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Psicologia Analítica: Abordagem Junguiana

CAROLINE SPOSITO BERWANGER

ELISETE GOMES DE OLIVEIRA

GIOVANNA DE OLIVEIRA MELLO

MAYARA MOTA DOS SANTOS

EROS E PSIQUÊ
AMOR, ALMA E INDIVIDUAÇÃO NO
DESENVOLVIMENTO DO FEMININO

São Paulo
2021
Psicologia Analítica: Abordagem Junguiana

CAROLINE SPOSITO BERWANGER

ELISETE GOMES DE OLIVEIRA

GIOVANNA DE OLIVEIRA MELLO

MAYARA MOTA DOS SANTOS

EROS E PSIQUÊ
AMOR, ALMA E INDIVIDUAÇÃO NO
DESENVOLVIMENTO DO FEMININO

Seminário apresentado à Universidade São


Caetano do Sul (USCS) como parte das
exigências para obtenção do título de Pós-
Graduação em Psicologia Analítica: Abordagem
Junguiana.

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Psicologia Analítica: Abordagem Junguiana

Eros e Psiquê (Canova, 1796). Foto de Joelma Pereira (2008).

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Psicologia Analítica: Abordagem Junguiana

Eros e Psiquê
Conta a lenda que dormia
uma Princesa encantada
a quem só despertaria
um Infante, que viria
de além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
vencer o mal e o bem,
antes que, já libertado,
deixasse o caminho errado
por o que à Princesa vem.
A Princesa Adormecida,
se espera, dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida,
e orna-lhe a fronte esquecida,
verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,
sem saber que intuito tem,
rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado.
Ela para ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o Destino –
ela dormindo encantada,
ele buscando-a sem tino
pelo processo divino
que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
tudo pela estrada fora,
e falso, ele vem seguro,
e, vencendo estrada e muro,
chega onde em sono ela mora.
E, inda tonto do que houvera,
à cabeça, em maresia,
ergue a mão, e encontra hera,
e vê que ele mesmo era
a Princesa que dormia.
Fernando Pessoa

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Psicologia Analítica: Abordagem Junguiana

Sumário

Eros e Psiquê ..................................................................................................... 8


Perfil psicológico dos personagens: ................................................................. 16
Eros, Psiquê e Afrodite ..................................................................................... 16
A Psicologia Analítica ....................................................................................... 19
Conclusão ........................................................................................................ 30
Referências Bibliográficas ................................................................................ 32

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Psicologia Analítica: Abordagem Junguiana

Resumo

Este presente trabalho trata do mito Eros e Psiquê e sua correlação com
a Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung. É focado na importância do processo
de individuação, através do qual, o indivíduo se depara com o inconsciente
coletivo, arquétipos, anima/animus, complexos, buscando tornar consciente
suas sombras, a fim de integrar os opostos existentes dentro de si e na sua
relação com o outro. O objetivo é mostrar como o mito, de forma simbólica, está
relacionado com a vida real de muitas pessoas e como ele pode auxiliar no
processo terapêutico realizado dentro da prática clínica. Assim, a história do mito
é contada de maneira detalhada e alguns conceitos de C. G. Jung são
abordados, a fim de que, a relação entre os dois possa se dar de maneira clara.

Palavras chaves: individuação, arquétipos, psicologia analítica, anima/animus e


inconsciente coletivo.

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Introdução

Neste presente trabalho, abordaremos a importância do mito Eros e


Psiquê para o processo analítico de Carl Gustav Jung. Inicialmente, contaremos
a história do mito, com suas particularidades, de forma detalhada e mais
fidedigna possível.
Num segundo momento, levantaremos alguns aspectos conceituais, de
forma resumida, da Psicologia Analítica, para que seja possível o entendimento
da correlação entre as duas questões, dentro do processo psicoterapêutico.
Os mitos, de forma geral, possuem uma importância e uma influência
muito grande para o processo de individuação, que ocorre na relação entre
paciente e terapeuta, dentro do setting terapêutico, pois eles retratam, de forma
simbólica, conteúdos que são vivenciados no dia-a-dia dos indivíduos, de modo
geral. E essa é uma das maneiras pelas quais o paciente consegue entrar em
contato com o seu inconsciente, que são pontos ainda desconhecidos para ele.
Esse caminho é importante para que o paciente possa se conhecer cada
vez mais, aprender a lidar melhor com suas dificuldades e se reconhecer, como
verdadeiramente é. E essa trajetória é relatada como ponto central do mito que
abordaremos a seguir.

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Eros e Psiquê

Em uma cidade morava um rei, uma rainha e suas três filhas. Todas muito
belas, porém, a mais nova, Psiquê, era possuidora de uma beleza digna dos
deuses, sendo comparada pelos povos com a própria Afrodite encarnada.
Pessoas de todas as partes do mundo vinham admirá-la e adorá-la, porém ao
contrário de suas duas irmãs mais velhas, Psiquê não conseguia se casar, pois
todos os homens a olhavam como uma divindade e não como possível esposa.
A jovem, mesmo sem ter consciência, atraiu para si a ira de Afrodite. Os homens
deixaram de prestar cultos a Afrodite e seus templos foram abandonados,
cerimônias negligenciadas, altares permaneceram vazios e sacrifícios foram
adiados. Psiquê recebia honras e oferendas como se fosse a própria deusa
Afrodite em carne e osso.
Imensamente ofendida por ter seu nome profanado por uma mortal,
Afrodite, a deusa da beleza, quis usar a beleza de Psiquê para castigá-la, e
imediatamente chamou o filho, o menino alado Eros (o terror dos homens e dos
deuses, indisciplinado, que com suas armas deixavam todos a sua mercê, a
serviço da paixão) e contou-lhe o ocorrido. E em nome de seu amor de mãe,
pediu a ele que lhe vingasse. Deu a ele a missão de encontrar Psiquê e fazê-la
apaixonar-se pelo homem mais horrendo, a fim de retirar-lhe a dignidade e que
a levasse ao sofrimento.
Psiquê sentia-se refém da própria beleza.
Enquanto isso, o rei infeliz, não entendia por que a filha não conseguia se
casar. Temeroso com a possibilidade de ter sido amaldiçoada pelos deuses,
resolveu procurar o famoso oráculo Apolíneo em Mileto, suplicando sua ajuda,
para que os deuses o auxiliassem a arrumar um casamento. Em resposta, os
deuses vieram informar de que sua filha deveria ser levada a um alto e íngreme
rochedo, onde seria abandonada, para um casamento de morte com um
monstro.
Para diminuir o sofrimento de seus pais, Psiquê resiliente, aceita seu
destino. As pessoas da cidade comoveram-se com a situação e decidiram

