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legalização do aborto.

Para argumentar sobre tal assunto é preciso entender com base em pesquisas e não em
senso comum. Partindo desse pressuposto, afim de explicar e desenvolver entendimento
em nossos receptores, escrevemos sobre o tópico e formamos argumentos com intuito de
não só convencer, mas explicar nossa visão.

Aborto é um dos principais causadores de mortes maternas no Brasil


No Brasil, cerca de 800 mil mulheres praticam abortos todos os anos. Dessas, 200 mil recorrem ao SUS para
tratar as sequelas de procedimentos mal feitos. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a situação pode
ser ainda mais alarmante: o número de abortos pode ultrapassar um milhão de mulheres.

O aborto é o quinto maior causador de mortes maternas no Brasil. Segundo um estudo publicado em 2013, uma a
cada cinco mulheres com mais de 40 anos já fizeram, pelo menos, um aborto na vida. Hoje existem 37 milhões de
mulheres nessa faixa etária, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dessa forma,
estima-se que 7,4 milhões de brasileiras já fizeram pelo menos um aborto.

https://www.camara.leg.br/tv/445740-aborto-e-um-dos-principais-causadores-de-mortes-maternas-no-brasil/
#:~:text=No%20Brasil%2C%20cerca%20de%20800,ultrapassar%20um%20milh%C3%A3o%20de%20mulheres

Como um problema de tal magnitude, ele precisa ser estudado. Não é uma simples ação médica. Existem vários tipos
de aborto.

1.1 ESPÉCIES DE ABORTO O aborto pode ser natural, acidental, criminoso, legal ou permitido. O aborto natural não é
crime e ocorre quando há uma interrupção espontânea da gravidez. O acidental, também não é crime, e pode ter por
origem várias causas, como traumatismos, quedas etc. O aborto criminoso é aquele vedado pelo ordenamento jurídico.
O aborto legal ou permitido se subdivide em: a) terapêutico ou necessário: utilizado para salvar a vida da gestante ou
impedir riscos iminentes à sua saúde em razão de gravidez anormal; b) eugenésico ou eugênico: é o feito para
interromper a gravidez em caso de vida extra-uterina inviável. O aborto miserável ou econômico social praticado por
motivos de dificuldades financeiras, prole numerosa. O aborto honoris causa é feito para salvaguardar a honra no caso
de uma gravidez adulterina ou outros motivos morais.

Como algo perigoso, ele abrange muitas áreas sociais. Por isso em nossa constituição há leis que regulamentem esse
ato.

1.2 LEGISLAÇÕES SOBRE O ABORTO O Código Penal Brasileiro pune o aborto provocado na forma do auto-aborto ou
com consentimento da gestante em seu artigo 124; o aborto praticado por terceiro sem o consentimento da gestante,
no artigo 125; o aborto praticado com o consentimento da gestante no artigo 126; sendo que o artigo 127 descreve a
forma qualificada do mencionado delito. No Brasil, admite-se duas espécies de aborto legal: o terapêutico ou
necessário e o sentimental ou humanitário (JESUS, 1999). No Reino Unido, leis promulgadas em 1967 e 1990 têm
tentado elucidar quando um aborto pode ser considerado necessário, sem muito êxito. A mulher que reivindica
autorização para o aborto precisa ser avaliada por dois médicos que devem chegar a um consenso e ratificar que há
risco de vida para a mulher ou risco para a vida ou má formação do feto. O aborto deve ser realizado antes de
completadas 24 semanas de gestação, mas pode ser realizado a qualquer momento se existir um grave risco à saúde
física ou mental da mãe ou se existir um sério risco da criança desenvolver graves deficiências físicas ou mentais. Na
Áustria, os abortos são permitidos após exame pré-natal que certifique anomalia congênita. O aborto é legal em todos
os casos comprovados de dificuldades sócio-econômicas, podendo ser realizado com até 12 semanas de gestação.
Depois deste limite, apenas se forem esperados sérios problemas físicos ou psicológicos para a mãe ou para o feto. Se
não for diagnosticada anomalia congênita letal, a maioria dos obstetras da Áustria segue o instinto maternal para
permitir o aborto com mais de 24 semanas. Formas inviáveis de anomalias congênitas permitem a interrupção em
qualquer estágio da gestação. Na Bélgica, os abortos são permitidos. O aborto é legal até 12 semanas de gestação. Se
for diagnosticada anomalia congênita, o prazo limite para a interrupção é de aproximadamente 24 semanas após o
início da gravidez. Na Bulgária, o aborto é legal, mas a interrupção deve ser feita em até 12 semanas se não houver
permissão e em até 20 semanas com a permissão. Se diagnosticada anomalia congênita, o aborto pode ser realizado
com até 27 semanas de gestação. Na Croácia, o aborto é permitido em todos os casos até as 24 semanas de
gestação. Todas as induções ao aborto causadas por má-formação fetal são registradas. Na França, o aborto é
permitido, podendo ser realizado a qualquer tempo, tanto nos casos de dificuldades sócio-econômicas como nos
casos de diagnóstico de anomalias congênitas. Todos os abortos são devidamente registrados. Na Alemanha, a
indução ao aborto por razões sociais é legalizada. De acordo com as leis germânicas, os abortos por indicação médica
não possuem prazo limite para sua realização. Desde 1987, são notificados abortos realizados depois que o exame
pré-natal diagnosticou má-formação. Na Espanha (Região Basca), o aborto é legal apenas quando descobertas severas
anomalias durante o pré-natal. O prazo limite para a interrupção é de 22 semanas após o início da gestação (VERY...,
2004). Desde 1936, no México, o abortamento em caso de estupro é permitido por lei (GASMAN, 2003). O decreto
sobre o direito da interrupção da gravidez (CETOP – sigla em inglês), homologado na África do Sul, em outubro de
1996, permite o aborto em qualquer circunstância independentemente de qualquer autorização legal. Prevalece a
vontade da mulher (TRUEMAN, 2003)

Leis como essas limitam (querendo ou não) a saúde da mulher. Há muitos motivos para isso descrito no parágrafo
abaixo.

