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DIREITO À DESCONEXÃO: a mitigação dos direitos trabalhistas na modalidade

Home Office

Francielle Caroline Zacarkin


E-mail: fzacarkin@gmail.com
Graduanda em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa – Paraná, Brasil.

Vanderlei Schneider de Lima


E-mail:vslima@uepg.br
Orientador: Professor Vanderlei Schneider de Lima - Universidade Estadual de Ponta Grossa –
Paraná, Brasil.

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar as implicações trazidas pelo constante uso
da tecnologia, intensificada pela pandemia de Covid-19, bem como as vantagens e desvantagens da
sua aplicação dentro do mundo do Direito do Trabalho, com enfoque na relação laboral em regime de
home office e os riscos suportados pelo trabalhador. A exposição busca destacar a importância de uma
proteção jurídica mais ampla e principalmente, da aplicabilidade de um Direito à Desconexão no regime
de home office. O Direito à Desconexão tem como princípio a proteção do direito dos trabalhadores em
home office ao não-trabalho, buscando a aplicação de mecanismos que limitem o controle tecnológico
fornecido ao empregador nesta relação trabalhista. Destaca-se a necessidade de uma resposta jurídica
e mais coerente para esses trabalhadores que são obrigados a desempenhar suas atividades laborais
de maneira isolada e distante, sendo necessária uma regulamentação e implementação de novos
mecanismos para solução destes conflitos.

Palavras-chave: Direito ao não-trabalho, teletrabalho, tecnologia, vida privada.

Introdução

O trabalho aqui desenvolvido busca evidenciar a importância do direito à


desconexão ao trabalhador em home office. Em um mundo cada vez mais globalizado,
o Direito do Trabalho contemporâneo enfrenta novos desafios, seja em razão das
crises econômicas, mudanças de paradigmas no sistema produtivo e especialmente
com o avanço das plataformas tecnológicas no mercado de trabalho. Implicando
desde reajustes na forma de produção, como impondo novos padrões na própria
dinâmica da prestação do serviço e impactando na tutela dos direitos dos
trabalhadores.
No que diz respeito aos avanços tecnológicos na produção, como elemento
indissociável do que se convencionou chamar nova revolução industrial, é sempre
essencial verificar os impactos no sistema de proteção do trabalhador e na própria
empregabilidade. Isto porque, a inserção da tecnologia no mercado de trabalho, ainda
que inexorável, não deve suplantar o interesse coletivo e negligenciar a importância
de um sistema produtivo concebido em consonância com a promoção social e a
proteção de direitos fundamentais dos trabalhadores.
No decorrer da pandemia de COVID-19, que assolou o mundo em 2020,
notou-se um expressivo aumento da modalidade de teletrabalho, que é a prestação
de serviços a ser realizada fora do estabelecimento da empresa, por meio de
tecnologias da informação, realizado à distância. Uma dessas formas de prestação de
serviço tomou destaque, o home office.
Conforme explica CLARO (2019), o home office é uma das espécies de
prestação de serviços a ser realizada efetivamente de dentro da residência do
trabalhador, ou seja, a partir de seu lar. Durante a pandemia de Covid-19, fez-se
necessário o isolamento social e com isso, o home office foi amplamente adotado.
Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), no ano
de 2020 ocorreu um aumento exponencial do home office, em que cerca de 11% dos
trabalhadores desempenharam a atividade laboral de dentro de suas casas, havendo
a tendência de mantê-la de forma permanente, mesmo após o controle da pandemia.
Dentre os direitos fundamentais dos trabalhadores a serem observados
durante o home office, destaca-se o direito à desconexão, como sendo o direito que o
trabalhador tem de se desvincular efetivamente de seu trabalho, preservando a sua
vida privada, intimidade e facultando tempo livre para o descanso, convívio familiar e
social, além de outras necessidades que suplantam a existência humana
exclusivamente condicionada ao trabalho.

Objetivos

Tem-se como objetivo fazer uma breve análise das consequências impostas
principalmente pela revolução tecnológica e as implicações causadas pela pandemia
de Covid-19, que exigiu o isolamento social dos trabalhadores das mais diversas
classes, levando ao aumento do trabalho em home office.
Buscar-se-á destacar as dificuldades e consequências enfrentadas nessa
nova modalidade e de compreender as implicações que afetam a vida privada e outros
direitos dos trabalhadores em home office, considerando a relevância do Direito do
Trabalho como elemento de equilíbrio e contenção de excessos que normalmente
decorrem de um processo produtivo pautado exclusivamente no lucro.