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acompanhar a jovem até o penhasco. Sozinha, com muito medo, foi transportada
pelo vento brando de Zéfiro, que a levou para um lindo jardim, cansada, dormiu.
Ao despertar, caminhou pelo jardim e pôde contemplar a grandiosidade
de um palácio e a beleza do lugar no qual se encontrava. Percebeu estar em um
local construído por divindades. Seguiu até o palácio, vencendo o medo,
adentrou. Foi acolhida por vozes que passaram a servi-la. Informaram a ela que
aquilo tudo a partir daquele momento lhe pertencia.
Psiquê desfrutou de um banho e pôde dormir. À noite recebeu a visita
daquele que ordenou a Zéfiro que a trouxesse ao tal paraíso. A princípio, ficou
temerosa por sua virgindade, mas entregou-se aos braços do seu misterioso
benfeitor, e foi desposada por ele. Aquilo que lhe parecia estranho, virou um
hábito e Psiquê entregou-se ao deleite.
Em uma noite, seu esposo, o qual só conhecia a voz e o tato, lhe disse
que ela estaria ameaçada por um triste destino. Que suas irmãs iriam se
aproximar, através do penhasco, perturbadas por sua morte.
Pediu para que não lhes desse ouvidos. Ela concordou, porém continuava
sofrendo com a solidão. Seu esposo ao chegar e vê-la marcada pelas lágrimas,
alertou-a do risco que ela correria ao ver suas irmãs. Mesmo assim, Psiquê
continuou a insistir, convencendo Eros a permitir a visita das irmãs no palácio,
advertindo que, mesmo que as irmãs insistissem que ela deveria ver seu rosto,
ela não o faria, porque se o fizesse, ela o perderia para sempre. Psiquê
completamente apaixonada, afirma que prefere morrer do que perder seu amor.
Suas irmãs sempre iam ao rochedo chorar pela morte de Psiquê. Um dia,
o vento Zéfiro levou-as até o encontro de Psiquê. Feliz pelo reencontro, a jovem
contou-lhes que estava casada, morando naquele palácio e tinha tudo quanto
desejasse. As irmãs, curiosas e invejando a vida de sua irmã caçula, queriam
saber quem era o marido. Em poucas palavras, Psiquê falou que se tratava de
um jovem caçador. Como não podia dar mais detalhes, Psiquê abreviou a
conversa dando-lhes algumas joias e pediu que Zéfiro as levasse de volta.
Isso despertou a inveja das irmãs, indignadas com a sorte, riqueza e
felicidade comparada aos casamentos delas. Não contaram para ninguém o
ocorrido e bolaram um plano para castigar e se vingar da irmã orgulhosa.

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Eros fala a Psiquê que ela está grávida e que seu filho será um deus, isso
só não aconteceria se ela se rendesse aos pensamentos das irmãs. Psiquê
solicitou ao seu amado, que mais uma vez, a permitisse ver as irmãs, alegando
que isso seria motivo de grande felicidade, cedendo assim o pedido da
apaixonada esposa.
Novamente as irmãs se lançaram do rochedo ao precipício, sendo
acolhidas por Zéfiro. Psiquê, contou-lhes que estava grávida e da felicidade de
ser mãe, e ao ser questionada novamente pelas irmãs sobre o marido, o
descreveu de outra forma, levantando suspeitas nas irmãs que desconfiaram
que ela mentia e que seu marido poderia ser um deus.
As irmãs voltaram para a casa dos pais, indignadas com a sorte de Psiquê
e o azar dos seus infelizes casamentos. No dia seguinte, seguiram ao encontro
de Psiquê novamente, falaram da sua preocupação com ela, lembraram das
palavras do oráculo de Apolo, sobre o monstro, e a alertaram que ela poderia
estar dormindo com uma serpente por que quando ela tiver engordado, a
serpente iria devorar a ela e ao bebê. As irmãs conspiradoras ofereceram ajuda
para que ela se libertasse de tal perigo, matando o marido.
Transtornada, Psiquê perde a consciência, esquece das palavras de Eros
e acaba por confessar às irmãs que não conhecia o rosto do marido e que ele a
ameaçava de grande desgraça se ela vier a conhecer sua face.
As irmãs montaram um plano para Psiquê se livrar do tão temeroso
marido. Psiquê transtornada, esquecendo-se de todas as promessas que fizera
ao marido, resolveu colocar o plano de suas irmãs em prática. Ela ama o marido,
mas odeia a ideia do monstro. Depois de uma noite de prazer e amor, enquanto
o marido repousava, Psiquê foi procurar um candeeiro e apanhou um punhal.
Assim que a luz revelou o rosto de Eros, ficou tão surpresa frente tal imagem
que, se não tivesse escorregado de suas mãos, teria enterrado o punhal no
próprio peito.
Quis olhar com a luz, toda a beleza de teu esposo, o rosto jovial, os
cabelos dourados e cacheados, as plumas brancas de suas asas repousadas
sobre as costas e todo seu corpo liso e macio e brilhante. Observou as armas do
marido: a aljava e as flechas colocadas ao pé da cama. Então tirou uma flecha

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da aljava, para testar a ponta do polegar e algumas gotas de sangue caíram na