2 O ABORTO E O DIREITO À SAÚDE DA MULHER o aborto legal ou necessário é um fato atípico e, portanto, para ser
realizado, depende apenas do consentimento válido da mulher. Ocorre que, mesmo sendo expressamente permitido, os
médicos escusam-se de realizá-lo sob alegação de divergência moral. Ademais, não há infra-estrutura adequada para o
procedimento e os profissionais de saúde exigem da mulher autorização judicial, termo de boletim de ocorrência ou
avaliação por uma Junta Médica Ressalte-se que não há condição imposta à realização do aborto legal e, diante das
dificuldades, as mulheres recorrem ao aborto inseguro, fato que explica a alta mortalidade de mulheres em decorrência
de procedimentos mal feitos. Aborto seguro é o permitido pela lei, realizado por equipe de saúde bem treinada e
contando com o apoio de políticas, regulamentações e uma infraestrutura apropriada dos sistemas de saúde, incluindo
equipamento e suprimentos, para que a mulher possa ter um rápido acesso a esses serviços. A não implementação da
política e estrutura para a realização do aborto seguro constitui um atentado à vida e à saúde das mulheres no Brasil e
no mundo. A maioria das legislações permite o aborto em caso de gravidez proveniente de estupro. Este tipo de
abortamento é permitido nos seguintes países: Argentina, Áustria, Alemanha, Baviera, Bélgica, Bolívia, Brasil, Costa
Rica, China, Chile, Dinamarca, Equador, Estados Unidos, Inglaterra, Finlândia, Grécia, Guatemala, Hungria, Islândia, Itália,
Japão, México, Nicarágua, Noruega, Paraguai, Uruguai, Venezuela e Iugoslávia. No Brasil, segundo estatísticas
divulgadas pelo Ministério da Justiça, as Polícias Civis registraram 14.719 estupros, em 2004, e 15.268 estupros, em
2005 (RAMOS, 2007). Deste total, aproximadamente 42% ocorreram na região Sudeste e 19% ocorreram na região
Nordeste. São Paulo foi o estado onde ocorreu o maior número destes crimes em 2004 e 2005, concentrando cerca de
26% dos crimes ocorridos no País. Por outro lado, Roraima foi o estado onde se registrou o menor número de
ocorrências deste tipo de crime. Em termos de taxas do número de registros por 100 mil habitantes, verificamos que a
região Centro-Oeste é a que possui a maior taxa, seguida pela região Norte. Comparando as taxas dos diversos
estados, verificamos que as maiores encontram-se no Acre, Roraima, Amapá e Mato Grosso do Sul e as menores no
Piauí, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Espírito Santo. Dentre os municípios com população acima de 100 mil
habitantes, verificamos que os seguintes municípios se destacam por possuírem os maiores números de registro de
ocorrências de estupro por 100 mil habitantes, nos anos de 2004 e 2005: Itabuna (BA), Ceilândia (DF), Francisco Morato
(SP), Porto Velho (RO), Macapá (AP), Boa Vista (RR), Rio Branco (AC) e Goiânia (GO). O estupro, criminologicamente
falando, inclui-se naqueles delitos das cifras negras (ZAFFARONI, 2004), ou seja, aqueles dos quais as autoridades não
tomam conhecimento pela hediondez da conduta, o medo de retaliação, somada à desonra humilhante e ao pudor da
vítima. À mulher, receosa de ser ainda mais humilhada e afrontada em sua honra, não resta outra alternativa senão
guardar o dolorido silêncio. Muitas vítimas, já cansadas e desesperadas por terem vivido tal infortúnio, ante a notória
morosidade do Judiciário e a ineficácia do sistema de saúde estatal, preferem o caminho da ilegalidade e da
insegurança, e acabam por praticar o aborto recorrendo a clínicas particulares clandestinas1 . A gravidez resultante de
estupro penaliza duas vezes a mulher. Além de ter o corpo violentado de forma física, com resultados psíquicos por
vezes irreversíveis, ela corre o sério risco de não receber o atendimento e o respeito a que tem direito por lei, por parte
dos hospitais, das autoridades policiais, da sociedade e do Poder Judiciário. Hoje, no Brasil, funcionam 40 serviços de
aborto legal em hospitais públicos. Estas unidades prestam atendimento a mulheres grávidas vítimas de estupro ou
com risco de vida. Na pesquisa Legislação sobre aborto e serviços de atendimento: conhecimento da população
brasileira, realizada pelo IBOPE, constatou-se que 48% da população desconhece a existência desses serviços. O
aborto legal é semi-clandestino no Brasil. A população é mal informada e os serviços são invisíveis. As mulheres são
constrangidas a peregrinar de hospital em hospital, muitas vezes, de um estado a outro, para conseguir algo que lhes é
assegurado por lei. Frise-se que ao percorrerem esta verdadeira via crucis estão grávidas do estuprador e correm risco
de vida. Segundo o IBOPE, há 62 hospitais credenciados no Ministério da Saúde para fazer aborto legal, mas apenas 40
oferecem o atendimento de fato2 . Além disso, em cinco estados – Roraima, Amapá, Tocantins, Piauí e Mato Grosso
do Sul – não foi localizado um único hospital que confirmasse realizar o procedimento; devido à escassez de serviços,
mulheres viajam longas distâncias (como de Roraima a São Paulo) atrás de um hospital que o realize. No México, uma
das experiências mais difíceis para a mulher é o acesso ao aborto legal quando engravida como resultado de um
estupro, o que não é raro de acontecer. Vários estudos feitos no México indicam que 7,6 a 2,6% das vítimas de estupro
engravidam (TRUEMAN, 2003). Como já ressaltado, esta é a única hipótese na qual o aborto é permitido pela lei
mexicana. O acesso ao aborto seguro no México é limitado pela falta de esclarecimentos sobre o procedimento legal e
do protocolo quanto ao atendimento médico, assim como pela falta de treinamento e capacidade técnica do
profissional de saúde para realizar este serviço. Na África, o quadro é ainda mais desolador. O Decreto sobre o Direito
de Interrupção da Gravidez, homologado em outubro/ 1996, dita que todas as mulheres têm o direito de optar pela
interrupção da gravidez prescindindo de qualquer tipo de autorização (TRUEMAN, 2003). Em que pese a existência do
Decreto CETOP, o acesso ao atendimento do aborto na África é limitado ao extremo por barreiras sociais, religiosas,
culturais, geográficas e econômicas. A situação mais difícil é a da mulher que mora na zona rural. Além disso, o CETOP
exige que o estabelecimento médico possua padrões mínimos de atendimento, estabelecidos pelo Ministério da Saúde,
capazes de fornecer serviços de interrupção da gravidez. O resultado é um serviço quase inalcançável porque nunca há
instalações adequadas e poucos hospitais na África o oferecem de fato. Ressalte-se que, na África, os abortos são
realizados, expressivamente, por parteiras, voluntárias (os) que se oferecem para receber treinamento implantado por
entidades não-governamentais a fim de minimizar a mortalidade das mulheres em razão da barreira para se alcançar o
aborto seguro. Ante tais dados, podemos constatar que mesmo em caso de aborto necessário, a mulher não tem
acesso aos serviços médicos ou os obtém de forma precária. Esta falta de informação sobre métodos anticonceptivos,
a ausência de ensino e a estrutura social ocasionam um comportamento sexual de alto risco e, como corolário,
gravidezes indesejadas. Por sua vez, há um aumento da prática de abortos clandestinos com conseqüências maléficas
para o aparelho reprodutor da mulher. A falta de tratamento pós-aborto gera problemas psicológicos e até mesmo o
suicídio.

