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29 - Crítica Do Miserabilismo Transcendental - Númenos Com Presas
29 - Crítica Do Miserabilismo Transcendental - Númenos Com Presas
De La Voyage de Baudelaire, com sua descoberta lúgubre de que o vício humano se repetia de
maneira universal mesmo nas localizações mais exóticas, à leitura esquerdista de Philip K. Dick
como uma denúncia gnóstica da mudança comercializada, a variedade e a inovação capitalistas
foram totalizadas como diferença sem diferença essencial, apenas mais da mesma
dissimilaridade sem sentido. O grão-mestre deste movimento é Arthur Schopenhauer, que lhe
emprestou um rigor filosófico específico enquanto modo de apreensão transcendental. Já que o
tempo é a fonte de nossa aflição – a ‘Prisão de Ferro Negra’ de Philip K. Dick – como pode-se
esperar que qualquer tipo de evolução nos salve? Desta forma, o Miserabilismo Transcendental
se constitui como um modo inexpugnável de negação. Vai sem dizer que nenhum resíduo
substancial de historicismo marxiano resta na versão ‘comunista’ dessa postura. Na verdade,
com a economia e a história abandonadas de forma abrangente, tudo que sobrevive de Marx é
um pacote psicológico de ressentimentos e descontentamentos, redutíveis à palavra ‘capitalismo’
em seu emprego vago e negativo: como o nome para tudo que dói, insulta e desaponta.
‘Busque crescimento’ agora significa ‘Busque (muito) o capitalismo’. É cada vez mais difícil
lembrar que esta equação teria outrora parecido controversa. Na esquerda, ela teria outrora sido
descartada como risível. Este é o novo mundo que o Miserabilismo Transcendental assombra
como um fantasma dispéptico.
Talvez sempre vá haver um anti-capitalismo em voga, mas todos sairão de moda, ao passo em
que o capitalismo – tornando-se cada vez mais fortemente identificado com sua própria auto-
superação – será sempre, inevitavelmente, a última coisa. ‘Meios’ e ‘relações’ de produção
simultaneamente se emulsificaram em redes competitivas descentralizadas sob o controle
numérico, tornando as esperanças paleomarxistas de se extrair um futuro pós-capitalista da
máquina do capitalismo manifestamente inimagináveis. As máquinas se sofisticaram para além
da possibilidade de utilidade socialista, encarnando a mecânica do mercado dentro de seus
interstícios nano-montados e evoluindo a si mesmas através de algoritmos semi-darwinianos que
embutem hiperconcorrência na ‘infraestrutura’. Não é mais apenas a sociedade, mas o tempo em
si mesmo que tomou a ‘estrada capitalista’.
Os ursos polares estão se afogando e não há absolutamente nada que possamos fazer sobre isso.
O capitalismo ainda está acelerando, muito embora ele já tenha realizado novidades para além
de qualquer imaginar humano anterior. Afinal, o que é a imaginação humana? É uma coisa
relativamente reles, meramente um subproduto da atividade neural de uma espécie de primata
terrestre. O capitalismo, em contraste, não tem nenhum limite exterior, ele consumiu a vida e a
inteligência biológica para criar uma nova vida e um novo plano de inteligência, vasto para além
da antecipação humana. O Miserabilista Transcendental tem um direito inalienável de estar
entediado, claro. Chamar isso de novo? Ainda não é nada além de mudança.
Aquilo ao que o Miserabilismo Transcendental não tem qualquer direito é à pretensão de uma
tese positiva. O sonho marxista de dinamismo sem concorrência era meramente um sonho, um
velho sonho monoteísta reafirmado, o lobo deitado com o cordeiro. Se um sonho desses conta
como ‘imaginação’, então a imaginação não é mais do que um defeito da espécie: o embalar de
contradições de mau gosto como se fossem fantasias utópicas, a serem voltadas contra a
realidade a serviço da negatividade estéril. ‘Pós-capitalismo’ não tem nenhum significado real,
exceto um fim para o motor da mudança.
A vida continua, e o capitalismo faz a vida de uma maneira que nunca foi feita antes. Se isso não
conta como ‘novo’, então a palavra ‘novo’ foi reduzida a uma denúncia vazia. Ela precisa ser
realocada para a única coisa que sabe como usá-la de maneira efetiva, para a anomalização
regenerativa do destino, invocadora de Shoggoth, para o devir desembestado, de plasticidade
infinita tamanha que a natureza se deforma e dissolve ante a ele. Para A Coisa. Para O
Capitalismo. E se isso deixa os Miserabilistas Transcendentais infelizes, a simples verdade da
questão é: Qualquer coisa iria.
cyborg_nomade
October 6, 2017
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