superfície da pele. Psiquê foi possuída pela paixão eterna de Eros. Encantada,
debruçou-se sobre o amado e beijou-o. Sem querer, uma gota de óleo fervente
do candeeiro caiu nas costas de Eros, que ferido pela dor, acordou assustado e
tendo seu segredo revelado, voou.
Psiquê ficou desesperada, com medo de perdê-lo, agarrou-se nas pernas
de Eros e logo caiu no chão. Antes de partir, Eros quis puni-la. Descreveu os
planos de vingança da sua mãe Afrodite e quando a encontrou, se feriu com a
própria flecha e apaixonou-se por ela e tornou-a sua esposa. Cobrou de Psiquê
ter acreditado nas inverdades das irmãs, apesar de adverti-la, e não ser fiel a
ele. Disse que seu castigo seria viver sem seu amor.
Desesperada Psiquê se jogou no rio tentando se matar, mas este,
temeroso ao deus do Amor, a lançou para fora. Veio então à sua presença Pã,
o deus da terra, que lhe deu conselhos de não tentar se matar novamente e se
reconciliar com o marido, com sua delicada submissão.
Saindo dali com o objetivo de encontrar seu esposo, viu que estava
próxima às terras do marido de uma de suas irmãs e foi visitá-la. Explicou o que
lhe acontecera e que Eros em vingança se uniria a sua irmã em casamento. Sua
irmã deu uma desculpa a seu marido, falou a ele que seus pais estavam à morte,
foi para o rochedo, clamando por Eros e Zéfiro. Saltou na primeira brisa e
espatifou-se nas pedras. Essa foi a vingança da primeira irmã.
O castigo da segunda irmã aconteceu da mesma forma e ela teve o
mesmo fim.
Eros havia voltado para a casa de Afrodite, para cuidar da queimadura,
mas sua mãe não estava em casa. Ela estava no fundo do mar a se banhar.
Uma gaivota sabendo de toda história, procurou Afrodite e lhe contou tudo
o que havia acontecido e que o seu filho sofria moribundo em casa por ter
escolhido por esposa a jovem e bela Psiquê.
Enfurecida, Afrodite voltou ao seu palácio, procurou por Eros e o encheu
de insultos, chamando-o de traidor. Cobrou-lhe todo o amor e devoção que tinha
dado ao filho. Disse a Eros que faria sua punição através do amor de Psiquê, e
que a faria sofrer os horrores por sua paixão.

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Afrodite pede ajuda a Hera e Deméter para encontrar Psiquê, mas as


deusas, com medo de Eros não atendem o pedido. Afrodite, ofendida volta para
o mar.
Eros estava com saudade de Psiquê e quanto mais sentia sua falta, com
mais raiva ficava. Sua ferida de amor estava aberta.
Psiquê vagava procurando Eros.
Psiquê continua sua jornada em busca de abrigo. Encontra o templo de
Hera, pede ajuda, mas por consideração a Afrodite a deusa nega abrigo, mas
aconselha Psiquê que vá até Afrodite para resolver o acontecido.
Orou e pediu ajuda aos deuses. O templo estava em grande desordem.
Arrumou-o e enquanto fazia isso, Deméter veio na sua presença, repetindo as
preces por socorro, implorou para que a deusa a abrigasse ali por alguns dias,
para evitar a ira da mãe de seu amado, mas Deméter, contudo, não querendo
suscitar mais irá em Afrodite, não atendeu ao pedido da moça, mas também por
pena, não a entregou à fúria da deusa da beleza.
Psiquê se prepara para a rendição e decide ir ao encontro de Afrodite.
Afrodite havia ido até Zeus, seu irmão, pedir o auxílio do mensageiro
Hermes, para que desse Psiquê como procurada e o deus-dos-deuses
consentiu. Hermes cumpriu suas ordens rapidamente.
Hábito reconhece Psiquê quando ela se aproximava do palácio. Leva a
jovem pelos cabelos até sua senhora, Afrodite que a recebe as gargalhadas e a
entrega impiedosamente para tortura às suas servas, Tristeza e Inquietação.
Afrodite disse considerar seu casamento ilegítimo, porque casamento
nenhum pode ser considerado consumado sem anuência do pai, e o filho que
carregava no ventre seria um bastardo. Espancando Psiquê cada vez mais.
Querendo ver o sofrimento de Psiquê, Afrodite dá a ela uma tarefa quase
impossível de ser realizada. Diz que ela teria que trabalhar arduamente para ter
seu amor de volta. Mostrou a ela um monte de grãos, todos misturados, sua
tarefa era separá-los conforme a espécie até o final da noite.
Psiquê ficou paralisada frente à impossibilidade da tarefa. Foi ajudada por
uma formiguinha que teve a compaixão pela esposa do Amor e convocou um
batalhão de formigas para ajudá-la, conseguindo assim cumprir a tarefa. Quando

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Afrodite voltou e viu o trabalho concluído ficou furiosa, pensou que sua nora teria
sido auxiliada por seu filho Eros, que estava isolado, recuperando-se de seu
machucado.
No dia seguinte, Afrodite deu a ela a segunda tarefa. Ela deveria ir até o
bosque, próximo às quedas de águas das montanhas onde as ovelhas ferozes
com dorso coberto por lã de ouro vagavam, para que lhe trouxesse um pouco
desta lã. Psiquê acata a ordem e parte, não para cumprir a missão, mas para se
jogar de lá e acabar com seu sofrimento. Foi impedida de se jogar por um caniço
que explicou como enfrentar as ovelhas ferozes. Disse a ela que esperasse o sol
se pôr para que as ovelhas se acalmassem, e que entrasse no bosque para
sacudir as árvores, porque ali os flocos de lã ficavam presos. Psiquê cumpre
essa tarefa, mas Afrodite não se comove e a desafia novamente.
Na tentativa de descobrir se Psiquê era realmente corajosa e esperta,
Afrodite lhe passa outra tarefa. A manda para o rochedo escorregadio da
montanha mais alta, onde rolam as águas mais escuras, que alimentam o rio
Cócito e Estige. Pede para que vá até o topo e traga um pouco da água da fonte
mais alta, em uma jarra de cristal. Psiquê segue seu caminho, ainda pensando
em acabar com sua vida. Chegando no rochedo, percebe a dificuldade da tarefa.
O local era muito estreito, de difícil acesso e um deslize a levaria ao abismo,
além de ser guardado por duas cobras venenosas. Paralisada de medo, sem
ação diante de enorme desafio, Psiquê recebe a ajuda da águia de Zeus, em
retribuição a um favor consentido por Eros. A ave pegou a jarra das mãos de
Psiquê, foi até o ponto mais alto e apanhou a água. Feliz com o feito, Psiquê
retorna até Afrodite e lhe entrega a jarra com a água, cumprindo a tarefa.
Temendo que Psiquê fosse uma feiticeira e com muita raiva a Deusa passou
uma tarefa ainda mais difícil.
Deu a ela uma caixa, para que descesse ao inferno no Palácio de Orco e
pedisse a Perséfone um pouco de sua beleza imortal, que desse apenas para
um dia. E teria de entregar a tarefa até o final do dia.
Psiquê compreendeu que a deusa ao mandá-la para o Inferno, estava
querendo realmente a sua morte. Para abreviar seu sofrimento, subiu até a torre
para se jogar, pois seria o caminho mais curto para chegar ao mundo de Hades.