CONSIDERAÇÕES FINAIS O aborto é um problema social. A discussão a respeito de existência e conseqüências deve
ser feita mediante a incorporação de justiça social, direitos humanos e saúde pública. Em várias conferências, chegou-
se à constatação de que as legislações restritivas são danosas para a saúde da mulher e não reduzem o número de
abortos praticados. Faz-se necessário aumentar a consciência social sobre os direitos humanos das mulheres e
desenvolver atividades de capacitação para profissionais da saúde. Deve ser estudada uma forma de se descentralizar
os serviços de aborto a fim de ampliar o acesso das mulheres aos serviços de saúde. O acesso também é dificultado
em razão da alta incidência da escusa dos profissionais da saúde em realizarem os procedimentos abortivos em razão
da objeção de consciência. Neste caso, mostra-se fundamental a elaboração de diretrizes para o seu uso. Configura-se
um desacordo moral razoável, ou seja, ocorre a ausência de consenso sobre opiniões racionalmente defensáveis. De
um lado, o direito do profissional da saúde em se negar a praticar determinado tipo de tratamento e, de outro, a
autonomia de vontade da gestante amparada pelo direito à saúde e pelo princípio da dignidade humana. Nas retro
mencionadas diretrizes, deve-se buscar o equilíbrio entre o direito individual do médico em alegar objeção de
consciência e sua responsabilidade ética profissional de zelar pela saúde das pessoas. As diretrizes também deveriam
tratar das responsabilidades institucionais, parâmetros para a recusa em prestar o serviço e o direito de informação
das mulheres à informação e referência de outro profissional ou hospital que realize o procedimento. O respeito ao
direito de informação sobre direitos humanos e ética para atenção ao aborto é imprescindível. “Em termos de
estatísticas mundiais temos: 75 milhões de gestações não desejadas, 35 a 50 milhões de abortos induzidos, 20
milhões de abortos inseguros, 70 a 80 mil mortes de mulheres por aborto inseguro, milhares de mulheres com graves
complicações reprodutivas; 95% dos abortos inseguros ocorrem em países em desenvolvimento; dois em cada cinco
abortos são feitos em condições inseguras; 13% das mortes maternas se devem ao aborto inseguro; uma mulher morre
a cada três minutos; 380 mulheres engravidam; 190 mulheres com gestações não planejadas ou indesejadas; 110
mulheres relatam complicações da gravidez; 40 mulheres praticam aborto em condições inseguras” (DREZETT, 2005).
Na América Latina, há 182 milhões de gestações por ano das quais 36% não são planejadas, quatro milhões de
abortos, 21% das mortes maternas, 3,65 abortos por 100 mulheres entre 15 a 49 anos, 20% dos mortes maternas no
Maranhão (1987-1991); o aborto inseguro é a primeira causa de morte materna em Salvador, Bahia, desde 1990; a
terceira causa de morte materna em São Paulo; a quinta causa mais freqüente de internação; o segundo procedimento
obstétrico mais realizado; são 250 mil internações no SUS para tratamento de complicações (LANGER, 2002). São
vários os motivos que levam a mulher a abortar: uma prole maior do que a planejada, dificuldades para se obter
métodos anticonceptivos modernos, falta de orientação no planejamento familiar, pouca ou nenhuma instrução,
comportamento sexual de alto risco, dentre outros.

https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/131831/legisla%C3%A7%C3%A3o_aborto_impacto.pdf?
sequence=6#:~:text=O%20aborto%20%C3%A9%20legal%20at%C3%A9,ap%C3%B3s%20o%20in%C3%ADcio%20da
%20gravidez

Aborto no Brasil: um enfoque demográfico

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define aborto inseguro como o procedimento utilizado para
interromper uma gravidez, realizado por pessoas não-habilitadas ou em ambiente não-adequado 1. Abortos
inseguros ocorrem em países onde as leis são restritivas ao procedimento ou naqueles onde é legal,
porém, o acesso das mulheres aos serviços de saúde é dificultado. A distinção entre aborto seguro e
inseguro é importante pelas diferentes implicações à saúde das mulheres, do ponto de vista da saúde
pública2.

