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Luz síncrotron, o que é isso?

Uma das principais formas de observar a natureza é por meio de radiações eletromagnéticas.
Isso pode soar estranho para quem não conhece as leis da ótica, mas começa a ficar claro
quando se descobre que é dessa forma que enxergamos as coisas.

A luz, que é uma radiação eletromagnética, é espalhada pelos objetos e detectada pelo nosso
olho. Muda-se o tipo de radiação e o tipo de detector, mas o processo é essencialmente o
mesmo. Para observar objetos microscópicos, por exemplo, podemos usar a luz como radiação e
o microscópio ótico como detector, com um conjunto de lentes capaz de ampliar a imagem. No
caso de objetos nanométricos, uma boa opção é a luz síncrotron, produzida em grandes
máquinas que aceleram partículas.

Esse tipo de luz tem comprimento de onda variável – entre infravermelho e raios X – (Leia a
coluna ‘Ligue o laser, o filme vai começar’ para mais detalhes), além de grande intensidade e alto
brilho, duas propriedades importantíssimas para a obtenção de imagens em alta resolução.

O Brasil ocupa posição destacada nessa área. É o único país da América Latina a possuir uma
máquina de luz síncrotron, ou simplesmente síncrotron, cuja história é um exemplo de iniciativa
bem-sucedida. No mês passado, o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) iniciou a
construção de uma máquina de terceira geração, denominada Sirius, cuja iniciativa mereceu uma
nota na Science do dia 26 de abril.

LNLS
O Brasil é o único país da América Latina a contar com
equipamentos geradores de luz síncrotron, instalados
na cidade de Campinas, SP. Ali se encontra o
Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, projetado em
1983 e inaugurado em 1997. (foto: Wikimedia
Commons)

Surpreso em encontrar apenas três textos sobre a luz síncrotron nos arquivos digitais da Ciência
Hoje, e nenhum com uma descrição dos conceitos básicos dessa radiação e de suas aplicações,
achei por bem dedicar-lhe a coluna deste mês, a título de comemoração do início das obras da
Sirius.

Panorama histórico
A base teórica da radiação síncrotron foi estabelecida logo depois que o físico britânico Sir
Joseph John Thomson descobriu o elétron, em 1897. Naquele mesmo ano, o irlandês Sir Joseph
Larmor mostrou que uma partícula acelerada irradia energia na forma de ondas eletromagnéticas.
No ano seguinte, o físico e engenheiro francês Alfred-Marie Liénard generalizou a fórmula de
Larmor para o caso relativístico, ou seja, quando a partícula se desloca com velocidade próxima à
da luz.

A base teórica da radiação síncrotron foi estabelecida logo depois que o físico britânico Sir
Joseph John Thomson descobriu o elétron, em 1897
Em 1906, o matemático britânico George Augustus Schott deu continuidade aos trabalhos de
Larmor e Liénard e desenvolveu uma teoria clássica da irradiação de partículas carregadas
aceleradas, no contexto do modelo atômico clássico, em que os elétrons se movem em círculos,
mas compensam a tendência à irradiação por meio de diversos mecanismos.

Nos anos seguintes ele publicou oito artigos sobre o assunto, culminando com a publicação do
livro Radiação eletromagnética, em 1912. Esse foi também o período dos experimentos do
cientista neozelandês Ernest Rutherford, que resultaram na descoberta do núcleo atômico e
inspiraram o modelo do físico dinamarquês Niels Bohr, publicado em 1913, há exatamente um
século, e que deu início à teoria quântica.

Para fugir de contradições no seu modelo, Bohr postulou que os elétrons que giram em torno do
núcleo atômico, e estão, portanto, acelerados por uma força centrípeta, não irradiam, como prevê
a teoria clássica e o modelo de Schott. Isso foi um banho de água fria nos estudos sobre
irradiação de energia por partículas carregadas aceleradas, e Schott permaneceu um ferrenho
opositor da teoria quântica.

Bohr e modelo bário


Niels Bohr e seu modelo para o átomo de bário. Há
exatamente um século, o físico dinamarquês publicava
o modelo atômico que deu início à teoria quântica,
fundamental para a descoberta da luz síncrotron.
(imagens: Wikimedia Commons)

Aparentemente ninguém se interessou em investigar essa questão, até o ano de 1935, quando
cientistas e engenheiros se viam às voltas com a perda de energia das partículas nos
aceleradores que começavam a ser fabricados, sobretudo naqueles do tipo betatron e cíclotron.

Em ambos os modelos, as partículas são aceleradas ao longo de círculos, e esse movimento


circular é produzido por um campo magnético externo, perpendicular à velocidade das partículas.
Inicialmente essas máquinas foram concebidas para acelerar elétrons, prótons e outras partículas
em experimentos de física nuclear, de modo que a perda de energia das partículas por causa da
irradiação eletromagnética era um fenômeno deletério para os propósitos da pesquisa.

No caso do betatron, cálculos sugeriam que a perda de energia por irradiação limitava em 0,5 GeV
(gigaeletronvolt, um bilhão de eletronvolt) a energia máxima das partículas.

