindo. Sentia que, de agora
em diante, iria sorrir como nunca. Quantas vezes tinha sonhado
com aquele momento!
— É claro que você sabe o que isso quer dizer.
— Bem.

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Triângulo amoroso

Gloria Bevan

— Tanto a superintendente da clínica onde você trabalhava


quanto a Sra. Cartwright devem estar ansiosas para pagar a sua
passagem de volta à Inglaterra. A primeira, por causa da péssima
publicidade que essa notícia traria à clínica; a segunda, por se sentir
culpada pelo que fez a você.
Lee ficou calada por um tempo e depois explodiu:
— Não! Não! Eu não vou aceitar.
— Como? Voltar para a Inglaterra não é a coisa que você mais
queria na vida?
— Sim, mas não desse jeito. Se eu aceitasse a passagem da
superintendente, estaria comprometida com ela, teria que pagar de
alguma forma. Além disso eu devia ter o dinheiro para a passagem
de volta no banco, se não fosse. — Não podia lhe contar que seu
noivo Jeremy tinha fugido com as suas economias. — Bem, é claro
que quero voltar, mas sem pedir dinheiro a ninguém. Da Sra.
Cartwright não poderia aceitar nada, depois de tudo o que me fez
passar.
— Entendo.
De repente Lee sentiu-se impotente. Apesar de tudo, teria que
continuar dependendo de David, e ele já tinha deixado bem claro
que não tinha intenção de permitir que ela trabalhasse em outro
lugar que não fosse na fazenda. Na verdade, agora parecia bem
mais compreensivo, sobretudo depois de saber que a julgara
precipitadamente. Lee sabia que esse novo David não ia durar
muito. E estava certa, pois não demorou para que ele dissesse, com
ar de triunfo:
— Então com isso voltamos ao ponto de partida: você
continua trabalhando para mim. Mesmo sendo a última coisa que
deseja na vida.

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Triângulo amoroso

Gloria Bevan

— Não tenho outra escolha, já que quero ser independente.


— Por mim, tudo bem. — Ele parecia alegre e excitado com a ideia.
Lee percebeu que corria perigo se continuasse ali com ele, por
isso propôs:
— Vamos entrar? Daqui a pouco os outros vão ficar
preocupados e podem mandar a polícia me procurar.
— Eles vão deduzir que você está comigo; além disso, há uma outra
coisa.
— O quê?
— Não seja curiosa, Lee.
E antes que ela pudesse responder, já estava envolvida nos
braços musculosos de David. Com a cabeça recostada em seu peito,
podia sentir melhor o seu perfume. Quando ele a beijou, sentiu o
mundo girar. Então, quando menos esperava, ele a soltou e disse:
— É melhor voltarmos. — Ligou o carro em seguida e parou
em frente à porta da casa.
Entraram em silêncio e só quando chegaram ao pé da escada
ele voltou a falar com ela, desejando-lhe boa-noite.
Lee ia caminhando lentamente para seu quarto, quando ouviu
barulho na sala de estar: a voz de Katrina, a risada de Jean. Mas não
foi se juntar a elas, preferiu ficar sozinha. Queria refletir melhor
sobre o que tinha acontecido há poucos minutos atrás. De qualquer
modo, era ótimo saber que agora ele acreditava nela.
Em seu quarto, Lee deixou-se levar pelos pensamentos. Ainda
podia sentir o calor dos lábios de David nos seus! Por que, afinal?
Seria um pedido de desculpas, por não ter acreditado nela antes?
Será que ele realmente gostava dela? Ou beijo seria uma simples
gentileza de patrão para empregada?

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Triângulo amoroso

Gloria Bevan

Os primeiros raios de sol entraram pela janela. Lee foi até lá e


viu David e Daniel, já com suas roupas de trabalho, entrando no
jipe para enfrentarem um novo dia.
Ficou ali, debruçada na janela, pensando por um longo tempo.
Será que David gostava dela ou tudo não tinha passado de um
simples beijo sem consequência?

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Gloria Bevan

CAPÍTULO VIII

Os dias foram passando sem alterações e Lee foi obrigada a


concluir que aquele beijo não tinha passado de um momento de
fraqueza de David, de um impulso passageiro. Assim, o melhor era
apagar de vez aquela lembrança de sua memória.
John tinha decidido ficar na fazenda para participar da caçada que,
aliás, era o assunto do momento.
— David e eu nunca perdemos a abertura da temporada de
caça — disse-lhe um dia Katrina. — Mesmo que a gente esteja a
quilômetros de distância, sempre damos um jeito de vir até aqui.
Por que Katrina tinha sempre que se referir a David como se fosse
propriedade sua, como se tivessem os mesmos interesses? Por que
vivia insinuando que estavam prestes a começar um caso de amor?
Sacudiu a cabeça irritada e procurou se controlar. No fundo sabia
que era provocação de Katrina, que andava mais ciumenta do que
nunca.
— É pena que você não saiba montar bem para se juntar a nós
— continuou Katrina. — Mas que tal ajudar a Sra. Mac na cozinha?
Ou talvez prefira acompanhar a caçada de carro, com os mais
velhos.
— Não se preocupe comigo. — Lee esforçou-se para não dar
uma resposta grosseira. — Tenho coisas mais interessantes para
fazer amanhã.
— Como o quê, por exemplo?
— Depois eu conto. — Lee forçou um sorriso, virando-se em
seguida para atender a Sra. Mac, que a chamava da varanda.
— Telefone para você, Lee.