Método e Técnicas de Pesquisa

Para a presente pesquisa se buscou discutir a adequação da legislação


trabalhista, especialmente da Consolidação das Leis do Trabalho, no que diz respeito
a proteção dos trabalhadores em regime home office.
Assim, o trabalho se alicerça em pesquisa documental, com análise
bibliográfica e legislativa, a partir do método dedutivo.

Resultados

O Direito do Trabalho, cumprindo seu papel protecionista e, ao mesmo tempo,


de sustentação do sistema capitalista, manteve-se presente dentro das mais diversas
transformações no mercado de trabalho pós Revolução Industrial. Enfrentando
inúmeros avanços e retrocessos, cada um em sua época e por variados fatores.
Atualmente, vê-se frente a frente a ruptura entre um modelo fordista de produção para
um modelo fundamentado na tecnologia.
Inúmeras foram as mudanças causadas pela denominada revolução
tecnológica, que impacta profundamente o mercado de trabalho e as relações de
emprego. Desta forma, o Direito do Trabalho é desafiado a se adaptar e acompanhar
o desenvolvimento tecnológico, sem perder de vista a sua precípua finalidade de tutela
aos trabalhadores, apresentando um ordenamento jurídico insculpido a partir de
direitos e garantias fundamentais que lhes são assegurados.
Sabe-se que o século XXI é notadamente impactado por uma nova Revolução
Industrial (revolução tecnológica), com enormes desdobramentos nas relações de
emprego, exigindo adaptações e uma nova reconfiguração dos fatores de produção,
inclusive a mão de obra.
Claramente o Direito do Trabalho enfrenta e enfrentará os mais diversos
desafios para manter e preservar os direitos dos trabalhadores, contudo, no presente
trabalho, pretende-se analisar as situações que decorrem nas alterações da prestação
do trabalho em decorrência da Pandemia da Covid-19 e o fomento do home office.
O cenário pandêmico trouxe consigo a necessidade do isolamento social das
mais diversas classes de trabalhadores e, por tal razão, o home office foi intensamente
adotado pelos empregadores, por ser a prestação de serviços que permite a
continuidade da prestação de serviços, mediada por algum aparato tecnológico, a
partir da própria casa pelo trabalhador.
De fato, a tecnologia há muito foi implementada nas relações trabalhistas, mas
no home office, que é uma das espécies de teletrabalho, tecnologia e empregado
funcionam em constante dependência para a realização do trabalho.
Para PINTO (2000, p.115) o teletrabalho é “uma atividade de produção ou de
serviço que permite o contato a distância entre o apropriador e o prestador da energia
pessoal”.
Nessa perspectiva, afirma MAIOR (2003, p.12) que “este tipo de trabalho, no
entanto, agride, sensivelmente, o direito ao não-trabalho, eis que a própria vida
privada do trabalhador se perde no fato de se transformar a sua residência em local
de trabalho, com prejuízo para o próprio convívio familiar”.
Ainda que bastante limitada no que diz respeito ao trato legislativo, a
modalidade home office não é de toda estranha à nossa legislação trabalhista, como
pode se observar o contido nos artigos 6º1 e 75-B2 da Consolidação das Leis do
Trabalho.
É possível se verificar diversas vantagens, tanto para o empregador quanto
ao empregado, nesta forma de prestação de serviços. O empregador acaba reduzindo
consideravelmente seus gastos com instalações, equipamentos e transporte do
trabalhador. Quanto ao empregado, economiza tempo de deslocamento e na
preparação para chegar ao local do trabalho. Podendo, em tese, melhor acomodar as
atividades laborais, face a flexibilidade de horários, com a proximidade da família e se
valendo de um possível maior conforto do ambiente residencial.
Contudo, as desvantagens ao empregado também são inúmeras,
principalmente a de suportar com a constante conexão com seu trabalho. O
empregador busca exercer um maior controle e cobrança sobre seus empregados
através da tecnologia, inclusive fora da jornada de trabalho determinada previamente,

