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PSICOLOGIA

MANUELA MONTEIRO

MILICE RIBEIRO DOS SANTOS

PORTO EDITORA
PSICOLOGIA

Manuela Monteiro Milice Ribeiro dos Santos

A psicologia desempenha um papel cada vez mais importante na


sociedade contemporânea, sendo uma ciência em constante evolução.

Pretendemos que este livro constitua um instrumento de


aproximação a esta área do saber, dando­te a conhecer as
principais e mais actuais contribuições para a compreensão dos
comportamentos, sentimentos, emoções, atitudes, representações,
cognições do ser humano. Na sua organização esteve a preocupação
de estimular uma reflexão pessoal sobre o teu mundo interior,
sobre as relações interpessoais, sobre a realidade social.

Contamos contigo como parceiro, como elemento activo na


construção deste conhecimento.

Por considerarmos que uma biografia reflecte uma obra,


apresentamos­te as histórias de vida dos autores mais
importantes. Propomos­te ainda um diálogo com especialistas
portugueses em diferentes áreas, através de entrevistas que
realizámos.

Porque consideramos que o conhecimento da origem das palavras


ajuda a esclarecer
conceitos, apresentamos, sempre que oportuno, a sua etimologia.
No glossário encontrarás curtas definições de alguns conceitos
assinalados por *.

No final do livro, para além da bibliografia geral, sugerimos­te


uma bibliografia afectiva constituída por romances, contos,
ensaios, poesias, diários...

Sendo a psicologia uma ciência em constante evolução, pretendemos


que este livro seja o estímulo para futuras reflexões e
investimentos.

AS AUTORAS
Índice
PSICOLOGIA COMO
CIÊNCIA ................................
......... 8

1 O objecto da
psicologia ..........................................
14

Da consciência aos
comportamentos ....................... 14
Wundt e o
associacionismo ........................ ..........
... 16

Pavlov e a
reflexologia ...........................................
.. 17 Watson e o
behaviorismo .......................................
.. 18

Freud e a
psicanálise ...........................................
... 26 Kõhler e o
gestaltismo ..........................................
.. 29 Piaget e o
construtivismo ......................................
.. 32

2 Metodologias em
psicologia ...................................
36

Da introspecção ao método
científico ....................... 36 Método
científico ..............................................
...... 37

Método
experimental .............. ...........................
...... 40
Observação ...............................................
............. 47 Observação
naturalista .........................................
.. 49 Método
clínico ..................................................
...... 51

Os
testes ......................................................
... ...... 56 Método
psicanalítico .........................................
...... 64 Inquéritos e
entrevistas ..................................... ......
69 Os ramos da
psicologia ..........................................
. 70

3 Psicologia
aplicada ...................... ........................
.. 71

Psicologia
organizacional .......................................
.. 71 Psicologia
educacional ..........................................
.. 72 Psicologia
clínica ...................................................
.. 73 A unidade da
psicologia ...........................................
75 Entrevista com o Doutor José
Gameiro ..................... 78
O
PSICOFISIOLOGIA ................................
.................................... 80
O
1 O sistema
nervoso .............................................
..... 83

Sistema nervoso
central ...... ....................................
85

Entrevista com o Doutor Manuel Laranjeira


............... 95
O sistema nervoso
periférico ...................................
97
O sistema
endócrino ..........................................
..... 99

2 A
genética ............................. .. ...............
............... 104

O processo de transmissão
genética ....................... 104
Hereditariedade e meio .......................... .
................ 107 Hereditariedade e inteligência
.................................. 110
PSICOLOGIA
SOCIAL ......................................
........................ 114

1 O Homem como ser


social ....................................
.. 148

A relatividade
cultural .............................................
. 120
Socialização ............................................
............... 122

2 Os
grupos ..................................................
............ 125

Conceito de
grupo ..................................... .......
...... 125 Tipos de
grupo ...................................................
..... 126
Liderança ................................................
............... 127 Redes de
comunicação ....................................
....... 129 Interacção
grupal ...............................................
..... 130

3 Os estatutos e os papéis
sociais ............................ 134

Estatuto
social ...................................................
..... 134

Papel
social ...................................................
......... 135
Conflitos ............................................. . ..
................. 136

4 As
atitudes ................................................
............ 138

Componentes das
atitudes ......................................
139 Formação e desenvolvimento das atitudes
............... 140 Medida das
atitudes ..........................................
..... 144

Estereótipos e
preconceitos ...................................
. 147 Entrevista com a Doutora Egiantina Monteiro
............ 150
O
PSICOLOGIA DO
DESENVOLVIMENTO ................
............ 152

1 O conceito de
desenvolvimento ..............................
156
2 Concepções sobre o
desenvolvimento ..................... 158

Piaget e o
desenvolvimento ..................................
... 159 Factores de
desenvolvimento .................................
.. 161

Estádios de
desenvolvimento .................................
.. 163 Freud e o
desenvolvimento ...................................
... 172

Estádios do
desenvolvimento .................................
.. 172 Erikson e o
desenvolvimento .................................
.. 179

Desenvolvimento e
socialização ............................... 184
Relação
mãe/filho ..................... . ......................
...... 184 A
adolescência ............................................
......... ..189 Construção da
identidade ........................................
197 Moratória
psicossocial ........................................
.... 199
APRENDIZAGEM E
MEMóRIA ..............................
............. 204

1 Conceito de
aprendizagem .....................................
. 208

2 Tipos de
aprendizagem ........................ ..............
..... 210

Condicionamento
clássico .......................................
210

Condicionamento
operante ................ ......................
214 Aprendizagem motora, de discriminação e verbal
...... 218 Aprendizagem de
conceitos .....................................
219 Aprendizagem de resolução de problemas
................ 220 Aprendizagem
social ..............................................
. 221

3 Factores de
aprendizagem .....................................
. 224

Motivação .................................................
.............. 225 Aprendizagem anterior e experiência
........................ 226 Factores
sociais .................................................
..... 226

4 Métodos de
aprendizagem ................ ...................
... 228

Distribuição da prática no
tempo ............................. 228
Conhecimento dos
resultados ..................................
229 Aprendizagem total e aprendizagem parcial
.............. 229 Aprendizagem
programada ......................................
. 230

5 Conceito de
memória ...........................................
.. 232

6 Tipos de
memória .......................................... ..
....... 235

Memória
sensorial ............................. ...............
...... 235 Memória a curto
prazo ............................................
236 Memória a longo
prazo ............................................
237

7 Memória e
esquecimento ...................................
.... 240

Factores que explicam o


esquecimento .................... 241 A
memória, as
memórias .......................................
.. 245

MOTIVAÇÃO ............................................
.................................... 248

1 Conceito de
motivação ........................ .................
.. 252

Cicio
motivacional ........... ...............................
...... ...253 Aspectos
fisiológicos ..........................................
..... 253

2 Tipos de
motivação ........ ..................................
...... 254

Motivações
fisiológicas .......................... ..............
... 254 Motivações
combinadas ....................................
...... 256 Motivações sociais e
cognitivas ............................... 259

3 Frustração e
conflito .............................................
. 263
Frustração ................................................
.............. 263
Conflito ....................................................
............... 264

4 Teorias da
motivação ...........................................
... 266

Maslow e a hierarquia de
necessidades ................... 266 Teoria
psicanalítica ...........................................
.. .... 269 Teoria cognitiva e relacional de Nuttin
...................... 275
INTELIGÊNCIA ........................................
.................................... 276
O
1 A
inteligência ............... ...........................
......... ..279

Inteligência prática, social e


conceptual ................... 280 Inteligência
e instrumentos de
medida ..................... 282

2 Composição da
inteligência ....................................
287

Abordagem
factorial ................ ............................
.... 287 Teoria das inteligências
múltiplas ...... ....................... 289
Relação entre a inteligência e diversos factores
....... 290 Inteligência e
criatividade ........................................
291 Pensamento convergente e
divergente ..................... 292
Criatividade ..............................................
.............. 292

PERSONALIDADE ....................................
........................... ....... 294

1 Conceito de
personalidade ..................................
.... 298

2 Natureza da
personalidade ..................................
.... 302

Factores gerais que influenciam a personalidade


...... 302

3 Teorias da
personalidade .....................................
... 307

Teoria
psicanalítica ...... ....................................
....... 308 Teoria psicossocial de
Erikson ................................. 310
Teoria da aprendizagem
social ................................. 313
Rogers e a abordagem centrada na
pessoa .............. 315 Maslow e a
teoria da auto­
realização ....................... 318 Murray
e a teoria das necessidades psicológicas
..... 320 Entrevista com o Prof. Júlio Machado Vaz
................. 324

Entrevistas

Entrevista com o Dr. António


Pêgo .................................... 328

Entrevista com a Dra. Lisete


Barbosa ............................... 330

Entrevista com a Dra. Fátima Sarsfield


Cabral ................... 332

Entrevista com a Dra. Adriana


Baptista ............................. 336

bibliografia
Geral .......................................................
..... 339

Bibliografia
Afectiva ..................................................
...... 343

Glossário ...................................................
................... 345

índice
Remissivo ................................................
............ 350
c o v
O
E N
E. TITCHENER

"O MUNDO DA PSICOLOGIA CONTÉM OLHARES, TONS E SENTIDOS;


É O MUNDO DO ESCURO E DO CLARO, DO BARULHO E DO SILÊNCIO, DO
ÁSPERO E DO LISO; O SEU ESPAÇO ÀS VEZES É GRANDE E ÀS VEZES É
PEQUENO, SABEM­NO TODOS OS QUE VOLTARAM À CASA DA SUA INFÂNCIA; O
SEU TEMPO É ÀS VEZES CURTO, ÀS VEZES LONGO...”

A Humanidade desde sempre colocou um sem­número de questões sobre


o
mundo que a rodeia: porque se sucedem os dias e as noites? Porque
é que chove
e troveja? Qual a causa dos tremores de terra? Qual a origem da
vida? Porque se
morre?

Para estas questões procurou respostas, explicações que lhe


atenuassem a angústia e a inquietação.
Contudo, a Natureza não foi o único objecto das interrogações do
Homem. Este reflectiu sobre si próprio, sobre a vida humana: o
nascimento e a morte, o bem e o mal, a origem do medo e das
emoções, do sono e dos sonhos, da paixão, do amor, dos
delírios...

E é destas experiências vividas que nasce a ideia de alma.


Encarada como sopro de vida, como força interior que dirige e
alimenta o corpo, a alma foi objecto das mais diversas reflexões.
Aristóteles (séc. IV a. C.) é considerado por muitos o autor do
primeiro estudo de psicologia Acerca da Alma. Veja o termo que,
em grego, significa alma, espírito. É aqui que a palavra
psicologia tem a sua ligação etimológica:

Psiché’ (alma) + logos (razão, estudo).

Todavia, o termo psicologia só aparece no século XVI, sugerido


por Rodolfo Goclénio, sendo vulgarizado no século XVIII.
Considerada ciência nos finais do século XIX, a psicologia tem um
longo passado.

Atravessada por várias teorias, recorrendo a métodos e técnicas


de investigação diversificados, organizada em várias
especialidades, a psicologia procura, nesta diversidade,
responder às questões que desde sempre os seres humanos colocaram
sobre o seu comportamento, as suas emoções e sentimentos, as
relações que estabelecem uns com os outros, os sonhos, as
perturbações...

No quadro que se segue apresentamos­te os marcos mais importantes


da História da psicologia.
Algumas datas importantes na História da psicologia

400 a. C.
Hipócrates relaciona características da personalidade com tipos
físicos e propõe uma teoria fisiológica para as doenças mentais.

350 a. C.
Aristóteles salienta a observação objectiva do comportamento
humano e propõe três princípios para explicar a associação de
ideias.

400
S.’ Agostinho, influenciado pelas ideias de Platão, faz
cuidadosas introspecções na sua obra "Confissões".

1650
Descartes caracteriza a relação corpo­mente como interactiva.

1651
Hobbes antecipa o associacionismo ao declarar que as ideias
provêm da experiência sensorial.

1690
Locke declara que ao nascer a mente é uma “tábua rasa”.

1781
Kant ataca o associacionismo e a perspectiva inatista. Vai
influenciar profundamente filósofos e psicólogos.

1809
Gali, através da frenologia, chama a atenção para as faculdades
mentais e para as funções cerebrais.

1850
Helmhoitz mede os níveis de condução dos impulsos nervosos.

1859
Darwin publica "A Origem das Espécies", propondo a teoria da
evolução através da selecção natural.

1860
Fechner apresenta vários métodos para medir a relação entre os
estímulos físicos e as sensações.

1869
Galton estuda as diferenças individuais e aplica o conceito de
adaptação selectiva de Darwin à evolução das raças.

1879
Wundt funda o primeiro Laboratório de Psicologia em Leipzig.
1882
Stanley Hall funda o primeiro Laboratório de Psicologia nos EUA.

1885
Elobinginaus publica os primeiros estudos experimentais sobre a
memória.

1890
William Jannes publica nos EUA o livro "Princípios da
Psicologia".

1898
Thorndike desenvolve alguns dos primeiros estudos experimentais
sobre a aprendizagem animal.

1900
Freud publicou "A Interpretação dos Sonhos", onde apresenta
muitas das suas interpretações sobre a psicanálise.

1905
Binet e Simon desenvolvem o primeiro teste de inteligência.

1912
Pavlov publica os resultados dos seus estudos sobre o
condicionamento clássico.

1913
Watson apresenta o manifesto behaviorista.
1917
Kõhler publica os resultados dos seus estudos sobre a resolução
de problemas com primatas.

1938
Skinner publica o resumo dos resultados das investigações sobre o
condicionamento operante.

1942
Carl Rogers apresenta os fundamentos da concepção humanista de
terapia.

1954
Piaget publica A Construção do Reci na Criança, que se centra no
desenvolvimento cognitivo.

Atkinson, R., e outros, Hilgardk Introductíon to Psychology,


HBC Publishers, 1996, pp. 660­670 (adapt.)
O OBJECTO DA PSICOLOGIA

O objecto da psicologia é o estudo científico do comportamento e


dos processos mentais. Assim, a psicologia vai estudar todos os
actos e reacções observáveis, bem como os sentimentos, as
emoções, as atitudes, as representações mentais, as fantasias...

Cabe à psicologia estudar questões ligadas à personalidade, à


aprendizagem, à memória, à inteligência, ao funcionamento do
sistema nervoso... e também à comunicação interpessoal, ao
desenvolvimento, ao comportamento sexual, à agressividade, ao
comportamento em grupo, aos processos psicoterapêuticos, ao sono
e ao sonho, ao prazer e à dor...

À medida que fores aprofundando os teus conhecimentos de


psicologia irás delimitar e compreender melhor o objecto desta
ciência. Talvez encontres respostas para algumas destas perguntas
que se seguem; e a partir delas talvez formules novas questões:

* Porque é que o comportamento das pessoas é influenciado pela


publicidade?
* Os animais são capazes de resolver problemas?
* Porque é que as crianças acreditam, em determinada idade, que a
Lua anda atrás delas?
* A adolescência é uma fase de crise?
* O esquecimento é uma doença da memória? * O que é o
inconsciente?
* Uma lesão na terceira circunvolução frontal esquerda pode
provocar a perda da fala?
* O conteúdo dos sonhos tem significado?
* Porque é que os comportamentos sexuais têm mudado nas últimas
décadas?
* Porque é que os gostos e os sabores não são os mesmos em todas
as partes do mundo?
* A inteligência é hereditária?
* O que é a personalidade?
* Que tipos de apoio podem ser dados pelos psicólogos?
* Que limites se colocam à investigação e intervenção em
psicologia?

DA CONSCIÊNCIA AOS COMPORTAMENTOS

Integrada durante séculos na filosofia, a psicologia só se torna


uma ciência independente nos finais do século XIX, quando Wundt
funda o primeiro Laboratório de Psicologia Experimental, em
Leipzig. Será a partir deste acontecimento que se vão
desenvolver, de forma sistemática, as investigações em
psicologia.
Considerada por muitos a ciência do nosso século, a psicologia
toca todas as
esferas da actividade humana: na família, na escola, no trabalho,
no lazer... Daí que se acentue nesta ciência o processo comum a
outras áreas do saber ­ a psicologia é uma ciência que se
diferencia e se sistematiza em múltiplas escolas e teorias.

A curta história da psicologia científica é atravessada por


sistemas*, paradigmas*, que apresentam diversas concepções que se
reflectem na definição dos objectos, métodos e práticas
científicos diferentes.

Vamos apresentar­te alguns autores que desenvolveram teorias,


modelos explicativos que não só orientaram, em determinado
período, a actividade dos investigadores, como marcaram de forma
decisiva o desenvolvimento da psicologia.

Wundt, Pavlov, Watson, Freud, Kõhler e Piaget lideram as


principais tendências da psicologia. Procuraremos, de uma forma
sucinta, traçar as linhas das correntes que mais
contribuíram para o desenvolvimento desta ciência, concretamente
para a definição do seu objecto.

A grande variedade e diversidade de teorias é condição e


resultado do desenvolvimento de uma ciência que tem por objecto o
ser humano em toda a sua complexidade.

“A psicologia reúne tudo aquilo que o Homem sente, tudo aquilo


que ele pensa, tudo aquilo que ele quer, tudo aquilo que ele
gosta, tudo aquilo que ele rejeita. A unidade da psicologia não é
a de uma arquitectura rígida, mas a de uma imagem que com o tempo
se desfaz e se refaz e cujas flutuações indicam que continua
viva. “

AMAR, A., in GAUQUELIN, M. F. (orgs.), Dicionário da Psicologia,


Verbo, 1987, p. 2831

No quadro que se segue estão registadas as principais correntes


da psicologia que irás estudar neste capítulo.

Quadro 2 ­ Correntes em psicologia

Pavlov
Reflexologia

Freud
Psicanálise

Wundt
Associacionismo
Kõhler
Gestaltismo /Teoria da forma

Watson
Behaviorismo / Comportamentalismo 1

Piaget
Construtivismo

Nos nossos dias as preocupações relacionadas com o conhecimento


psicológico reflectem­se em artigos na imprensa, programas de
rádio e televisão, na linguagem corrente...

(1) Faz um levantamento de expressões vulgarmente utilizadas que


denotem essas preocupações.

(2) Recolhe artigos de jornais e revistas que abordem temas


relacionados com a psicologia.

As obras referenciadas ao longo do livro são apresentadas de


forma completa na Bibliografia Geral.
Wilhem Wundt formou­se em medicina na Universidade de Heidelberg,
na Alemanha, onde mais tarde vem a leccionar a cadeira de
Fisiologia. Interessado em estudar os processos sensoriais,
dedica­se ao campo da psicologia. Em 1879, funda em Leipzig o
primeiro Laboratório de Psicologia Experimental, seguindo o
modelo dos laboratórios das ciências da natureza.
O seu laboratório torna­se rapidamente um centro de investigação
onde acorrem psicólogos e estudantes de todo o mundo. Aí
trabalham e treinam psicólogos que depois fundam laboratórios ou
departamentos onde divulgam as práticas da
Psicologia.
eficaz para Wundt atingir o seu principal objectivo: contribuir
para o processo de autonomização da psicologia, relativamente à
filosofia. Na sua extensa obra ­ escreveu cerca de 54 000
páginas impressas ­ descreve as suas experiências e desenvolve a
sua teoria. Escreveu sobre

fisiologia, filosofia, psicologia experimental, psicologia


social. Dentro desta última área, publica A Psicologia dos Povos.
De entre os seus livros, destacamos: Os Elementos de Psicologia
Fisiológica e Os Contributos
Para uma Teoria das Percepções Sensoriais. Manteve intensa
actividade até aos 85 anos, idade em que se reformou.

WUNDT E O ASSOCIACIONISMO

Influenciado pelas recentes descobertas em química ­ segundo as


quais todas as substâncias químicas são compostas por átomos ­,
Wundt vai procurar decompor a
mente, a consciência, nos seus elementos simples, que são as
sensações. Para ele e seus seguidores, as operações mentais não
eram mais do que a organização de sensações elementares,
procurando relacioná­las com a estrutura do sistema nervoso.

Define como objecto da psicologia o estudo da mente, da


experiência consciente do Homem. É no seu laboratório, em
Leipzig, que vai procurar conhecer os elementos constitutivos da
consciência, a forma como se relacionam e associam: concepção
associacionista. Para atingir este objectivo, vai utilizar como
método a introspecção controlada.

Observadores treinados deveriam, no laboratório, descrever as


suas
experiências, resultantes de uma situação experimental definida.
Através da introspecção, os sujeitos experimentais descreviam os
seus estados subjectivos, resultantes de estímulos visuais,
auditivos e tácteis.

Wundt e os seus colegas sujeitaram­se a várias experiências. Numa


delas utilizaram um metrónomo: ouviam as batidas num determinado
padrão e a seguir descreviam as suas sensações. Por exemplo,
Wundt relata que sentiu alguma tensão antes de as batidas
começarem, uma leve excitação quando a velocidade aumentava e,
finalmente, uma agradável sensação quando o som terminava.

A concepção de psicologia defendida por Wundt define a


consciência como objecto e a introspecção como método. A
psicologia teria como objecto a experiência humana estudada na
perspectiva das experiências pessoais através da auto­Observação.

Durante muito tempo, o associacionismo foi a escola dominante nos


EUA e na Alemanha.

Considerado por muitos o pai da psicologia experimental, ainda


não é com Wundt que a psicologia ganha o estatuto de ciência
autónoma.

As criticas movidas a Wundt pelo facto de não ter rompido de


forma decisiva com a psicologia tradicional, introspectiva, vai
conduzir a uma redefinição do objecto e do método da psicologia.

Ivan Pavlov nasceu em Riazan, na Rússia. Depois de ter tirado o


curso de ciências, é nomeado assistente no Laboratório de
Fisiologia do Instituto Veterinário de Petrogrado. Em 1879, é
admitido como médico na
Academia Médico­Cirúrgica. Dez anos depois, inicia os seus
trabalhos sobre digestão. É nomeado professor de Fisiologia na
Academia de Medicina Militar em 1891. No ano de 1902, começa a
trabalhar sobre os reflexos condicionados. Dois anos depois,
recebe o Prémio Nobel pelos seus estudos sobre a fisiologia da
secreção gástrica. No ano de 1924, a Academia Soviética de
Ciências fundou um Instituto de Fisiologia para Pavlov, que se
veio a tornar um dos mais importantes centros científicos do
mundo. De entre as suas obras, destacamos: Vinte Anos de
Experiências Sobre o Estudo Objectivo da Actividade Nervosa
Superior e Fisiologia e Psicologia. Pavlov manteve­se empenhado
nas suas pesquisas até à data da sua morte.