Nos cíclotrons, a limitação da energia máxima também tinha a ver com o fato de as partículas
serem aceleradas, a cada volta, por um sistema de radiofrequência (RF). Nesse caso, a frequência
do sistema acelerador tinha que ser a mesma da partícula em seu movimento circular. Ou seja, a
partícula tinha que chegar ao ponto onde se encontrava a RF no momento em que esta estivesse
sendo ativada.

O problema é que em altas energias – nos casos relativísticos –, em que a massa da partícula
aumenta, a frequência do movimento passa a ser diretamente proporcional ao campo magnético
e inversamente proporcional ao valor da energia. Portanto, no caso de um campo magnético
constante, cada vez que aumenta a energia, diminui a frequência, e a partícula chega atrasada no
ponto de aceleração. Ou seja, a RF dispara antes de a partícula chegar.

Existem duas alternativas para solucionar esse problema. A primeira é aumentar o campo
magnético com o tempo, de modo a deixar a frequência do movimento igual à frequência do
sistema acelerador. Essa alternativa originou o síncrotron. A outra, que deu origem ao
sincrocíclotron, é variar a frequência do sistema acelerador.

Observado pela primeira vez há exatamente 66 anos, o brilhante feixe de luz branca recebeu o
nome de luz síncrotron
Em 1946, pesquisadores da General Electric começaram a construir um pequeno síncrotron, com
diâmetro aproximado de 60 centímetros (as máquinas em uso atualmente são do tamanho de um
campo de futebol, ou maior), e, por sorte, deixaram uma janela de vidro no tubo por onde
circulavam os elétrons.

No dia 24 de abril de 1947, eles estavam fazendo alguns testes quando o equipamento
apresentou falhas intermitentes. Começaram a ligar e desligar, a verificar o funcionamento da
máquina, e, de repente, viram pela janela um brilhante feixe de luz branca. Observada pela
primeira vez há exatamente 66 anos, recebeu o nome de luz síncrotron.

Modo de funcionamento
Toda essa história tem duas conexões interessantes com o Brasil. A primeira, que está na ordem
do dia, é o início da fabricação da Sirius, a máquina síncrotron de terceira geração já mencionada.

A outra conexão nos remete a 1952, quando o CNPq adquiriu um pequeno sincrocíclotron da
Universidade de Chicago, que foi instalado em Niterói, mas jamais chegou a ser usado em
pesquisa científica ou tecnológica – parte dessa história está contada aqui. Foi a primeira
tentativa de construção de uma grande máquina de pesquisa científica no Brasil.

Em 1952, o CNPq adquiriu um pequeno sincrocíclotron da Universidade de Chicago, que foi


instalado em Niterói, mas jamais chegou a ser usado em pesquisa
Quase todas as máquinas de luz síncrotron funcionam da mesma forma. Os elétrons são
extraídos de um metal aquecido em vácuo, cuja temperatura é tão alta que seus elétrons
evaporam e são imediatamente acelerados até atingirem a energia aproximada de 90 mil
eletronvolts (90 keV).

Esses elétrons entram num acelerador linear, conhecido como Linac, capaz de acelerar o elétron
até a energia de 100 milhões de eletronvolts (100 MeV). Do Linac, os elétrons vão para o anel de
aceleração (booster ring), onde ficam girando até atingirem a energia máxima projetada para a
máquina.

Depois disso, são transferidos para um anel externo, conhecido como anel de armazenamento
(storage ring). Nesse anel, o feixe de elétrons é capaz de ficar circulando durante mais de 20
horas, dependendo da máquina. Em volta dos dois anéis, que ficam permanentemente em alto
vácuo, diferentes tipos de eletroímãs e lentes magnéticas são dispostos para providenciar o
movimento circular e concentrar o feixe eletrônico. Em alguns pontos do anel acelerador são
colocados sistemas aceleradores de radiofrequência.

Para a realização dos experimentos, laboratórios específicos ou estações de análise são


montados em diferentes pontos em torno do anel de armazenamento. Cada laboratório tem os
equipamentos adequados aos tipos de experimentos que realiza, mas todos têm um
monocromador no ponto de extração da luz síncrotron para escolher o comprimento de onda
apropriado para seus experimentos.

A título de ilustração, a Sirius, cujo orçamento é de aproximadamente 700 milhões de reais,


produzirá feixes de elétrons com 3 bilhões de eletronvolts (3 GeV), o dobro da primeira máquina
do LNLS, circulando no anel de armazenamento com aproximadamente 165 metros de diâmetro,
e deverá ser usada por aproximadamente 2 mil pesquisadores por mês. O brilho do seu feixe será
um dos maiores do mundo.

Veja vídeo do projeto conceitual da


Sirius, a nova fonte brasileira de luz
síncrotron
Como disse o químico argentino Galo Soler-Illia à revista Science, Sirius é uma estrela brilhante
para a América Latina.

Carlos Alberto dos Santos


Professor-visitante sênior da Universidade Federal da Integração Latino-americana

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