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Triângulo amoroso

Gloria Bevan

A voz calorosa de Paul ao telefone fez com que ela se


acalmasse e esquecesse por um momento as insinuações de Katrina.
— Lee? Que bom ter encontrado você em casa! Como está?
— Bem, muito bem.
— Como é bom ouvir a sua voz, Lee. Escute, eu vou ter uma
folga entre um estágio e outro, e gostaria muito que você viesse
passar uns dias conosco. O que acha? Eu posso apanhar você
amanhã, aí em Mahia.
— Mas não fica muito longe para você vir me buscar?
— Não, mesmo porque vai ser difícil aparecer uma oportunidade
como esta novamente. Você vai gostar dos meus velhos, são gente
fina; é só não ligar para as minhas duas irmãs, que podem acabar
perturbando a nossa paz.
— Por quê?
— Bem, é que eu não costumo levar garotas para casa.
— E você acha que eu devo me arriscar? E se começarem a imaginar
coisas?
— Eu nem ligo! Vamos Lee, decida-se.
— Está bem, eu aceito o convite. — As palavras de Katrina
ainda ecoavam em seus ouvidos. — Vou adorar!
— Assim é que se fala! Amanhã de manhã eu passo para
pegar você; traga roupas esporte, pois há uma piscina e uma quadra
de tênis, se você gostar dessas coisas.
— Gosto sim, claro!
— Que entusiasmo! Não me diga que é uma excelente
nadadora e que joga tênis como ninguém.
— Sem pretensões! Mas eu gosto muito de jogar tênis e a ideia
de dar uns mergulhos na sua piscina é tentadora.

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Triângulo amoroso

Gloria Bevan

— Vou encomendar um pouco de sol forte especialmente para


você. Quando Lee pôs o fone no gancho, Katrina estava parada ao
seu lado, olhando para ela com curiosidade.
— Quem era? — perguntou, fingindo desinteresse.
— Um amigo. — Lee não tinha intenção de colocar Katrina a
par de seus planos para o fim de semana.
— Ah, eu imaginei que fosse mesmo.
— Então por que perguntou?
Olhou para Katrina como se ela não estivesse ali. Os
pensamentos de Lee estavam distantes. Não havia motivo para não
ir visitar Paul e sua família. A tia de David só ia chegar dentro de
uma semana e tinha certeza de que Jean iria incentivá-la para
aceitar o convite, assim teria chance de conhecer melhor o país.
Quanto a David... Bem, se ele mostrasse um mínimo de interesse
por ela, provavelmente Lee não ia querer se ausentar de Mahia no
fim de semana. Esse raciocínio parecia louco, mas Lee tinha certeza
de que, se David sentisse alguma coisa por ela, como às vezes
chegava a demonstrar, ela jamais teria vontade de sair de Mahia,
nem mesmo por um fim de semana.
Lee foi até os estábulos e lá encontrou Jean, ocupada com os
últimos detalhes da caçada. Achou que era uma boa oportunidade
para lhe contar sobre sua viagem no fim de semana.
— Por mim está ótimo, Lee... Mas você já falou com David?
— David? Por que, a senhora acha que...
— Por nada; é que eu acho que ele planejou alguma coisa para
você no sábado.
Por um momento Lee hesitou, mas logo concluiu que devia se
tratar de alguma tarefa enfadonha, como ajudar a Sra. Mac na
cozinha.

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Triângulo amoroso

Gloria Bevan

Naquela noite, Lee estava debruçada na varanda quando


David aproximou-se.
— Você vai assistir à caçada amanhã? Vai ser a primeira vez
ou você já viu alguma na Inglaterra?
— Não, nunca vi.
— Então essa vai ser a sua grande oportunidade. Algumas
pessoas vão acompanhar de carro, e eu já providenciei para que
você vá com elas.
— Não devia ter se preocupado. Sabe, David, na verdade eu
aceitei um convite para passar o fim de semana fora. — Fez-se um
silêncio profundo. — Foi Paul quem me convidou, ele vai ter uns
dias de folga entre um estágio e outro e quer que eu passe uns dias
na casa dele.
— Entendi!
A irritação de David era óbvia! O que, afinal, tinha dito para
ele reagir daquele jeito? Será que sua ausência iria interferir nos
planos dele?
— Você estava contando comigo para ajudar em alguma coisa
durante a caçada? Porque se precisar.
— Eu, precisar de você? Ora, minha querida, de onde tirou
esta ideia?
— Bem, sua tia só chega daqui a uma semana. E eu não iria me
ausentar se vocês precisassem de mim para alguma coisa.
— Não precisamos! Você está totalmente livre para fazer o que
tiver vontade.
— Caso sua tia chegue antes do dia previsto, por algum
motivo, você me comunica?
— Não se preocupe, Lee, ninguém é assim tão indispensável!

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Triângulo amoroso

Gloria Bevan

Lee ficou furiosa; seus olhos brilhavam de raiva. Que homem


detestável! Claro que ia sentir o maior prazer em vê-la a
quilômetros de distância de Mahia, mesmo que fosse só por uns
dias.
Na manhã seguinte ela ficou sentada na varanda, assistindo
aos preparativos da caçada. Alguns homens limpavam o
estacionamento; deviam estar aguardando muitos carros. Os
cavalos estavam sendo escovados e os participantes já usavam suas
roupas de montaria.
— Divirta-se, Lee! A gente se vê quando você voltar. — Jean
lhe acenou de longe.
Lee mal prestou atenção no que ela falava, pois naquele
momento David descia a escada com Katrina, que ria, como
sempre. O coração de Lee disparou. David estava simplesmente
irresistível em seu traje de montaria.
— Adeus, Lee — disse ele com frieza.
Ela ficou na varanda por mais algum tempo e viu, então, um
carro de modelo antigo se aproximando. Era Paul, que subiu os
degraus da varanda e cumprimentou-a sorrindo.
— Não acreditava que fosse encontrar você.
— Como assim?
— Tive um pressentimento, durante a viagem, de que você
mudaria de ideia na última hora.
Nesse instante ocorreu a Lee um pensamento: O que será que
David planejou para mim no fim de semana? Se ao menos soubesse.
Alguma coisa errada, Lee?
— Não, nada — respondeu ela. Estava mais do que claro o
interesse de Paul por ela. — Vou apanhar a minha mala e já volto.
Estou ansiosa para pegarmos a estrada.

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Gloria Bevan

— Tudo bem, eu espero.