PAVLOV E A REFLEXOLOGIA

Pavlov, ao estudar as secreções gástricas, descobre que, para


além dos reflexos* inatos*, se podem desenvolver nos seres
humanos e nos animais reflexos aprendidos. Apercebe­se, no
decorrer de uma experiência, que o cão salivava não só quando via
o alimento ­ reflexo inato ­ mas também a outros sinais
associados ao alimento, como, por exemplo, os passos do tratador,
o som de uma campainha. Designou este comportamento por reflexo
condicionado.

Para Pavlov, aquilo que se denominava por espírito mais não era
do que a actividade do cérebro. Dedica­se, por isso, a estudar
profundamente a actividade nervosa superior, estabelecendo um
conjunto de leis fisiológicas. É no córtex* cerebral que se vão
formar, modificar e desaparecer os reflexos condicionados.

A psicologia, que deveria tomar a designação de reflexologia,


circunscrever­se­ia ao estudo dos reflexos. Os reflexos ­ inatos
e condicionados ­ seriam o fundamento das respostas dos
indivíduos aos estímulos provenientes do meio. E é a partir das
suas pesquisas sobre o condicionamento que Pavlov vai explicar os
processos de aprendizagem, destacando­se o estudo sobre a
aquisição da linguagem.

Os trabalhos de Pavlov representam um grande passo na


constituição da psicologia experimental objectiva. A afirmação
"Sem factos as teorias são vãs... procurem­se as leis que
governam os factos" reflecte de forma eloquente a orientação que
dava às suas pesquisas.

É também com Pavlov que a psicologia se direcciona decisivamente


para o estudo do comportamento do animal e do ser humano.

No capítulo sobre a aprendizagem, terás oportunidade de conhecer


melhor as concepções de Pavlov.

John Watson nasceu na Carolina do Sul. Foi um aluno médio,


durante o seu percurso escolar, até chegar à Universidade de
Chicago. Frequentou o curso de filosofia mas, desiludido com a
orientação, muda para psicologia. Para suportar as suas despesas
pessoais, aceita como trabalho a limpeza dos gabinetes da
universidade, bem como a vigilância dos ratos brancos dos
laboratórios de neurologia. Doutorou­se em neuropsicologia,
defendendo uma tese sobre a relação entre o comportamento dos
ratos brancos e o sistema nervoso central. Como professor de
psicologia animal desenvolve investigações, fundamentalmente
sobre o comportamento de ratos e macacos. São as suas
experiências com animais, controladas de forma rigorosa e
objectiva, que lhe vão inspirar o modelo de psicologia. Os mesmos
procedimentos poderão ser aplicados pelos psicólogos se estes se
debruçarem sobre o estudo do comportamento humano. Daí que Watson
assuma claramente a abolição da barreira entre a psicologia
humana e animal.

Com 29 anos vai leccionar na Universidade de Baltimore, onde


desenvolve, durante treze anos, o fundamental da sua pesquisa,
instalando um Laboratório de Psicologia Animal. Em 1913, publica
o artigo “A Psicologia tal como o Behaviorista a vê”, onde
apresenta os fundamentos da sua teoria. Com a Primeira Guerra
Mundial interrompe a sua actividade profissional para ingressar
no exército, participando numa campanha militar em França. Em
1918, retoma a investigação, estudando a primeira infância. Um
divórcio tumultuoso obriga­o a abandonar a universidade. Ingressa
numa agência de publicidade dedicando­se paralelamente à
divulgação das suas teorias junto de um público mais amplo.
Depois de aposentado, retoma as suas investigações em psicologia.
As suas obras mais divulgadas são: Behavior: Uma Introdução à
Psicologia Comparada e Behaviorismo. Morreu com 80 anos em Nova
Iorque.

WATSON E O BEHAVIORISMO

Watson é considerado o pai da psicologia científica ao demarcar­


se de forma radical de toda a psicologia tradicional que tinha
por objecto o estudo da consciência e por método a introspecção.

Este autor não nega a existência da consciência, nem a


possibilidade de o indivíduo se auto­observar. Considera,
contudo, que a análise dos estados de espírito bem como a procura
das suas causas só podem interessar ao sujeito no âmbito da sua
vida pessoal.
No seu artigo “A Psicologia tal como o Behaviorista a vê “,
Watson considera que, com Wundt, a psicologia científica teve uma
falsa partida. O fundador do primeiro Laboratório de Psicologia,
ao pretender estudar os processos mentais, os conteúdos da
consciência, não conseguiu romper com as concepções tradicionais:
“Tratou de apegar­se à tradição com uma das mãos, enquanto que
com a outra puxava para o lado da ciência”.

Para se constituir como ciência, a psicologia terá que cortar com


todo o seu passado ­ concepção e método ­ e constituir­se como um
ramo objectivo e experimental da ciência.

John Watson pretendia para a psicologia o mesmo estatuto da


biologia. Ora, para se constituir como ciência rigorosa e
objectiva, o psicólogo terá que assumir a atitude do cientista:
trabalhar com dados que resultam de observações objectivas, isto
é, públicas, acessíveis a qualquer outro observador. O psicólogo*
terá que renunciar à introspecção e limitar­se, como acontece nas
outras ciências, à observação externa.

Segundo Watson, só se pode estudar directamente o comportamento


observável (behavior), isto é, a resposta (R) de um indivíduo a
um dado estímulo (E) do ambiente.

Tal como em qualquer outra ciência, cabe ao psicólogo decompor o


seu objecto ­ o comportamento ­ nos seus elementos e explicá­los
de forma objectiva. Para atingir esta finalidade, deverá recorrer
ao método experimental.

Esta concepção de psicologia, defendida por Watson e seus


seguidores, designa­se por behaviorismo, comportamentalismo ou
teoria do comportamento. Daí que encontres, nos textos de
psicologia, qualquer uma destas designações.
NOÇÃO DE COMPORTAMENTO

Para Watson, a psicologia deveria estudar o que o ser humano faz


desde o nascimento até à morte, isto é, o seu comportamento.

O estudo do comportamento consiste em estabelecer as relações


entre os estímulos e as respostas:

Por estímulo entende­se o conjunto de excitações que agem sobre o


organismo.

O estímulo pode ser qualquer elemento ou objecto do meio ou


qualquer modificação interna do organismo.
­Meio externo: raios luminosos, ondas sonoras, partículas que
afectam o olfacto e o gosto, vibrações mecânicas, etc.

Ex.: a picada de uma agulha.

­Meio interno: movimentos dos músculos, secreções das glândulas,


etc.

Ex.: contracções do estômago provocadas pela fome.

Em geral, o comportamento é determinado não por um estímulo, mas


por um
conjunto complexo de estímulos que se designa situação.

A cada situação corresponde um dado comportamento, isto é, um


conjunto de respostas. A resposta é uma reacção muscular ou
glandular, podendo ser de dois tipos:

Explícitas ­ são directamente observáveis: movimentos, voz,


secreções externas.
Ex.: lágrimas, saliva, suor...

Implícitas ­ são constituídas pelas respostas viscerais, pela


actividade dos músculos lisos’ (ex.: contracções do estômago),
pelos batimentos do coração, pelas mímicas, esboços de gestos,
pelas emoções.

Para os comportamentalistas, a resposta é tudo o que o animal ou


o ser humano faz: afastar a mão quando picada por uma agulha,
saltar quando se escuta um
som alto, chorar quando se recebe uma má notícia, mas também
fazer planos para o futuro, escrever um livro, ter filhos, fazer
uma escultura, um prédio, etc.

O comportamento, isto é, o conjunto de respostas objectivamente


observáveis, é determinado por um conjunto complexo de estímulos
(situação) provenientes do
meio físico ou social em que o organismo se insere.
R = f (S __j

O comportamento, a resposta (R), é função (f), isto é, depende da


situação (S).
O estabelecimento das leis do comportamento resulta do estudo das
variações das respostas em função da situação. O psicólogo deverá
ser capaz de, conhecendo o estímulo, prever a resposta; se
conhecer a resposta deverá poder identificar o estímulo, a
situação que a provocou. Os músculos lisos são músculos sob o
controlo do sistema nervoso autónomo e constituem a componente
muscular de órgãos, como os vasos sanguíneos, útero e grande
parte do tubo digestivo.
Watson não nega que entre o estímulo e a resposta se passe algo
no interior do sujeito. Considerou, contudo, que tal não é
objecto da psicologia.

COMPORTAMENTALISMO E EDUCAÇÃO

As concepções de Pavlov tiveram grande influência na elaboração


da teoria
behaviorista. Tal como o fisiologista russo, Watson considerava
que o ser humano e o animal, para além dos reflexos inatos,
têm reflexos aprendidos.
O comportamento humano seria o resultado da soma dos reflexos
inatos e condicionados. A personalidade seria o produto da
acumulação dos condicionamentos sofridos pelo indivíduo ao longo
do tempo.

Para Watson, a primeira infância revestia­se de uma grande


importância: é nesse
período da vida que se organizam as primeiras aprendizagens, isto
é, os primeiros condicionamentos. Por isso, muitos distúrbios
comportamentais dos adultos têm origem nos hábitos interiorizados
em criança. Por esta razão, Watson vai interessar­se pelas
questões de educação.

Embora não negue a existência de factores hereditários ­ para


ele, irrelevantes na formação da personalidade do indivíduo ­,
considera que, no desenvolvimento da criança, são determinantes
os factores do meio.

"Dêem­me uma dúzia de crianças sadias, bem constituídas e a


espécie de mundo que preciso para as educar, e eu garanto que,
tomando qualquer uma delas, ao acaso, prepará­la­ei para se
tornar um especialista que eu seleccíone.­ um médico, um
comerciante, um advogado e, sim, até um pedinte ou ladrão,
independentemente dos seus talentos, inclinações, tendências,
aptidões, assim como da profissão e da raça dos seus
antepassados."

WATSON

Para Watson, nós somos o que fazemos; e o que nós fazemos é o que
o meio nos faz fazer. Neste sentido, os indivíduos não são
pessoalmente responsáveis pelos seus
actos, dado que são produto do meio em que vivem. Uma das
consequências desta concepção é a atitude que Watson tinha face
aos delinquentes e criminosos: vitimas de um meio adverso,
deveriam ser submetidos a um programa de reeducação, isto é,
sujeitos a um recondicionamento.
1928, publica Cidades Psicológicos do Bebé e da Criança, onde
reafirma a importância dos primeiros anos na formação do
indivíduo, abordando o papel que os pais desempenham nesta fase
da vida.
APRECIAÇÃO CRíTICA

Poderemos considerar a teoria do comportamento um movimento


revolucionário que contribuiu de forma decisiva para a
constituição da psicologia científica. É com Watson que se dá a
ruptura com a psicologia introspectiva, da consciência, definindo
de forma inequívoca o seu objecto ­ o comportamento observável ­
e o
seu método ­ o método experimental. Pode­se afirmar que é com
Watson que a
psicologia adquire o estatuto de ciência.

Contudo, a necessidade de demarcação relativamente à psicologia


da consciência conduziu os behavioristas a uma concepção limitada
e simplista do comportamento. Ao reduzir a interpretação do
comportamento à fórmula E ­+ R, muitas condutas ficam por
explicar. Por exemplo, as reacções desencadeadas pela sede
escapam ao
esquema proposto: eu não bebo quando vejo água. É uma situação
interna do meu
organismo que desencadeia um conjunto de comportamentos que me
permitem atingir o objectivo: beber.

Outros comportamentos mais complexos e especificamente humanos,


como a linguagem, o pensamento, os sentimentos, as emoções, não
são redutíveis à fórmula proposta pelos comportamentalistas.

Supomos que exemplos do dia­a­dia, vividos ou observados por ti,


servem para pôr em causa o rigoroso determinismo estímulo­
resposta defendido pelos behavioristas.

Perante uma mesma situação, é grande a possibilidade de surgirem


respostas, reacções diferentes. Por exemplo, quando ocorre um
acidente (S), as respostas dos sujeitos que o presenciam não são
as mesmas: um pode socorrer a vitima (R1), outro procura um
telefone para pedir assistência (R2), outro, impressionado,
afasta­se do local (R3)...

Além disso, o mesmo sujeito, perante a mesma situação, pode, em


momentos
diferentes, comportar­se de forma distinta.

Por outro lado, situações diferentes podem desencadear o mesmo


tipo de resposta: uma criança pode chorar (R) porque caiu (S1),
porque a mãe lhe recusou um gelado (S2), porque perdeu um
brinquedo (S3)...

De notar que os neobehavioristas vão integrar nas suas concepções


algumas das criticas, introduzindo outras variáveis na explicação
dos comportamentos. A teoria do comportamento evolui com autores
como: Skinner, Thorndike, Guthrie, HulI, Tolman e Bandura.
OUTRA CONCEPÇÃO DE COMPORTAMENTO

Paul Fraisse e Jean Piaget propõem uma interpretação mais


dinâmica do comportamento. O pequeno texto que transcrevemos
reflecte essa concepção:

"O que conta em definitivo para a explicação de uma conduta é a


interacção que existe entre a situação e a maneira pela qual o
sujeito a apreende em função da sua personalidade (do seu
organismo, experiência, temperamento, necessidades, etc.)."

FRAISSE, P., e PIAGET, J., Tratado de Psicologia Experimental,


vol. 1, Forense, 1963, p. 75

Para estes psicólogos, o comportamento é a manifestação de uma


personalidade (P) numa dada situação (S). O esquema explicativo
que propõem é mais adequado aos comportamentos humanos dado que
tem em conta quer as determinantes do meio, quer a personalidade
do sujeito.

R= f (S @+ P)

O comportamento é função, isto é, depende da interacção entre a


situação e a
personalidade do sujeito. A dupla seta, !;, reflecte o carácter
dinâmico da relação: não se pode encarar a personalidade
independentemente da situação. Produto de um processo complexo,
em que intervêm factores internos e externos, a personalidade
vai­se construindo no contexto do meio, nas diferentes situações
vividas pelo sujeito. Por outro lado, o modo como a situação é
encarada, interpretada, depende também da personalidade e das
experiências anteriores do indivíduo.

O que é importante para explicar um comportamento é o modo como o


indivíduo integra os dados da situação tendo em conta a sua
personalidade e a sua experiência.

Lê atentamente o texto e responde às questões que te colocamos.

‘A definição que a maioria dos psicólogos aceita é a seguinte.


psicologia é a ciência do comportamento humano e animal. Podes
ficar admirado com as palavras ciência, animal e comportamento.
Será que a psicologia é realmente uma ciência?

Uma ciência é um conjunto de conhecimentos sistematizados, e a


psicologia contemporânea, evidentemente, possui esse conjunto de
conhecimentos. Este foi obtido da mesma forma que as outras
ciências criam o seu conhecimento ­ através da observação
cuidadosa e da mensuração de acontecimentos, muitas vezes com o
auxílio de experiências planeadas especificamente para isso.
A palavra comportamento está na nossa definição porque
aprendemos, na pesquisa psicológica, que o comportamento é a
única coisa que podemos estudar. Por comportamento entendemos,
geralmente, as respostas de uma pessoa ou de um animal diante de
uma situação. Tais respostas são quaisquer movimentos que faz e
que podem ser observados ou registados, em que se incluem as
respostas verbais, escritas ou orais. Sob o aspecto fisiológico,
tais respostas incluem mudanças no ritmo cardíaco, no ritmo de
respiração, na condutividade
eléctrica da pele e mesmo na composição sanguínea. Tudo isto pode
ser estudado objectivamente. Mas não podemos observar uma mente,
um pensamento ou um sentimento. Embora não duvidemos da sua
existência, não podemos atingi­los directamente. Tudo o que
sabemos com segurança é o que uma pessoa faz, isto é, como se
comporta. Certamente, a partir do seu comportamento, inferimos
muita coisa a respeito do que ocorre dentro dela. Mas

tudo o que podemos realmente estudar é esse comportamento.

Finalmente, consideremos a palavra animal na definição. Falando


rigorosamente, os seres humanos são animais, mas aqui queremos
indicar outros animais, e não os seres humanos. Neste sentido, há
duas razões para que a psicologia inclua o estudo de animais.

Uma delas é que o comportamento animal é um campo legítimo de


pesquisa, da mesma
maneira que a zoologia. Uma outra razão, ainda mais importante
que essa, é que realmente precisamos de estudar o comportamento
animal para compreender o comportamento humano. Por exemplo, não
podemos criar crianças no escuro para ver como as experiências
visuais iniciais influem na sua percepção de objectos. Os
experimentadores são muito limitados no uso de pessoas como
‘cobaias’. Por isso, grande parte do que se sabe sobre pessoas
foi obtido através do estudo de animais.

Evidentemente, isso supõe que os homens e os animais sejam


semelhantes: na realidade, sob muitos aspectos é isso que ocorre.
Por exemplo, os psicólogos estão certos de que os princípios
básicos de aprendizagem se aplicam, igualmente, a animais e
homens. Por isso, as frequentes referências, neste livro, a
animais não são pouco importantes. Por outro lado, a
capacidade para falar, ou até para pensar, como um ser humano,
está além da capacidade dos animais. Portanto, existe um ponto em
que a semelhança desaparece. Por isso, os psicólogos são
cuidadosos ao aplicarem a seres humanos os resultados de estudos
com animais. “

MORGAN, C. T., Introdução à Psicologia, McGraw­Hifi, 1978, pp. 2­


3
(1) Qual é, para o autor, o objecto da psicologia?
(2) “Será que a psicologia é realmente uma ciência?”.
(3) Regista a definição de comportamento.
(4) O comportamento exprime­se através de respostas. Apresenta
alguns tipos de resposta referidos no texto.
(5)De acordo com o texto, a psicologia não pode estudar a mente.
Porquê?
(6) Na definição de psicologia está incluído o comportamento
animal. justifica esta opção.
(7) Apresenta algumas críticas às concepções expressas no texto.

Sigmund Freud nasceu em Freiberg, na Morávia, (no antigo Império


Austro­Húngaro). O pai era comerciante e Freud foi o primeiro dos
oito filhos do seu segundo casamento. Formou­se em Medicina,
na Universidade de Viena, em 1881, tendo­se especializado em
neurologia. As dificuldades em prosseguir uma carreira
académica, devido ao facto de ser judeu e de ter de sustentar uma
família numerosa, levam­no a exercer clínica privada, como
psiquiatra.
Estuda durante um ano (1885­86) em Paris, com o professor Jean
Charcot. Este psiquiatra utilizava a hipnose no tratamento de
perturbações nervosas, especialmente a histeria.
Charcot recusa as explicações dominantes para esta perturbação;
a histeria não era especificamente feminina e não tinha uma
causa orgânica.

São os trabalhos e as experiências desenvolvidas com Charcot


que vão fazer nascer a ideia de que existiria um pensamento
separado da consciência. Contudo, é com Breuer, que utiliza a
hipnose como terapia, que Freud vai aprofundar os seus
conhecimentos, publicando, em
conjunto, Estudos sobre Histeria. Ambos consideram que esta
doença é provocada pela retenção, no inconsciente do doente, de
lembranças traumáticas. Dado o seu carácter penoso, estas
recordações são reprimidas, não se podendo exprimir. A energia
bloqueada manifesta­se em vários sintomas* físicos como
paralisias, cegueira, perdas de memória, da fala. Durante o sono
hipnótico os doentes encontravam a origem das suas perturbações e
os sintomas desapareciam. Por essa razão Breuer chama a este
método “catártico”, isto é, purificador.

Em 1896, Freud abandona o trabalho conjunto com Breuer por duas


razões: considerava que a hipnose era um método limitado, com
resultados pouco duráveis; por outro lado, Breuer não aceita a
concepção de Freud, para quem a histeria ­ que passa a ser
designada por psiconeurose ­ tinha origem sexual.

É precisamente no ano de ruptura com Breuer que Freud vai


utilizar
pela primeira vez, num artigo que publica, as suas concepções que
vão constituir os fundamentOS da sua teoria psicanalítica.

Sigmund Freud divide­se em múltiplas actividades: dá aulas,


profere conferências, com seus doentes, regista as suas
experiências e concepções. o seu trabalho clínico forneceu­lhe
muitos elementos para a construção da sua teoria. Outra fonte de
informação e de dados resultou da análise que fazia a si próprio,
desde 1897 até à data da sua morte. Apesar de os nazis terem
ocupado Viena, Freud recusa­se a abandonar a cidade. Contudo,
pressionado pelos amigos, preocupados com a sua segurança e a da
sua família, Freud fixa­se em
Londres acompanhado de sua filha Anna. Morre com 83 anos,
vítima de cancro no maxilar. A sua obra é muito vasta,
encontrando­se organizada em 24 volumes que abordam os mais
variados temas: as técnicas da psicanálise, a psicanálise
aplicada às ciências sociais, os fundamentos
teóricos da psicanálise, etc. Poderemos destacar alguns dos
títulos mais importantes: Psicopatologia da Vida Quotidiana, Três
Ensaios Sobre a Sexualidade, Cinco Lições Sobre a Psicanálise, A
minha Vida e a Psicanálise, Totem e Tabu.

A sua filha Anna Freud continua a sua obra, como eminente


psicanalista. Entre os seus discípulos e continuadores
celebrizaram­se
os nomes de Carl Jung, Alfred Adier, Otto Rank, Wilhem Reich,
Melanie Klein, W. R. Bion, D. W. Winnicott... Quando acabares de
estudar este autor, verás como a sua biografia está intimamente
relacionada com o desenvolvimento da psicanálise. Aliás, é o
próprio Freud que o admite: “A minha vida só tem interesse nas
suas relações com a psicanálise”.
FREUD E A PSICANÁLISE

Foi na reflexão sobre os dados que recolheu junto dos seus


pacientes, das observações que fez sobre si próprio, bem como o
debate que sempre estabeleceu com investigadores, seus
contemporâneos, que Freud foi procurar o significado mais
profundo das perturbações psicológicas.

