Você está na página 1de 4

O Estado de Coisa Inconstitucional

no Sistema Carcerário Brasileiro


O conceito rotulado como Estado de Coisas Inconstitucionais, foi adotado pela primeira vez
em 1997 na Corte Colombiana, tratando dos direitos previdenciários dos professores. No Brasil,
esse conceito foi introduzido em 2015, apresentado pelo PSOL em uma ADPF ao STF, tratando
das inconstitucionalidades presentes no sistema carcerário brasileiro. Em termos gerais, o
Estado de Coisa Inconstitucional é uma permissão governamental, mediante sua inércia, de
violações continuas e recorrentes a preceitos constitucionais fundamentais que fere inúmeros
tutelados. É a soma de uma série entraves políticos e administrativos, que resultam na
impossibilidade de sanar um quadro massivo de inconstitucionalidade. O pedido feito pelo
PSOL de reconhecimento do Estado de Coisa Inconstitucional no Sistema Penitenciário
Brasileiro foi justificado no caso por tratar-se de matéria de execução penal ferozmente
transgredida, uma vez que os presos cumprem penas desumanas fora do escopo constitucional,
observado o quadro aterrorizante de superlotação e insalubridade das penitenciárias, ora
comparadas a "verdadeiros infernos dantescos".

Segundo o Senhor Ministro Marco Aurélio: "Não se tem tema campeão de audiência, de
agrado da opinião pública. Ao contrário, trata-se de pauta impopular, envolvendo direitos de
um grupo de pessoas, cuja dignidade humana é tida por muitos como perdida, ante o
cometimento de crimes." Desde modo, somando a essa pauta impopular os entraves jurídicos e
estruturais, é de se esperar que degradação horrorizante dos cidadãos brasileiros infratores
agrava-se ano após ano. O que seria exceção constitucional, tornou-se norma pela inatividade
político-jurídica do Estado em sarar a grande ferida. São os seguintes fatores que culminam no
Estado de Coisa Inconstitucional no Sistema Carcerário Brasileiro:

• A superlotação carcerária, que em maio de 2014, se computados os presos em domicílio,


a população total era de 711.463 presos. Segundo o Senhor Ministro Marco Aurélio,
Relator da dita ADPF, diz que: "Com o déficit prisional ultrapassando a casa das 206
mil vagas, salta aos olhos o problema da superlotação, que pode ser a origem de todos
os males". O Senhor Advogado Antônio também ressaltou que: "Mais assustador que o
dado numérico dos presos, é a dinâmica de crescimento, mais de 7% ano."
• Crime contra direitos humanos dos presos, ora sucumbidos a condição de vidas nuas
desprovidas das garantias individuais do cidadão brasileiro. São exemplos das
condições que a maioria dos detentos estão sujeitos: superlotação dos presídios, torturas,
homicídios, violência sexual, celas imundas e insalubres, proliferação de doenças
infectocontagiosas, comida imprestável, falta de água potável, de produtos higiênicos
básicos, de acesso à assistência judiciária, à educação, à saúde e ao trabalho, bem como
amplo domínio dos cárceres por organizações criminosas, insuficiência do controle
quanto ao cumprimento das penas, discriminação social, racial, de gênero e de
orientação sexual
• A cultura do encarceramento, que aponta o abuso do juiz no uso da prisão preventiva.
Propiciando alto índice de reincidência dos presos provisórios, após passarem pela
escola da delinquência, que em contato com criminosos profissionais, estudam suas
táticas e adotam para obterem êxito na reincidência, talvez sendo um fator exponencial
para o crescimento da população carcerária. Sendo que após julgados, muitos cumprem
pena alternativas a prisão ou são absolvidos
• Inexistência de clamor político, como já supracitado. Segundo o Excelentíssimo Senhor
Ministro Celso de Mello: "Nesse passo, o Poder Judiciário assume sua mais importante
função: a de atuar como poder contramajoritário; de proteger as minorias contra
imposições desarrazoadas ou indignas das maiorias.". "São grupos minoritários
expostos à vulnerabilidade jurídica, social, econômica e política." A sociedade política
não clama pela necessidade de lutar pelos direitos humanos dos presos, uma vez que a
população brasileira acredita que se eles estão nessa condição de insalubridade humana
é porque estão "pagando pelos seus pecados".
• Contingenciamento de verbas da FUPEN. O Fundo foi criado pela Lei Complementar
n.º 79, de 1994, sendo destinado a: “proporcionar recursos e meios para financiar e
apoiar as atividades e programas de modernização e aprimoramento do Sistema
Penitenciário Brasileiro”. Relatórios da DEPEN dão conta de que a maioria é
contingenciada ou, simplesmente, não utilizada. Em 2013 o saldo era de R$ 384 Milhões
e apenas R$ 74 Milhões foram usados. Segundo a fala do Ministro Marco Aurélio: "Os
valores não utilizados deixam de custear não somente reformas dos presídios ou a
construção de novos, mas também projetos de ressocialização que, inclusive, poderiam
reduzir o tempo no cárcere."

Juízes continuam encarcerando como costume, a falha estrutural nos presídios é histórica,
não há clamor político pelo tema, assim a densidade demográfica por cela cresce, acentuando
o estado de insalubridade dos presidiários. O que seria exceção, torna-se permanente, e o preso
à mercê de um milagre. A vida nua permanece desprovida de proteção pelo seu protetor-mor.
Esta série de entraves traz à luz o Estado de Coisa Inconstitucional no Sistema Penitenciário
Brasileiro.
Quando o poder supremo, despi a vida política dos seus tutelados, através de seus
justificados estados de exceção, tal como pontuados acima, os transformam na condição, que
Giorgio Agamben elucidou em seu livro, de "vidas nuas" desprotegidas. Desde modo, como
dito pelo Ministro Marco Aurélio: "ante tal quadro, a solução, ou conjunto de soluções, para
ganhar efetividade, deve possuir alcance orgânico de mesma extensão, ou seja, deve envolver
a atuação coordenada e mutuamente complementar do Legislativo, do Executivo e do
Judiciário, dos diferentes níveis federativos, e não apenas de um único órgão ou entidade.".

Como não há essa atuação coordenada e mútua, configura-se inércia estatal, sendo assim o
estopim para que um Estado de exceção constitucional se torne permanente. Pois segundo o
Senhor Ministro Relator Marco Aurélio: "A inércia configura-se não apenas quando ausente a
legislação, mas também se inexistente qualquer tentativa de modificação da situação, uma vez
identificada a insuficiência da proteção conferida pela execução das normas vigentes.".

Em suma, o ECI é uma violação negativa do Estado de um comportamento constitucional


obrigatório, ocasionada por omissão, seja total ou parcial. Esse comportamento omissivo
caracteriza-se por ser de maior gravidade político-jurídica, pois impede a aplicabilidade de
medidas concretizadoras dos princípios mores preconizados na nossa carta magna. Assim,
propiciando a erosão da consciência constitucional, gerando um quadro, mediante sua inércia,
de violações continuas e recorrentes dos preceitos fundamentais, seja por parte de órgãos
públicos ou pela falta de vontade política em favor das minorias impopulares. Por último
caracteriza-se o ECI segundo o Senhor Ministro Edson Fachin: "Haverá o ECI quando a
superação de violações de direitos exigir a expedição de remédios e ordens dirigidas não apenas
a um órgão, e sim a uma pluralidade destes.". Quando houver necessidade da sobreposição do
STF aos demais poderes e órgãos para impor autoritariamente ordens que destravem a inércia
governamental.

Você também pode gostar