Mundialmente, a prevalência de aborto inseguro é estimada em 19 a 20 milhões, dos quais 97% pertence
a países em desenvolvimento. Em 2000 ocorreram 14 abortos induzidos por 1.000 mulheres entre 15 a 44
anos3. A maior prevalência é para a América Latina com 20 abortos por 1.000 mulheres entre 15 a 44
anos3. The Alan Guttmacher Institute estimou para o início dos anos 1990, uma taxa de abortamento
induzido no Brasil de 36.5/1000 mulheres4.

A relação direta entre o aborto inseguro e a morte materna é uma grande preocupação e motivo de luta
para a sua legalização5. Os 19 milhões de abortos realizados anualmente de forma insegura no mundo
resultam em aproximadamente 68.000 mortes de adolescentes e mulheres adultas, representando 13% de
óbitos maternos6. Na América Latina e no Caribe, o aborto é responsável por 12% da mortalidade
materna, sendo a quarta causa dos óbitos por estas causas, embora em algumas regiões da América
Latina seja responsável por 30% delas. Uma proporção tão elevada de morte materna por abortamento
provavelmente está relacionada às leis restritivas à legalização do aborto 7.
No Brasil, persiste uma importante subnotificação das mortes por aborto, já que muitos óbitos devido à
septicemia e hemorragia decorrentes de complicações de abortamentos não são devidamente
computados7. Apesar da subnotificação dos abortamentos nas declarações de óbitos, em 2002, um estudo
nas capitais brasileiras, com utilização de um fator de correção, permitiu identificar que o abortamento
correspondia à terceira causa de morte materna (11,4%) 8.

A ocorrência de aborto inseguro tem diminuído, principalmente nas regiões desenvolvidas, com uma
redução importante também nos países do Leste Europeu. Em 1995, nesses países, estimava-se uma
taxa de abortamento de 90 por 1000 mulheres, com redução para 44 por 1000, em 2003 2. Este declínio
resultou de um conjunto de ações relacionadas não só à melhoria do acesso a contraceptivos eficazes,
mas também à legalização do aborto. A maioria dos abortamentos nos países desenvolvidos (92%) ocorre
de forma segura, enquanto 97% dos abortamentos nos países em desenvolvimento acontecem de forma
insegura2.

O aborto induzido é um tema polêmico que envolve questões religiosas, culturais, e políticas 6. Os dados
existentes sobre sua ocorrência são imprecisos, mesmo onde sua prática é legal 2. Em países que
criminalizam o procedimento, esses dados são ainda mais difíceis de serem obtidos.

No Brasil, a magnitude do abortamento inseguro não é conhecida com exatidão, devido a seu caráter
ilegal, pois o aborto só é permitido em caso de estupro ou risco de vida materno 9. Em casos de
malformações fetais (acrania e, especialmente, anencefalia), condições incompatíveis com a vida
extrauterina, o aborto tem sido realizado no país apenas após autorização judicial 10.

Por meio da avaliação de uma série histórica de hospitalizações de 1992 a 2005 na rede pública,
registradas no Sistema de Informação Hospitalar, do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS), foram
encontrados 1.054.242 internamentos por abortos, isto é, uma taxa média de 2,07 abortos por 100
mulheres entre 15 a 49 anos de idade. Constata-se uma tendência de redução das internações por
abortamento até 1996 e, após esse período, ocorreu uma estabilização até 2005 em todas as regiões e
para todos os grupos etários. Entretanto, as desigualdades regionais permanecem 11.

No país foram identificados poucos estudos de base populacional sobre o tema com amostras
representativas da população, sendo a maioria de abrangência local. As mulheres, em geral, omitem a
informação sobre a prática de aborto quando questionadas de forma direta 12.

Alguns inquéritos realizados no país adotaram estratégias específicas objetivando garantir a privacidade
das respostas e o anonimato das mulheres, utilizando-se a Técnica de Resposta ao Azar (TRA) 13 ou o
Método da Urna14. Os estudos que utilizam a TRA mostram maior frequência de aborto pela garantia da
confidencialidade da informação. Em 1987, um estudo transversal de base populacional, em uma zona
urbana de São Paulo, obteve com a TRA um valor cinco vezes superior àquele obtido pelo método direto.
Por este último estimou-se que 8,2% das gestações terminavam em aborto, enquanto que, pela TRA, este
percentual elevou-se para 31,3%, sendo mais compatível com outras informações locais disponíveis sobre
a frequência do aborto13. Em Pelotas/RS, o relato de aborto induzido também difere quanto ao método
utilizado de investigação, com 7,2% para o Método da Urna e 3,8% para o método das questões
indiretas15.

A ilegalidade do aborto não tem sido impedimento para que ocorra de forma indiscriminada nas diferentes
classes sociais no Brasil, mas certamente o fato de ter, ou não, uma complicação pós-aborto é sócio e
economicamente dependente15. O relato de abortamento foi maior entre os rapazes (12,4%) quando se
referiam às suas parceiras do que a relatada pelas próprias mulheres (7,7%) 16. Embora a gravidez tenha
sido um evento mais raro entre jovens de maior renda familiar e maior escolaridade, quando grávidas,
estas recorriam mais ao aborto e o faziam em condições mais seguras 17.