Seria impossível compreender OS processos patológicos se só se


admitisse a existência do consciente. Até então, a concepção
dominante de Homem definia­o como ser racional, que controlava os
seus impulsos através da vontade. O consciente, constituído pelas
representações presentes na nossa consciência e conhecido pela
introspecção, constituía o essencial da vida mental do ser
humano.

A grande revolução introduzida por Freud consistiu na afirmação


da existência do inconsciente zona do psiquismo constituída por
pulsões*, tendências e desejos fundamentalmente de carácter
afectivo­sexual, a qual não é passível de conhecimento directo. À
consciência é atribuído um papel modesto ­ os processos
psicológicos mais determinantes ocorrem no inconsciente.

Freud compara o psiquismo humano a um icebergue: a sua


parte visível é muito pequena e corresponde ao consciente, sendo
constituída por imagens, lembranças, ideias que se podem evocar e
conhecer. Contudo, a parte submersa, que não se vê, do icebergue
é a maior e corresponde ao inconsciente, cabendo­lhe um papel
determinante no comportamento.

Na sua teoria, Freud distingue duas tópicas, isto é, duas


concepções sobre o psiquismo: na primeira tópica, distingue o
consciente, o pré­consciente e o inconsciente; na segunda tópica,
o id, o ego e o superego.
O pré­consciente (subconsciente) faz a ligação entre o consciente
e o inconsciente e corresponde, na imagem do icebergue, a uma
zona flutuante de passagem entre a parte visível e a oculta e que
varia o seu grau de emersão/imersão.

O material inconsciente tende a tornar­se consciente. Contudo, há


todo um conjunto de forças que se opõem a esta passagem. Freud,
no seu livro Introdução à Psicanálise, recorre novamente a uma
imagem para melhor explicar a sua concepção: o nosso psiquismo
seria constituído por uma grande sala ­ o inconsciente ­ e por
uma pequena antecâmara ­ o consciente. Na entrada da antecâmara
há um vigilante que inspecciona as pulsões, os desejos, que
querem passar. Se não lhe agradam, censura­os, impedindo a sua
entrada, impossibilitando­os de se tornarem conscientes.

Existe, assim, uma censura que bloqueia a tomada de consciência


do material inconsciente, que pode ser, portanto, sujeito a um
processo de recalcamento.

O recalcamento constitui um dos mecanismos de defesa inerente ao


equilíbrio do indivíduo, sendo, por isso, um processo normal.
Todavia, a partir de determinados limites, é responsável por
comportamentos neuróticos.

Posteriormente, Freud vai apresentar a imagem do psiquismo


através da
estrutura id, ego, superego, como terás oportunidade de estudar
no capítulo sobre o desenvolvimento (ver pp. 172 e ss.).

A SEXUALIDADE

Foi o trabalho desenvolvido com os seus doentes que levou Freud a


concluir que muitos dos sintomas neuróticos estavam relacionados
com a sexualidade, objecto de múltiplas repressões e obstáculos.

Depois de ter afirmado que existia uma instância inconsciente no


psiquismo humano, Freud vai provocar um grande escândalo ao
atribuir à sexualidade um
papel essencial na vida psíquica humana. Além disso, conclui que
existe uma
sexualidade infantil. A sexualidade não se inicia com o
funcionamento das glândulas sexuais na puberdade, mas exprime­se
desde o nascimento. Considera ainda que o comportamento sexual
adulto está relacionado com as vivências infantis.

A descoberta da sexualidade infantil levou Freud a modificar as


suas noções, distinguindo genital de sexual. A sexualidade não se
limita ao acto sexual entre duas pessoas: a sexualidade é toda a
actividade pulsional que tende a uma satisfação.
Para Freud, o desenvolvimento humano, desde a infância à vida
adulta, é explicado pela evolução da psicossexualidade. Quando
estudares a psicologia do desenvolvimento irás aprofundar esta
questão.

APRECIAÇÃO CRíTICA

A concepção freudiana representa uma verdadeira revolução


científica. A ruptura operada pela psicanálise que apresenta um
novo conceito de ser humano é, muitas vezes, comparada às
revoluções levadas a cabo por Copérnico e por Darwin.
A psicanálise é simultaneamente uma técnica terapeutica, um
método, bem como um corpo autónomo de conceitos organizados numa
teoria.

Poderemos dizer que Freud explorou um novo campo em psicologia ­


o inconsciente ­ apresentando uma visão dinâmica do psiquismo.
Por outro lado, recorreu a um novo método: o método psicanalítico
(p. 64). Demarca­se, assim, de uma psicologia centrada na
consciência, a psicologia introspectiva, bem como da psicologia
behaviorista, centrada no mecanismo estímulo/resposta. Além
disso, pela primeira vez se afirma a existência de uma
sexualidade infantil.

Um conceito de ser humano dominado por pulsões, bem como a


afirmação de uma sexualidade infantil, provocaram, durante a sua
vida e depois da sua morte, as mais vivas e apaixonadas críticas,
escandalizando os meios mais moralistas.

o âmbito das concepções freudianas ultrapassou a psicologia. São


muitas as
contribuições da psicanálise para o estudo das religiões, dos
mitos, dos modos de vida, da arte. Poderemos afirmar que a
psicanálise é, ainda hoje, uma teoria
actuante impregnando a cultura contemporânea.

“A psicanálise é usualmente creditada pela imporTância que a


partir dela se passou a atribuir às motivações inconscientes
(.. ), às experiências infantis e seus reflexos no adulto, ou
ainda pelo relevo que atribui ao conflito. (.. ) Com a teoria
psicanalítica, acede­se, pela primeira vez, à tentativa de dar
significado ao projecto de vida do sujeito individual na sua
totalidade.

Correia Jesuíno

Sublinha no texto as expressões que reflectem o carácter inovador


da psicanálise. Apresenta a estrutura do psiquismo proposta por
Freud.

Esclarece em que consiste o recalcamento.


Wolfgang Kõhler nasceu em 1887, em Reval, na Rússia. Filho de
pais alemães, efectuou os seus estudos nas Universidades de
Thübingen, Bona e
Berlim. Faz o doutoramento nesta última cidade
e é nomeado professor no Instituto de Psicologia da Universidade
de Frankfurt. Conhece Max Wertheimer e Kurt Kofka, futuros
promotores do gestaltismo. É nomeado director da Academia das
Ciências da Prússia, vindo a dirigir a Estação o de Pesquisas com
Antropóides nas ilhas Canárias, em 1913. É aí que realiza
numerosas experiências com macacos que reflecte no seu primeiro
livro A Inteligência dos Macacos Superiores. Em 1920, regressa à
Alemanha e funda com Wertheimer e Kofka uma revista de
psicologia. Dois anos depois, é nomeado director do Instituto de
Psicologia em Berlim. Em 1929, publica o livro
Psicologia do Formo. Seis anos mais tarde, Kõhler, como tantos
outros cientistas e artistas, vê­se obrigado a abandonar a
Alemanha em virtude de ter expressado, publicamente, a sua
posição contra o nazismo. Emigra para os EUA, adoptando, nove
anos mais tarde, a naturalidade americana.

Aí encontra a corrente behaviorista fortemente implantada. As


concepções dos gestaltistas são encaradas com desconfiança porque
não se enquadravam no esquema E ­+ R.

Enquanto Wertheimer se dedica à investigação numa universidade,


Kõhler e Kofka, polemizam com os psicólogos americanos,
demonstrando a oportunidade da sua teoria. A pertinência das suas
concepções é progressivamente reconhecida porque os gestaltistas
associam a uma fundamentada teoria uma prática experimental.

Em 1959, Kõhler é nomeado presidente da Associação Americana de


Psicologia. No ano de 1966, dá uma série de conferências em
Princeton, que virão a ser publicadas sob o título "O Papel da
Psicologia da Forma."

Kõhler morre com 80 anos em New Hampshire.

KõHLER E O GESTALTISMO

Kõhler e os seus companheiros vão desenvolver todo um conjunto de


investigações baseadas na noção de gestalt, termo geralmente
traduzido, em português, por forma, mas também por organização,
estrutura, configuração.

O gestaltismo, ou psicologia da forma, nasceu por oposição à


psicologia do século XIX, que tinha por objecto os estados de
consciência. Kõhler, Wertheimer e Kofka vão criticar,
concretamente, Wundt que, tomando o modelo das outras ciências,
procurava decompor os processos mentais nos seus elementos mais
simples. Se a fisiologia analisava os órgãos, decompondo­os em
tecidos e células, a psicologia deveria decompor os processos
conscientes nos seus elementos constitutivos e enunciar as leis
que regem as suas combinações e relações. Os elementos mais
simples seriam as sensações que, associadas, somadas,
constituiriam a percepção*.

É contra esta concepção atomista, associacionista, que os


gestaltistas vão reagir invertendo o processo explicativo.
Enquanto os associacionistas* partem das sensações elementares
para construir as percepções, os gestaltistas partem das
estruturas, das formas: nós percepcionamos conjuntos organizados
em totalidades. A teoria da forma considera a percepção como um
todo.

Uma melodia é ouvida como uma totalidade, como um conjunto, e,


quando a escutamos, não temos consciência das notas que a
compõem. Quando percepciono, por exemplo, um automóvel, não vejo
primeiro o tejadilho, depois as portas, em seguida as rodas...
percepciono o automóvel como um todo, como uma gestalt; só em
seguida passo à análise dos elementos, dos pormenores.
A percepção da cadeira não é o somatório dos elementos que a
constituem.

O todo é percebido antes das partes que o constituem. A forma


corresponde à maneira como as partes estão dispostas no todo.

É no contexto da teoria da forma que se poderão explicar algumas


ilusões* óptico­geométricas. Estas resultam da forma como as
diferentes componentes de uma figura se organizam num todo.

O todo não é a soma das suas partes ­ na realidade estas


organizam­se segundo determinadas leis. Os eleMentos
constitutivos de uma figura são agrupados espontaneamente. Esta
organização é, segundo os gestaltistas, essencialmente inata.

Quando olhamos para o céu, numa noite de Verão, percebemos as


estrelas, mais ou menos brilhantes, organizadas em constelações.
A organização das nossas percepções será estudada pelos
gestaltistas, segundo determinadas leis. No exemplo que acabámos
de dar, está patente a lei da proximidade: perante elementos
dispersos, temos tendência a agrupar aqueles que se encontram
mais próximos, para constituir uma forma; no caso, as
constelações. Os psicólogos da forma põem em causa todo o tipo de
explicação simplista.

O comportamento humano, os fenómenos psíquicos são de uma grande


complexidade, não se podendo reduzir o complexo ao simples. É
neste sentido que Kõhler e os seus companheiros vão criticar o
modelo behaviorista, segundo o qual o comportamento humano se
poderia explicar pela fórmula E 4 R. Este esquema explicativo é
mecânico, não correspondendo à realidade complexa do
comportamento humano. Se só reagisse ao mundo exterior de uma
forma estereotipada, através de um conjunto de comportamentos
aprendidos, de condicionamentos,
o ser humano seria incapaz de qualquer comportamento mais
adaptado. A actividade humana não é um somatório de reacções a
estímulos. Resulta de uma organização determinada pelo mundo
exterior, pela natureza das coisas, mas integrada na totalidade
psicológica do sujeito.

Ao modelo mecânico proposto pelos comportamentalistas, os


gestaltistas opõem um modelo dinâmico.

APRECIAÇÃO CRíTICA do gestaltismo

Os gestaltistas desenvolveram sobretudo trabalhos experimentais


sobre a percepção nos animais e em seres humanos, porque era o
campo da psicologia mais acessível à observação. Contudo, acabam
por concluir que muitos dos processos inerentes à percepção são
relevantes noutros domínios: na aprendizagem, na memória, no
pensamento.

O gestaltismo representa um progresso considerável nas concepções


psicológicas. Aliás, as actuais correntes cognitivas têm por base
concepções gestaltistas.

Jean Piaget ­­ nasceu em Neuchâtel e morreu em


Genebra, na Suíça, com 85 anos. Com dez anos, publica um artigo
sobre o pardal albino e, durante a adolescência, trabalha na
secção de moluscos de um museu, para além de escrever artigos
sobre zoologia. Formou­se em ciências naturais
com 21 anos e, um ano depois, doutorou­se em zoologia. Em
Zurique, passa a interessar­se e a estudar psicologia e
psiquiatria. Algum tempo depois, desenvolve trabalhos no
laboratório de Alfred Binet, em Paris, investigando o
desenvolvimento intelectual da criança a partir de testes
elaborados pelo investigador francês. É este trabalho
que o irá motivar a desenvolver as suas pesquisas na área da
psicologia do desenvolvimento. Com 27 anos, escreve o seu
primeiro livro de psicologia A Linguagem e o Pensamento na
Criança. Em 1925, ocupa o cargo de professor de Filosofia na sua
cidade natal. Na década de 50, funda, congregando investigadores
de vários ramos do saber, o Centro Internacional de Epistemologia
Genética da Faculdade de Ciências da Universidade de Genebra, de
onde saíram importantes obras de psicologia cognitiva. Lecciona a
disciplina de Psicologia da Criança, a partir de 1952, na
Sorbonne, Paris. Durante esse período ­ cerca de onze anos ­,
desenvolve trabalhos sobre a inteligência com o grupo de
investigadores da Escola de Binet e Simon, autores do primeiro
teste de inteligência para crianças. Piaget revolucionou as
concepções de inteligência e de desenvolvimento cognitivo
partindo de pesquisas centradas na observação e em diálogos que
estabelecia com as crianças. Interessou­se fundamentalmente pelas
relações que se estabelecem entre o sujeito que conhece e o mundo
que tenta conhecer. Considera­se um epistemólogo genético porque
investiga a natureza e a génese do conhecimento nos seus
processos e estádios de desenvolvimento. Jean Piaget foi biólogo,
zoólogo, filósofo, epistemólogo e psicólogo. Esta experiência de
vida e uma vasta cultura científica impregnaram a sua
obra com contribuições da biologia, cibernética, matemática,
filosofia e sociologia. Escreveu mais de 100 livros e artigos,
alguns dos quais contaram com a colaboração de Barbel Inhelder.
Entre eles, destacamos: Seis Estudos de Psicologia, A Construção
do Real na Criança, A Epistemologia Genética, O Desenvolvimento
da Noção de Tempo na Criança, Da lógica da Criança à Lógica do
Adolescente, A Equilibração das Estruturas Cognitivas. Piaget
desenvolveu estudos sobre os próprios processos metodológicos,
concretamente o método clínico e a observação naturalista (ver
pp. 49­52). Estes métodos correspondem a importantes avanços na
investigação em psicologia. Até morrer, Piaget estudou, escreveu,
participou em congressos, polémicas e debates públicos. Foi uma
personagem carismática, pela forma empenhada, crítica,
interdisciplinar e criativa como orientou as suas investigações.

Foi através da observação dos seus filhos e de outras crianças


que Piaget procurou descobrir como é que o conhecimento se
organiza e estrutura. É precisamente na área do comportamento
intelectual e cognitivo da criança e do adolescente que este
investigador vai incidir os seus estudos.

As suas pesquisas levam­no a concluir que o conhecimento é um


processo interactivo que envolve o sujeito e o meio e que decorre
em etapas que Piaget designa por estádios de desenvolvimento.

Demarca­se das concepções anteriores, nomeadamente das correntes


inatista e behaviorista, ao afirmar o carácter activo que o
sujeito desempenha no processo de conhecimento.

Concepção inatista

O sujeito é resultado das potencialidades transmitidas por


hereditariedade.
O meio desempenha um papel pouco relevante no seu
desenvolvimento.

2. Concepção behaviorista

O comportamento do ser humano e o seu desenvolvimento dependem,


segundo os behavioristas/comportamentalistas, totalmente do meio
em que o sujeito se encontra inserido. Esta concepção integra­se
num movimento mais amplo: o empirismo.*

3. Concepção construtivista

Piaget ultrapassa o debate dos que afirmavam o primado do sujeito


e daqueles que afirmavam o primado do meio: através da observação
e da experimentação vai demonstrar que há uma interacção entre
ambos na construção do conhecimento. A vida psíquica desenvolve­
se através da troca entre o sujeito e o meio­ o conhecimento
advém das interacções sujeito/objecto (interaccionismo).
A concepção construtivista/interaccionista de Piaget parte da
tese de que o conhecimento não depende nem só do sujeito, nem só
do objecto. As estruturas da inteligência não são apenas inatas,
mas produto de uma construção contínua do sujeito agindo sobre o
meio.

Piaget defende uma perspectiva psicogenética do conhecimento,


atribuindo ao indivíduo um papel activo na construção do
conhecimento. Assim, na polémica que opõe o inatismo ao
empirismo, ele propõe uma dialéctica interactiva:
Segundo Piaget, o desenvolvimento intelectual faz­se desde as
reacções reflexas inatas até à idade adulta. ­Este processo
desenvolve­se ao longo de quatro estádios. No capítulo sobre o
desenvolvimento, terás oportunidade de aprofundar esta questão
(pp. 159 e ss.).

APRECIAÇÃO crítica do construtivismo

Embora admirador das concepções freudianas, Piaget critica a


ausência de rigor científico de certos conceitos da concepção
psicanalítica.

Começou por apreciar a perspectiva de totalidade estruturada,


apresentada pelos gestaltistas. Contudo, critica o papel passivo
que atribuem ao sujeito e por não apresentarem uma perspectiva
genética do conhecimento.

Refuta radicalmente a concepção behaviorista, dado que considera


que o comportamento não pode ser explicado pela fórmula E ­> R. O
sujeito é activo, atribuindo significados aos estímulos. A uma
visão associacionista contrapôs uma concepção construtivista
através do processo de assimilação/acomodação.

A concepção piagetiana da génese da inteligência humana e do


conhecimento tem em conta os aspectos biológicos, psicológicos,
epistemológicos. E uma concepção que reflecte uma perspectiva
interdisciplinar, absolutamente indispensável ao estudo de
processos tão complexos.

Piaget Centro de Epistemologia Genética


Ao estudares as principais correntes que atravessam a história da
psicologia pudeste constatar que o objecto desta ciência foi
sofrendo uma evolução a que corFicha de Avaliação respondeu uma
crescente complexidade. O próprio conceito de comportamento Guia,
p. 16 foi evoluindo, ultrapassando­se assim a perspectiva
reducionista defendida pelos comportamentalistas. O âmbito da
psicologia foi­se enriquecendo ao longo da sua história ao
integrar na sua área de investigação outros objectos: a criança,
o inconsciente, os processos patológicos, os grupos, a cultura. A
uma tão grande complexidade terá que corresponder uma diversidade
de métodos e técnicas na sua investigação, como verás.

DA INTROSPECÇÃO AO MÉTODO CIENTIFICO

Quando estudaste o processo de formação da psicologia como


ciência, tiveste oportunidade de reconhecer que o processo de
autonomia deste novo campo do saber foi acompanhado de grande
polémica.

Nos finais do século XIX, o modelo científico dominante era


determinado pela exigência de rigor e objectividade de ciências
como a física e a química. E foi a partir deste paradigma* que a
psicologia foi avaliada.

Um dos críticos mais contundentes foi Augusto Comte (1798­1857).


Para Comte, a psicologia não podia pretender constituir­se como
ciência, porque o seu objecto ­ o estudo da consciência, os
fenómenos psíquicos ­ não era susceptível de ser estudado
objectivamente. O ser humano poderia observar directamente todos
os fenómenos, excepto os que se passam em si próprio. A
introspecção ­ observação interior não tinha qualquer valor
científico, dado que o sujeito que observa e o objecto observado
são o mesmo. Para A. Comte, o indivíduo que pensa não
se pode dividir em dois: um que raciocinaria enquanto o outro se
veria raciocinar”. A condição fundamental da observação
científica é a distinção clara entre observador e observado.

Outras críticas e limitações foram apontadas ao método


introspectivo:

CRÍTICAS À INTROSPECÇÃO

* a mobilidade dos estados da consciência dificulta a observação;


só se observa um fenómeno psíquico depois de ele ter acontecido.
A introspecção é, no fundo, uma retrospecção;

* os dados da introspecção só podem ser comunicados através da


linguagem. Muitas vezes, o sujeito tem dificuldade em exprimir
por palavras o que sente;

* os fenómenos psicológicos, como a emoção, a ira, a cólera, não


são compatíveis com a introspecção. Se se está muito emocionado,
não se consegue analisar a emoção;

* o indivíduo que pratica a introspecção é o único que observa a


sua experiência interna. A sua observação não pode ser controlada
por outro observador;
* o método introspectivo não se pode aplicar aos domínios da
psicologia infantil, da psicopatologia ou da psicologia animal;

* a tomada de consciência de um determinado fenómeno implica a


sua alteração.
‘A introspecção modifica constantemente os fenómenos observados,
e isto em todos os níveis. (.. ) Sob o aspecto afectivo, sem
dúvida e a posteriori, a introspecção dos sentimentos modifica­
os, quer pelo facto de lhes acrescentar uma dimensão cognitiva,
quer por os subordinar aos valores que, sem o sujeito saber,
dirigem a própria introspecção. “
O
PIAGET, J., A Situação das Ciências do Homem no Sistema das
Ciências, Bertrand, 1976, p. 55
O
É o carácter subjectivo do método introspectivo e o seu
relativismo que vão conduzir a vigorosas reacções que preconizam
a utilização do método experimental para estudar o comportamento.
Com os comportamentalistas, a introspecção é banida como método
da psicologia.

Contudo, a introspecção é hoje utilizada como complemento de


outros métodos. O recurso à auto­observação pode fornecer dados
sobre experiências interiores como os sentimentos, as fantasias,
os devaneios. É através da expressão verbal
­ oral e escrita ­ que o sujeito traduzirá o que pensa ou o que
sente a propósito de questões que lhe são colocadas: Gostaria de
ter filhos? O que sente quando o insultam? Sente ciúmes.@..

As respostas dadas não podem ser encaradas pelo psicólogo como


dados objectivos, requerendo, por isso, uma análise crítica, uma
interpretação.