— Só preciso de uns minutos para me despedir da Sra. Mac.
Depois de se despedir da governanta, Lee acomodou-se no carro de
Paul. Partiram. Quando chegaram ao topo do morro, ela olhou para
a casa lá embaixo e sentiu um aperto no coração ao pensar em
David e Katrina juntos.
— Tenho alguns programas para nós — disse Paul, trazendo-a
de volta à realidade.
— Que legal! O quê, por exemplo?
— Nada de especial, só alguns passeios.
— Tudo aqui é diferente para mim. Eu sou inglesa, está
lembrado?
— Você é uma garota do campo ou da cidade, Lee?
— Da cidade, por incrível que pareça. É que eu estou
aprendendo a gostar da vida do campo, desde que vim para cá.
Aprendi até a montar, acredita? Desde que o animal seja manso, é
claro.
— Pois eu tenho um animal lá em casa que vai servir
direitinho para você. Desde que queira montar comigo, é claro.
— Adoraria.
— Então vai ser ótimo! Sabe, para uma garota da cidade, você
está mais do que adaptada.
— Você acha? — Calou-se ao ver um grupo de cavaleiros
aproximando-se. Não foi fácil concentrar-se no que Paul estava
dizendo, mas fez um esforço; parecia que ele falava alguma coisa
sobre seu pai.
—... Ele quer que eu ocupe o seu lugar dentro de alguns anos;
teve alguns problemas sérios ultimamente e vai ter de levar uma
vida mais controlada no futuro. É por isso que eu estou fazendo

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Gloria Bevan

estágios nas fazendas, tenho muito o que aprender. Estive fora


muito tempo, estudando arquitetura, você acredita? É que o
costume daqui é que o filho mais velho assuma os negócios do pai.
Mas o Bill se casou com uma garota australiana, foi trabalhar lá e
acabou comprando sua própria fazenda. Papai já tem tudo
planejado: pretende mudar-se para um rancho à beira do rio,
deixando em minhas mãos a administração de tudo. Minhas duas
irmãs estão na faculdade, e não pretendem trabalhar aqui.
— E não acha que a sede, a casa da fazenda, vai ser muito
grande para você morar sozinho?
— Mas esse é um plano para daqui a cinco anos. Acho que até
lá terei encontrado uma mulher para casar comigo. Não estava
muito preocupado com isso. até agora.
— Você tem muito tempo pela frente! Deve haver uma dúzia
de garotas esperando por você.
— Basta uma, desde que seja a que eu quero.
— Não olhe para mim desse jeito, Paul! Você mal me conhece.
— Por culpa sua!
Pegaram então uma estradinha estreita e completamente
deserta. Só se viam montanhas cobertas de pinheiros, mais nada.
O sol já estava se pondo quando chegaram à entrada da fazenda de
Paul. Ao longe, avistava-se a sede.
— É uma casa adorável — comentou Lee.
— Não é nada má. — respondeu Paul, sem disfarçar um certo
orgulho. — Não é tão grande quanto Mahia, mas no futuro terei
condições de ampliá-la e de aproveitar melhor a terra. Minha mãe é
perita em jardinagem, foi ela quem conseguiu deixar tudo tão
bonito assim.

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Gloria Bevan

De fato, à medida que iam se aproximando, Lee notou que os


jardins eram muito bem tratados, com diversos tipos de flores em
canteiros de formas diferentes distribuídos pelo gramado. Era bem
diferente de Mahia, onde tudo parecia grandioso, obra de muitos
homens. Mas por que não conseguia parar de fazer comparações?
Quando chegaram à casa, foram recebidos pelas irmãs de Paul.
— Estávamos ansiosas para conversar com gente jovem! —
comentou Dianne.
— Principalmente com alguém vindo da Inglaterra —
acrescentou Annette. — Eu e Di estamos economizando para irmos
a Londres, assim que acabarmos o nosso curso.
Começaram então a fazer todo tipo de perguntas sobre
Londres, o povo, o estilo de vida, a moda, os espetáculos teatrais.
Lee mal conseguia responder a uma e elas já vinham com outra.
— Pelo amor de Deus, meninas, deixem a moça respirar um
pouco! — disse a Sra. Forrest, mãe de Paul, uma mulher enérgica,
baixinha e de olhos castanhos brilhantes. Foi tão amigável com ela
quanto as filhas. E quanto ao pai de Paul, um homem alto, magro e
louro, nem se fale. Deu-lhe boas-vindas com tal entusiasmo que Lee
concluiu que toda a família era realmente muito simpática.
Mais tarde, porém, Lee se cansou do assédio das moças, que
pareciam tratá-la como se fosse um brinquedo. Foi Paul quem a
salvou da situação, enquanto as duas discutiam se era melhor um
banho de piscina ou uma partida de tênis.
— Aquele passeio a cavalo ainda está de pé? — perguntou ele.
— Estou ansiosa.
— Venha, então, vamos ver se conseguimos fugir delas!
Em silêncio, ela e Paul foram até o lado de trás da casa, onde

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Gloria Bevan

ficavam os estábulos. Paul selou os cavalos, e em poucos minutos


ele e Lee já estavam a caminho do pasto.
— Deviam ter nos chamado! — protestou Dianne, correndo na
direção deles. — Mas mesmo assim, nós vamos junto...
— Não vão, não! Amanhã Lee dá uma volta com vocês.
— Isso é o que você diz. Não acredito!
Lee entendia agora o que Paul queria dizer quando comparou
as irmãs a um problema.
Foi muito agradável tomar o café da manhã com todos eles.
Lee sentiu-se como se fosse da família. Paul, que não tirava os olhos
dela, preveniu as irmãs que não incluíssem Lee em seus planos,
porque pretendia levá-la para assistir corridas em Matakauri.
— Vamos dar uma festa! — sugeriu Dianne, animada.
— Nada disso! E ninguém convidou vocês duas.
— Quer dizer que não vamos junto? — perguntou Annette.
— Você vê só como é, Lee? É isso que dá ter uma família
unida!
Entretanto, um pouco mais tarde, dirigindo seu carro com Lee
no banco da frente e as duas irmãs no banco de trás, Paul parecia
arrependido por ter concordado em levá-las.
Duas horas mais tarde chegaram ao hipódromo. Paul explicou
a Lee como apostar e ela acabou ganhando logo na primeira vez.
— Muito bem! De agora em diante você não pode mais perder.
— Aconteceu exatamente o contrário, mas ela não estava
muito preocupada com isso; queria, isso sim, aproveitar aquele
ambiente leve e descontraído, onde as horas passavam como num
passe de mágica. Finalmente anunciaram a última corrida do dia.
Um pensamento louco lhe ocorreu: apostar tudo o que tinha
naquele páreo. E se ganhasse? Seria uma quantia razoável. Aí