O aborto realizado de forma insegura, em contextos de ilegalidade, tal qual a situação brasileira, resulta
em graves consequências para a sociedade, pois afeta a saúde da mulher, com elevada morbidade e
mortalidade. Por outro lado, sobrecarrega o sistema de saúde, implica em custos, reduz a produtividade e
ainda traz repercussões familiares, além de estigmatizar a mulher.

Por ser o aborto ainda uma importante causa de morte materna, um tema difícil de ser abordado e ter
diversas implicações à saúde, propõe-se analisar os dados da Pesquisa Nacional sobre Demografia e
Saúde (PNDS), realizada no Brasil, em 1996 (Sociedade Civil de Bem-Estar Familiar, 1997) 18. A PNDS
integra o programa de Inquéritos de Demografia e Saúde (DHS), realizada em vários países, com o intuito
de consolidar dados sobre aspectos da saúde reprodutiva. Apesar da inserção de questões sobre aborto
nas duas pesquisas realizadas no país em 1986 e 1996, suas respostas não foram incluídas nas
respectivas publicações. Portanto, o conhecimento do resultado deste último inquérito demográfico poderá
somar conhecimentos à situação atual.

Métodos

Este estudo refere-se a uma análise secundária da base de dados da PNDS que foi realizada no Brasil em
199618. A autorização para a utilização destes dados do Demographic and Health Survey (DHS) foi obtida
da Macro International Incorporation. O estudo original foi conduzido seguindo os padrões éticos
estabelecidos pela Declaração de Helsinki, tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética Local.

O plano de amostragem da PNDS-96 utilizou, inicialmente, o marco amostral da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (PNAD) de 1995, implementada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) em sete regiões: Rio de Janeiro, São Paulo, Centro-Leste (Minas Gerais e Espírito Santo), Sul,
Nordeste, Norte (área urbana) e Centro-Oeste. Dessa forma, a PNDS-96 foi uma subamostra
probabilística da PNAD-95, selecionada em dois estágios: o primeiro consistiu na seleção de domicílios,
em que se considerou a representatividade de cada setor.

Para estratificação, os setores censitários foram agrupados por área de residência urbana e rural dentro
de cada unidade da Federação. Também foram obtidos os pesos de amostragem (ponderação) devido ao
fato de não se ter amostra autoponderada. No final foram obtidas informações para uma amostra total de
13.283 domicílios, tendo sido entrevistadas 12.612 mulheres de 15 a 49 anos de idade, correspondendo a
uma taxa de resposta combinada de 80,6%, para domicílios (93,2%) e mulheres (86,5%) 18. Embora os
eventos reprodutivos tenham sido detalhados neste inquérito apenas para os cinco anos anteriores à
entrevista, as informações genéricas sobre aborto espontâneo e induzido aqui analisadas referem-se a
toda vida reprodutiva das mulheres entrevistadas.

Inicialmente, analisou-se a prevalência de abortamento espontâneo e induzido no Brasil e nas sete


regiões. A seguir, as características sociodemográficas das mulheres foram analisadas em função da
experiência de aborto: espontâneo, provocado ou nunca ter abortado. Por último, um modelo de regressão
multinomial foi realizado para identificar os fatores individualmente associados com o aborto espontâneo e
induzido (em relação às que nunca abortaram), estimando-se o OR ajustado e seu respectivo IC de 95%.
Em todas as análises foram consideradas as características do plano complexo de amostragem: estrato,
conglomerado e ponderação. O software utilizado foi o Stata v.7.0.
Resultados

Na Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde realizada no Brasil em 1996, de uma amostra total de 16.451
domicílios inicialmente selecionados, 12.612 mulheres em idade fértil foram entrevistadas. Desse total, 14%
referiram alguma vez ter tido exclusivamente abortos espontâneos e 2,4% referiram ter induzido (provocado)
pelo menos um aborto. A maior proporção de aborto espontâneo foi declarada por mulheres residentes no
Nordeste (16%) e a menor por aquelas da região Sul (11,3%). Quanto ao relato de aborto provocado, as
maiores prevalências foram no Rio de Janeiro (6,5%) e no Nordeste (3,1%) e as menores em estados do
Centro-Leste (1,2%), em São Paulo (1,3%) e na região Centro Oeste (1,3%). A maioria das mulheres
entrevistadas relatou nunca ter abortado (Tabela 1).

https://www.scielo.br/j/rbgo/a/sPcBJYNPPk4K9XBj55pgNgj/?format=html&lang=pt

A questão do aborto no Brasil

O aborto é definido pela Medicina como o nascimento de um feto com menos que 500 g ou antes de 20
semanas completadas de idade gestacional no momento da expulsão do útero, não possuindo nenhuma
probabilidade de sobrevida1. No Brasil, o ato de provocar um aborto é considerado crime (artigos 124, 125, 126
e 127 do Código Penal Brasileiro)2, exceto em duas circunstâncias: quando não há outro meio para salvar a vida
da gestante ou é resultado de estupro (artigo 128).

Por outro lado, o aborto no Brasil é considerado um problema de Saúde Pública, o que significa que devemos
levar em conta a sua dimensão. O problema atinge muitas pessoas? Ou afetará muitas pessoas, como no caso
de doenças de alta transmissibilidade? Outro aspecto a ser considerado é sua letalidade. Trata-se de um
fenômeno mórbido potencialmente capaz de contribuir para o aumento da mortalidade? Sabe-se, hoje, que a
Saúde Pública toma para si a responsabilidade de algumas doenças com alta letalidade, como é o caso da
raiva, ou mesmo da Aids, especialmente antes da terapia antirretroviral.