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Art. 6º CLT. Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no
domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação
de emprego.
Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para
fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho
alheio.
2
Art. 75-B CLT. Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências
do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se
constituam como trabalho externo.
Parágrafo único. O comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas
que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho.
e por tal razão torna-se imprescindível que esses trabalhadores usufruam de seu
direito à desconexão.
O direito à desconexão implica no reconhecimento de que todos os
trabalhadores devam ter respeitado os limites no tocante a jornada de trabalho,
independentemente se realizada nas instalações do empregador, ou em sua própria
residência. Encontrando guarida em preceitos constitucionais inafastáveis,
independentemente do local da prestação de serviços, como nos incisos em destaque
abaixo:

Art. 7ºCF: São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros
que visem à melhoria de sua condição social:
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta
e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da
jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; (Vide Decreto-
Lei nº 5.452, de 1943)
(...)
XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;

Ou seja, é obrigatório que mesmo em home office se permita ao empregado


o descanso diário e semanal. Possibilitando-lhe a desvinculação da atividade laboral,
respeitando suas atividades particulares e sociais; bem como, suas necessidades
biológicas e fisiológicas.
O direito à desconexão contempla um trabalho pautado na razoabilidade,
visando proteger os bens jurídicos do trabalhador afetos à sua intimidade, vida
privada, integridade física e psicológica. Não pretende desprezar o elemento
tecnológico nas relações de trabalho que, inclusive, permitiu a manutenção de
diversos empregos, principalmente no cenário pandêmico, mas sim um ajuste desta
com a vida privada e direitos fundamentais dos trabalhadores.
Isto porque, em diversas situações, o empregador, por meio dos meios
tecnológicos, consegue manter seu empregado constantemente conectado a sua
função, gerando uma afetação intensa da vida íntima do trabalhador.
Conforme explica MAIOR (2003, p.13), “o avanço tecnológico apresenta
também o paradoxo de que ao mesmo tempo em que permite que o trabalho se exerça
à longa distância possibilita que o controle se faça pelo mesmo modo”.
Também esclarece BONFIM (2010, p.163) que “o direito à desconexão ou ao
não-trabalho perpassa por quatro elementos: o estresse enfrentado pelo trabalhador
por ter que se manter o tempo todo atualizado, causando além da fadiga mental, em
alguns casos, o vício (doença relacionada ao trabalho); o direito ao descanso sem
reflexos do trabalho (reposição das energias e higiene mental); o direito à privacidade
e intimidade; direito a trabalhar menos, ou ao limite de trabalho (direito à saúde)”.
Além dos direitos já citados, sofrem intensa mitigação os direitos à intimidade
e privacidade do trabalhador em home office, pois a tecnologia possibilita o controle
desses empregados através de e-mail, videochamadas, ligações, mensagens e
demais formas, que invadem em tempo integral a vida do trabalhador.
Muitos sofrem com o fluxo intenso de mensagens e uma carga horária de
trabalho desgastante, afetando-se ainda o direito ao lazer e o direito ao descanso,
pois um trabalhador que permanece conectado não pode dispor e usufruir do seu
tempo da maneira que deseja, comprometendo suas relações emocionais, suas
amizades e a relação com sua própria família.
É mister destacar que “o trabalhador não pode ser visto pelo mercado como
mero fator de produção, de modo que a prestação do trabalho deve ser realizada em
condições dignas, com respeito aos direitos fundamentais específicos e inespecíficos
dos trabalhadores.” (GOLDSCHMIDT; CAXAMBU, 2020, p.105).
Isso sem desconsiderar que muitas vezes fica às expensas dos empregados
os custos com energia elétrica, telefone, computadores, internet, que antes eram
insumos e aparatos por conta e risco do empregador. Além disso, dispor de sua
residência familiar, ambiente privado e antes destinado ao descanso e convívio
familiar, como extensão do estabelecimento empresarial.
Observa-se ser inafastável a necessidade de alterações legislativas que
abordem de forma mais específica o trabalho em home office, cuidando de suas
peculiaridades, especialmente no que diz respeito a limitação da jornada de trabalho
e proteção da saúde e integridade física dos trabalhadores.
Evidencia-se também, a pertinência da criação de um código de ética a ser
aplicado ao regime em home office. Da mesma forma em que é utilizado em outras
profissões, visando estabelecer um padrão de comportamento para empregados e
empregadores, pautado na boa-fé e razoabilidade, que respeite os limites do homem,
como sujeito que trabalha, e que tem uma vida privada e social para além do trabalho.