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Mas a torre a advertiu e disse que não poderia voltar ao mundo dos vivos se
fosse por este caminho. Então, lhe ensinou como acessar o Tártaro e que lá
encontraria a entrada do Inferno, no Tênaro. Recebeu todas as instruções
necessárias para ajudá-la a transpor os obstáculos e armadilhas para conseguir
entrar e sair do mundo dos mortos. Deu a ela o dom da clarividência, as
informações e o caminho que a levasse a Perséfone. A advertiu que em hipótese
alguma deveria abrir a caixa. Psiquê seguiu suas orientações e conseguiu
chegar até Perséfone, que entregou a caixa cheia e fechada. Fazendo o caminho
de volta, vencendo todos os perigos e obstáculos, atravessando finalmente o rio,
onde estava em segurança, Psiquê decidiu abrir a caixa para pegar um pouco
da beleza imortal a fim de conquistar Eros de volta. Porém, na caixa continha o
sono profundo, colocando Psiquê prostrada e imóvel no meio do caminho.
Eros, que havia se recuperado, com saudades de sua amada, fugiu do
palácio de sua mãe e foi procurar Psiquê. Encontrou-a adormecida, pegou-a em
seus braços, recolheu o sono, colocou-o na pequena caixa novamente e fechou.
Com uma de suas flechas tocou levemente Psiquê para que despertasse.
Entregou-lhe a caixa fechada e pediu para que a amada terminasse de cumprir
a missão dada por Afrodite e que as demais coisas para alcançar a felicidade
deles, ele faria.
Eros voou até o céu para pedir ajuda a Zeus, seu pai que concordou
ajudá-lo desde que ele passasse a respeitá-lo (o que nunca tinha feito antes) e
pediu em troca que toda vez que uma menina mortal se destacar por sua beleza,
Eros deveria lhe prestar um favor.
Assim, todos os deuses foram convocados e se fizeram presentes. Do alto
do seu trono, Zeus anunciou que ali estava um jovem que ele mesmo havia
educado e que precisava refrear suas desagradáveis paixões. Que havia
escolhido uma donzela mortal, roubou-lhe a virgindade e que assim deveria ficar
ao seu lado por toda eternidade. Depois, ordenou a Afrodite que não
perturbasse, disse para não temer esse casamento entre uma mortal e um deus.
Imediatamente ordenou a Mercúrio que sequestrasse Psiquê, oferecendo a ela
uma taça de ambrosia, tornando-a imortal.

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Houve uma grande festa, os deuses sentados em sua ordem de


importância. Afrodite, ao som do canto e da cítara de Apolo, dançou. E assim,
Eros se casou com Psiquê segundo os ritos do Olimpo e desta união nasceu a
filha, Volúpia.

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Perfil psicológico dos personagens: Eros, Psiquê e Afrodite

Eros
De acordo com a mitologia grega, Eros é o deus do amor.
Segundo Junito de Souza Brandão no livro Mitologia Grega Vol II, a nível
cosmogônico, Eros é compreendido como o princípio Cósmico juntamente com
o Caos. Do ponto de vista psicológico, no mito grego, existem duas formas de
procriação:
Caos por cissiparidade (divisão) e Eros por união amorosa. Eros significa
“o desejo incoercível dos sentidos” (Brandão, 2019, p. 293). Eros e Caos são
irmãos, quando alguma coisa deixou de ser o Caos, ela virou o Cosmo, que é o
arranjo das coisas e o que une é o amor. Eros é o amor, ele busca o contato e
faz unir as coisas, é o desejar. Ele não é nem bom nem ruim, nem acima nem
abaixo, ao mesmo tempo que ele tutela e guia, ele desencaminha e brinca. Ele
tem aspecto benéfico e maléfico, ajuda e desvia, constrói e destrói. É um
paradoxo, um anjo e um demônio. No mito Eros e Psiquê, ele é filho de Afrodite
com Zeus. Eros é o deus do amor, no mito tem o caráter masculino, por isso
anda sempre com uma flecha na mão para penetrar, símbolo fálico. Segundo a
imaginação grega, um jovem, loirinho, com asas e que nunca envelhece. Eros é
o amor da paixão, dos encantos, dos desejos. Eros está à serviço da alma. Por
não seguir regras, os outros deuses temem o seu perfil e a forma que usa seu
dom. Traiu a mãe/amante Afrodite por se apaixonar por Psiquê, uma humana.
Vive sob o aspecto arquetípico da Grande Mãe. Eros só deixa de ser filho da
mãe para se tornar amante de Psiquê quando, curado de suas feridas,
reconhece que seu amor não vive sem a alma e parte em busca da Psiquê.

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Psiquê
Psiquê é a alma. Do ponto de vista da mitologia grega, a alma também é
um princípio cósmico. É o princípio que anima o corpo.
Psiquê, a personagem principal deste mito era uma princesa. Por sua
beleza era idolatrada como semideusa e despertou ciúme em Afrodite, a deusa
do amor e da beleza. Irada, Afrodite roga uma maldição através do amor e
contava com a ajuda do filho Eros para castigar Psiquê. Não esperava, contudo,
que seu filho se apaixonasse pela jovem mortal. Uma virgem, infeliz e
problemática, indecisa, frágil, depressiva e que, em muitos momentos, aparece
pensando em suicídio. Foi conduzida para seu destino aceitando o que lhe foi
imposto, o castigo por sua beleza. Eros conduz Psiquê nos prazeres da carne,
no escuro ela aceita sua sorte. Vivendo a riqueza e o prazer, mesmo assim era
infeliz e solitária.
As irmãs trazem o lado sombrio, através da inveja colocam Psique em
contato com o que poderia destruir o que parecia perfeito. Psiquê deixa-se levar
pelo medo e curiosidade, movida a sair do escuro. Ao reconhecer Eros, o amor,
se apaixona. E ele ao perceber que foi traído, parte deixando Psiquê grávida.
Através do sofrimento, Psique começa a tomar as rédeas de sua vida e se inicia
um processo de individuação, do qual ela é protagonista através da busca de
reaver o amor perdido. O amor faz com que a alma trabalhe em prol do
desenvolvimento das virtudes necessárias para a elaboração das quatro tarefas
dadas por Afrodite. Inicialmente pareciam impossíveis de cumprir, mas ouve as
vozes e recebe as instruções de como executá-las. Conseguindo se desenvolver
e entregá-las. Porém, ao final da mais difícil de todas as tarefas, Psiquê é
sucumbida pela curiosidade e necessidade de ser a mais bela, e abre a caixa de
Perséfone e cai em um sono profundo. É salva pelo seu amor Eros, que a perdoa.
Psique através de seu sofrimento, reconhece todos os sentimentos
vividos, desconfiança, inveja, ciúme, traição, medo, coragem, amor e perdão. Sai
de uma condição de ser conduzida pela vida e se vê como condutora do seu
próprio destino. Reconhece em si a força do feminino. Psiquê morre para a bela
princesa que vivia no escuro e nasce para mulher que vive no amor do saber.
Da união da Alma com o Amor, nasce Volúpia, o prazer erótico.