MÉTODO CIENTÍFICO

“No quadro de uma ciência empírica, as hipóteses a propósito dos


comportamentos dos raios cósmicos, dos compostos químicos, das
células ou dos indivíduos devem apoiar­se em provas. Os
argumentos sólidos, as referências, os especialistas na matéria e
mesmo as teorias bem articuladas não são consideradas provas
científicas suficientes, Obtém­se a prova científica através do
método científico. “

RATHUS, S., Psychologie Generale, Vigot, 1991, P. 19


Considera­se que existem quatro etapas no método científico:

(Formulação da questão

A primeira etapa do método científico é a formulação de uma


questão. Esta pode ter origem nas nossas experiências diárias,
numa teoria, em observações ocasionais, em acontecimentos, etc.

(Elaboração de uma hipótese

A hipótese é uma resposta provisória à questão formulada na


primeira etapa. É uma suposição, uma tentativa de explicação
avançada pelo investigador.

(Verificação da hipótese

O investigador vai procurar verificar a hipótese recorrendo a


métodos e técnicas de observação e experimentação.

(Formulação de conclusões

O investigador tira conclusões sobre a validade da hipótese que


colocou a partir dos resultados da investigação. Se não for
confirmada, ter­se­á que colocar uma nova hipótese.

MÉTODO CIENTÍFICO: EXEMPLO

Para melhor compreenderes este percurso, vamos recorrer a um


exemplo simulado. Tens, com certeza, tomado conhecimento, através
dos meios de comunicação social, de notícias sobre a violência
infantil. A propósito deste assunto, podemos seguir quatro
etapas:
Formulação da questão

Porque é tão frequente o fenómeno de violência infantil nos


nossos dias?

Elaboração de uma hipótese

As crianças de determinada idade (por exemplo, dos 4 aos 9 anos)


que vêem, na televisão, mais filmes violentos têm atitudes mais
agressivas.

Verificação da hipótese

Nesta etapa, poderemos recorrer a diferentes métodos e técnicas


de investigação. Através de inquéritos* e entrevistas* aos pais
de uma determinada amostra, recolhemos informações sobre o tipo
de programas que os filhos vêem na televisão, tempo diário
ocupado a ver TV e em que condições (sozinhos e/ou acompanhados,
duração ... ).

junto dos professores, recolhemos informações através de


entrevistas e/ou inquéritos sobre os comportamentos agressivos
das crianças da amostra em análise.

Nesta pesquisa, pode prever­se a utilização da observação


naturalista (observação das crianças no recreio, na rua e noutras
situações de grupo ... ); aplicação de testes projectivos*
(selecção e aplicação de testes adequados à pesquisa e à idade
das crianças); método experimental (comparar os comportamentos
agressivos de um grupo de crianças que vê filmes violentos com
outro equivalente, mas cujas crianças não têm esse hábito).

Poderíamos ainda seleccionar uma criança particularmente


agressiva que vê filmes violentos, e sobre ela desenvolver um
estudo de caso* individual e aprofundado método clinico*.

Formulação da conclusão

Poderíamos concluir, nesta investigação simulada, que as crianças


que apresentam maior agressividade são aquelas que assistem
sozinhas, durante mais tempo, a emissões violentas na TV. A
hipótese foi confirmada.

Não seria, contudo, legítimo retirar a conclusão que a violência


transmitida pela televisão é o único factor explicativo do
aumento dos comportamentos violentos nas crianças.

Poderíamos aprofundar esta investigação levantando outras


hipóteses para identificar a influência de outros factores
(familiares, socioeconómicos, culturais... que contribuiriam para
explicar a violência infantil.
Certamente que a complexidade da questão nos obrigaria a recorrer
a outros campos do saber, concretamente, à sociologia e à
antropologia.

Neste exemplo foram utilizados, para desenvolver a investigação,


vários métodos e técnicas: método experimental e método clínico,
observação naturalista, inquéritos, entrevistas, testes.
No processo de investigação, visando uma abordagem científica, a
psicologia recorre a vários métodos e técnicas:

MÉTODO EXPERIMENTAL

OBSERVAÇÃO

MÉTODOS E TÉCNICAS DE INVESTIGAÇÃO

INQUÉRITOS E ENTREVISTAS

MÉTODO CLÍNICO

MÉ DO PSICANALÍTICO

TESTES

MÉTODO EXPERIMENTAL

O método experimental tem origem, como já sabes, nas ciências da


Natureza, contribuindo de forma decisiva para o seu
desenvolvimento e progresso a partir do século XVII. Constituiu­
se como método fundamental na investigação científica por
assegurar, através da verificação e do controlo experimental, o
rigor das suas conclusões.

itinerário do método experimental

Só na segunda metade do século XIX se iniciaram as primeiras


investigações experimentais na área da psicologia. Poderemos
afirmar que a primeira aplicação do método experimental em
psicologia foi realizada por Gustav Fechner (1801­1887). No seu
livro Elementos da Psicofísica, descreveu várias experiências
para estudar as sensações procurando estabelecer a relação entre
intensidade do estímulo e a intensidade da reacção.
Concretamente, mediu e comparou os aumentos de estimulação e os
da reacção, estabelecendo entre ambas uma relação matemática. Foi
o primeiro a preocupar­se com a aplicação dos métodos exactos das
ciências da Natureza ao estudo das relações entre os processos
mentais e os fenómenos físicos.

Considerado critério de cientificidade, o método experimental vai


ser aplicado às ciências sociais e à psicologia. Como já
estudaste, os behavioristas vão encontrar neste método o
instrumento privilegiado para a formulação de leis que
permitissem atingir o seu objectivo experimental: prever o
comportamento perante determinadas situações.

Contudo, esta concepção é limitadora e redutora. O método


experimental tem uma aplicação limitada a determinadas áreas da
investigação: no funcionamento do sistema nervoso, no estudo da
percepção, bem como em determinados aspectos da aprendizagem,
memória, motivação e inteligência.
Vamos analisar as diferentes etapas de elaboração de um plano
experimental:

Método experimental: Hipótese prévia

Quando esquematicamente se enunciam as fases do método


experimental, aparece a observação como a primeira etapa, seguida
da enunciação da hipótese. Contudo, é raro uma observação ser
feita sem ter como ponto de partida uma hipótese prévia. É
frequentemente a hipótese prévia que orientará a observação e
determinará as técnicas a utilizar.

O uso de uma hipótese prévia representa apenas um ‘reforço aos


métodos do observador, mas também se pode ver neste uso uma
necessidade absoluta: é possível considerar que uma observação
efectuada sem hipótese não é susceptível de ter as suas técnicas
determinadas e que só poderá fornecer dados não aproveitáveis.
A hipótese pode ser sugerida por uma observação pré­experimental.
Pode também ser inspirada num conjunto de conhecimentos já
estabelecidos, a partir de outros já existentes’.

alguns autores designam este tipo de hipóteses por hipóteses


deduzidas.
No contexto do método experimental, o investigador vai procurar
estabelecer uma relação de causa e efeito entre dois tipos de
factos.

Apresentamos­te três exemplos:

I­­Um psicólogo pretende estudar os factores que intervêm no


processo de aprendizagem de um rato no trajecto de um labirinto.
Põe como hipótese que quanto mais fome o rato tem menos erros
comete.

2 O psicólogo pretende verificar se um aumento no autoconceito


implica um aumento no rendimento escolar das crianças, recorrendo
a um programa de formação do autoconceito.

3­­Um psicólogo pretende estudar de que forma a violência na TV


aumenta a agressividade nas crianças.

O carácter controlável da hipótese é a sua característica


fundamental. As únicas hipóteses válidas são aquelas que
apresentam consequências susceptíveis de serem verificadas. As
hipóteses são explicações possíveis que necessitam de ser
testadas.

Experimentação

“O espírito do sábio encontra­se sempre, de algum modo, colocado


entre duas observações: uma que serve de ponto de partida ao
raciocínio e outra que lhe serve de conclusão.

CLAUDE BERNARD

A experimentação consiste num conjunto de observações realizadas


em condições controladas com o objectivo de testar a validade da
hipótese. Quando verifica a hipótese, o observador transforma­se
em experimentador.

Nesta fase o investigador vai controlar e manipular as variáveis.

O psicólogo vai fazer variar um determinado factor, um dado ­


variável independente ­ e verificar as alterações dessa variável
no comportamento que está a estudar ­ variável dependente.

* Variável dependente ­ é o que o investigador pretende analisar.

* Variável independente ­ são os factores, as condições


experimentais que são manipuladas, modificadas pelo investigador.
No primeiro exemplo, a variável dependente é o número de erros
que o rato comete (o psicólogo pretende conhecer um aspecto do
comportamento que é a aprendizagem). O número de horas de
privação de alimento é a variável independente. No segundo
exemplo que demos, a variável dependente Complementar é o
rendimento escolar, a variável independente o autoconceito. O
objectivo do psicólogo será comprovar que a variável independente
tem efeito sobre a variável dependente.

No decurso da experiência, o investigador vai ­aplicar um


princípio básico: fazer variar apenas uma variável independente.
Só assim pode avaliar de que modo diferentes valores, graus e
intensidades dessa variável afectam o comportamento. Por isso tem
que manter constantes as outras variáveis ou condições para
impedir que influenciem a variável dependente.

No exemplo do rato no labirinto, o experimentador faz variar o


número de horas de privação de alimento. Todas as outras
variáveis deverão ser mantidas constantes: o traçado do
labirinto, a intensidade da luz e da temperatura, o nível do
ruído (por exemplo, impedir que se produza um ruído súbito e
inesperado), etc.

O controlo experimental

Ao planear a sua investigação, o psicólogo vai procurar controlar


todas as variáveis que o possam impedir de testar se a variável
independente influencia efectivamente a variável dependente.

Nas experiências que envolvem seres humanos o investigador deve


ter em conta o controlo da situação, as características das
atitudes dos sujeitos, bem como os efeitos do experimentador 2.
Ao planear a experiência, o psicólogo prevê técnicas para
controlar estes factores.

O isolamento e o controlo das variáveis independentes são


particularmente difíceis quando se estuda o comportamento humano.
Quando, por exemplo, analisamos a forma como o indivíduo executa
uma tarefa (variável dependente) relacionando­a com a
luminosidade do local de trabalho (variável independente), é
difícil controlar outras variáveis como, por exemplo, a atenção,
a motivação, a disponibilidade.

Designamos por variáveis externas, estranhas ou parasitas as


condições ou variáveis que o experimentador não considerou na
hipótese que enunciou, mas que afectam o resultado da sua
experiência. Daí que procure eliminar, neutralizar ou controlar a
influência das variáveis estranhas, de tal modo que possa
assegurar que as respostas do sujeito dependem só da variável
independente.
Quando as pessoas sabem que estão a ser submetidas a uma
experiência, assumem frequentemente comportamentos que julgam ser
adequados à situação. Procuram reagir de acordo com o que supõem
ser o desejo do experimentador.
2 ­ Às vezes o experimentador influencia, involuntariamente, o
comportamento dos sujeitos.
No caso de não ser possível eliminar o seu efeito, o psicólogo
deverá determinar a sua influência. No exemplo do rato no
labirinto, os investigadores chegaram à conclusão que os odores
deixados por outros animais sujeitos a experiências anteriores
eram pistas que influenciavam o seu comportamento. Desodorizar o
labirinto, após cada experiência, foi o meio utilizado para
anular o efeito desta variável externa.

Na sua prática experimental, e sempre que possível, o


experimentador recorre à constituição do grupo experimental e do
grupo de controlo ou testemunha. Esta
é uma das formas de controlar o efeito das condições em que
decorre a experiência.

O grupo experimental e o grupo de controlo

Todos os participantes na experiência devem estar sujeitos à


mesma situação, instruções, tarefas e métodos. As condições
físicas do local devem ser as mesmas.

As instruções e tarefas determinadas pelo experimentador não


podem variar.

O grupo experimental é aquele que é sujeito às mudanças da(s)


variável(eis) independente(s).

O grupo de controlo ou grupo testemunha experimenta as mesmas


condições do grupo experimental, excepto na variação da variável
independente. Assim, supõe­se que todas as diferenças registadas
nas respostas sejam devidas à variável independente. O grupo de
controlo é utilizado como modelo­padrão de comparação, dado que
permite analisar o efeito da variável independente no grupo
experimental.

Por exemplo, se se pretende estudar o efeito da luminosidade


(variável independente) na produtividade do trabalho (variável
dependente), o grupo experimental trabalha com intensidade de luz
variável, enquanto o grupo testemunha trabalha com intensidade
constante. Todas as outras condições são uniformes.

Na constituição destes grupos terá que se assegurar que são


homogéneos, equivalentes, em todas as características
significativas para a investigação: operários com o mesmo tipo de
formação e experiência, crianças do mesmo nível etário, etc.

Isto é, tem que se fazer o controlo das características dos


sujeitos.

Por exemplo, pretendíamos estudar o efeito do ruído sobre a


aprendizagem, na memorização de uma lista de palavras. Teríamos
que assegurar que o grupo experimental (sujeito ao excesso de
ruído) e o grupo de controlo (sujeito às condições normais de
ruído) fossem equivalentes. A idade pode ser um factor que afecte
a experiência, Neste caso, o experimentador terá que constituir
grupos homogéneos quanto à idade. Poderá ter também em conta
outros factores como, por exemplo, a habituação ou não do sujeito
a determinados níveis de ruído.
O que se pretende estudar
O efeito do ruído na memorização de listas de palavras

Grupo experimental (sujeito ao excesso do ruído)

Grupo de controlo (sujeito às condições normais do ruído)

Memorização de listas de palavras

A amostra significativa

O psicólogo que estuda um determinado aspecto do comportamento


procura descobrir leis gerais que se apliquem universalmente,
isto é, ao grupo que pretende compreender.

População é o termo que designa todos os indivíduos que pertencem


a um dado grupo: adolescentes de um determinado nível
socioeconómico, mulheres divorciadas, crianças que frequentam
infantários, trabalhadores imigrantes, etc. Dado que e impossível
­­analisar­se o comportamento de todas as pessoas, o investigador
define uma amostra, isto é, uma parte seleccionada da população
que a representa. Para que a amostra seja significativa e
possibilite chegar a conclusões válidas, deverá existir uma
correspondência entre a estrutura da amostra e a estrutura da
população.

Generalização dos resultados

Depois de submeter os dados recolhidos a tratamento estatístico,


segue­se a última etapa do método experimental que é a
generalização dos resultados.
O investigador generaliza o que verificou num número limitado de
indivíduos (a amostra) a toda a população a que se refere a
investigação.

No entanto, nas ciências humanas e sociais, especialmente em


psicologia, a generalização deve ser feita com rigor e prudência.
Uma generalização abusiva pode conduzir a concepções e práticas
que afectam a vida das pessoas.

Experiências em laboratório e em contexto ecológico

Como já estudaste, os primeiros psicólogos, no seu esforço de


constituir a psicologia como ciência, desenvolveram os seus
trabalhos em laboratório. As experiências em laboratório
assegurariam condições precisas e controladas para investigar as
relações entre a variável dependente e independente.

De facto, a experiência em laboratório é a que melhor permite


controlar as variações de todos os factores. Contudo, apresenta,
entre outras, as seguintes limitações:
Experiências laboratoriais: limitações

ao decorrer num ambiente artificial, o comportamento das pessoas


pode sofrer distorções; no laboratório, estão ausentes variáveis
que existem no meio natural e que influenciam o comportamento.
Estas condicionantes limitam a generalização das conclusões, a
que o psicólogo chegou, à vida real. Para ultrapassar estas
dificuldades, os psicólogos realizam experiências em ambientes
naturais ­ experiência de campo ou em contexto ecológico. Neste
tipo de experiência as variáveis independentes são medidas sem
que os indivíduos saibam que estão a ser objecto de estudo.
Contudo, estas experiências não permitem controlar todas as
variáveis, nem separar os diferentes factores.

Passamos a transcrever uma experiência de campo.

foi realizada, no metropolitano de Nova Iorque, uma experiência


de campo, sobre a apatia das testemunhas. O psicólogo Irving
Piliavín e os seus colaboradores testaram diversas hipóteses a
respeito do comportamento de socorro. Uma das hipóteses
enunciadas era a seguinte: o tipo de vítima (variável
independente) influencia a frequência e rapidez de resposta das
testemunhas a uma emergência (variáveis dependentes).

Nesse estudo, quatro equipas de estudantes cada uma composta por


uma vítima do sexo masculino, um modelo masculino e duas
observadoras ­ entravam nas carruagens do metro. A vítima,
vestida com um casaco militar e calças velhas, ficou junto a um
poste. durante algum tempo segurava uma bengala e parecia sóbria.
Outras vezes era alguém que andava a álcool e agarrava~se a uma
garrafa embrulhada Depois da partida do metro, a vítima
cambaleava para a frente, desmaiava e caía deitada de
costas no chão, olhando fixamente para o tecto. Em algumas das
experiências, o modelo levantava a vítima e sentava­a depois de
ter passado algumas estações. As observadoras anotavam a raça, o
sexo e a posição de todos os passageiros, de todos os que
ajudavam, bem como a rapidez do primeiro movimento de socorro. Os
passageiros eram, em geral, testemunhas sensíveis. Socorriam
espontaneamente o homem, quando este parecia magoado em 62 de 65
experiências; ajudaram o bêbado aparente em 19 de 38
experiências. Neste estudo, o tempo de reacção não aumentava
quando havia maior número de testemunhas a olhar. “

DAVIDOFF, L., Introdução à Psicologia, McGraw­Hill, 1983, pp. 52­


53

Limitações da aplicação do método experimental em psicologia

“As condições técnicas, sociais e deontológicas em que se


desenvolve o trabalho do psicólogo só raramente o autorizam a
adoptar uma definição forte’ ou rigorosa de experimentação. isto
é particularmente válido para a psicologia humana.’

REUCHUN, op. cit, p, 11


COMO já compreendeste, a aplicação do método experimental
apresenta várias limitações na sua aplicação em psicologia,
concretamente nos seres humanos: dificuldade em isolar a variável
independente, em controlar atitudes e expectativas dos sujeitos,
em neutralizar os efeitos do experimentador.

Para além destas limitações metodológicas, colocam­se questões


éticas quando a experimentação põe em causa a integridade física
ou psicológica de um ser humano. Não se pode, por exemplo, isolar
uma criança de todo o contacto social para se avaliar a
importância dos factores sociais no comportamento­ não se pode
provocar uma lesão no cérebro ou uma mutilação para
verificarmos as suas consequências no comportamento; não se podem
submeter pessoas a prolongados e intensos períodos de tensão e
stress para analisar o seu efeito na saúde dos sujeitos.

Não podendo provocar este tipo de situações, o investigador


recorrerá à observação de situações já existentes: registará os
efeitos do isolamento social em crianças abandonadas; analisará
os efeitos de lesões ou mutilações resultado de doenças ou
acidentes, etc. É o que muitos autores designam por experiência
invocada.

Uma equipa de psicólogos pretendia testar a seguinte hipótese: as


pessoas que bebem café têm tempos de reacção mais rápidos do que
as que não bebem.

Constituíram três grupos de pessoas:

Grupo 1 ­ não bebeu café; Grupo 2 ­ bebeu café; Grupo 3 ­ bebeu


café descafeinado, sem, contudo, conhecer esta circunstância.

0) Identifica a variável dependente e a variável independente. Q)


Identifica o(s) grupo(s) experimental (ais) e o(s) grupo(s) de
controlo.

Tenta encontrar uma explicação para o facto de os psicólogos não


terem dado a conhecer ao grupo 3 que o café era descafeinado. (4)
Procura imaginar algumas variáveis externas que poderiam afectar
a experiência.

OBSERVAÇÃO

A observação pode ser encarada como um método, um instrumento ou


uma etapa de outros métodos. Em psicologia, o objecto da
observação é o comportamento de um sujeito ou de um grupo. A
observação psicológica tem sido um elemento central quer no
processo de investigação, quer na prática clínica e profissional
do psicólogo.
Ao estudares o método experimental, constataste que­ são muitas
as limitações que se colocam ao investigador, concretamente na
fase da experimentação. Assim, muitas vezes o psicólogo tem que
recorrer à observação sistemática como método realizando tarefas
idênticas à do experimentador: formulação de hipóteses prévias,
controlo e generalização dos resultados. Tal como na
experimentação, a observação pode ocorrer no laboratório ou em
contexto ecológico. Por isso distinguimos

observação laboratorial e observação naturalista’.

Observação laboratorial

Os investigadores recorrem às vezes à observação laboratorial


quando necessitam de controlar alguns factores que
influenciam o comportamento que está a ser estudado. O ambiente e
a situação são determinados pelo investigador, para melhor
controlar as variáveis intervenientes.

Por exemplo, Bandura, um psicólogo que se dedicou ao estudo da


aprendizagem’, partiu da seguinte hipótese: muitos
dos nossos comportamentos são aprendidos através da observação e
da imitação. Desenvolveu então observações laboratoriais para
testar a sua hipótese. Assim, um

ria grupo de crianças dos 3 aos 6 anos observou adultos que


gritavam e pontapeavam um boneco insuflável. Mais tarde Bandura
observou que este grupo de crianças quando brincava com o boneco
era duas vezes mais agressivo do que um outro
grupo que não tinha assistido à cena.

com o objectivo de assegurar um maior nível de sensibilidade e


rigor no acto de observar, os investigadores utilizam vários
tipos de registos das observações. Estes instrumentos podem ser
grelhas de observações, câmaras de vídeo, bem como
instrumentos de registo físico.

Neste último caso, os processos de observação e registo


electrobiológico podem fornecer dados importantes sobre aspectos
do comportamento que de outro modo não poderiam ser observados e
analisados (entre outros, o cronoscópio electrónico*, o
taquitoscópio*, o electrodermógrafo*). @I ­ O investigador pode
integrar­se na unidade social que vai estudar, participando nas
actividades quotidianas e situações do meio a investigar. Este
tipo de observação designa­se por observação participante.
2 ­ Ver pp. 220­223­
A observação laboratorial apresenta, contudo, algumas limitações:
o ambiente é artificial, afectando por isso o comportamento dos
sujeitos; há comportamentos que não podem ser observados em
laboratório; os observadores tendem a comportar­se de acordo com
o que julgam ser as expectativas do sujeito. Por isso é que os
psicólogos recorrem a outro tipo de observação.