Discussão

O regime em home office é realidade de muitos brasileiros, e continuará sendo


uma das formas de relação trabalhista mais adotadas. Ao realizar a análise de
questões pontuais, vê-se que a legislação trata de forma genérica e extremamente
escassa sobre o tema.
É indispensável a regularização legislativa e aprofundada a respeito do home
office, no que tange as horas extras, a limitação da jornada, a responsabilização do
empregador na implementação e manutenção dos equipamentos necessários para
desempenhar a atividade, do respeito à privacidade e intimidade destes
trabalhadores.
Além disso, cabe a aplicação do direito à desconexão, para que a atividade
laboral em home office seja pautada na razoabilidade, para que não invada o tempo
reservado ao lazer, ao descanso, ao convívio familiar e social, respeitando assim a
dignidade da pessoa humana e a saúde do trabalhador.

Conclusão

No regime de trabalho em home office são inúmeros desafios quando se


busca tutelar os direitos fundamentais dos trabalhadores. Há grande dificuldade ao
demonstrar as horas trabalhadas, bem como a imposição de limites nesta relação,
tornando o trabalho extremamente desgastante ao empregado.
Impondo novamente ao Direito do Trabalho a tarefa protetiva e interventora
nessas novas práticas no mercado do trabalho, visando sempre a proteção ao
trabalhador no tocante a direitos fundamentais, especialmente a saúde e integridade
física e psicológica.
Foi possível observar que para a modalidade de trabalho em home office -
que é a atividade laboral desempenhada de dentro do lar do trabalhador, há a
necessidade de um maior cuidado no trato legislativo, considerando as suas
peculiaridades e não negligenciando o fomento dessa prática especialmente em
períodos tão excepcionais como em decorrência da Pandemia de Covid-19.
Entre outros aspectos, coibir de forma mais incisiva a assunção de riscos pelo
empregado no que diz respeito aos insumos necessários a realização do trabalho e,
especialmente, limitar o controle tecnológico pelo empregador, respeitando a jornada
de trabalho, a intimidade, vida privada, saúde e integridade física e mental do
trabalhador.
O uso ilimitado da tecnologia, desrespeitando os direitos fundamentais dos
trabalhadores, afeta o liame entre vida particular e a vida em função do trabalho. A
constante conexão traz diversos danos à vida privada e por consequência, ao direito
à saúde do trabalhador, o que pode gerar inúmeras doenças, principalmente estresse
e depressão. Para que essas consequências não sejam suportadas pelos
trabalhadores, deve-se respeitar o direito fundamental à desconexão, que é um direito
ao não trabalho, ao existir para além do trabalho, preservando direitos indisponíveis
dos trabalhadores.

Referências

BONFIM, Vólia Cassar. Flexibilização das Nomas Trabalhistas. Tese (Doutorado


em Direito) – Universidade de Gama Filho - UGF. Rio de Janeiro. 2010.

CLARO, Tatiana Dias. Teletrabalho e as Inovações Introduzidas Pela Lei


13.467/2017. Disponível em: <https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-do-
trabalho/teletrabalho-e-as-inovacoes-introduzidas-pela-lei-13-467-2017>. Acesso em
25/09/2021.

GOLDSCHMIDT, Rodrigo e GRAMINHO, Vivian Maria Caxambu. Desconexão Um


Direito Fundamental do Trabalhador. Rio de Janeiro: Lumen Juris,2020. 240 p.; 21
cm. Bibliografia: p.159-190. ISBN 978-65.5510-148-5.

IPEA. Ipea: 11% dos trabalhadores fizeram home office ao longo de 2020.
Disponível em:
<https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=382
89&catid=131#:~:text=Agora%20ES%20%2D%20Ipea%3A%2011%25,office%20ao
%20longo%20de%202020>. Acesso em 25/09/2021.

PINTO, José Augusto Rodrigues. Curso de Direito Individual do Trabalho. 4. ed.


São Paulo: LTr, 2000.

SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Do direito à desconexão do trabalho. Revista do


Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Campinas, n. 23, 2003.Disponível em:
<https://www.jorgesoutomaior.com/uploads/5/3/9/1/53916439/do_direito_%C3%A0_
desconex%C3%A3o_do_trabalho.pdf>. Acesso em: 25/09/2021.

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