A preventabilidade, ou seja, a existência de medidas eficazes de prevenção de determinados fenômenos


mórbidos é o terceiro aspecto a ser considerado quando pensamos em um problema de Saúde Pública. Quando
tratamos do aborto como problema de Saúde Pública, esses três aspectos estão presentes. Considerando a sua
dimensão, estudos de estimativas utilizando como base os dados do Sistema Único de Saúde (SUS) de
internações por complicações de aborto afirmam que um grande contingente de cerca de 1 milhão de abortos
são realizados por ano no país3. Esses dados confirmam os estudos de série histórica desenvolvidos por
Monteiro e Adesse4. Esse grande contingente será provavelmente maior se considerarmos os casos de abortos
em mulheres que não sofrem internações ou são realizados clandestinamente em clínicas privadas.

O aborto provocado no Brasil, devido à sua criminalização, pode ser considerado como inseguro e figura na lista
das principais causas de mortalidade materna no país. O aborto oscila entre a terceira e a quarta causa de
morte materna. Adiciona-se que a mortalidade materna é um dos nossos grandes problemas de Saúde Pública,
estimada para o ano de 2006 em 77,2 óbitos por 100 mil nascidos vivos5, e tem sido considerada incompatível
com o nosso nível de desenvolvimento. Países desenvolvidos, como Canadá, Inglaterra, França e Japão, têm
índices de mortalidade materna bem menores, por volta de 10 por 100 mil nascidos vivos.

Considerando-se o terceiro aspecto, a preventabilidade, sim, o problema poderia ser prevenido pelo menos em
parte ou em sua maioria, já que um amplo acesso a métodos contraceptivos deveria estar na agenda da
atenção básica à Saúde em todos os municípios brasileiros, que são os verdadeiros executores do SUS,
cumprindo assim o que diz a lei. Neste caso, existe uma lei, a 9.263, que regulamenta o artigo 226 da
Constituição Federal e dá o direito do planejamento familiar a todo cidadão brasileiro.

Além de ser um problema de Saúde Pública é também um problema para a Saúde Pública, já que os custos
financeiros, sociais, emocionais e físicos de 250 mil internações hospitalares anuais de mulheres poderiam ser
evitados ou ao menos minimizados se a prevenção da gravidez indesejada estivesse acessível a todos.
Segundo Diniz6, estudiosa do tema, os direitos reprodutivos são uma importante dimensão dos direitos
humanos.
O presente número da Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (RBGO) traz, entre seus artigos, um
estudo dos dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS) de 19967 que, embora possa à
primeira vista parecer antigo, permitirá que se faça uma comparação com dados mais recentes da PNDS
realizada em 2006. Daí a sua importância: trata de tema relevante mostrando as características demográficas
das mulheres mais afetadas pela prática do aborto no Brasil. Segundo este estudo, a prevalência do aborto
aumenta com a idade da mulher. Ser de região urbana, ter tido mais de um filho vivo e não ser de cor branca
são fatores que aumentam o risco para o aborto. Portanto, traz a crucial informação do perfil de mulheres que
devem ser mais atingidas por programas preventivos. Além disso, faz um levantamento também dos importantes
elementos sobre as condições epidemiológicas e sobre a legalidade do aborto no mundo.

Para os ginecologistas e obstetras que lidam diariamente com a situação de aborto, este estudo mostra a real
dimensão de um problema que precisa ser enfrentado pelas políticas públicas considerando-se que o aborto
legalizado no país é restrito. Situações outras, como doença de transmissão genética, malformação congênita,
ingestão de fármaco teratogênico, virose contraída durante a organogênese ou mesmo o desejo da mulher de
poder controlar o seu corpo e sua prole não são relevantes para o Estado. Realizar aborto nessas situações é
considerado crime também, em que pese que os tribunais brasileiros, a partir da década de 1990, por
jurisprudência têm reconhecido o direito ao aborto em casos de anomalias fetais graves incompatíveis com a
vida extrauterina.

Os países que medicalizaram o aborto por escolha da mulher o fizeram com base na alta mortalidade materna,
na defesa da laicidade do Estado e com base na ideia de que até a 20ª semana de gravidez, quando a condição
extrauterina do feto seria incompatível com a vida, ele não pode ser considerado com base no estatuto de
pessoa. Adotando essa visão, o feto pertence ao corpo feminino dentro deste limite de tempo, e a mulher é
considerada soberana para decidir o que deve ser feito com o seu corpo.

A questão do Estado laico é outro aspecto fundamental, pois permite aos indivíduos a liberdade de escolher
qualquer religião ou mesmo a liberdade de não ter nenhuma religião. O Estado laico não pode adotar nenhuma
visão religiosa sob a pena de privilegiar grupos e pessoas, deixando de servir a todos. Este debate precisa ser
feito: até que ponto podemos evitar a tragédia da mortalidade materna? Quais conceitos e definições de aborto
estão em jogo quando discutimos o assunto? Qual o lugar que ocupa a mulher como soberana da sua vida e da
sua sexualidade? Essas são questões fundamentais que não podem escapar quando se pensa no problema.

https://www.scielo.br/j/rbgo/a/Mykz5cBDgst5vCbNNfDTjcC/?lang=pt

Aborto e saúde pública no Brasil

ela primeira vez um Ministro da Saúde posicionou-se favorável à mudança da legislação brasileira
sobre aborto. A tese do Ministro José Gomes Temporão é simples: aborto é uma questão de saúde
pública. O deslocamento do debate do campo moral para o da saúde pública provoca uma
redefinição nos termos argumentativos que dominam o debate brasileiro nos últimos trinta anos.
Um levantamento recente da Universidade de Brasília e da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro recuperou 1.600 fontes impressas sobre aborto no Brasil de 1987 a 2007. Esse dado
demonstra que há uma permanência do tema na ciência brasileira, muito embora algumas
características do debate demonstrem a força da afirmação do Ministro.