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Afrodite
Afrodite é a deusa da beleza e do amor. Da beleza que tem o brilho de
todas as coisas, atraente, irresistível, a que provoca o amor dos outros. Ela é a
beleza que causa o amor. No mito, ela representa o arquétipo da Grande Mãe
tanto para os aspectos positivos quanto os negativos, criador e destruidor. Vive
uma relação de amor incestuosa com o filho Eros. Por que Eros é o deus do
amor que penetra e Afrodite é a deusa do amor que provoca atração.
Afrodite tem que lidar com o fato de não ser a mais bela, de ter encontrado
uma mulher com uma beleza diferente da dela, mas que disputa a sua atenção.
Sente ciúme e esse sentimento a coloca em movimento de destruição de Psiquê.
Porém, sua traição maior é ter seu filho amado Eros, apaixonado por Psiquê e
não cumprindo sua vingança. Decide pessoalmente fazer sofrer os dois por
amor, dando a Psiquê, as quatro tarefas, um caminho de sofrimento e dor, para
que pudesse vê-la cada vez mais rebaixada. Não esperava que o filho fosse
perdoar Psiquê e enfrentá-la, levando ao pai Júpiter a causa, para que
intercedesse a seu favor. Sendo assim, nada mais resta a Afrodite do que aceitar
a situação e ter Psiquê como esposa de Eros.

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A Psicologia Analítica

Para a Psicologia Analítica, desenvolvida por Carl Gustav Jung, a


Individuação tem um papel crucial no desenvolvimento da personalidade do ser
humano.
Segundo Jung (2015), Individuação significa tornar-se um ser único,
singular e incomparável, a totalidade de si- mesmo. Cada ser humano possui as
suas particularidades, que, muitas vezes, são deixadas de lado, para que haja
um melhor rendimento diante do coletivo. Por isso, a importância de se distinguir
individualidade de individuação. No individualismo, existe uma ênfase deliberada
a peculiaridades do indivíduo, sem levar em consideração as obrigações
coletivas. A individuação, no entanto, significa a realização mais completa das
qualidades coletivas do ser humano, considerando adequadamente suas
particularidades individuais, para um melhor convívio social.
Ainda de acordo com Jung (2015), a individuação significa um processo
de desenvolvimento psicológico, em que o ser humano se torna um ser único, a
totalidade que é.
Segundo Von Franz (2016), a individuação é um processo que ocorre no
homem de modo espontâneo e inconsciente. É um processo inato, que existe na
natureza de todos os seres humanos. Porém, ele só é real, se o indivíduo estiver
consciente dele.
Neste processo, o ego é de extrema importância, é quem promove o
acesso a essa caminhada, organizando a consciência, pensamentos,
recordações e sentimentos. Ele é altamente seletivo, pois cabe a ele realizar a
importante tarefa de fornecer à personalidade elementos de identidade e
continuidade através do processo de seleção.
Para Kast (2019), o objetivo do processo de individuação é o indivíduo se
tornar quem é de verdade, em sua essência, sendo cada vez mais autêntico.
Para que assim, ele possa viver uma vida que faça sentido, de forma saudável.
Como o nome já diz, é um processo, pelo qual o ser humano passa ao
longo de toda a vida. Não podendo, de fato, chegar a individuar-se. Porém, o
próprio processo preenche e dá significado à vida. Esse processo consiste em

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estar continuamente ocupado com a consciência e o inconsciente, aparecendo


assim, a tensão dos opostos e a busca por integrá-los. Quanto mais o indivíduo
consegue integrar os opostos existentes dentro de si, mais próximo de sua
autonomia e singularidade, ele está.
Para Jung (2003, apud Paola, 2008, p.130), uma das tarefas impostas
pelo si-mesmo no processo de individuação é a confrontação com a sombra,
este é o primeiro estágio. A sombra é o desconhecido que existe em nós, faz
parte de nós, porém não conseguimos enxergar. Entrar em contato com o nosso
lado sombrio não é tarefa fácil, muitas vezes é doloroso e desagradável, porém
é imprescindível para a realização da individuação.
De acordo com Kast (2019), todos os seres humanos possuem um ego
ideal, que é a maneira como o indivíduo acredita que deve se colocar e agir no
mundo, diante das outras pessoas. Assim, nos apresentamos um pouco mais
belos do que realmente somos, não mostrando alguns aspectos, que nós não
queremos perceber, reprimindo-os.
É importante pontuar que a sombra não é composta apenas por
conteúdos e aspectos negativos, ela também possui potencialidades latentes.
Quanto mais os conteúdos são reprimidos da consciência, mais os aspectos da
sombra atuam livremente por trás da psique. Como aponta Jung (2013), esses
traços sombrios possuem uma natureza emocional, um certo tipo de autonomia,
que podem ser do tipo obsessivo ou possesivo, fazendo com que tenhamos atos
impulsivos.
De modo geral, rejeitamos a sombra, não queremos conhecê-la, porque
a consideramos incômoda e constrangedora. Por isso, acabamos projetando-a
nas outras pessoas. Como se elas possuíssem esses conteúdos e nós, não. Isso
pode causar muitos desentendimentos nos relacionamentos, porque queremos
e esperamos que o outro mude, quando, nós é que precisamos reconhecer a
nossa sombra e integrá-la, para que haja uma transformação.
A projeção é a transferência de conteúdos positivos ou negativos no outro.
Se lança de forma involuntária e imperceptível. Só conseguimos reconhecer a
projeção, depois que ela acontece, pois, não é o sujeito que projeta e sim, o