Observação naturalista

A observação naturalista ocupa um lugar muito especial em


psicologia. Consiste na observação de comportamentos dos sujeitos
no seu ambiente natural. É também designada observação ecológica
pelo facto de o indivíduo ser observado no seu contexto,
privilegiando assim o binómio indivíduo­meio.

Pode­se imaginar a riqueza de uma observação psicológica que


ocorre, por exemplo, num jardim­de­infância, onde o psicólogo
observa as crianças a brincar (ou brinca mesmo com elas), a
comer, a comunicar entre si e com os educadores, etc.

Podemos afirmar que Piaget empregou, no método clínico, a


observação naturalista quando observava as crianças no
seu ambiente habitual. Propunha­lhes actividades e situações
problemáticas, questionava­as, contrapunha argumentos para as
poder observar. Ele pretendia entendê­las na sua dimensão
qualitativa, contextual.

Sob a denominação de observação naturalista, podemos encontrar


situações em que o psicólogo não interfere no campo observado, ou
observações em que o investigador é muito activo, como as levadas
a cabo por Piaget e a sua equipa.

A observação naturalista opõe­se às observações laboratoriais em


que o investigador recorre a meios artificialmente construídos
para melhor controlo das variáveis intervenientes. Os defensores
da observação naturalista argumentam que o mais importante é
observar os comportamentos no seu meio de ocorrência.

As observações podem ser mais ou menos focalizadas. Assim, por


exemplo, numa família, pode­se observar as relações entre todos
os membros que a compõem, só as relações pais/filhos ou, ainda,
observações mais focalizadas, como, por exemplo, as manifestações
de carinho físico entre pais e filhos.
O registo destas observações podem tomar diversas formas como
anotações escritas, fotografias, registos áudio e vídeo, Em
muitos casos, o psicólogo utiliza algumas técnicas para observar
sem que os observados tenham consciência do facto: o espelho
unidireccional, o gravador áudio e a câmara de video escondidos.
Noutras situações, tais artifícios não são necessários ­ a
presença do observador é “esquecida”, torna­se familiar,
mantendo­se a espontaneidade dos comportamentos.

A preocupação com o rigor científico exige que a presença do


observador e as técnicas por ele empregues para registo não
prejudiquem a observação ou que sejam consciencializadas pelo
investigador.

A observação naturalista pode processar­se em modalidades


semelhantes às usadas pelos etologistas*, como, por exemplo, as
observações sobre o comportamento dos gansos feitos por Konrad
Lorenz ou as observações sobre comportamento dos orangotangos
levadas a cabo por Jane Goodall. o

Todos os pormenores do comportamento são anotados, mesmo aqueles


em que, no momento da observação, se desconhece o interesse ou o
sentido. A necessidade de sistematizar os dados da observação
pode levar o investigador a definir previamente determinados
itens baseados nos objectivos de estudo e nas hipóteses da
pesquisa.

Os dados recolhidos através da observação naturalista podem ser


tratados qualitativamente, por exemplo através da técnica de
análise de conteúdo*, ou quantitativamente.

Apresentamos­te, em seguida, uma grelha de observação que tem por


objectivo registar as reacções do bebé em presença de crianças da
sua idade.
O
Quadro 4 ­ Grelha de observação do comportamento social do bebé
em presença de pares
O
Bebé: Idade: Sexo:
O
Estímulo

Resposta Totais
O
Tempo de observação:
O
Actividade

Bebé olhou um outro


ffi) Bebé berrou com um outro
Bebé sorriu para um outro

Bebé tentou agarrar um outro

Bebé tocou um outro

Totais
u) Bebé era o primeiro a olhar o outro @) Bebé
respondia ao olhar do outro
O
DELMINE, R., e VERMEULEN, S., O Desenvolvimento Psicológico da
Ci@ança, ASA, 1992, p. 77
MÉTODO CLÍNICO

o método clínico caracteriza­se Por abranger um


conjunto de metodologias e de técnicas diversificadas,
privilegiadament qualitativa, que pretendem estudar em
profundidade um indivíduo, um assunto ou um problema.
surge como reacção ao método experimental: Os investigadores
clínicos consideram que muitos dos estudos laboratoriais e
experimentais, ao fragmentarem, ao descontextualizarem o
comportamento humano, para melhor controlarem as variáveis
intervenientes, perdem a possibilidade de uma apreensão global e
aprofundada.

A psicologia, integrando­se no
movimento que envolveu as ciências humanas e sociais, ao
pretender afirmar­se como conhecimento objectivo e
rigoroso, procurou utilizar métodos e técnicas semelhantes às
utilizadas pelas Ciências da Natureza.

No entanto, lembramos­te que, na mesma época, a psicanálise optou


por construir um método onde os dados do saber advêm de uma
reconstrução do passado feita pela própria pessoa, sujeita a uma
interpretação do psicanalista.

Freud, numa atitude de investigador clínico, escutava,


compreendia e aprendia com os seus pacientes. Foi Anna O. (um
caso de histeria que estudou com Breuer)
que, ao contar os seus problemas, referiu o seu "teatro privado”,
o que deu a Freud a chave para o conceito de mundo interno”. Esse
“mundo interno” era o teatro
onde se representavam conflitos e cenas dramáticas.

Piaget, que estava interessado em compreender como se desenvolvia


a inteligência na criança, não fez estudos em extensas amostras.
Pelo contrário, observou
e analisou algumas crianças individualmente ou em grupo. Foi
através do método clínico ­ também designado método de exploração
crítica ­ que procurou apreender o processo. Assim, tentou
conhecer os raciocínios empregues pelas crianças bem como a
lógica inerente às respostas que estas davam às questões e/ou às
situações problemáticas com que ele as confrontava.

Não eram, pois, as respostas dadas que interessavam a Piaget, mas


antes o modo como as crianças tinham chegado a elas, isto é, o
processo. Por isso, era necessário criar um clima interactivo, de
confiança, de segurança. E Piaget foi,
como investigador, um verdadeiro modelo de comunicação.
“O investigador confronta crianças de várias idades com a
seguinte demonstração: une as mãos e, repetidamente, comprime as
palmas uma contra a outra, produzindo uma ligeira corrente de ar
que, habitualmente, colhe a criança de surpresa. O psicólogo
pergunta então à criança qual será a origem desse ar. Um diálogo
entre um menino de seis anos e meio e o psicólogo decorreu da
seguinte maneira:

Psicólogo: ­ O que é que estou afazer?

Criança: ­ A esfregar as mãos.

Psicólogo: ­ O que é que tu ouves?

Criança: ­ Um estalo.

Psicólogo: ­ Porquê o estalo?

Criança: ­ Por causa das mãos.

Psicólogo: ­ Que estão as mãos afazer?

Criança: ­ Batem uma na outra e isso faz com que soprem,


Psicólogo: ­ E o que é que sopra?

Criança: ­ O vento.

Psicólogo: ­ Donde vem o vento?

Criança: ­ Das mãos.

Psicólogo: ­ E o vento das mãos?

Criança: ­ De dentro da pele,

Psicólogo: ­ Donde?

Criança: ­ Da carne que está por baixo.

Psicólogo: ­ E onde está esse vento?

Criança: ­ Pelo corpo todo.

O método de Piaget realça a flexibilidade e evita constranger os


processos naturais de pensamento da criança. Portanto, Piaget não
se interessa em padronizar as suas tarefas ou perguntas. Duas
crianças jamais são expostas a uma
sequência idêntica de tarefas ou perguntas. “

HYMAN, R., Natureza da Investigação Psicológica, Zahar, 1967, pp.


66­67 (adapt.)
Comparando os processos metodológicos destes dois precursores do
método clínico, sublinhamos que Freud, embora desenvolvesse uma
pesquisa sobre as fantasias individuais e modos de funcionamento
psíquico, tinha fortes preocupações terapêuticas, enquanto Piaget
desenvolveu um trabalho junto das crianças porque estava
interessado numa determinada investigação ­ conhecer o processo
de desenvolvimento intelectual. Ele não pretendia intervir no
desenvolvimento
nem era movido por preocupações terapêuticas,
Técnicas utilizadas

Geralmente, associa­se a palavra clínico a uma relação médico­


doente, Ora, para melhor compreenderes o que é o método clínico,
é preciso entenderes que esta designação abrange não só um método
usado na pesquisa psicológica, mas
também determinadas intervenções do psicólogo em situações de
terapia, apoio, aconselhamento e orientação psicológica.

Assim, o método clínico é um conceito abrangente que se aplica a


uma metodologia para investigar e intervir, que pode incidir
sobre sujeitos que têm, ou não, problemas psicológicos, em
pessoas individualmente, ou em grupo. Para além disso, podem ser
estudos breves ou longos.

O investigador, no método clínico, poderá empregar instrumentos e


estratégias metodológicas que lhe pareçam mais adequados ao
objecto ou às hipóteses em estudo. Assim, é inerente a este
método a intersubjectividade, o emprego da intuição e da
introspecção. Uma das condições necessárias é a criação de um
clima de empatia, segurança e compreensão entre os
intervenientes.

A utilização deste método permite aprofundar o conhecimento de


alguns conteúdos de difícil acesso tais como sentimentos pessoais
e pensamentos íntimos.

Ao aplicar o método clínico, o psicólogo, além de adoptar


determinadas atitudes, recorre a várias técnicas:

TÉCNICAS DO MÉTODO CLÍNICO

anamnese e dados biográficos;

Entrevista clínica;

á observação clínica;

os testes no método clínico.

Anamnese e dados biográficos

A anamnese e o conjunto estruturado de informações significativas


passadas e presentes relativas a uma
pessoa. Estes dados são importantes para a compreensão
aprofundada da história de vida de um indivíduo.

Em certos casos ­ quando se trata, por exemplo, de crianças ­, o


psicólogo terá que recorrer a outras fontes para recolher dados e
assim construir a biografia do observado.
Entrevista clínica

A entrevista clínica é um momento importante do exame


psicológico. Num clima de aceitação de alguém que escuta, a
pessoa que recorre a um apoio psicológico pode expor livremente o
que a preocupa. O psicólogo obtém no
decorrer da(s) entrevista(s) informações e tem, através desta
técnica, um campo rico para observar e intervir.

Para além do que é dito, interessa ao psicólogo observar as


atitudes, os comportamentos verbais e não­verbais da pessoa, como
é que esta descreve o que sente, como reage às questões que lhe
são postas pelo psicólogo...

A entrevista assume diferentes modalidades segundo a corrente


teórica que o psicólogo perfilha, o tipo de pessoa, local e
outras condições. Na entrevista clínica, o psicólogo pode
conduzi­la de forma mais ou menos estruturada. Assim, ou
segue um plano preestabelecido, ou introduz questões ou temas que
estimulam o paciente a abordar assuntos significativos. Pode
colher dados para completar a anamnese e conhecer o sentido que
têm para o sujeito determinadas recordações, acontecimentos ou
sentimentos.

A entrevista clínica serve como meio de diagnóstico e


psicoterapia. Através da entrevista, a pessoa pode entender
melhor o quê (e porquê) a preocupa, compreender­se a si própria,
sentir­se segura e buscar energias e estratégias de resolução dos
problemas. Os problemas do paciente podem suscitar reacções
conscientes e inconscientes ao psicólogo, que este deverá saber
controlar.

Observação clínica

A observação clínica consiste numa observação directa dos


comportamentos e atitudes do sujeito com o objectivo de o
compreender e aos seus problemas. Esta observação centrada na
pessoa ocorre em todas as situações possíveis, isto é, durante a
entrevista clínica, a execução de provas e de testes e nos
diferentes contextos onde decorre a vida do sujeito ou do grupo.

Testes no método clínico

São, sobretudo, os testes de personalidade ­ concretamente os


testes projectivos ­ que melhor respondem às necessidades do
psicólogo clínico. Neste tipo de testes, o sujeito projecta, nas
situações em que é colocado, características da sua
personalidade.

O psicólogo pode recorrer a outro tipo de testes, sobretudo para


responder a necessidades de diagnóstico. A utilização de testes
estandardizados no método clínico deve ser rodeada de precauções:
o sujeito não pode ser colocado, nem sentir­se numa situação de
exame e julgamento. Se assim acontecesse, estaria em causa a
confiança interpessoal, a atitude clínica.
O texto que a seguir te apresentamos reflecte a preocupação
partilhada por muitos psicólogos, relativamente à utilização de
determinadas técnicas:

“Regra geral, o método clínico define­se mais pela adopção de


certas atitudes do que pelo emprego de certas técnicas.

Esta utilização, segundo alguns clínicos, pode, pelo contrário,


transformar o interlocutor do psicólogo num objecto em vez de lhe
deixar o seu estatuto de pessoa, por quem se deve ter simpatia e
compreensão. “

REUCHLIN, M., e HUTEAU, M., Guíde de I'Étudíant en Psychologie,


PU, 1980, p. 94

Quadro 5 ­ Comparação entre os métodos experimental e clínico


O
Método experimental

Método clínico

Definição

Descrição da relação entre uma variável independente e uma


variável dependente.

Estudo aprofundado de um caso.

Número de sujeitos estudado

Vários em cada grupo


­ grupo experimental.

Geralmente um.

Atitude do investigador
O
Manipula a variável independente.
O
Assume uma atitude de compreensão com o sujeito para favorecer o
conhecimento.

Vantagens

Permite conhecer as relações causa e

efeito; permite estabelecer a relação entre a variável dependente


e a independente.

Permite um conhecimento profundo e


abrangente de um sujeito ou de um problema.
O
D E

O método experimental e o método clínico representam dois modelos


de investigação em psicologia, que divergem em muitos aspectos.
Propomos­te que relaciones as características que se encontram na
coluna da direita com
cada um dos métodos.

MÉTODOS

CARACTERíSTICAS

A) Método

experimental

B) Método

clínico
O
1. Estuda aprofundadamente um indivíduo, um problema,
2. Estuda um aspecto do comportamento de um grupo representativo
de uma população (amostra),
3. Privilegia os resultados.

4. Privilegia os processos.

5. Valoriza uma abordagem qualitativa.


6. Valoriza resultados quantitativos.
7. Visa a apreensão global, abrangente de um indivíduo, de um
problema.
8. Visa um aspecto específico do comportamento.
9. Tem como objectivo a formulação de leis que permitam prever um
dado aspecto do comportamento.
10. Tem como objectivo compreender a pessoa na sua
individualidade,
OS TESTES

O termo teste é muito familiar ­ associas, por certo, a palavra


aos testes de avaliação de conhecimentos a que periodicamente
estás sujeito. Eventualmente, quando frequentaste o 9.’ ano e
tiveste que optar por um agrupamento, submeteste­te talvez a uma
bateria de testes num gabinete de orientação escolar.

O motorista do autocarro, o maquinista do comboio, o piloto, o


bancário, o operário, o funcionário de uma repartição, o oficial
do exército... também se podem ter submetido a testes. Por isso,
é comum dizer­se: “os testes vivem entre nós”.
Apresentamos­te uma pequena história dos testes. Lê atentamente o
texto e responde às questões que te colocamos no fim.

Desde sempre se constatou que existem diferenças individuais do


ponto de vista psicológico. Contudo, foi preciso esperar pela
segunda metade do século XIX para que estas diferenças fossem
objecto de estudos científicos. No momento em que a psicologia se
constitui como ciência experimental, é sentida a necessidade de
se construir um instrumento que meça capacidades e aptidões de
uma forma objectiva.

Foi Francis Galton (1822­1911) que, pela primeira vez, conduziu


investigações sistemáticas e estatísticas sobre as diferenças
individuais, procurando medi­las e avaliá­las. Vai desenvolver
estudos experimentais para medir a inteligência através de testes
sobre a discriminação sensorial. Estava convencido que havia uma
correlação entre as capacidades sensoriais ­ fáceis de medir ­ e
a inteligência. Por isso, organiza testes para medir a finura de
discriminação de pesos, da sensibilidade aos sons altos, da
discriminação visual, auditiva, etc.

Apesar de hoje se saber que, para se estudar a inteligência, os


testes de discriminação sensorial não têm interesse, a
metodologia utilizada por Galton marcou decisivamente o método
psicométrico.

É ao americano Cattell (1860­1944) que se deve a expressão de


teste mental (1890). Tal como Galton, considerava ser possível
colher informações sobre a inteligência medindo os tempos de
reacção. Para obter estes dados, o examinador apresentava ao
sujeito um estímulo visual: logo que fosse recebido, deveria
pressionar um botão. O cronoscópio registava o tempo que o
sujeito demorava a responder.

Alfred Binet (1857­1911) vai demarcar­se das concepções de Galton


e Cattell.

O que interessa é estudar a inteligência total do indivíduo.

Assim, Binet e os seus colaboradores passam a estudar funções


superiores: memória, imaginação, atenção, força de vontade, etc.
Seria ao nível destas faculdades que se estabeleceriam as
verdadeiras diferenças entre os indivíduos. O problema da medição
da inteligência e a distinção do nível mental das pessoas
passaram a ser a principal preocupação de Binet.

Entretanto, surge uma oportunidade para Binet desenvolver o seu


trabalho, as suas investigações. Em 1904, o Ministério da
Instrução francês pretendia distinguir as crianças normais das
“subnormais”, para se facultar a estas últimas um ensino
especial. É precisamente para determinar, através de um processo
objectivo, quais as crianças que deveriam frequentar escolas
especiais que Binet, com o seu colega Simon, constroem a escala
métrica de inteligência. Esta constituía um instrumento que media
as capacidades intelectuais das crianças em idade escolar,
permitindo­lhes assim atingir o seu objectivo. Aplicada por
outros psicólogos em vários países, Binet foi revendo e
reformulando a sua escala.

No capítulo sobre inteligência, abordaremos com mais pormenor


este instrumento de avaliação da inteligência.

Durante a Primeira Guerra Mundial, os psicólogos americanos


aplicam, pela primeira vez, testes colectivos no exército para
determinar a capacidade intelectual dos recrutas. Mais tarde,
este tipo de testes é aplicado à indústria.
Os testes de personalidade surgem entre as duas guerras mundiais,
estimulados pelo movimento psicanalítico. A Segunda Guerra
Mundial provoca nos EUA um novo impulso de investigação
experimental sobre os testes com o objectivo de os tornar mais
eficazes para responder às necessidades de um exército mais
sofisticado.

Como já dissemos, hoje fazem parte da nossa vida quotidiana.

(1) Relaciona o aparecimento dos testes com a exigência de rigor


científico em psicologia.

(2) Os testes vieram também responder a necessidades sentidas por


diferentes instituições sociais. Baseado no texto, noutros dados
ou na tua experiência pessoal, justifica a afirmação.

O que é um teste?

Os psicólogos utilizam frequentemente os testes para avaliar


determinados traços e características de uma dada população.

O teste é uma situação experimental estandardizada que serve de


estímulo a um comportamento. O indivíduo que se submete a um
teste ­ para avaliar a inteligência, a memória, a
personalidade... ­ deve responder a questões, executar um
conjunto de tarefas em condições bem definidas.

Como situação experimental que é, todas as condições em que o


teste decorre devem ser claramente definidas e aplicadas do mesmo
modo a todos os indivíduos:

o material do teste, as instruções, a atitude do psicólogo e o


ambiente em que se executa a prova.

O resultado do teste é constituído pelo comportamento efectuado,


que é diferente conforme os casos: escrever uma resposta,
executar uma tarefa, desenhar, responder a uma questão... A forma
como o registo é feito deve ser definida e respeitada com rigor.
O comportamento registado é avaliado estatisticamente e o
indivíduo é classificado relativamente a um grupo de referência.

As qualidades de um teste

Pierre Pichot, no seu livro Os Testes Mentais, considera que os


testes devem ter certas “características” comuns a um instrumento
de medida como, por exemplo, uma balança. Assim, considera que um
teste deve ter determinadas qualidades: padronização, fidelidade,
validade e sensibilidade.

Padronização: ­­ Esta característica refere­se ao modo como o


teste é utilizado: as condições de aplicação, a cotação, a
avaliação devem ser rigorosamente as mesmas. Se a
padronização não for respeitada em todas as etapas, os diferentes
desempenhos entre os sujeitos não poderão ser imputáveis às
diferenças individuais, mas
serão produto das variações das condições. Por isso são
estabelecidas normas de modo a assegurar a padronização, a sua
estandardização.

Fidelidade: ­­ É a qualidade que faz com que a mesma prova,


aplicada duas vezes seguidas à mesma pessoa, dê resultados
idênticos. Contudo, é difícil obter uma verdadeira fidelidade,
dado que existem inúmeros factores que entram em jogo: fadiga,
motivação e empenho do sujeito, etc. Os resultados de um teste
devem ser estáveis, para poderem permitir previsões.

Validade: ­­ Um teste mede aquilo que deve medir, para poder


prever aquilo que pretender prever. Por isso é tão importante
definir claramente o que é que um teste realmente mede.

Sensibilidade: ­­ Um teste tem maior sensibilidade quando


apreende e classifica discriminadamente as características que
pretende avaliar. É tanto mais sensível quanto mais escalões de
classificação de indivíduos previr.

Tipos de testes

De uma forma muito simples podemos distinguir três tipos de


testes:

testes de inteligência:

* testes de aptidão,

* testes de personalidade.

Testes de inteligência: ­­ Este tipo de testes, que podem ser


verbais ou não­verbais, consistem numa série de provas graduadas,
podendo ser testes de compreensão, vocabulário, composição de
figuras, ou objectos, classificação de gravuras, labirintos, etc.

Os testes de inteligência podem permitir avaliar esta capacidade


e a evolução da inteligência e das aptidões em função da idade’.
No capítulo sobre a inteligência (v. pp. 284­286) abordamos mais
profundamente as questões relacionadas com testes de
inteligência.
Testes de aptidão: ­­ As aptidões são disposições para se
efectuar, com mais ou menos eficácia, determinadas tarefas.