Há poucos estudos empíricos sobre o fenômeno do aborto no Brasil. Uma explicação possível para
essa ausência é o contexto de ilegalidade e imoralidade em que o tema do aborto encontra-se
imerso. Identificar mulheres, ouvir suas histórias e cuidar de seus corpos pode trazer riscos para
elas e para os pesquisadores. A promessa de sigilo ou confidencialidade dos dados é um acordo
entre pesquisadores e participantes da pesquisa, mas não significa proteção legal frente a
investigações policiais ou judiciais. O contexto de guerrilha moral em que o tema do aborto se
encontra no Brasil fragiliza pesquisadores e participantes. Internacionalmente, pesquisadores já
foram obrigados a apresentar seus dados à Justiça. Em caso de recusa, já houve a prisão de
pesquisadores.

No entanto, há outra maneira de entender a abundância de fontes, mas de poucos estudos


empíricos. O debate sobre aborto é um espaço de confronto de duas teses pré-estabelecidas: a
tese do aborto como uma grave infração moral e a tese do aborto como um exercício de
autonomia reprodutiva das mulheres. É nesse cenário de confronto de teses incomensuráveis com
esparsas evidências empíricas que a reafirmação de que "aborto é uma questão de saúde pública"
ganha força e vitalidade política. Na verdade, as poucas e seguras evidências disponíveis no
cenário das pesquisas em saúde no Brasil comprovam a tese de que a ilegalidade traz
consequências para a saúde das mulheres, que não coíbe a prática e perpetua a desigualdade
social. Ou seja, o que há de científico no debate brasileiro sobre aborto antecipa a tese do
Ministro.

Enfrentar com seriedade o fenômeno do aborto como uma questão de saúde pública significa
entendê-lo como uma questão de cuidados em saúde e não como um ato de infração moral de
mulheres levianas. E para essa redefinição política há algumas tendências que se mantêm nos
estudos à beira do leito com mulheres que abortaram: a maioria é católica, jovem, pobre e já com
filhos. O interessante é que essa descrição não representa apenas as mulheres que abortam, mas
as mulheres brasileiras. Por isso, a compreensão do aborto como uma questão de saúde pública
em um Estado laico e plural representa um novo caminho argumentativo, no qual o campo da
saúde pública no Brasil traz sérias e importantes evidências para o debate.