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Gloria Bevan

poderia enfrentar David de verdade e até mesmo dispensar os seus


favores. Estaria livre para fazer o que quisesse e voltar para a
Inglaterra quando bem entendesse.
Deu uma olhada nos nomes dos cavalos e dois deles lhe
chamaram a atenção: Princesa de Samoa e Grande Chance. Quem
poderia resistir?
Esperou na fila e apostou um bom dinheiro. Quando ia
saindo, Paul estava esperando por ela.
— Em quais você apostou?
— É segredo! Conto mais tarde, quando for receber o prêmio.
Foram então assistir à corrida. Na ponta estava um cavalo chamado
Desbravador, e Paul lhe garantiu que seria ele o vencedor. Mas ela
não desgrudava os olhos da Princesa de Samoa, seguida de perto
por Grande Chance. Quando Paul lhe informou que era a última
volta, ela apertou os bilhetes das apostas nas mãos.
— Que corrida mais louca — comentou ele. — O campeão está
perdendo para dois cavalos desconhecidos.
Quando foi finalmente anunciado o final da corrida, Lee ficou
sabendo que os desconhecidos eram Princesa de Samoa e Grande
Chance. Sentia que seu coração ia saltar pela boca, tamanha a
emoção. A quantia que ia receber era a chave de sua liberdade.
Finalmente ia poder se ver livre de David! Estava emocionada,
guardando o bolo de dinheiro na bolsa, quando percebeu que havia
alguém parado na sua frente: David em pessoa!
— Ora, veja, uma garota de Londres que eu conheço!
Lee sorriu e, como sempre, sentiu-se perturbada com o olhar
penetrante dele.
— Você não está um pouco atrasado para fazer a sua aposta?
— brincou. — A última corrida já terminou.

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Triângulo amoroso

Gloria Bevan

— Não é por isso que estou aqui. Venha comigo, Lee.


Ela o acompanhou até a parte de trás dos guichês.
— Então, por que veio?
— Para apanhar você.
— Como?
— Exatamente o que eu disse! Sabia que podia encontrá-la
aqui.
— Mas por que veio me buscar? Há algum motivo assim tão
importante?
— Minha tia.
— O que tem ela?
— Seu estado melhorou consideravelmente e os médicos lhe
deram alta. Pode deixar o hospital, desde que viaje acompanhada
de alguém que cuide dela. Fiquei de apanhá-la amanhã de manhã,
juntamente com você.
— Quer dizer que temos de ir hoje à noite?
— Para dizer a verdade, agora. Vou levá-la para casa, Lee.
Ela ficou calada por uns minutos, tentando ordenar os
pensamentos.
— Qual é o problema? — perguntou David. — Está bom
demais aqui para ir embora?
— É que eu estou. — Hesitou. Paul não vai gostar nada de me
ver indo embora desse jeito, pensou ela.
— Tia Edith também está. Ela precisa realmente de você.
— Isso pode surpreender você, David, mas fique sabendo que
não sou mais obrigada a fazer o que você quer.
— Não? Mas você prometeu cuidar da minha tia.
— Eu sei, eu sei. Mas será que você não encontraria outra
pessoa?

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Gloria Bevan

— Em algumas horas apenas? Impossível! Você sabe muito


bem quanto é difícil encontrar uma enfermeira qualificada por aqui.
Além disso, tia Edith se recusa a aceitar outra pessoa, quer você e
mais ninguém.
— Então você deve ter dado boas referências a meu respeito!
— Claro que sim! Foi assim que consegui convencê-la a vir.
O que mais Lee podia fazer?
— É melhor então eu avisar o pessoal de que estou indo
embora.
— Podemos apanhar as suas coisas no caminho para casa.
Nesse momento Paul e as irmãs se aproximaram e David explicou
rapidamente a situação.
De volta à sede da fazenda, Lee apanhou suas coisas e toda a
família foi até a porteira para se despedir dela. Insistiram muito
para que voltasse, exceto Paul, que permanecia em silêncio. Sua
expressão, porém, dizia tudo.
O jipe fez a curva na estrada e Lee acenou de longe para os
novos amigos, até perdê-los de vista.

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Gloria Bevan

CAPÍTULO IX

Lee deixou-se dominar por uma gostosa sensação de


felicidade. A que atribuí-la? Talvez por estar viajando a sós com
David.
Notou também uma certa satisfação no olhar dele. Mas aquilo
ia durar pouco tempo, pois agora ela estava com os trunfos na mão!
— Você pode voltar aqui num outro dia — disse ele.
Será que David estava imaginando que ela estava calada porque ele
tinha estragado o seu fim-de-semana?
— Acho que sim. Annette e Dianne lamentaram muito a
minha partida inesperada. Elas queriam saber tudo sobre Londres.
— Não era nelas que eu estava pensando.
— Fala de Paul? Ah, ele acaba superando isso.
— Você trouxe biquíni?
— Sim, trouxe. Há uma piscina ótima na casa da fazenda.
— Eu posso levá-la a um lugar melhor do que qualquer
piscina do mundo. Podemos dar um mergulho no mar; a água
costuma estar quente num dia ensolarado como o de hoje. O que
você acha disso?
— Parece divertido. — Na verdade, ela achou a ideia
maravilhosa, mas não quis demonstrar seu entusiasmo.
— Como se sente vivendo no campo, Lee?
— Maravilhosamente.
— Isso deve encorajar Paul.
— Paul?
— Não finja que não sabe do que estou falando! Qualquer um
pode ver que existe alguma coisa entre vocês dois.
— Pensei que você gostasse dele, David.

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Gloria Bevan

— E o que uma coisa tem a ver com outra?