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inconsciente dele. O mundo externo se torna sua própria concepção, só que,


desconhecida.
Quando essas projeções passam a acontecer, não mais ao outro sujeito
do mesmo sexo, mas do sexo oposto, nos deparamos com o animus da mulher
e a anima do homem.
De acordo com Kast (2019), ao longo do processo de individuação, o
homem se conscientizaria de sua anima e a mulher, de seu animus. Segundo
Von Franz (2016), anima é o lado feminino inconsciente na psique do homem,
os sentimentos instáveis, as intuições, a capacidade de amar, a sensibilidade à
natureza, entre outros. Animus é o lado masculino inconsciente na mulher, a
imposição, a insistência, a firmeza, a força, entre outras.
Anima e animus são aspectos da personalidade do indivíduo e, para não
ser influenciado de forma negativa, é necessário se relacionar com eles de
maneira consciente. Eles representam os conteúdos de idealizações
inconsciente de cada pessoa, o modelo ideal.
Segundo Von Franz (2016), as suas manifestações individuais, a anima
de um homem, em geral, é determinado por sua mãe. Assim como, o animus de
uma mulher é influenciado pelo pai. Eles apresentam aspectos positivos e
negativos. Se o homem teve uma influência negativa de sua mãe, sua anima
pode expressar-se de modo irritado, depressivo ou inseguro. Porém, se ele
conseguir dominar essas interferências negativas, elas poderão servir para
fortalecer sua masculinidade. Contudo, mesmo que a influência da mãe tenha
sido positiva, sua anima também poderá ser afetada, se tornando submisso às
mulheres ou incapaz, por exemplo. Em contrapartida, a anima, como aspecto
positivo, pode ajudá-lo a encontrar a esposa certa ou abrir caminho para um
conhecimento interior mais profundo.
Para a mulher, quando o animus está na sua forma desenvolvida, torna-
se mais receptiva a novas ideias criadoras, por exemplo. Na sua forma negativa,
pode se tornar impiedosa, irredutível e impenetrável.
Para Kast (2019), anima e animus são imagens arquetípicas que ajustam
os relacionamentos com os outros, mas também, com o mundo interno
desconhecido. Segundo Jung (2013), é muito difícil eliminar a ação da anima e

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do animus, porque são muito poderosas e enchem a personalidade do


sentimento de posse da verdade, e como são arquetípicos, já existem a priori.
Para uma melhor compreensão desses aspectos, faz-se necessário
abordar o significado de arquétipo e inconsciente coletivo, dentro da Psicologia
Analítica.
De acordo com Kast (2019), os arquétipos são efeitos do inconsciente
coletivo, são padrões essenciais da vida, que agem em todo indivíduo e por ele
são descritos, moldados e sonhados. Refere-se ao comportamento, à existência
do ser humano, sem depender do lugar, cultura e época em que vive. Todos os
indivíduos possuem emoções comparáveis, que não precisam vir de maneira
consciente. Elas aparecem de forma inconsciente em situações significativas
como um luto por perda, por exemplo. São emoções orgânicas, que
conseguimos controlar em maior ou menor grau.
Jung (2014, p. 51) diz “o conceito de arquétipo, que constitui um correlato
indispensável da ideia do inconsciente coletivo, indica a existência de
determinadas formas da psique, que estão presentes em todo tempo e em todo
lugar”.
Para Jung (2015), o ser humano não é somente uma pessoa única e
separada, mas também um indivíduo social, sendo a psique tanto individual
como social. Na psique coletiva, estão presentes todos os vícios e virtudes da
humanidade. Desta forma, existe o aspecto moral do bem e do mal, em todos os
indivíduos. Assim, diante desses opostos, existe uma busca pelo bem e uma
repressão do mal, no desenvolvimento do homem, em que o mal precisa ficar
escondido em um local seguro. Por isso, o processo de individuação é de
extrema importância no desenvolvimento da personalidade do indivíduo, para
que ele não seja sufocado pelo poder coercitivo do coletivo. É fundamental que
o ser humano consiga diferenciar os aspectos de seu inconsciente pessoal do
inconsciente coletivo, integrando assim, seus opostos.
De acordo com Jung (2014), o inconsciente coletivo é a camada mais
profunda do indivíduo, que não tem sua origem nas vivências e aprendizados
pessoais, é inata, de natureza universal. Ou seja, compreende conteúdos e

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modos de comportamento, que são os mesmos em todas as pessoas e em todos


lugares, são idênticos.
Assim:

“Enquanto o inconsciente pessoal é constituído essencialmente


de conteúdos que já foram conscientes e, no entanto,
desapareceram da consciência por terem sido esquecidos ou
reprimidos, os conteúdos do inconsciente coletivo nunca
estiveram na consciência e, portanto, não foram adquiridos
individualmente, mas devem sua existência apenas à
hereditariedade. Enquanto o inconsciente pessoal consiste em
sua maior parte de complexos, o conteúdo do inconsciente
coletivo é constituído essencialmente de arquétipos.” (Jung,
2014, p. 51).

Segundo Jung (2016, p. 83), “o arquétipo é, na realidade, uma tendência


instintiva, tão marcada como o impulso das aves para fazer seu ninho e o das
formigas para se organizarem em colônias”. Instinto são os impulsos físicos
captados pelos sentidos. Quando esses impulsos se apresentam como fantasias
e se revelam apenas por meio de imagens simbólicas, são chamados de
arquétipos. Assim, o arquétipo é a forma e os conteúdos, e suas manifestações,
são as imagens arquetípicas.
Um dos arquétipos citados por Jung (2016), é o da Grande Mãe. Segundo
ele, este símbolo é derivado do arquétipo materno. Este arquétipo, como
qualquer outro, possui uma diversidade incontável de aspectos. Algumas dessas
variedades são: a mãe e a avó; a madrasta e a sogra, a ama de leite, a deusa,
entre outras. Todos esses símbolos podem ter um sentido positivo e favorável,
como pertencente à Mãe Bondosa ou negativo e nefasto, como pertencente à
Mãe Terrível.
A Mãe Bondosa é aquela que nutri, que ama incondicionalmente, protege,
sustenta, cuida, acolhe, proporciona as condições de crescimento. Em
contrapartida, a Mãe Terrível é aquela que abandona, que descuida, negligencia,
domina, comprime, está indisponível, causa dor.