Aborto e democracia

No caso do Brasil, o debate é fortemente constrangido pela influência da Igreja Católica, que tem na criminalização do aborto
o carro-chefe de sua cruzada moral. Há muito tempo, a legislação brasileira permite a interrupção da gravidez apenas caso ela
tenha sido fruto de estupro ou ponha em risco a vida da gestante – é algo que se encontra já no Código Penal de 1940. Cerca
de um milhão de abortamentos clandestinos, porém, são realizados no país a cada ano, frequentemente em condições
precárias, com as complicações decorrentes, levando a mais de 200 mil internações hospitalares por ano.10 Propostas de
revisão da legislação, ampliando a possibilidade de realização legal do aborto, tramitam com dificuldade no Congresso – e
convivem com iniciativas de intenção contrária que visam ampliar a repressão às gestantes, como o Projeto de Lei nº
2.504/2007, de autoria do deputado Walter Brito Neto (PRB-PB), que determina o registro obrigatório de qualquer gravidez
detectada em hospitais ou postos de saúde.11 Nenhum dos dois lados possui qualquer projeto que pareça apresentar chance
efetiva de transformação em lei em curto prazo. Ainda assim, o debate sobre a questão tem ganhado corpo nos últimos anos.
Diversos fatores contribuíram para isso, como a pressão dos movimentos de mulheres para que a rede pública de saúde
forneça atendimento nos casos de aborto legal e, de outro lado, a crescente prioridade que a Igreja Católica vem concedendo
ao tema. Alguns eventos mais circunstanciais contribuem para aumentar a atenção pública, como a reivindicação do direito de
abortar fetos sem perspectiva de sobrevida, em particular portadores de anencefalia, que chegou ao Supremo Tribunal
Federal em julho de 2004, a partir de liminar favorável concedida pelo ministro Marco Aurélio de Mello, e desde então tem
mobilizado ativistas favoráveis e contrários, ou a visita do papa Bento XVI ao Brasil, em maio de 2007, na qual o tema – que já
era prioridade nas preocupações da hierarquia católica – ganhou maior destaque, dada a posição do então ministro da Saúde,
José Gomes Temporão, defensor da legalização. Assim, temos dois momentos do debate, o primeiro vinculado ao problema
dos fetos anencefálicos, em que se coloca em questão a ampliação ou não do elenco de casos em que se permitiria o aborto
legal, e o segundo, emblematizado pela oposição entre o então ministro da Saúde e a Igreja Católica, em que o tema é a
interrupção voluntária da gravidez de maneira geral. Embora mais restrito quanto ao objeto, o primeiro momento enquadra a
discussão de forma mais profunda, focando no direito da mulher de dispor do próprio corpo – no caso, não levando a cabo a
gravidez de um feto inviável. Já o segundo momento, dada a linha de argumentação dominante apresentada pelo então
ministro Temporão e outros, enquadra a discussão em termos de “aborto como problema de saúde pública”. Ou seja,
enquanto num caso o argumento em favor da legalização do aborto constrói a ideia de um direito, no outro ele se sustenta
num mero cálculo utilitário. De fato (e essa é uma questão central aqui), a discussão sobre os direitos individuais das mulheres
tende a ficar obscurecida no debate sobre o aborto, até mesmo por conta de opções táticas do movimento em favor de sua
descriminalização. Como ponderou uma estudiosa, há “uma tendência em subsumir um direito individual de decidir dentro de
uma outra ordem de questões mais ampla chamada direitos reprodutivos”12 – ou então, eu acrescentaria, de uma temática de
interesse coletivo, a saúde pública. Não se trata, aqui, de condenar ou aprovar tal estratégia, que é, ela própria, fruto de um
cálculo que busca a maior efetividade na ação política em prol do direito ao aborto, mas de observar que os constrangimentos
que cercam o debate sobre o aborto no Brasil fazem com que as questões políticas centrais que ela suscita sejam
contempladas, quando muito, de uma forma tímida. Do ponto de vista da reflexão teórica, entende-se que é necessário
perceber o direito ao aborto como um problema político com uma centralidade bem maior do que aquela que em geral lhe é
atribuída. O que a teoria democrática ou mesmo a teoria política em geral diz sobre o aborto? A resposta, em linhas gerais, é:
“nada”. As questões de gênero tendem a ser desprezadas pelo mainstream da teoria política, como algo acessório, específico
e sem alcance maior – o gênero é visto “como antitético ao negócio real da política”, como escreveu Joan Scott.13 E a
questão do aborto, em particular, encontra-se ausente. O aborto tende a permanecer à margem da discussão política, como
uma questão “moral” – e, como nós sabemos, a moral é a “pré-política”. Assim, as questões que são entendidas como
questões “morais” (o direito ao aborto, o “casamento gay”, a questão recente sobre a pesquisa com células-tronco) podem
galvanizar a opinião pública, podem gerar imenso debate e polêmica, mas permanecem como integrantes de segunda
categoria na agenda política. Como o aborto surge como questão do âmbito “moral”, a Igreja está livre para colocá-lo no topo
da sua pauta. É uma de suas prioridades principais, talvez a principal. Os defensores da descriminalização, por outro lado, têm
dificuldade para fazer da questão do aborto uma prioridade política. Basta observar que, no Brasil hoje, em 513 deputados
federais, não há um único que faça da legalização do aborto um ponto central de sua atuação parlamentar ou que lute para
ser identificado amplamente com essa bandeira. Do outro lado, pelo contrário, existem muitos deputados que fazem da
negação do direito ao aborto seu cavalo de batalha. A Frente Parlamentar em Defesa da Vida (sic) – Contra o Aborto
congrega hoje mais de 200 parlamentares, isto é, um terço do Congresso Nacional. Mas, entre as 62 frentes parlamentares
registradas na Câmara dos Deputados na atual legislatura, não há nenhuma que se proponha a defender os direitos das
mulheres. A Frente Parlamentar contra o Aborto usa como ameaça a divulgação dos nomes daqueles favoráveis à ampliação
dos casos de aborto legal. “Se um deputado não votar contra o aborto por convicção, então que vote por medo [de figurar nas
listas]”, como disse o deputado Salvador Zimbaldi, do PSB paulista.14 Trata-se, portanto, de um debate que não ocorre, já que
um dos lados aceita se colocar na posição de intimidado. A tramitação do PL no 1.135/1991, de autoria dos deputados
Eduardo Jorge (PTSP) e Sandra Starling (PT-MG), que retirava do Código Penal a criminalização da interrupção voluntária da
gravidez, é outro exemplo significativo. No dia 7 de maio de 2008, ele foi votado na Comissão de Seguridade Social e Família
da Câmara dos Deputados – é importante registrar que o projeto se encontrava tramitando na Comissão de Família, não na
Comissão de Direitos Humanos – e rejeitado por 33 votos a zero, isto é, por unanimidade. Os três integrantes da comissão
que defendiam o projeto preferiram se ausentar da votação, abrindo espaço para seus suplentes (que, por sua vez, fizeram
questão de ir votar contra). No dia 9 de julho de 2008, a medida foi apreciada pela Comissão de Constituição e Justiça e de
Cidadania, que aprovou, por 33 votos contra 4, o parecer do relator “pela inconstitucionalidade, injuridicidade, técnica
legislativa e, no mérito, pela rejeição” do Projeto de Lei. Após apreciação de recursos, o PL foi finalmente arquivado em janeiro
de 2011. Não se trata, evidentemente, de culpar os (poucos) parlamentares que defendem a legalização do aborto por sua
precaução excessiva. Afinal, ninguém é suicida no jogo político. O que ocorre é que os defensores do direito ao aborto
permanecerão na defensiva enquanto o aborto continuar a ser uma questão moral maiúscula e uma questão política
minúscula. Mas a questão do aborto está vinculada aos direitos elementares do acesso à cidadania, que se funda na
soberania sobre si mesmo. Não é necessário buscar correntes marginais do pensamento político para sustentar essa
percepção. Ela encontra fundamento na tradição do pensamento liberal. Como demonstrou Macpherson, entre outros, para a
tradição liberal a propriedade de si mesmo é a base indispensável para o acesso à cidadania. Pensemos em Locke: é o fato
de que eu sou proprietário de mim mesmo que me permite, através do trabalho, separar algo que é meu da propriedade
comum da humanidade. A propriedade de mim mesmo me dá acesso, portanto, à propriedade privada, que na construção
teórica lockeana é o direito supremo e o cartão de ingresso à cidadania política.

https://www.scielo.br/j/ref/a/dDYjxr9Q5R5Q4qx7JSWM6BL/?format=pdf&lang=pt

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