— Tenho que trabalhar para você, mas isso não quer dizer que
você seja meu dono! — respondeu Lee.
— Infelizmente.
Ela não entendeu muito bem o que ele queria dizer; mas não
abriu a boca.
O jipe continuava subindo morros, cortando pequenas
estradas, até que David pôs a cabeça para fora da janela e inspirou
profundamente.
Lee fez a mesma coisa.
— Já estou sentindo o cheiro do mar — confessou ela. —
Devemos estar bem perto.
— Você está certa. — David fez uma manobra e parou o carro
numa pequena praia. — Este é o mar Tasman. Uma paisagem um
pouco diferente das praias de areia dourada do Pacífico, não?
— Não muito; na verdade, vejo uma certa semelhança. — Deu
uma olhada ao redor. — Ninguém além de nós por aqui, não é?
— Isso incomoda você?
— Nem um pouco! Sabe, eu tenho uma novidade. —
Interrompeu-se quando viu o olhar estranho de David.
— Lee... — Numa fração de segundos seus corpos já estavam
juntos; ela sentia o cheiro da colônia que ele usava, os pelos de seu
peito e a força de seus músculos. — Droga! reclamou David, ao ver
dois homens passando pela praia. — Pensei que estivéssemos
sozinhos!
Lee, entretanto, não se importou; estava excitada demais!
Pouco lhe interessava a profundidade dos sentimentos de David;
seus sentidos agora falavam mais alto, queria que ele a abraçasse.

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Triângulo amoroso

Gloria Bevan

Os dois homens foram até um trator, fizeram uma manobra e


começaram a se dirigir a eles.
— O que está acontecendo? — perguntou ela.
— Estavam limpando o canal, mas já estão indo embora.
— Então a praia é só nossa de novo?
— Do jeito que eu gosto. desde que esteja com você.
Ela mal podia acreditar no que ouvia! O calor de sua voz, seus
gestos ternos e amorosos, tudo lhe parecia um sonho. Lee fez um
esforço enorme para se controlar e procurou algum assunto.
— Você não me disse que tinha alguma coisa para ver aqui na
baía?
— Duas coisas, na verdade. Uma é confidencial, e a outra é
trazer o Kon-tiki.
— Kon-tiki?
— É um equipamento de pesca. Está vendo aquelas marcas no
mar? Elas indicam até onde vai o banco de areia. — Ele estava
muito próximo e Lee sentiu suas defesas fraquejarem. Com esforço,
conseguiu concentrar-se novamente no que ele estava dizendo. —
Esperei a semana toda para que o vento norte soprasse. Quando fui
apanhá-la, passei por aqui e vi que tinha chegado o momento ideal.
Com um pouquinho de sorte vamos conseguir pegar alguma coisa.
Vamos dar uma olhada?
De mãos dadas, eles caminharam pela praia. O vento soprava
forte e David ficou excitado, preparando o pequeno barco de
borracha, que mais parecia uma prancha de surfe.
— Já comeu um peixe fresquinho, recém-saído do mar?
— Não, nunca, mas sempre tem que haver uma primeira vez.
— Então vamos dar um mergulho primeiro.
— Nesse mar? Não é um pouco perigoso?

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Triângulo amoroso

Gloria Bevan

— Depende. — Sorriu malicioso para ela. — Não no sentido


que você está pensando. — Ele foi até o carro novamente e abriu a
porta de trás. — A cabine masculina é ali, senhorita. Encontro você
dentro de dois minutos.
Ele desapareceu por entre os arbustos, levando um calção de
banho na mão.
Lee mal teve tempo de vestir seu biquíni e David já estava de
volta, exibindo seu corpo musculoso e queimado do sol.
— Vamos indo!
De mãos dadas, os dois entraram correndo na água que, de
fato, estava morna. As ondas os jogavam de um lado para o outro,
mas Lee se sentia segura, presa nos braços fortes de David. Ficaram
bastante tempo brincando na água, até que finalmente voltaram à
praia.
— E agora, o que faremos? — perguntou ela, enquanto secava
com uma toalha os longos cabelos. — Posso dar uma olhada por
aqui? Antes de ouvir a resposta, Lee já estava correndo pela praia.
David a alcançou.
— Não adianta tentar fugir, Lee, você nunca vai conseguir se
livrar de mim!
— Nunca?
— Estou avisando!
Correram por algum tempo, depois David começou a
improvisar um fogão, com pedras e gravetos. Pediu que Lee fosse
buscar uma caixa que havia no banco de trás do carro.
— Bem, acho que aqui temos tudo o que é preciso — disse ele,
olhando o conteúdo da caixa. — Uma frigideira, leite em pó, sal,
óleo, açúcar, chá, etc. Agora você só vai ter que esperar um

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Triângulo amoroso

Gloria Bevan

pouquinho, que eu já volto com o peixe. Se não conseguir nada,


podemos tomar leite e chá.
Mas depois de algum tempo ele voltou com dois peixes numa
cestinha.
Enquanto via David preparando o peixe, Lee pensou na ironia
da situação: dessa vez era o patrão quem cuidava da comida e não a
empregada!
Não podia negar que David era um ótimo cozinheiro, pois o
peixe ficou realmente delicioso. Até o chá, servido em canecas
enormes, parecia ter um gosto especial.
David afastou-se um pouco e voltou com mais gravetos para
alimentar o fogo. Quando olhava para ele, Lee sentia seu coração
disparar. É apenas atração física!, tentava se convencer.
— O que você diria se eu lhe confessasse que fiz esta viagem
só para levá-la hoje comigo?
— Mas, e sua tia?
— Ela só sai do hospital amanhã à tarde. Poderíamos ir só
amanhã, daria tempo.
— Então por que fez isso?
— Só para ficar um pouco sozinho com você e acertar algumas
coisas.
— Acertar o quê, por exemplo? Isto! — E beijou-a apaixonado,
fazendo-a deitar-se na areia. Lee sentiu que ia entrar em órbita. Seus
sentidos estavam aguçadíssimos, o toque das mãos dele iam fazê-la
perder o controle. um controle que ela tinha que manter a qualquer
custo.
— Eu preciso lhe dizer uma coisa.
— É sobre Paul? Você quer me contar que você e ele.
— Não, não é nada disso!