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Para Jung (2013), o arquétipo da Grande Mãe é visto como um dos mais
primordiais na relação humana, pois, mesmo com indivíduos “desenvolvidos”,
tende-se a imitar a relação primeira. Para ele, a relação entre mãe e filho é uma
das mais profundas na psique de um indivíduo.
Neumann (1995) aponta o arquétipo da Grande Mãe como uma das fases
no desenvolvimento progressivo do ego, no qual o estágio da uroboros maternal
se caracteriza pela relação entre a criança pequena e a mãe que alimenta. Esse
estágio enfatiza a natureza carente e indefesa da criança e o lado protetor da
mãe, necessário ao desenvolvimento da consciência que a partir dessa simbiose
se distinguirá.
O símbolo do uroboros pode ser traduzido como um dos primeiros estados
na evolução da consciência, em que o ego ainda não apareceu como um
complexo consciente, não havendo assim tensão entre o ego e o inconsciente,
já que um permanece contido no outro. Neumann (1995, p. 202) designa como
urobórico o que é “dominado pelo símbolo da serpente circular, característica da
total indiferenciação”, assim como pleromático porque “a semente do ego ainda
habita a plenitude do Deus não formado e, como consciência não nascida, dorme
no ovo primordial”.
Quando o ego está sob o domínio da grande mãe, ou seja, do
inconsciente, ele é possuído tanto pela mãe devoradora quanto pela mãe
doadora e bondosa. Esse estágio é regido pela imagem da deusa mãe com a
criança divina, enfatizando a natureza carente e indefesa da criança e o lado
protetor da mãe. Neumann (1995), salienta que nesse período, a consciência
infantil que experimenta os vínculos e a dependência de sua matriz, vai se
tornando, aos poucos um sistema independente, emergindo, portanto, um “ego
reflexivo que sabe de si mesmo como centro da consciência” (NEUMANN, 1995,
p. 52), reconhecendo-se e discriminando-se como um ego individual e distinto.
Jung (2013) contribui explicando que quando um sujeito não estiver em
um estado primitivo de consciência, ao crescer, ele vai automaticamente se
desligando da mãe e instituindo maior consciência sobre si. “O surgimento da
consciência e, consequentemente, o de uma vontade relativamente livre implica

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naturalmente a possibilidade de o indivíduo se desviar do arquétipo.” (JUNG,


2013, OC 8/2, §724).
Samuel (1989) explica que estar sob o domínio da Grande Mãe, mesmo
como adulto, traz “o agradável e liberador sentimento de não ter
responsabilidades.” (SAMUELS, 1989, p. 94). Essa emoção é sedutora e leva o
indivíduo à regressão da sua libido. Von Franz (2014) exprime a tendência à
regressão quando um indivíduo é dominado pelo inconsciente. Nesse mesmo
sentido, “o inconsciente como mãe faz então com que pareça que todo
questionamento e má-adaptação do jovem seja seu complexo materno pessoal.”
(HILLMAN, 2008, p.24)
Dessa forma é necessário esforço consciente do ego, de forma heroica,
para dar continuidade ao processo de individuação, sem render-se à regressão
da libido, que sempre acompanha os efeitos arquetípicos da Grande Mãe.
Outro conceito importante e necessário é o Complexo, que tem como
elemento central o arquétipo. Segundo Hall (2007), o complexo é um grupo de
imagens relacionadas entre si, formadas em torno de um núcleo central de
significado que, em sua essência, é arquetípico. Para ele, cada complexo
engloba imagens pessoais, por isso, há sempre o perigo de que as associações
pessoais sejam equivocadamente tomadas pelo núcleo de um complexo, o que
leva a uma interpretação de conflitos atuais, através das primeiras experiências
infantis.
Para Jacobi (2016), segundo a definição de Jung, cada complexo
equivale, inicialmente, a uma unidade central, portadora de um significado, que
retirando-se o anseio consciente, é inconsciente e incontrolável. E,
secundariamente, a um agrupamento de vinculações a ele relacionadas, que
derivam, em parte, da disposição pessoal original e, em parte, das experiências
do indivíduo no ambiente em que vive. Se constelados, os complexos podem
opor-se aos objetivos da consciência do eu, separando-se de sua unidade e
agindo como um corpo estranho no espaço da consciência, pois podem possuir
todos os níveis de independência. Alguns, permanecem ocultos no inconsciente,
outros atuam desordenando as regras psíquicas, e, outros já chegaram à
consciência, mas continuam influenciando o indivíduo.

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Para Jung, o complexo:

É a imagem de uma determinada situação psíquica de forte


carga emocional e, além disso, incompatível com as disposições
ou atitude habitual da consciência. Esta imagem é dotada de
poderosa coerência interior e tem sua totalidade própria e goza
de um grau relativamente elevado de autonomia... (JUNG, 2013,
p. 43).

Jung (2013) diz que nos dias de hoje, todos sabem que as pessoas “têm
complexos”, mas o que eles não sabem é que os complexos podem “nos ter”.
Para ele, toda constelação de complexos provoca um estado perturbado de
consciência, de não liberdade, de pensamentos obsessivos e atitudes
compulsivas. A constelação de um complexo significa que uma situação exterior
provoca um processo psíquico de aglutinação e atualização de determinados
conteúdos. É um processo automático que ninguém pode impedir por vontade
própria.
Jacobi (2016) diz que, segundo Jung, enquanto os complexos
permanecerem inconscientes, podem se enriquecer com associações, tomando
um alcance cada vez maior, aumentando assim, a dificuldade de serem
assimilados pelo indivíduo. Eles perdem seu traço compulsivo e incontrolável,
apenas quando se tornam conscientes. Desta forma, os comportamentos do
indivíduo podem ser corrigidos e reformulados, redistribuindo, assim, a energia
psíquica.
Segundo Jung (2013), só é possível cessar o domínio de algum complexo,
através do conhecimento de seus conteúdos reprimidos e inconscientes. A
constatação intelectual apenas, não é suficiente, é necessário sentir e não
somente saber da sua existência. “A emoção é a chave para a porta de saída”.
Para o autor, não é possível compreender algum fenômeno tão somente pelo
intelecto, pois ele possui tanto um sentido, como também um valor. Este valor
está fundamentado na intensidade das tonalidades sentimentais que o
acompanham. A assimilação de um complexo é muito importante, pois é através