Há testes que permitem avaliar as várias capacidades do


indivíduo: testes de agilidade motora, lateralidade, memória,
atenção, organização da percepção visual, auditiva, de aptidões
mecânicas, etc.

Testes de personalidade: ­­ Os testes de personalidade têm por


objectivo caracterizar aspectos da personalidade do sujeito. De
entre as categorias de testes de personalidade destacaremos os
questionários e os testes projectivos

Questionários: ­­ Os questionários são constituídos por um vasto


conjunto de perguntas a que o sujeito responde “Sim"/"Não” ou
escolhe uma resposta entre as opções que lhe são apresentadas. As
respostas serão dadas de acordo com as opiniões, sentimentos,
interesses do sujeito, o que permitirá avaliar quantitativamente
aspectos não intelectuais da personalidade.

Eventualmente já conheces os questionários de interesses que


visam conhecer os interesses dos indivíduos para determinado tipo
de actividade. Este tipo de teste é muito utilizado na orientação
escolar e profissional. Por exemplo, no questionário de
interesses de Kuder, que é constituído por 168 questões, o
sujeito tem de escolher entre três actividades aquela que mais
lhe agrada e a que menos lhe agrada.

Ex.: A ­ Fazer exercícios físicos num ginásio.


B ­ Ir à pesca. C ­ Jogar à bola.
Um outro tipo de questionário procura identificar dimensões
importantes de personalidade. Concretamente, o questionário de
personalidade de Eysenck, constituído por 81 questões, visa
integrar o sujeito em duas grandes categorias:
introversão/extroversão. O indivíduo terá que responder
“Sim"/"Não” a questões como:

O teu humor varia com facilidade? Gostas de ambientes muito


animados?

Testes projectivos: ­­ Visam revelar aspectos mais profundos da


personalidade que se projectam nas situações em que o sujeito é
colocado. O material que constitui este tipo de teste, de índole
psicanalítica, deve permitir uma exploração livre e projectiva
por parte do sujeito.

o Teste Projectivo de Rorschach é constituído por dez manchas de


tinta que são apresentadas ao sujeito, que diz aquilo que lhe é
pedido.
As figuras são simétricas e ambíguas, o que permite que o
sujeito as interprete projectando assim aspectos da sua
personalidade. A avaliação é particularmente difícil dada a
multiplicidade e a complexidade das respostas e significados.

os testes projectivos temáticos têm por objectivo revelar


conteúdos da personalidade como, Por exemplo: desejos profundos,
conflitos, reacções ao meio, etc.

o modelo mais utilizado é o TAT Teste de Apercepção Temática


publicado em 1935 por Murray.
A aplicação deste teste consiste em apresentar ao sujeito uma
série de figuras ambíguas ­ desenhos, fotografias, gravuras,
pinturas ­, pedindo­se­­lhe que, a propósito de cada uma,
construa uma história. Para os autores deste .to descreveria,
de forma disfarçada, aspectos da sua vida pessoal teste, o
SU)ci projectando a imagem que tem de si, o que gostaria de ser,
o que os outros são

e deveriam ser para ele, etc.

Louis Corman construiu dentro desta linha um teste especialmente


elaborado para crianças. Em dezoito pranchas são relatadas as
aventuras de um porquinho que tem uma pata
negra. Daí a designação do teste de Pata Preta (PP). Várias
cenas, como as que vês na gravura, são apresentadas à criança
suscitando­lhe uma fantasia sobre conteúdos que são
significativos na sua vida. A criança projecta os seus
sentimentos, conflitos, problemas como
rivalidades entre irmãos, receio de ser
abandonada, agressividade, etc.

1 ­ O CAT (Cbild,,,, App,,ception Test) de Bellak é um dos testes


projectivos mais utilizados.
Corman, que também é autor do Teste da Família, pede ao sujeito ­
criança ou adolescente ­ que desenhe uma família. Na imagem
desenhada o indivíduo poderá projectar a sua própria família. O
psicólogo terá em conta: o tamanho das figuras, as expressões e o
posicionamento das diferentes pessoas, o lugar que a própria
criança ocupa, bem como o modo como se desenha a si própria.

O psicólogo pode, depois, colocar algumas questões:

“Qual é o mais simpático de todos nesta família?” “Qual é o menos


simpático?” “Qual é o mais feliz?” “Qual é o menos feliz?”, etc.

No Teste de Frustração de Rosenzweig, o sujeito, face a uma


situação representada graficamente, constrói uma resposta. São
apresentadas cenas frustrantes que são susceptíveis de produzir
respostas de vários tipos. O tipo de resposta dada fornece
indicadores para melhor conhecer a personalidade do sujeito.
No capítulo sobre a inteligência e a memória, abordaremos
novamente estes instrumentos de avaliação. As escalas de atitudes
serão analisadas nas pp. 144­146.

Apreciação crítica sobre a aplicação dos testes

Os testes vieram responder a uma necessidade da psicologia:


descrever quantitativamente os factos psicológicos e os
comportamentos. Para muitos autores foi graças aos testes que a
psicologia escapou ao carisma de ciência contemplativa.

Ao nível da investigação, os testes são recursos importantes,


dado que constituem instrumentos de avaliação e classificação
rápidos e económicos, e trazem frequentemente para o processo de
pesquisa uma segurança que lhe advém das suas
características técnicas. Também já referimos o valor prático de
diagnóstico dos testes que os têm tornado tão divulgados no meio
clínico, escolar e empresarial.

Contudo, algumas objecções se têm colocado à aplicação dos


testes, sobretudo como instrumento de diagnóstico e de
prognóstico. O carácter estático dos resultados obtidos não
reflecte o carácter dinâmico e complexo do psiquismo. Os testes
valorizam o resultado e não têm em conta o processo, isto é, a
forma como a pessoa o vivenciou, como sentiu a situação do teste,
bem como não apreende os raciocínios e os sentimentos subjacentes
às respostas dadas.

"O uso dos testes é muito delicado e é preciso guardar prudência


e circunspecção na formulação de um veredicto psicométrico.

Porque o psiquismo humano é uma máquina demasiado complexa e


matizada para se deixar cristalizar em equações definitivas.
O
GAUQUELIN, op. cit.
O ambiente artificial em que decorre a aplicação de um teste pode
perturbar e até mesmo inibir o sujeito.

Outro aspecto apontado por vários autores é o facto de os testes


não terem em conta os condicionalismos sociais e culturais dos
indivíduos. A linguagem utilizada, o tipo de raciocínios que é
valorizado e os conteúdos das provas favorecem os sujeitos mais
familiarizados com as expressões e os materiais utilizados’.

Semanalmente são publicados, nos jornais ou revistas, “testes


psicológicos”. Recolhe um exemplar e imagina­te no papel de um
psicólogo. À luz do que acabaste de estudar, formula uma crítica
ao “teste” que seleccionaste.

O MÉTODO PSICANALíTICO

Quando leste a biografia de Freud, verificaste que este abandona


o trabalho conjunto com Breuer porque, entre outras razões,
constata que a hipnose é um método terapêutico limitado por três
motivos:

* nem todas as pessoas são susceptíveis de ser hipnotizadas;

* os resultados não eram duráveis, porque as resistências


pessoais eram evitadas e não analisadas;

* o doente não tem um papel activo no processo de cura.


São estas limitações que o levam à descoberta de um método de
exploração do inconsciente: o método psicanalítico.

PSICANÁLISE: PROCEDIMENTOS DE BASE

De uma forma sintética poderemos dizer que a psicanálise,


enquanto terapia, se baseia nos seguintes procedimentos:

* Associações livres de ideias;

* Interpretação de sonhos, recordações, emoções, fantasias...,

* Análise dos actos falhados;

* Processo de transferência inerente à relação


psicanalista/paciente.

Analisemos cada um destes procedimentos.

Associações livres de ideias

O paciente deveria dizer livremente o que lhe vem ao espírito e


expressar os afectos e as emoções sentidas, sem se preocupar com
uma descrição lógica ou com o sentido das suas afirmações.

Freud começou por pensar que bastaria despertar na consciência as


recordações recalcadas para permitir libertar as emoções
congregadas em torno dos sintomas. Com a ajuda do psicanalista, o
analisando irá descobrir a linha explicativa dos seus
sofrimentos. Deve reviver terapeuticamente o seu passado, numa
viagem à infância, onde estão, segundo Freud, as raízes dos
problemas. O objectivo seria recordar e/ou reviver os
acontecimentos traumáticos recalcados, interpretá­los e
compreendê­los de forma a dar ao ego a possibilidade de um
controlo sobre as pulsões.

Todo este processo se desenrola num cenário adequado: um divã


onde, deitada, relaxada, a pessoa fala de si, conta, sonha,
descreve fantasias, recorda fragmentos de vida, questiona o que a
surpreende... Mesmo o que lhe pareça insignificante e sem sentido
deve ser contado. Por detrás do divã, o psicanalista escuta com
atenção, tenta compreender o paciente e a forma como ele próprio
sente o que é expresso. Fala pouco, mas reenvia ao doente
pertinentes interpretações.
À medida que o material significativo emerge, o paciente resiste,
tornando­se difícil o processo analítico pois, apesar de o
paciente se sentir compreendido, a análise causa sofrimento. Cabe
ao psicanalista favorecer o ultrapassar da resistência, isto é, a
tentativa de impedir ou adiar a vinda ao consciente do material
recalcado. O processo de resistência está relacionado com a
importância que os acontecimentos têm na realidade ou na fantasia
do indivíduo. É a compreensão do
processo interno e a relação com o analista que vão permitir
ultrapassar a resistência. A viagem interior que o paciente faz
tem como importante suporte o psicanalista que está ali para
ouvir e compreender o que é expresso.

A interpretação dos sonhos

Freud considera que a interpretação dos sonhos é o melhor meio


para atingir o inconsciente do paciente.

É durante o sono que decorrem os sonhos. O controlo e a censura


que o ego e o superego exercem sobre os desejos inconscientes
encontram­se atenuados.
O material recalcado liberta­se e o desejo, geralmente de
natureza afectivo­sexual,
pode realizar­se. Contudo, a censura não desaparece; está apenas
atenuada. Daí
que o desejo só se possa realizar de uma forma simbólica,
distorcida. Existe, assim, um conjunto de mecanismos que visam
disfarçar o conteúdo inaceitável do sonho. Freud distingue o
conteúdo manifesto e o conteúdo latente do sonho.

O conteúdo manifesto consiste na descrição que o paciente faz do


que sonhou. É, por assim dizer, a história do que se recorda.
Contudo, o conteúdo manifesto do sonho é apenas uma fachada e,
por isso, requer uma interpretação: é o analista que vai procurar
o sentido oculto, escondido, do sonho, isto é, o conteúdo
latente, implícito. Este conteúdo latente consiste no significado
profundo do sonho que é frequentemente incompreensível para o
sonhador.

O texto que a seguir te apresentamos aborda alguns dos aspectos


da dimensão simbólica do sonho.

“Os pais têm por símbolos o imperador e a imperatriz, o rei e a


rainha ou outras personagens eminentes; é assim que os sonhos
onde figuram os pais evoluem numa atmosfera de piedade. Menos
ternos são os sonhos em que figuram filhos, irmãos ou irmãs, que
têm por símbolos pequenos animais. O nascimento é quase sempre
representado por uma acção de que a água é o principal factor.­
sonha­se que se sai da água, que se entra na água, que se retira
uma pessoa da água ( .. ).

A morte iminente é substituída no sonho pela partida, por uma


viagem de caminho­de­ferro; a morte realizada exprime­se por
certos presságios obscuros e sinistros. “

FREUD, S., Introduction à Ia P@ycbana1yse, Payot, 1971, pp. 157­


158

Análise dos actos falhados

É frequente no nosso dia­a­dia cometermos um conjunto de acções


perturbadas, de lapsos: esquecimentos de objectos usuais (as
chaves, a carteira, a agenda ... ); lapsos na linguagem (trocar
uma palavra por outra, não conseguir encontrar a palavra certa);
a falsa leitura (ler num texto uma palavra diferente da que está
escrita); falsa audição (ouvir uma coisa que, de facto, não foi
dita); certos tiques (cofiar a barba, mexer no cabelo, tilintar o
molho de chaves ... ), etc.
O lapso mais frequente consiste em dizer ou fazer exactamente o
contrário do que se pretende.

Freud dedica um livro a analisar os actos falhados, A


Psícopatologia da vida Quotidiana. Considera que estes
comportamentos perturbados têm um sentido de que o sujeito não
tem consciência. O seu significado só é esclarecido quando se
relacionam com os motivos inconscientes de quem os realiza. Os
actos falhados resultam da interferência de intenções diferentes
que entram em conflito. São os desejos recalcados que dão origem
aos actos falhados. É no livro que já citámos e
que te aconselhamos a ler que Freud dá muitos exemplos que
ilustram estas manifestações do inconsciente. Um dos episódios
que conta é acerca de um médico de Zurique que queria aproveitar
um feriado para descansar. Contudo, tinha um compromisso: fazer
uma visita a Lucerna. Contrariado, apanha o comboio. Durante a
viagem entreteve­se a ler o jornal. Numa estação procede a um
transbordo apanhando um outro comboio. Passado algum tempo, o
revisor interrompe­lhe a leitura; ele tinha apanhado o comboio de
volta para Zurique e não para Lucerna.

O médico manifestou, assim, o desejo reprimido de ficar em casa.

No processo terapêutico, a análise dos actos falhados vai


permitir uma melhor interpretação dos sintomas neuróticos do
paciente. Assim, é, com certeza, significativo se, por exemplo, o
doente, ao falar da tia, diz a minha mãe ou, em vez de minha
mulher, diz a minha irmã.

Processo da transferência

A actualização de sentimentos e emoções como desejos, medos,


ciúmes, invejas, ódios, ternura e amor, que na infância eram
dirigidos aos pais e aos irmãos, são agora transferidos para a
relação com o analista. As relações imaturas infantis são como
que repetidas e actualizadas através do processo de
transferência. Assim, a transferência pode ser positiva ou
negativa conforme o tipo de sentimentos relativos ao terapeuta.

O psicanalista sentindo e compreendendo (através do processo de


contratransferência*) esta passagem de sentimentos vai, pela
interpretação, devolver ao analisando a ligação desses
sentimentos à infância.

A pintura de Bosch (1450­1516) tem sido objecto de múltiplas


interpretações. Pulsões, impulsos e tentações mais
profundas encontram­se reflectidos na sua obra, concretamente no
jardim das Delícias e nas Tentações de Santo Antão. Os monstros
que ele pinta correspondem, muitas vezes, às
obsessões descritas pelos psicanalisandos.

(1) Concordas com esta afirmação? justifica a tua resposta.

*’Aquele que tem olhos para ver e ouvidos para ouvir convence­se
que os mortais não podem esconder segredo algum. Aquele cujos
lábios se calam tagarela com aponta dos dedos, trai­se por todos
os poros. É por isso que a tarefa de tornar conscientes as partes
mais escondidas da alma é perfeitamente realizável.
O
(Z) A que “partes escondidas da alma” se refere Freud?
O
FREUD, S.
O
(1 Indica o método utilizado por Freud através do qual torna
realizável o “tomar conscientes as partes mais escondidas da
alma”.

(4) Ao abrir uma sessão, o conferencista declarou: “Está


encerrado a sessão”. Como é que Freud interpretaria esta
afirmação? justifica a tua resposta.

INQUÉRITOS E ENTREVISTAS

É sobretudo na área da psicologia social que os investigadores


recorrem ao inquérito. É uma técnica de investigação que consiste
num conjunto de perguntas dirigidas a grupos de indivíduos. Tem
por objectivo confirmar, ou não, hipóteses explicativas
formuladas pelo investigador.

O inquérito por questionário é uma técnica que permite obter, de


uma forma rápida, informações sobre opiniões, atitudes, valores
ou aspectos do comportamento das pessoas. É constituído por um
conjunto de perguntas que traduzirão os objectivos do inquérito.
entrevista é também uma técnica de investigação. Muitos dados
podem ser recolhidos através de três tipos de entrevista:
Entrevista não directiva ­ Na conversa entre os interlocutores, a
palavra circula livremente. O entrevistador deixa que o inquirido
se exprima sem ele ter que intervir; é dada total liberdade ao
entrevistado.

Entrevista semidirectiva ­ O entrevistador orienta­se por um


guião com algumas questões numa ordem que pode mudar. Outras
questões podem, inclusive, surgir no decorrer da entrevista.

Entrevista directiva ­ Neste tipo de entrevista as questões


colocadas a diferentes pessoas são idênticas, de modo a poder­se
colher uma informação estandardizada.
OS RAMOS DA PSICOLOGIA

Tal como nas outras ciências, o desenvolvimento da psicologia


provocou especializações. Assim, no processo de diferenciação no
interior da psicologia, poderemos distinguir vários ramos.

O quadro que se segue delimita os principais ramos da


psicologia’.
O
Quadro 6 ­ Ramos da psicologia

Área de intervenção ­ objectivos

Psicologia do desenvolvimento

Visa conhecer a dinâmica do desenvolvimento humano. Aborda as


diferentes fases de maturação e processos de desenvolvimento,
desde a vida intra­uterina até à morte.

Procura estabelecer as inter­relações entre o comportamento e os


órgãos receptores, o funcionamento do sistema nervoso e endócrino
e os órgãos efectores (músculos e glândulas).

Estuda os processos de interacção entre o indivíduo e os outros,


bem como a interacção
entre os grupos, o estudo das atitudes e o processo de
socialização.

psicologia comparada

Visa conhecer as variações das características que se manifestam


entre diferentes grupos sociais ou étnicos, ou entre os
indivíduos do mesmo grupo. Compara o comportamento
humano e animal.

Psicologia da educação

Aborda os aspectos psicológicos da educação das crianças e dos


adultos de todas as idades (situações familiares e escolares,
aprendizagem formal e informal, etc.),

Estuda o animal no seu meio natural, procurando­se conhecer o


comportamento do animal isolado e em grupo (por exemplo:
agressividade, definição do território, comunicação,
comportamento sexual, etc.).
O
@1 ­­A psicolinguística, a psicologia do trabalho e das
organizaÇões, a psicologia criminal, a psicologia transcultural
são algumas das múltiplas áreas que se desenvolvem nos nossos
dias. Muitos autores integram a psicologia experimental como um
dos ramos da psicologia.
PSICOLOGIAs APLICADAS

Como sabes, a psicologia tem uma vertente prática, aplicada, que


se manifesta nas mais variadas áreas da sociedade contemporânea.
Assim, poderás encontrar um psicólogo na escola, no hospital, no
tribunal, na fábrica, na universidade, num clube desportivo, num
centro de desígn de objectos e brinquedos, num departamento da
câmara, no staff de um grupo político, num departamento de um
meio de comunicação social num consultório... A presença
crescente dos psicólogos nas
mais diversas instituições sociais tem evidentes repercussões na
vida de todos nós.

“Somos influenciados pelos conceitos dos psicólogos na forma como


educamos os filhos ou ensinamos os alunos, na nossa vida familiar
e profissional, quando praticamos desporto ou quando nos
relacionamos com os amigos, quando adquirimos os
nossos bens de consumo, ou quando descodificamos as mensagens dos
políticos. Segundo observa sugestivamente Kocb, ‘muitas pessoas
deixaram de perceber os signíficados e intenções dos outros,
inferem­nas, e quer a relação seja entre pais e
filhos, quer entre amigos, professor e aluno, vendedor e cliente,
as pessoas não mais comunicam, confiam, suspeitam, amam ou
odeiam, mas apenas tratam o outro. “

JESUÍNO, J. Correia, O que é a Psicologia, Difusão Cultural,


1994, p. 234

Iremos analisar brevemente três áreas de intervenção da


psicologia: no âmbito do trabalho ­ a psicologia das
organizações; no âmbito da educação ­ a psicologia educacional;
no âmbito da saúde ­ a psicologia clínica.

PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL

Cabe à psicologia organizacional analisar e compreender o


funcionamento das organizações ­ empresas, instituições públicas
e privadas ­, explicar e, se possível, prever a conduta dos
grupos e dos indivíduos no seu interior, os mecanismos de
regulação interna, os problemas da motivação e liderança, a
resolução de conflitos.

Cabe ao psicólogo organizacional analisar a estrutura e o


funcionamento das organizações, as relações entre os indivíduos e
as tarefas, o nível de satisfação e
motivação dos trabalhadores, as relações entre estes e a
hierarquia, a teia de relações formais e informais que se
estabelecem, os conflitos aos vários níveis, etc. Faz ainda parte
da sua área de intervenção o recrutamento de pessoal, procurando,
frequentemente a partir da análise das tarefas, precisar as
competências necessárias para o exercício das funções. As
mudanças decorrentes dos avanços tecnológicos e de novas
concepções de organização do trabalho implicam o psicólogo na
planificação e acompanhamento de programas de
formação contínua dos trabalhadores.

Para compreenderes melhor o âmbito da psicologia organizacional,


lê a entrevista com o psicólogo António Pêgo na p. 328.
PSICOLOGIA EDUCACIONAL

A psicologia da educação interfere na teoria e na prática da


educação e abrange um campo de estudo e de intervenção muito lato
pois concerne os aspectos psicológicos da educação e inclui
campos educativos diversos como a escola e outras
instituições educativas (creches, jardins­de­infância,
internatos, instituições de reeducação, actividades de tempos
livres ... ), a família, a saúde, a justiça, etc. Aborda os
aspectos psicológicos da educação das crianças e dos adultos de
todas as idades.

O psicólogo educacional intervém numa área temática e territorial


múltipla e de grande complexidade.

A identidade profissional do psicólogo da educação nem sempre é


clara e bem definida e a diferenciação de outras especialidades
nem sempre é fácil. Trabalha não só centrado na pessoa individual
­ logo, muito perto da psicologia clínica mas também em
organizações sociais ­ logo, perto da psicologia das
organizações. Poderemos, no entanto, afirmar que a psicologia da
educação tem uma abordagem
com enfoque no desenvolvimento e na mudança, no prognóstico,
aconselhamento e prevenção.

Intervém, pois, na activação do desenvolvimento psicológico e


optimização dos percursos, de forma a que o sujeito possa atingir
níveis mais elevados de maturação procurando evitar e/ou colmatar
desarmonias no processo de crescimento.