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Triângulo amoroso

Gloria Bevan

— Bem, então não pode ser nada tão importante.


Ela hesitou, pois se sentiu confusa. Era um momento que
aguardava há tanto tempo! Queria dizer a David que ela não era a
mocinha irresponsável que ele imaginava que fosse e não tinha
mais motivos para permanecer ali como sua escrava. Mas alguma
força estranha a mantinha calada e, ao mesmo tempo, fazia com que
ela só sentisse vontade de beijá-lo e encostar seu corpo no dele.
O sol se punha e Lee só conseguia ver com nitidez o contorno
do corpo de David.
— Por que você está tremendo, Lee?
— O que você acha? — Claro que ela tinha sido beijada antes,
mas não daquela forma. E nenhum homem tinha conseguido
provocar tamanho desejo nela. — É que eu nunca senti isto antes.
— O que você queria me contar?
— É que hoje, nas corridas, aconteceu uma coisa. Eu apostei
todo o meu dinheiro em dois cavalos, só por causa dos nomes deles.
Princesa de Samoa e Grande Chance. Bem, eles acabaram ganhando
a corrida e eu ganhei muito dinheiro, mais do que suficiente para
pagar minha passagem de volta à Inglaterra.
— O que está esperando, que eu lhe dê os parabéns?
— Não entendi.
— Você não está pensando em ir embora, está?
— Eu não tenho mais por que ficar.
— Não tem, mas vai ficar!
— E por quê?
— Porque eu quero, e porque, ora, Lee! Você é uma garota
simples, que tem é que morar no campo. O que mais você poderia
fazer?
— Voltar para a clínica e retomar o meu trabalho.

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Gloria Bevan

— Não! De jeito nenhum! Você vai ficar em Mahia,


— Você não manda mais em mim! Não tenho mais que obedecer às
suas ordens!
— Olhe para mim, Lee! — Ele estava bem perto dela; devia
estar mais do que ciente de seu poder de atração sobre ela. Mas Lee
tentou resistir, agarrando um punhado de areia com a mão e
concentrando toda a sua energia.
— É claro que ainda vou ficar algum tempo, até que sua tia
não precise mais de mim. Eu prometi e costumo cumprir a minha
palavra, lembra-se? — Uma sensação de liberdade e segurança
tomava conta dela. — Posso até ficar mais, se você souber me pedir
do jeito certo.
— Do meu jeito? — Antes que ela pudesse responder, ele a
tomou em seus braços. — Lee, minha querida. — Seus corpos se
juntaram e ele começou a cobri-la de beijos. Olhou então para ela e
perguntou com carinho:
— Souber pedir com jeito? Do jeito certo, como você disse?
— Acho que sim.
— Você não parece muito convicta. Tenho outros argumentos
que ainda não usei, mas se preferir eu.
— Não, não, eu vou ficar.
David ficou em silêncio por alguns segundos e, em seguida,
levantou-se.
— Acho melhor irmos para casa.
Enquanto ele pegava a frigideira e as canecas, Lee juntava as
outras coisas e colocava na caixa.
Voltaram para o jipe, abraçados. Lee respirou fundo. Estava
feliz! Nunca na vida tinha se sentido daquele jeito quando um
homem a beijava. Mas, afinal, David não era um homem qualquer!

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Gloria Bevan

Quando chegaram à sede da fazenda, só havia uma luz acesa,


a do lampião da varanda. No topo da escada, ele lhe deu um beijo
rápido no rosto. Lee sentiu-se constrangida por ser beijada ali,
naquela casa onde até então costumavam tratar-se como estranhos.
— Boa noite, vejo você de manhã — despediu-se David e foi
para seu quarto.
Mais tarde, deitada na cama e olhando o céu pela janela, Lee
teve a impressão de nunca ter visto estrelas tão brilhantes. Mas não
eram elas que brilhavam mais, e sim seus sentidos que registravam
tudo com mais intensidade. Com o coração aos pulos, admitiu por
fim que estava irremediavelmente apaixonada por David. Era um
amor, forte, profundo, intenso! Mas e David? Será que sentia a
mesma coisa? Lee recapitulou tudo o que havia acontecido naquele
dia e preferiu acreditar que sim. Nem que fosse por uma noite,
queria experimentar a sensação de estar sendo amada por David.

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Gloria Bevan

CAPÍTULO X

Lee acordou na manhã seguinte experimentando uma


deliciosa sensação de bem-estar. Na verdade, sentia-se amada por
David. Não que ele tivesse se declarado, mas pelo jeito que foi
beijada, pelo carinho com que ele a havia tratado. Não via a hora de
entrar no carro novamente e iniciar aquela longa viagem que os
aguardava. Os dois a sós novamente! Tinha quase certeza de que
David não levaria mais ninguém junto, sobretudo depois daqueles
momentos mágicos que passaram na praia. Com à cabeça nas
nuvens, deu uma olhada no guarda-roupa para escolher um
vestido. Mas a roupa pouco importa, pois David não vai nem notar
o que eu estou usando, desde que estejamos juntos, pensou feliz.
Mais tarde, quando desceu, não encontrou ninguém. Os
homens provavelmente já tinham tomado o café da manhã e o resto
da família ainda devia estar dormindo. Lee sentou-se sozinha à
mesa, servindo-se de chá e torradas.
Ainda não tinha terminado quando Katrina entrou na sala, vestindo
um terninho verde e uma camisa de seda branca por baixo. Lee
achou estranha aquela roupa.
— Não se preocupe comigo — disse Katrina, quando Lee lhe
passou o chá. — Tomei café muito cedo. É que David fica furioso
quando marcamos alguma coisa e eu me atraso. — Lee continuou
impassível. — David quer que eu viaje com ele hoje — prosseguiu.
— Ele foi buscar você porque não queria que eu tivesse trabalho
com a tia. David é tão atencioso! Jamais me sujeitaria a esse tipo de
trabalho, ele sabe que tenho aversão a doenças e coisas tristes. Além
disso, a gente quer aproveitar para se divertir um pouco na cidade,
antes de irmos apanhar a tia dele.