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dela, que o indivíduo faz uma redistribuição de sua energia, o que permite um
melhor equilíbrio psíquico.
Por último, mas não menos importante, a Alquimia.
De acordo com Jung (2012), o opus alquímico não estava apenas
relacionado aos experimentos químicos, mas também aos processos psíquicos.
Ele considerava que os processos alquímicos, observados através do contexto
simbólico e não do contexto científico, poderiam ser apontados como peças
fundamentais do estudo do inconsciente e por meio desse estudo, realizar uma
associação com o processo de transformação da personalidade humana.
Para Jung (2012, p. 362), o opus alquímico e o processo de individuação
são fenômenos idênticos, que acontecem da mesma forma, pois ele
compreendeu que o aspecto central das concepções alquímicas estava
diretamente ligado a junção dos opostos, assim como, no processo de
individuação. Jung diz: “o opus alquímico descreve o processo de individuação,
mas de forma projetada porque é inconsciente”.
Ainda segundo Jung (2012), o nome que é dado a esse símbolo central
da alquimia, é “coniunctio” (união). Através dessa união, os alquimistas
buscavam atingir a meta da obra, a produção do ouro ou de algo equivalente. A
coniunctio nem sempre representa uma junção imediata e direta, pois necessita
de certo meio, ou se acha em tal meio. É a união de duas matérias opostas,
purificadas, que se transformam em uma terceira matéria, mas, para que isso
ocorra, é necessário passar por operações alquímicas. Assim como, para tornar-
se si mesmo, o indivíduo precisa passar pelo processo de individuação.
No segundo volume de A vida Simbólica encontra-se uma descrição, na
qual Jung estabelece os paralelos entre o processo de individuação e o opus
alquímico:

O principal símbolo da substância que se transforma no


processo é Mercúrio. A imagem que os textos dele fazem
concorda no essencial com as propriedades do inconsciente. [...]
No começo do processo, Mercúrio encontra-se em massa
confusa, no caos e no nigredo (escuridão). Neste estado os
elementos se combatem mutuamente. Mercúrio desempenha

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aqui o papel da prima matéria, a substância transformadora


propriamente dita. [...] Com isso descreve um estado escuro
(“inconsciente”) do adepto ou o estado do conteúdo psíquico. Os
procedimentos da próxima fase visam à iluminação da escuridão
por meio da união dos elementos. Disso surge a albedo
(brancura), comparado ao nascer do sol ou à lua cheia. [...] À
brancura segue-se o vermelho (rubedo). Através da coniugium,
matrimonium ou coniunctio, a lua é unida ao sol, a prata ao ouro
e o feminino ao masculino. [...] O desenvolvimento da prima
matéria até o rubedo (lápis rubeus, carbunculus, tinctura rubra,
sanguis spiritualis sive draconis) descreve a conscientização
(iluminatio) de um estado inconsciente de conflito que de agora
em diante é ordenado na consciência, devendo ser jogado fora
a escória imprestável (terra damnata). O corpo branco é
comparado ao corpus glorificationis e colocado em paralelo com
a ecclesia (sponsa). O caráter feminino do lapis albus
corresponde ao do inconsciente, simbolizado pela lua. A “luz” da
consciência corresponde ao sol. (JUNG, 2012, p. 361)

Para Jung (2012), a tomada de consciência de um conteúdo inconsciente


significa sua integração na psique inconsciente. Esse processo de integração
caracteriza um dos essenciais fatores de ajuda na moderna psicoterapia, que se
ocupa principalmente da psicologia do inconsciente, pois é através dele que se
opera a transformação da natureza da consciência como também do
inconsciente.
Portanto, a alquimia pode ser comparada com o relacionamento entre
analista e paciente, na psicoterapia, através do processo dialético e
transferencial. No início do processo, o paciente está na nigredo, existe o caos,
um problema que parece não ter saída e ele só consegue enxergar aquela
dificuldade, há desespero, confusão e não há discriminação. Com o decorrer do
processo, o paciente vai para a albedo, onde há uma clareza melhor sobre o que
está acontecendo, há discriminação e conscientização da tristeza. Com a
continuidade do processo, podendo ser comparada com a elevação do fogo na

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alquimia, o paciente vai para o último estágio, que é a rubedo, onde há um


equilíbrio, a união dos opostos.

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Conclusão

Para a Psicologia Analítica, o mito possui uma importância essencial para


a realização do processo terapêutico, pois, através da história do mito e de suas
imagens simbólicas, o paciente pode entrar em contato com conteúdos que
estão em seu inconsciente, trazendo assim, para seu consciente. Esse aspecto
faz parte do processo de individuação, no qual o paciente entra em contato com
suas sombras, seus complexos, questões das quais ele não tem conhecimento,
com o objetivo de reconhece-las como suas, e integrá-las, se tornando assim,
quem ele realmente é, sua verdadeira essência e totalidade.
Os símbolos, que são apresentados nos mitos, estão relacionados com o
inconsciente coletivo, assim como, os sonhos estão para o inconsciente pessoal.
Através das imagens simbólicas que aparecem nos sonhos, é possível entrar em
contato com o inconsciente pessoal do paciente e para Jung esse é um aspecto
fundamental do processo de análise, pois, é um dos caminhos para chegarmos
ao desconhecido. O mesmo acontece com o mito de Eros e Psiquê, por exemplo,
que traz figuras simbólicas, que são arquetípicas e fazem parte da vida dos
indivíduos de uma forma geral.
Diante disso, podemos observar que a história do mito fala sobre relações
humanas, descobertas, dificuldades, medos, morte, renascimento,
transformações, mudanças, entre outras. Aspectos que estão presentes no
cotidiano dos indivíduos e podem ser utilizados para a elaboração, entendimento
e aceitação de suas questões pessoais.
É uma história mitológica de grande valor, pois carrega conteúdos de
sofrimento, aprendizado, reconhecimento e superação, muito atuais nos
processos vividos nas relações conjugais como amor, separação e
relacionamentos afetivos.
No mito em questão, podemos observar o processo de individuação de
Psiquê, que, com muita dedicação, esforço e sofrimento, realiza as tarefas
árduas necessárias para a transformação de sua personalidade. Ela precisa
entrar em contato com o mundo das trevas, que simboliza o seu próprio
inconsciente, para identificar suas limitações, assumir seus erros, encarar seus

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medos e desafios. Dessa forma, com paciência, fé e perseverança, ela consegue


reconhecer quem ela verdadeiramente é e conquistar uma nova maneira de
enxergar o mundo e viver a sua vida.
O processo de individuação só pode ser realizado por completo na
interação com o outro. Por isso, a relação analítica entre paciente e terapeuta é
de extrema e indispensável importância para o processo terapêutico e o
desenvolvimento e transformação da personalidade do indivíduo. O terapeuta
está a serviço do paciente e, para que possa estabelecer uma relação
verdadeira, ele precisa estar trilhando o seu próprio caminho. Assim, podemos
relacionar essa interação com a coniunctio, ambos saem do processo,
transformados. Como acontece no mito, quando a Alma encontra o Amor.

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