Todavia, o psicólogo da educação pode intervir, tal como o


psicólogo clínico, em dificuldades de natureza mental e
emocional. Desde as perturbações de sono
e alimentares até comportamentos desviantes e junto de vítimas de
maus tratos e de abusos sexuais, numa perspectiva educacional’.

A entrevista com a psicóloga Lisete Barbosa esclarecer­te­á


melhor sobre o âmbito da psicologia educacional (p. 330).

alguns autores consideram a psicopedagogia como uma


especialização da psicologia da educação com incidência nos
aspectos mais escolares, como o processo ensino­aprendizagem,
curriculos, materiais escolares, recursos educativos, etc.
PSICOLOGIA CLíNICA

A psicologia clínica, embora já referenciada no século passado,


aparece como área autónoma nos EUA após a Segunda Guerra Mundial.

O termo “clínica” tem sido usado com sentidos diferentes. Em


investigação, o método clínico afirma­se como um conjunto
metodológico, privilegiadamente qualitativo, que tem em conta não
só os dados obtidos na pesquisa mas ­também o processo em estudo.
Procura apreender o sujeito em toda a sua dimensão tentando
compreender a forma como vivencia os problemas.

Daniel Lagache caracteriza a psicologia clínica centrada no


estudo aprofundado de casos (aconselhamento, cura e educação).

O psicólogo clínico vai ­ durante a psicoterapia e através da


relação com o paciente ­ promover mais capacidade de análise e
compreensão dos seus sentimentos e comportamentos, assim como
facilitar outras leituras das vivências e das realidades e dar ao
paciente capacidade de acção ao processo de mudança.

A psicologia clínica e a psicopatologia ou psicologia patológica


têm um campo COMUM: O estudo do indivíduo e das suas
perturbações, dificuldades e problemas. No entanto (embora não
seja fácil), estas duas designações podem­se diferenciar: a
psicologia clínica está mais relacionada com o sofrimento, com as
dificuldades comportamentais e com a saúde mental, enquanto a
psicopatologia abrange mais
as doenças mentais’ e a análise psicológica dos fenómenos
patológicos.

Esta dificuldade prende­se com outra que é a divisão entre o


“normal” e o “patológico”, entre a “saúde” e a “doença”. O
conceito de “anormalidade” remete para normas e regras sociais e
culturais e implica valores morais, A saúde não é só ausência de
doença. A doença e a saúde são, frequentemente, fases e aspectos
da vida de uma mesma pessoa. A doença pode ainda corresponder a
uma falta de adaptação à realidade interior e exterior ou mesmo a
uma forma de se adaptar às ocorrências e/ou circunstâncias...

A experiência da Dr.’ Fátima Sarsfield Cabral, reflectida na


entrevista da p. 332, dar­te­á a possibilidade de compreender
melhor as múltiplas áreas de intervenção do psicólogo clínico.
Embora seja difícil uma caracterização de saúde mental, podemos
apresentar alguns dos critérios como autonomia,
capacidade de auto­realização, auto­estima* e capacidade de
ultrapassar crises e conflitos.
Quadro 7 ­Psicologia aplicada

Objectivos

Analisar a estrutura e funcionamento das organizações.

Explicar e prever o comportamento dos indivíduos e dos


grupos no interior das organizações.

Estudar o clima, motivação e nível de satisfação dos


trabalhadores.

A UNIDADE DA PSICOLOGIA
já abordaste concepções que muitas vezes se opõem: o
behaviorismo, a psicanálise, a psicologia introspectiva, o
gestaltismo... já reconheceste que existem vários ramos de
investigação em psicologia: a psicologia do desenvolvimento, a
psicologia social, a psicologia comparada... Por outro lado, ao
estudares os meios de pesquisa, concluíste que a psicologia
recorre a métodos muito diversificados: o método experimental, o
método clínico, o método psicanalítico, o introspectivo. Na sua
dimensão aplicada a psicologia também se especializa em várias
áreas: psicologia clínica, organizacional, educacional...

Daí que a pergunta colocada por Lagache ­ ‘Deve­se falar de


psicologia ou de ciências psícolÓgicas?” ­ tenha toda a
oportunidade. Aliás, é este autor que, na sua obra A Unidade da
Psicologia, procura responder à questão que coloca. A diversidade
de concepções organizadas em teorias, a existência de tantos
campos de investigação, bem como o recurso a métodos tão
diversificados, resultam da complexidade do objecto da psicologia
­ o comportamento e os processos mentais.

O desenvolvimento da psicologia tem vindo progressivamente a


permitir que se ultrapassem os riscos de uma fragmentação. As
diferentes teorias têm alargado os seus conceitos básicos
abandonando perspectivas unívocas e redutoras, incompatíveis com
o carácter global dos dados psíquicos.

Mas os métodos não se excluem, antes convergem para atingir o


mesmo fim. Existe uma complementaridade dos métodos que,
recorrendo a processos diferentes, visam o mesmo objectivo que é
compreender o comportamento humano nas suas diferentes
manifestações.

Por outro lado, a diversificação da psicologia em diferentes


campos, reflecte a necessidade de especialização na pesquisa. O
ser humano pode ser estudado na perspectiva do seu
desenvolvimento (psicologia do desenvolvimento), nas suas
diferenças (psicologia comparada), nas suas perturbações
(psicologia clínica), etc.

Na sua dimensão aplicada as diferentes áreas cruzam­se para


tornar a intervenção mais eficaz: por exemplo, o psicólogo
educacional partilha das reflexões do psicólogo clínico e
organizacional. Síntese Será na diversidade de olhares,
interpretações e caminhos que a psicologia
constrói a sua unidade.

“É assim que hoje, num período de transformações aceleradas, a


psicologia se situa no imenso campo das ciências exactas,
biológicas, naturais e humanas. Todas as disciplinas psicológicas
encontram lugar na psicologia, da psicologia fisiológica à
psicologia social. A diversidade dos campos que a prática nos
força Verificação da a distinguir não impede o reconhecimento das
suas sobreposições. A diversidade dos métodos não compromete em
nada o rigor científico. Pelo contrário, é a sua garantia: os
problemas não são criados para os métodos, mas sim os métodos
para os problemas.”

LAGACHE, D., A Unidade da Psicologia, Ed. 70, 1978, p. 20


Para reflectires mais profundamente sobre estas questões,
convidamos­te a ler a entrevista com o psiquiatra Doutor José
Gameiro (p. 78).

Para explorar as fontes escondidas da memória, os especialistas


recorrem a diferentes vias: a da psicologia experimental, a da
entrevista aprofundada, a da confrontação entre as recordações
conscientes e os testemunhos reais do passado e também a das
perturbações causadas pelas lesões cerebrais. Nenhum destes
métodos constitui uma via real do conhecimento, nem nenhum pode
ser excluído a priori. “

DOMER, J.­F., “La Production des Sciences Humaines”, Sciences


Humaines, n.’ 80, Fev. 1998

A partir do texto, refere os métodos e técnicas que podem ser


usados para se estudar a memória.

Que meios é que Freud utilizaria para “explorar as fontes


escondidas da memória”? Fundamenta a tua resposta.

(I Comenta a frase sublinhada no texto, reportando­te à


complementaridade dos métodos em psicologia.

‘A ciência é um conhecimento que tem a faculdade de se


aperfeiçoar “

SAGAN, Carl

Comenta a afirmação do autor reportando­te à pluralidade de


teorias e métodos utilizados em psicologia.
Fundamentos biológicos do comportamento

“É NO CÉREBRO QUE A PAPOILA SE REVELA VERMELHA, QUE A MAÇÃ SE


TORNA
AROMÁTICA, QUE A COTOVIA CANTA.”

A psicologia tem por objecto o estudo do comportamento e dos


estados mentais dos seres humanos em diferentes situações e nos
diferentes estádios de desenvolvimento. Para isso terá que
recorrer à identificação das múltiplas variáveis dependentes que
intervêm e explicam o comportamento.

Do comportamento mais simples ao mais complexo intervém o


organismo na sua totalidade: os órgãos sensoriais, as glândulas
endócrinas, o sistema nervoso. Estas estruturas, que tornam o
comportamento humano diferente e único, são produto de uma
evolução que assegurou a sobrevivência da espécie humana. São
estas características únicas, transmitidas por hereditariedade,
que são o suporte material dos nossos comportamentos, emoções,
pensamento, imaginação...

O avanço e desenvolvimento da medicina, da biologia e da genética


têm contribuído para uma maior e melhor compreensão do organismo,
esclarecendo as
interdependências do seu funcionamento com o nosso psiquismo. A
importância da estrutura biológica do nosso comportamento explica
e justifica as relações
interdisciplinares entre a fisiologia e a psicologia. Produto da
intersecção destas duas áreas do saber surge, recentemente, a
psicofisiologia que procura atingir um objectivo fundamental:
esclarecer os fundamentos biológicos do comportamento.
O SISTEMA NERVOSO

O organismo é um sistema aberto em interacção constante com o


meio. Para compreender o seu funcionamento, teremos que ter em
conta quer as interdependências com o ambiente quer com os
subsistemas que integra (sistema nervoso, endócrino, digestivo,
respiratório, etc.).

Do ambiente recebe informação e energia que processa,


distribuindo­a pelos diferentes componentes, o que permite a sua
manutenção e os meios para responder e agir sobre o meio
ambiente.

Do meio ambiente o organismo recebe entradas (inputs) que se


traduzem por variações que constituem os estímulos. O
comportamento é o conjunto de respostas às estimulações do meio:
saídas (outputs).

Neste processo estão envolvidas várias estruturas


interdependentes:

órgãos efectores ­ músculos e glândulas

Para compreenderes melhor de que forma as funções destas três


estruturas estão relacionadas, vamos descrever o comportamento
mais simples: o reflexo sensório­motor.

Quando, inadvertidamente, te picas numa agulha, o que é que


acontece? Retiras bruscamente a mão. Este comportamento
automático, que funciona como um
mecanismo de protecção, designa­se por acto reflexo.

O estímulo (picada da agulha) activou o órgão receptor (a pele).


As modificações produzidas nos mecanismos ligados à sensação de
dor activaram os nervos sensoriais que transportam a mensagem a
um centro nervoso ­ a espinal medula. É aqui que é elaborada a
resposta que é conduzida pelos nervos motores que activam os
órgãos efectores ­ os músculos do braço contraem­se e a mão
afasta­se.

óRGÃOS RECEPTORES

O cérebro é um centro de decisão e de execução; por isso tem que


conhecer o que se passa no meio interno’ e no meio externo.

O cérebro mantém contacto com o exterior através de cinco órgãos


receptores, altamente especializados, que captam e codificam as
informações: a pele, o nariz, a língua, o ouvido e o olho.
Para além dos cinco sentidos, podemos ainda referir o sentido
cinestésico, que nos informa sobre as posições dos membros e de
outras partes do corpo, quando nos movemos, e o sentido de
equilíbrio e de orientação, que é da responsabilidade do ouvido
interno.
Todos estes sentidos actuam de forma combinada e integrada,
permitindo ao
ser humano receber informações que o tornam apto a organizar o
comportamento, a agir e a adaptar­se ao meio.

óRGÃOS EFECTORES

É através dos órgãos efectores ­ músculos e glândulas ­ que o


comportamento
se concretiza por movimentos e secreções.

Grande parte dos nossos comportamentos exprimem­se através de


movimentos:

andar, pestanejar, sorrir, dançar, escrever.

Os músculos esqueléticos são os responsáveis pelo movimento ­


ligados por
tendões, obedecem à nossa vontade, accionando os ossos.

É também este tipo de músculos que, ao fazer mover os olhos, te


têm permitido a leitura deste texto.

músculos lisos que estão presentes nas paredes dos órgãos


viscerais
e dos vasos sanguíneos, contraindo­se e relaxando­se. Não temos
consciência da actividade destes músculos.
Assim como o movimento dos músculos constitui uma resposta, as
secreções das glândulas também o são.

Contudo, as glândulas não se limitam a ser um órgão efector:


desempenham um
importante papel no equilíbrio interno ­do organismo. Geralmente
estabelece­se uma distinção­ entre as glândulas exócrinas e as
glândulas endócrinas’.

As glândulas exócrinas são providas de um canal, pelo qual é


lançada para o
exterior a secreção. Dentro deste tipo de glândulas podemos
referir as glândulas lacrimais, as glândulas sudoríparas e
sebáceas, as glândulas salivares, gástricas, etc.

SISTEMA NERVOSO

O sistema nervoso tem como unidade básica os neurónios, que


diferem quanto à dimensão, à localização e às funções. O sistema
nervoso organiza­se em diferentes partes que te apresentamos em
seguida:
SISTEMA NERVOSO CENTRAL

O sistema nervoso central é constituído por duas estruturas, que,


como verás, desempenham um papel determinante no comportamento
humano:

A espinal medula

A espinal medula é constituída por um cordão de nervos


localizados no interior da coluna vertebral.

A parte interior é constituída por substância cinzenta e a parte


exterior por substância branca, dado que é formada por fibras
revestidas de mielina.
A espinal medula desempenha, simultaneamente, duas funções: de
condução e de coordenação.

Função condutora ­ é através da espinal medula que as mensagens


são transmitidas dos receptores ao cérebro e do cérebro aos
músculos e às glândulas.

Função coordenadora ­ a espinal medula é o centro coordenador das


actividades reflexas. O reflexo, que é uma resposta involuntária
a um estímulo, envolve, em geral, dois neurónios: um neurónio
sensorial e um neurónio motor.

É a espinal medula que controla o reflexo rotular e o reflexo


pupilar. É também a espinal medula que permite, por exemplo, que
retiremos rapidamente a mão quando esta é sujeita a uma picada ou
a altas temperaturas.

A ruptura acidental dos feixes nervosos da espinal medula implica


um défice motor e sensorial que abrange as zonas do corpo abaixo
da lesão. A lesão da espinal medula é irreversível (ver
entrevista na p. 95).

O encéfalo

O cérebro é um tear encantado onde milhões de lançadeiras


fulgurantes (impulsos nervosos) tecem um padrão disperso, um
padrão sempre cheio de sentido e todavia nunca duradouro; uma
harmonia de subpadrões em constante mutação. “
o cérebro trata simultaneamente um numero incalculável de
informação. Se pensares que cada um dos neurónios pode ter até
5000 sinapses*, compreenderás que alguns psicofisiólogos
considerem que o número de interligações possíveis no cérebro é
superior ao número total das partículas atómicas que compõem o
Universo.
É no cérebro que reside a memória, a aprendizagem, o pensamento,
a linguagem; é no cérebro que vemos, ouvimos, sentimos e
cheiramos; é também no cérebro que o sono e o sonho habitam; é
também aí que a fome, a sede, a temperatura são controladas.
Podemos, por isso, dizer que o cérebro contribui de forma
decisiva para o comportamento humano’.

Estrutura e funções do encéfalo

Geralmente dividem­se os órgãos encefálicos em três estruturas


que se interligam funcionando de forma integrada e unificada: o
metencéfalo ou encéfalo posterior, o mesencéfalo ou encéfalo
médio e o protencéfalo ou encéfalo anterior.

A cada uma destas estruturas correspondem diferentes componentes.


Apresentamos­te em seguida algumas funções das principais
componentes do encéfalo: bolbo raquidiano, cerebelo, tálamo,
hipotálamo, sistema límbico e córtex cerebral.

Bolbo raquidiano

Os nervos que ligam a espinal medula ao cérebro passam pelo bolbo


raquidiano. Comanda ainda funções vitais como o ritmo cardíaco, a
respiração e a pressão arterial,
influenciando também o sono e a tosse.

Protuberância Cerebelo
O cerebelo é constituído por dois hemisférios que desempenham um
importante papel na manutenção do equilíbrio e na coordenação da
actividade motora. Uma lesão no cerebelo provoca descoordenação
motora, desequilíbrio e perda do tónus muscular.

2 ­ É o local de passagem de fibras nervosas que unem os


diferentes níveis do sistema nervoso central. Desempenha também
um papel importante no mecanismo do sono. Desempenha um
importante papel nas funções da atenção, sono e estado de alerta.
É da interacção entre o SRA e o cérebro que resulta a passagem do
sono ao estado de vigília. Uma lesão neste sistema provoca o
estado de coma.
Tálamo

O tálamo é constituído por substância cinzenta e está situado


perto do centro do cérebro. É ao tálamo que chegam a maior parte
das fibras visuais, auditivas e tácteis, retransmitindo para as
respectivas áreas do córtex cerebral as informações sensoriais
que recebe.

Com outras estruturas nervosas, desempenha um papel na regulação


do sono e
do estado de alerta.

Hipotálamo

O hipotálamo é constituído por um pequeno grupo de núcleos que se


encontram sob o tálamo e em ligação com a hipófise. Pesa cerca de
quatro gramas. Desempenha um papel fundamental na regulação da
temperatura do corpo, da fome, da sede, do comportamento sexual,
na circulação sanguínea, no funcionamento do sistema endócrino. É
aí que se organizam os ajustamentos endócrinos que permitem uma
resposta adequada a uma situação de emergência.

Sistema límbico

O sistema límbico é constituído por várias estruturas: o


hipocampo, o septo, a amígdala e o bolbo olfactivo. Este sistema
tem um papel importante na emoção, na motivação e nos
comportamentos agressivos. É por isso considerado o cérebro das
emoções. Na agressividade parece que diferentes estruturas
desempenham papéis opostos, assegurando assim um equilíbrio
dinâmico. A ablação da amígdala desencadeou comportamentos dóceis
em macacos; a destruição do septo provocou reacções agressivas.

Será pela acção conjunta das estruturas do sistema límbico com o


sistema nervoso que o organismo é capaz de responder a situações
de agressão com origem no meio ambiente.

Analisaremos brevemente a função de duas estruturas do sistema


límbico: a amígdala e o hipocampo.
A amígdala é constituída por duas estruturas simétricas
localizadas em cada hemisfério cerebral. Investigações
desenvolvidas pelo neurologista António Damásio (ver p. 98),
vieram demonstrar a importância da amígdala na percepção das
emoções faciais, concretamente a expressão de medo.
Uma doente que apresentava graves lesões nas amígdalas dos dois
hemisférios era incapaz de reconhecer as emoções quando estas se
misturavam numa
única expressão facial. Concretamente, não conseguia reconhecer a
expressão do medo.

O hipocampo desempenha um importante papel na memória retendo as


informações. É uma das zonas mais afectadas pela doença de
Alzheimer. Esta doença é uma forma de demência que se manifesta
por vários sintomas tais como: não reconhecimento das pessoas
próximas, esquecimento do próprio nome, incapacidade progressiva
de realizar tarefas simples.

O hipocampo e a amígdala têm funções complementares do ponto de


vista emocional. Por exemplo, é o hipocampo que te permite
reconhecer a tua professora do Primeiro ciclo, mas é a amígdala
que acrescenta se gostas ou não dela.

Cérebro

O interior do cérebro é constituído por uma substância branca e o


exterior por uma fina camada de substância cinzenta (entre três e
seis milímetros). É esta camada exterior que reveste a superfície
dos hemisférios cerebrais que constitui o córtex cerebral
propriamente dito. Está dividido em dois hemisférios, o esquerdo
e o direito ­ ligados por um feixe de fibras denominado corpo
caloso.

Cada hemisfério apresenta quatro lobos: frontal, parietal,


temporal e occipital, constituídos por circunvoluções. É o grande
número de circunvoluções que dá ao cérebro humano u aspecto
enrugado, que permite que uma grande quantidade de substância
ocupe uma pequena área.

Pode­se hoje afirmar que nos seres humanos os hemisférios


cerebrais possuem formas diferentes de processar a informação e
organizar as respostas. O hemisfério esquerdo é responsabilizado
pela linguagem verbal, pelo pensamento lógico e pelo cálculo. O
hemisfério direito controla a percepção das relações espaciais, a
formação de imagens, o pensamento concreto. Contudo, não podemos
esquecer que o cérebro funciona como uma unidade: nos
comportamentos mais complexos estão envolvidos, completando­se,
os dois hemisférios.
o mapa do córtex cerebral

Podemos dizer que desde muito cedo os seres humanos procuraram


relacionar os comportamentos com diferentes áreas do cérebro.

No século XIX, um médico, F. GalI, defendia que as “bossas” do


crânio se relacionavam com determinadas aptidões e
características da personalidade. Acreditava que o crânio se
modelava de acordo com as circunvoluções cerebrais. A partir de
observações empíricas que registava, desenhou o mapa dos
sentimentos e do carácter, onde localizou a área do “amor”, da
“ambição”, do ‘patriotismo”, da “atracção pelo vinho “... Esta
concepção, sem qualquer fundamento cientifico, levantava,
contudo, a hipótese de que seria possível identificar em
diferentes áreas do cérebro determinadas funções psíquicas.

Em 1861, Paul Broca apresentou à comunidade científica o cérebro


de um
homem que perdera a fala (afasia). A autópsia revelara que
existia uma
lesão na terceira circunvolução frontal esquerda, perto da zona
motora, que comanda os movimentos da língua, da garganta e de
outras zonas da cara que são utilizadas para falar. Outros casos
analisados confirmaram a localização da área da linguagem
articulada que se passa a designar área de Broca.

Até aos nossos dias têm­se desenvolvido múltiplas investigações


que procuram estabelecer as relações entre as áreas cerebrais e
as funções principais e os comportamentos. Assim estão já
identificadas e localizadas áreas relativas aos movimentos
voluntários, à audição, à visão, ao tacto, ao olfacto, ao
paladar, bem como ao processamento da informação.

Reconhece­se hoje que é possível distinguir no córtex cerebral


dois tipos de áreas funcionais: áreas primárias ou sensoriais e
áreas secundárias, psicossensoriais ou de associação.

As áreas primárias ou sensoriais recebem e produzem informações


sensoriais.

As áreas secundárias ou psicossensoriais interpretam as


informações recebidas pelas áreas primárias coordenando os dados
sensoriais ­ áreas psicossensoriais ­ e as funções motoras ­
áreas psicomotoras.
Estes diferentes tipos de áreas funcionam como um todo; os
comportamentos conscientes envolvem a actividade integrada do
córtex na sua totalidade.