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Gloria Bevan

— Ele foi até a fazenda de Paul me apanhar. por sua causa?


— É claro! David é assim mesmo, sempre pensando em mim!
Ele detesta me ver fazendo alguma coisa que eu não goste como,
por exemplo, cuidar de uma velha inválida.
Katrina deu-se conta de que tinha cometido uma gafe e tentou
justificar-se rapidamente.
— É claro que com você deve ser diferente, gosta de ser
enfermeira, e tudo mais. Bem, é melhor eu ir apanhar as minhas
coisas.
Lee mal podia esconder a indignação. Então tudo não tinha
passado de fantasia sua! O dia anterior não significara nada para
David! Ele tinha agido premeditadamente para conseguir o que
queria. E pensar que tinha realmente acreditado nele!
Nisso, ouviu passos. Era David vindo em sua direção. Recém-
barbeado, com os cabelos ainda molhados, perfumado, esbanjava
sensualidade. Olhou para Lee, sorrindo, e perguntou:
— Tudo pronto para a viagem de hoje?
— Eu não vou — respondeu friamente.
— Como? Por que não?
— Mudei de ideia, só isso. Pensei bem e concluí que vou ser
mais útil aqui, preparando o quarto de sua tia e tudo mais.
— Você está mentindo!
— E u não tenho que.
—... Que fazer o que eu lhe peço? Não era isso o que ia dizer?
— Exatamente.
— Está bem então, se é assim que prefere! — Virou-se para
Katrina, que estava parada perto da porta e perguntou: — Posso
pelo menos contar com você para ajudar tia Edith na volta?
— Claro David, você sabe disso.

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Gloria Bevan

Sou uma idiota, pensou Lee, enxugando as lágrimas. Sempre


soube que David gostava de Katrina, mas só agora tinha tido a
confirmação. Ficou debruçada no parapeito da janela até ver o jipe
sumir na estrada. Tudo tinha acontecido tão depressa. E por minha
culpa!, concluiu, furiosa. Não se perdoava por ter se deixado iludir
daquele jeito. Tentava, angustiada, ordenar seus pensamentos,
quando Jean a interrompeu:
— Lee! Pensei que fosse com David para apanhar Edith no
hospital. Você preferiu não ir?
— Exatamente. Achei melhor ficar e deixar tudo preparado
para quando ela chegar.
— Ora, não devia ter se preocupado, a Sra. Mac já está
providenciando tudo.
Num esforço para se defender do que, aparentemente, podia
parecer uma negligência sua, Lee começou a explicar-se:
— Eu achei que ela não ia ter problemas na viagem, já que
Katrina foi junto.
— Sei, sei. — Jean não parecia confiar muito na sobrinha.
Notou a palidez de Lee e perguntou: — Você está se sentindo bem?
— Claro! É que estou sem fazer nada e, se precisar de ajuda.
— Bem, há uma mesinha lá no galpão. Será que você pode
levá-la ao quarto de hóspedes no fim do corredor? E apanhe
algumas flores também; Edith adora!
— Então já vou indo. — Lee ficou feliz por poder fazer alguma
coisa e assim desviar seus pensamentos de David e Katrina.
Limpou bem a mesa e a pôs no quarto, como Jean havia pedido.
Colocou sobre ela um vaso com flores bem coloridas e abriu as
janelas para que entrasse bastante ar.
Jean apareceu mais tarde, para dar uma olhada.

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Gloria Bevan

— Está lindo! Bem iluminado e muito acolhedor. Edith não vai


ter que ficar muito tempo na cama, só mais uma ou duas semanas.
Não consigo imaginá-la imobilizada tanto tempo. É inquieta
demais! De qualquer modo, é melhor nos prepararmos para distrai-
la durante esse período. Ainda bem que ela adora passatempos!
— É mesmo? — disse Lee, mas na verdade não estava
prestando muita atenção. Seus pensamentos estavam voltados para
David e Katrina, divertindo-se na cidade. Esforçou-se por ouvir o
que Jean dizia.
— David não se atreveria a fazer essa viagem sem Katrina. Ela
adora fazer compras. Você não acha que essa menina tem uma certa
queda por David? — perguntou Jean ingenuamente.
— David parece ser o sol da vida dela. — respondeu Lee,
desolada.
— Mas é claro que você entende o que ela sente. No fundo é
uma garota adorável e há um bom motivo para ela ser assim tão
temperamental. Sei que às vezes Katrina é intrigante, mas quando
se conhece os motivos. Ela adorava o pai e quando ele morreu e a
mãe se casou novamente, ficou traumatizada. Tinha tanto ciúme do
padrasto que chegava a ser ridículo. Todos achavam que era uma
fase, que ela superaria, mas isso aconteceu há quatro anos e, desde
então, ela aproveita toda oportunidade que tem para vir para cá.
Ela vê o pai em David, você entende?
Lee preferiu calar-se, embora discordasse dela.
Nunca um dia tinha demorado tanto para passar. Lee ficou
ainda algum tempo no quarto, verificando se não faltava nada.
Tudo estava providenciado: uma jarra d'água e um copo, blocos de
papel de carta, canetas, palavras cruzadas e vários outros
passatempos.

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Sem saber o que fazer para que as horas passassem mais


depressa, Lee foi até os estábulos; talvez fosse uma boa ideia dar
uma volta a cavalo. Encontrou Ernie, que pediu para ela esperar um
pouco, até que ele terminasse de dar ração aos animais.
— Não tenho pressa, Ernie.
— Você não ia para a cidade com o patrão, hoje?
— Não. — Era inútil tentar não pensar nele, pois tudo
lembrava David. — Você gosta muito de David, não é Ernie?
— Muito, mesmo. Ele é o melhor amigo que tenho. É um
homem e tanto!
— Você quer dizer que ele é um bom patrão, um homem
honesto, que se preocupa com seus empregados e sabe fazer o seu
trabalho?
— Muito mais que isso. Entenda uma coisa: ele é conhecido na
região como o melhor de todos os fazendeiros. O homem que faz
estágio em Mahia, sob as ordens dele, tem emprego garantido para
o resto da vida, em qualquer lugar do país.
— Mas deve haver outros homens como ele!
— Eu nunca conheci nenhum; na minha opinião David é o
maior em tudo. O melhor jogador de polo, campeão em montaria e,
quanto ao seu trabalho, ninguém se compara a ele. Daniel é um
ótimo rapaz e trabalha muito bem, desde que David não tire os
olhos, mas nunca vai conseguir se equiparar ao irmão. Isso
simplesmente não está dentro dele, entende?
— Mas e David como homem? — Lee não pôde resistir à
tentação de enveredar por esse terreno perigoso. — Aquele acidente
aconteceu há quanto tempo? Dois ou três anos?
— Três anos. Mas há males que vêm para bem, diz a sabedoria
popular.

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— Como assim?
— Eles não nasceram um para o outro, qualquer um podia ver
isso. Agora que tanta água já passou por debaixo da ponte, posso
até me atrever a dizer o que achava sinceramente daquele noivado.
Ela era pianista e um pouco mais velha do que ele. Por mais que
tentasse, David não conseguiu convencê-la a viver na fazenda. O
noivado foi rompido várias vezes, e só pode ter sido esse o motivo.
Ela jamais se adaptaria à vida no campo.
— E desde então David nunca mais teve uma namorada?
— Não, até voltar de sua viagem ao exterior.
Era óbvio que ele se referia a Katrina! Lee não soube disfarçar
o desapontamento.
— Está apaixonada pelo patrão, não é? — perguntou Ernie. —
Não posso culpá-la.
— Sou mesmo uma estúpida, não sou? Aposto que você está
me achando louca por isso.
— Essas coisas acontecem sem a gente querer — filosofou
Ernie. — Prontinho! Quer que eu sele Gipsy para você montar?

— Por favor.
Já pronta para sair, comentou com Ernie:
— Vou sentir muita falta de tudo isto quando for embora.
— Mas você está pretendendo nos deixar?
— Lamento, mas tenho de fazer isso. Vou ficar tomando conta
da tia de David, mas espero que dentro de umas duas semanas ela
já esteja boa. Aí, então, volto para Londres!
— Lamento saber disso. Eu pensei que você e Paul estivessem
namorando. você entende.
— Paul? Bem, ele é um bom rapaz, mas...

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Gloria Bevan

— Bom? Isso é tudo o que pensa dele? Imaginei que houvesse


mais alguma coisa.
— Eu acho até que Paul...
— Mas você não está interessada.
— Não. E eu tenho de ir embora.
— Mas não está gostando da ideia! Será que precisa, mesmo?
— Preciso, sim. Mas vou sentir muita falta da fazenda. Eu
nunca vou me esquecer de você, de Jean, de todos.
— Nem de David, nem de Katrina?
— Ah, sim, David e Katrina. — Ela olhou para outro lado,
disfarçando as lágrimas que começaram a escorrer pelo seu rosto.
E melhor eu ir indo. Até mais.
— Até logo, Lee.

Meia hora mais tarde, no alto da montanha, Lee deixou que


Gipsy fizesse o caminho que estava acostumada a fazer. Lá longe,
avistava as areias escuras da praia onde tinha estado com David no
dia anterior. Perdida em seus pensamentos, não percebeu que já
não estava sozinha.
— Lee!
Olhou para trás e viu que David se aproximava, a cavalo. Mas
o que estava acontecendo? Ele não estava com Katrina, a
quilômetros de distância? De qualquer forma, não estava em
condições de encará-lo, pois lágrimas grossas escorriam-lhe pelo
rosto.
Decidiu então mostrar a ele que tinha aprendido algo mais na
fazenda, do que simplesmente preparar comida para os
empregados! Deu um tapinha do lado esquerdo de Gipsy, que saiu
em disparada, pulando um obstáculo atrás do outro.

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Gloria Bevan

Lee percebia que estava sendo seguida, mas só parou quando


a própria égua desistiu, diante de uma ponte caída sobre um
riacho. Foi quando David a alcançou.
̶ Por que não me esperou quando eu chamei por você?
̶ Por que deveria?
̶ Por Deus do céu, não sabe que estava arriscando a sua vida
quando pulou aquelas cercas? Só cavaleiros experientes fazem
isso... Você, se machucou?
̶ Pois é isso o que estou pretendendo: ganhar experiência.
̶ Para quê? Para ficar tomando conta de velhinhos numa clínica
de convalescença?
̶ T al ve z.
̶ Não, você não vai fazer isso.
̶ Por que não'
̶ Porque eu não vou deixar você partir, Lese. Você pertence a
este lugar, assim como eu. Por que você acha que eu mandei Daniel
buscar a tia Edith no meu lugar? Porque era você que eu queria que
fosse comigo.
De repente, Lee se viu deitada na grama e abraçada a David.
̶ Eu nunca cheguei a dizer que ia embora porque queria. Eu
pensei que você e Katrina...
̶ Pensou o que? Está me dizendo que meteu na sua cabeça que
eu e... Ora, ela é só uma garotinha que me ve como uma espécie de
pai. Pensei que você fosse bastante sensível para perceber isso
sozinha, sem que eu precisasse explicar. Agora, quanto ao que eu
sinto por vecê... tentei lhe dizer uma vez, mas pensava que você e
Paul...
Lee sorriu.
̶ Você esteve com Ernie há pouco?

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̶ E se disser que estive?


̶ Eu estava só pensando... se ele lhe contou alguma coisa a meu
respeito — disse ela.
̶ O bastante para ser convidado pua padrinho do nosso
casamento.
̶ Mas você não me pediu em casamento ainda... E se eu não
aceitar?
̶ Você vai aceitar! É uma ordem...
Ria riu e abracou-o com força.
̶ Eu amo você, David.
̶ Sua boba, se não fosse por Ernie... Voce devia saber que eu
era louco por você, sempre deixei isso tão claro!
̶ Agora eu sei e isso é o que importa.

FIM

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