Analisemos, com mais profundidade, alguns tipos de áreas e as


respectivas funções.

Área motora

A área motora está localizada no lobo frontal, sendo responsável


pelos movimentos corporais: a área do hemisfério esquerdo
controla a zona direita do corpo e a área direita o hemicorpo
esquerdo.

A superfície da área motora não é proporcional ao tamanho da área


do corpo, mas à multiplicidade de movimentos a executar.
Qualquer lesão na área motora provoca paralisia da parte
correspondente no lado oposto do corpo.

A área psicomotora (que se encontra em frente da área motora) é


responsável pela coordenação dos movimentos, assegurando a sua
eficácia. Uma lesão na área psicomotora pode provocar vários
problemas: O indivíduo não consegue vestir­se, utilizar objectos
ou coordenar os movimentos necessários para escrever (agrafia).
Área somatestésica

É na área somatestésica, também designada área sensorial ou


córtex sensorial, que convergem as mensagens, relativas à
sensibilidade táctil, dolorosa, do frio, do calor. Penfield
identificou esta área paralela à área motora. Quanto mais
sensível é uma região corporal maior é a área que lhe é dedicada.
Uma lesão nesta área primária provoca a perda de sensibilidade
(anestesia).
Por detrás desta área encontra­se a área psicossensorial somática
que coordena e sintetiza as mensagens da pele e dos músculos,
integrando­as de forma organizada.

Uma lesão nesta área provoca a agnosia sensorial, isto é, a


incapacidade de o indivíduo reconhecer os objectos: os dados não
são sintetizados e o objecto não é identificado.

Área visual

É no lobo occipital que são recebidas as mensagens captadas pelos


olhos ­ daí a designação de retina cerebral, A área psicovisual
permite a coordenação dos dados elementares e o reconhecimento
dos objectos. Uma lesão na área visual provoca a cegueira. se a
lesão ocorrer na área psicovisual, o indivíduo é incapaz de
identificar os objectos (agnosia visual).

É também nesta área que se encontra localizada a área visual da


escrita. Uma lesão neste centro provoca a impossibilidade de o
indivíduo ler um texto, dado que não reconhece as letras, apesar
de ver os sinais gráficos.

Área auditiva

As impressões auditivas são recebidas no lobo temporal, na sua


parte superior. É na área auditiva primária que são recebidos os
sons elementares, detectando características como volume e
altura. A área psicoauditiva interpreta­os, identifica­os,
analisa a informação recebida reconhecendo um som completo, quer
seja de palavras faladas, quer de uma melodia. Uma lesão na
primeira área provoca a surdez.

Se for danificada a área psicoauditiva, o indivíduo ouve os sons


mas é incapaz de lhe atribuir um significado ­ agnosia auditiva.

Áreas pré­frontais

As áreas pré­frontais ou cérebro pré­frontal situam­se nos lobos


frontais apresentando­se particularmente desenvolvidas no ser
humano ­ representam entre 40% e 45% do volume total do cérebro.

Esta área estabelece relações com todas as outras zonas do


cérebro. Surge como um órgão coordenador e unificador da
actividade cerebral, responsável pela atenção, reflexão,
imaginação e capacidades de prever e deliberar.
A complexidade da relação entre as áreas cerebrais e as
respectivas funções (que nós procuramos enunciar de forma
acessível) é a questão que o Doutor Manuel Laranjeira aborda na
segunda pergunta da entrevista que encontrarás na pág. 95

O escritor José Cardoso Pires foi vítima de um acidente vascular


cerebral. Depois de recuperado, relatou a sua experiência num
livro De Profundis, Valsa Lenta, que te aconselhamos a ler.

Para além do inegável interesse literário da obra, este livro


constitui um importante documento sobre algumas das consequências
de acidentes cerebrais no comportamento.
Propomos­te que leias o extracto que se segue:

O relatório neurológico foi terminante.­ acidente cerebral de


gravidade muito acentuada, um coágulo de sangue que tinha subido
(do coração?) até à zona nobre do cérebro, bloqueando duramente a
artéria. Não era um problema hemorrágico, antes fosse, e por isso
não havia o recurso à cirurgia com largas perspectivas de
solução, explicou à Edite um especialista do Serviço de
Neurologia. Assim, acrescentou ele, a situação apresentava­se
bastante difícil, um caso de isquemia* com recuperação lenta e
frequentemente incompleta. Do ponto de
vista motor nada que suscitasse preocupações, o doente bastava­se
a si próprio.

Mas o centro da fala e da escrita estava profundamente afectado e


podia conduzir a uma sobrevivência em íncomunicabilidade total.

PIRES, J. C., De Profundis, Valsa Lenta, Dom Quixote, 1997, p. 29

A unidade funcional do cérebro

Da descrição que fizemos das localizações cerebrais não se deve


concluir que o cérebro é constituído por compartimentos
separados, divididos, cabendo a cada zona uma função específica e
determinada. Apesar de se utilizar a palavra mapa cerebral ou
cartografia funcional, não devemos associar a ideia de fronteira
intransPOnível entre as diferentes áreas.

Descobriu­se, por exemplo, que funções perdidas devido a lesões


podem ser
retomadas. Ora, a recuperação da função não é da responsabilidade
da regeneração das células nervosas da área lesionada, dado que
tal não é possível. Parece assim existir o que os investigadores
designam por função vicariante ou função de suplência do cérebro:
as áreas vizinhas da zona lesionada entram em acção podendo vir a
substituí­la. Assim se explica, por exemplo, a recuperação de
certas afasias.

Este é um exemplo que demonstra que o cérebro funciona de modo


interactivo.
O cérebro é um sistema complexo e unitário, cujas componentes,
apesar de especializadas em determinadas funções, mantêm relações
de interdependência. O cérebro é um todo maior do que a soma das
suas partes.

(3) Lê atentamente o texto e responde às questões que se seguem.

"O cérebro é um órgão muito especial em que as conexões múltiplas


de neurónios nos afastam das noções excessivas de localização. (
.. ) A concepção rígida de localização cerebral deve ser posta de
parte ( .. ). A mecânica cerebral não tem a fixidez nem a rigidez
de uma máquina. Os centros nervosos mostram precisamente o
contrário. São dotados de
grande plasticidade e capazes de substituições desconcertantes,
embora tendendo sempre para o restabelecimento defunções
comprometidas.

MONIZ, Egas

1. 1. Que concepção é criticada por Egas Moniz? Explica,


sumariamente, essa concepção.
1.2. Indica as principais críticas apontadas pelo investigador.
(2) Comenta a seguinte afirmação:

“Tudo age sobre o cérebro e o cérebro age sobre tudo.


Entrevista

Manuel Laranjeira licenciou­se em Medicina pela


Universidade do Porto, em 1977, tendo­se especializado em
Neurocirurgia e doutorado, em 1997, em
Ciências Médicas. Frequentou vários estágios nesta
área, em Marselha (1984), em Zurique (1986), em
Detroit (1989), tendo sido bolseiro da Fundação
Calouste Gulbenkian em 1986 e 1989.

Lecciona a cadeira de Neurofisiologia no Instituto de


Ciências Biomédicas de Abel Salazar.

Pergunta ­ Muitas pessoas são vítimas de acidentes e apresentam


tetra ou paraplegias. A que se deve esta incapacidade?

Manuel Laranjeira ­ Estas lesões ao nível de uma parte do sistema


nervoso central, a medula, produzem secção das vias motoras
(piramidal e extrapiramidal), impedindo a ligação entre o
encéfalo e os músculos.
Como estas fibras não voltam a crescer, fica definitivamente
interrompido este circuito.

P. ­ Há possibilidade de recuperação?

M. L. ­ Podemos, com o conhecimento actual, considerá­las


irreversíveis. No entanto, a experimentação animal abre alguma
esperança. Investigadores suíços, com a utilização de duas
substâncias químicas, uma
“factor de crescimento”, outra anticorpo de substâncias
medulares, frenadoras do crescimento, conseguiram produzir algum
crescimento em fibras medulares lesadas. Por outro lado,
investigadores japoneses conseguiram reparar medulas de ratos com
medula de embriões. Estes estudos ainda não tiveram aplicação no
Homem. Em França estão a iniciar­se ensaios clínicos, com drogas
protectoras neuronais que, quando injectadas nas primeiras horas
após o acidente, podem diminuir o grau de lesão medular. Hoje,
com a introdução de meios de diagnóstico mais precisos (RMN,
TAC), o desenvolvimento das
técnicas cirúrgicas e anestésicas, já é possível detectar
precocemente lesões que têm tratamento cirúrgico e reduzir desta
forma a morbilidade destas lesões.

P. ­ Considera que existe uma clara e definida topografia do


cérebro?

M. L. ­ A partir da segunda metade do século XIX, o método


experimental, dispondo da observação das alterações provocadas
por lesões cerebrais e com a identificação dos neuromos, em 1824,
foi possível fazer uma
análise da citoarquitectura do córtex.
Tendo como base critérios anatómicos e
funcionais, Brodinan propôs, no início deste século, uma
cartografia que se tornou célebre. Propunha dois tipos de áreas:
“áreas primárias”, sensitiva e motora, e “áreas associativas”.
Estas últimas tinham funções mais
abstractas, sendo responsáveis por aspectos psicológicos e
intelectuais. Começa assim a “idade de ouro” das localizações
cerebrais, atribuindo, a cada parte circunscrita do cérebro, uma
função. Podemos comparar esta representação com uma pintura de
Cézanne, em que as áreas corticais eram
representadas por diferentes cores. A palavra normalmente
atribuída a esta representação é de um patcbwork. Com o
desenvolvimento da neurofisiologia e das técnicas de imagem
cerebral, tais como o TEP e recentemente a WN funcional, é
possível hoje ter uma noção diferente do funcionamento cortical.
Primeiro, a noção linear que tínhamos das várias funções
modificou­se. Uma função, por exemplo, “ver”, não é uma função
isolada, mas depende de factores sequenciais como detectar,
identificar e interpretar os vários estímulos. Por isso, aquilo
que Brodrnan considerava as três áreas visuais no
lobo occipital transformou­se hoje em 32 cartas visuais
justapostas sobre quase metade do córtex, circulando entre elas
informação através de 187 conexões, muitas delas bidireccionais.
Podemos afirmar que as áreas de
Brodrnan foram, pouco a pouco, subdivididas e as várias funções
redistribuídas. Digamos que passamos para uma representação
pictural do córtex tipo pontilista’ (Seurat). Isto não invalida
que um dos precursores da teoria das localizações, Broca, não
tivesse afirmado que localizar um défice
não implicava localizar uma função.
Podemos concluir que passámos de uma visão patcbwork
(localizações) para uma visão network (rede funcional).

P. ­ Na sua prática de neurocirurgião, que problemas concretos se


levantam quando faz uma operação ao cérebro?

M. L. ­ Os problemas que se levantam dependem do órgão que


tratamos. Como trabalhamos com células que não se reproduzem, a
agressão cirúrgica tem que ser reduzida ao mínimo. Sabemos que O
cérebro tem uma grande plasticidade, o que não implica que os
neurónios que destruímos sejam inúteis. No
entanto, é possível hoje sabermos que crianças com menos de três
anos, a quem foi retirado um hemisfério para tratamento de
epilepsias de difícil controlo, conseguem ter um bom
desenvolvimento mental e intelectual.

Isto implica que haja outras áreas que desenvolvam essas


capacidades. Com a introdução da microcirurgia, a agressão
cirúrgica reduziu­se, uma vez que os nossos gestos passaram a ser
mais precisos. Para aumentar a
capacidade técnica do neurocirurgião, a sua
formação hoje passa pelo treino microcirúrgico a nível do
laboratório, com o estudo de anatomia e de neurofisiologia. Com o
uso
do microscópio, é hoje possível tratar patologias, tipo vascular,
tumoral e outras, com menos riscos e com menor morbilidade e
mortalidade. Por outro lado, conseguimos operar lesões em áreas
que anteriormente eram inacessíveis. É evidente que para muitas
doenças do foro oncológico a sua cura
permanece distante, mas conseguimos melhorar a qualidade de vida
dos doentes.
Para o êxito de um acto cirúrgico é necessário fazer uma
planificação perfeita, que engloba o conhecimento das alterações
anatómicas produzidas pelas lesões. Na elaboração desta
planificação contamos com os
meios de diagnóstico (RMN e TAC­angiografia), mas que só nos dão
uma visão bidimensional. Por outro lado, temos que prever os
riscos e as soluções para cada um deles.

Penso que os desafios contêm duas vertentes: uma, a técnica, com


a melhoria das capacidades microcirúrgicas dos neurocirurgiões,
e, a outra, novas descobertas biológicas, com melhor compreensão
das várias patologias e respectivo tratamento.
SISTEMA NERVOSO PERIFÉRICO

O sistema nervoso periférico é constituído pelos neurónios


sensoriais e motores que conduzem a informação da periferia para
os centros nervosos e as respostas para a periferia: é este
sistema que constitui a rede de comunicação entre os órgãos
receptores e o sistema nervoso central e órgãos efectores. Sem
este sistema o cérebro ficaria isolado do meio interno e externo.

O sistema nervoso periférico divide­se em duas partes:

Sistema nervoso somático

É formado pelas fibras de neurónios agrupadas em nervos:


sensoriais ou aferentes e motores ou eferentes. É graças aos
nervos sensoriais que o sistema nervoso central recebe
informações: os sons, os odores, a temperatura, etc.

É através dos nervos motores que as mensagens, que têm origem no


cérebro ou na espinal medula, chegam aos músculos e às glândulas,
orientando os mais diversos comportamentos: andar, pestanejar,
dançar, escrever, chorar...

Os nervos de conexão estabelecem a relação entre os nervos


sensitivos e os
nervos motores.

Sistema nervoso autónomo

O sistema nervoso autónomo (SNA) é responsável pelo controlo das


glândulas e das actividades involuntárias como o ritmo cardíaco,
a respiração, a digestão, a pressão arterial, a actividade dos
músculos lisos. É um sistema que funciona de modo automático:
quando fazemos um exercício físico, assegura o aumento do ritmo
cardíaco para que uma maior quantidade de sangue aflua aos
músculos, assegurando assim um maior fornecimento de oxigénio,
portanto, mais energia.

O sistema nervoso autónomo é composto por duas divisões ou ramos


que estimulam vários órgãos e glândulas: a divisão simpática e a
divisão parassimpática.
TIRóIDE

A tiróide encontra­se localizada à frente da parte superior da


traqueia. Uma das hormonas produzidas pela tiróide é a tiroxina
que regulariza o metabolismo, interagindo com o sistema nervoso
simpático e com outras glândulas. Uma carência de tiroxina pode
provocar, nas crianças, o cretinismo, que se caracteriza por um
crescimento raquítico e um atraso mental. O hipofuncionamento da
tiróide pode provocar nos adultos aumento de peso, letargia e
sensação permanente de fadiga.

As pessoas que segregam grandes quantidades de tiroxina


apresentam sintomas de hiperexcitabilidade, irritabilidade,
insónias e perda de peso.

SUPRA­RENAIS

As glândulas supra­renais estão localizadas na parte superior dos


rins e segregam, entre outras, a adrenalina e a noradrenalina.
Esta aumenta a tensão arterial e age como um neurotransmissor no
sistema nervoso.

Em situações de stress ou de perigo, a adrenalina lançada no


sangue mobiliza as energias, produzindo efeitos semelhantes aos
do sistema nervoso simpático. Desempenha um importante papel
quando experimentamos a sensação de medo, ansiedade e angústia.

GLâNDULAS SEXUAIS

Na mulher são os ovários que produzem a progesterona e os


estrogénios. No homem são os testículos que produzem a
testosterona.

É no decurso da puberdade que estas hormonas desencadeiam grandes


transformações.

A testosterona favorece o crescimento muscular e ósseo, bem como


o
desenvolvimento dos caracteres sexuais primários, isto é, os
traços físicos que distinguem os sexos­ é directamente
responsável pela reprodução, concretamente a produção dos
espermatozóides pelos testículos. Paralelamente, ocorre o
desenvolvimento de caracteres sexuais secundários: o crescimento
dos órgãos sexuais, o crescimento dos pêlos axilares e púbicos,
da barba, a mudança de VOZ ...
O termo estrogénio designa as hormonas sexuais femininas que
provocam as mudanças pubertárias (menstruação) e a capacidade de
reprodução.

A progesterona estimula o desenvolvimento dos órgãos sexuais e


permite o prosseguimento da gravidez. Sã o os estrogénios que
desencadeiam o aparecimento dos caracteres sexuais secundários: o
alargamento das ancas, o desenvolvimento dos seios, o crescimento
dos pêlos axilares e púbicos...
AS HORMONAS, O HIPOTÁLAMO E O COMPORTAMENTO SEXUAL

Existe uma relação entre o comportamento sexual, o hipotálamo e


as hormonas sexuais, quer nos seres humanos, quer nos outros
animais. A importância do hipotálamo no comportamento sexual tem
sido largamente demonstrada. A estimulação de determinadas zonas
do hipotálamo desperta, entre outras respostas, o impulso sexual.
Existem ainda células que influenciam o comportamento sexual,
tendo em conta o nível de hormonas sexuais no sangue.

As glândulas têm uma influência decisiva no comportamento. Por


exemplo, a ablação das glândulas sexuais em animais domésticos
altera completamente o seu comportamento.

Os efeitos de castração no homem, praticados antes da puberdade,


são evidentes: não ocorrem os caracteres sexuais secundários e o
impulso sexual desaparece. São também conhecidas as alterações
psicológicas decorrentes da castração ­ desde a Antiguidade são
descritos os comportamentos particulares dos eunucos.

Enquanto que existe uma relação directa entre o funcionamento


hormonal e o comportamento sexual nos animais inferiores, nos
animais superiores ­ por exemplo, nos macacos ­ este processo é
complexo e indirecto.

Concretamente, no ser humano não existe uma relação mecânica de


causa­efeito. Por exemplo, a resposta sexual da mulher é
independente do controlo hormonal: mulheres que se submetem a uma
ablação dos ovários continuam a ter um comportamento sexual
normal. Por outro lado, o desejo sexual não desaparece após a
menopausa.

Muitos homens, a quem foram removidos, por razões médicas, os


testículos, continuaram a funcionar normalmente durante muitos
anos. Estes exemplos vêm demonstrar que na expressão da
sexualidade os factores psicológicos se sobrepõem, nos seres
humanos, aos factores biológicos.

A sexualidade humana não se reduz à testosterona, à progesterona


e aos estrogénios. É por isso que as disfunções sexuais só
raramente têm origem em disfunções hormonais. A sexualidade do
adulto depende fundamentalmente da sua história de vida e da
influência social.

No capítulo sobre o desenvolvimento abordarás a concepção de


Freud que passa pela distinção entre a genitalidade resultante
das modificações hormonais que ocorrem na puberdade e a
sexualidade que já se manifesta na criança.

As funções das glândulas endócrinas

Hipófise ­­ Controla a actividade da tiróide, das supra­renais e


das glândulas sexuais.

Influencia o crescimento.

Coordena, com o hipotálamo a fome, a sede, a actividade sexual, a


reprodução.

Tiróide 1 ­ Actua no metabolismo.

Glândulas supra­renais ­ Actuam na activação das energias


corporais.
Dominam nas situações de ansiedade, medo ou angústia.

Glândulas sexuais ­ Proporcionam a ovulação/produção de


esperma.
­ Impulsionam o comportamento sexual.

Liga, com um traço, as estruturas do sistema nervoso com as


respectivas funções.

A ­ Bolbo raquidiano
B ­ Espinal medula
C ­ Cerebelo
D ­ Cérebro pré­frontal
E ­ Nervos motores
F ­ Sistema límbico
G ­ Sistema nervoso simpático
H ­ Corpo caloso

1 . Actua nas situações de tensão.


2. Conduzem as mensagens dos centros nervosos para os
órgãos efectores.
3. Controla os processos mentais mais complexos.
4. Comanda o ritmo cardíaco, a respiração e a pressão arterial.
5. Liga os dois hemisférios cerebrais assegurando a partilha
das informações.
6. É o centro coordenador da actividade reflexa.
7. Desempenha papel importante na emoção, motivação e
agressividade.
8. Assegura a manutenção do equilíbrio e a coordenação da
actividade motora.

* O sistema endócrino, tal como o sistema nervoso, é uma


híerarquía, uma Íntegração funcíonal de equilíbrios hormonais, e
a hipófise representa o seu mais alto nível de integração
glandular.

DELAY, jean
(1) Dá dois exemplos que demonstrem que as hormonas produzidas
pelas glândulas têm influência no comportamento.

(2) Explica porque é que a hipófise “representa o mais alto nível


de integração glandular”.

(3) Dá exemplos que mostrem que a hipófise e o hipotálamo têm


correlações estreitas ao nível do funcionamento e influência no
comportamento humano.

(4) Apresenta sumariamente o que acontece ao nível dos sistemas


nervoso e do sistema endócrino numa situação de medo.
A GENÉTICA

Nesta pintura de Henri Rousseau (1844­1910), podes observar


diferentes organismos vivos: plantas, animais, seres humanos.

Cada um destes seres apresenta características próprias da sua


espécie. Por sua vez, geram seres semelhantes, que herdam
estruturas que determinam, por exemplo, que as aves voem, que os
peixes nadem, que os seres humanos falem.

Este processo é explicado pela hereditariedade, isto é, pela


transmissão da informação genética de uma geração para a
seguinte.

O PROCESSO DE TRANSMISSÃO GENÉTICA

A informação biológica dos traços e características está presente


nos cromossomas do indivíduo. No interior dos cromossomas* ­ que
estão localizados no núcleo
das células ­ encontram­se os genes* que desempenham um papel
fundamental na transmissão dos caracteres hereditários.

Os genes são constituídos por moléculas de ADN* ­ ácido


desoxirribonucleico. O ADN apresenta a forma de uma espiral
dupla, isto é, de duas cadeias entrelaçadas uma na outra. Em
todos os seres vivos ­ dos unicelulares ao Homem ­ cada
elemento da cadeia é composto por um grupo desoxirribose fosfato
e por uma base azotada’. É a sequência das quatro “bases” que
determina a informação genética que definirá se o novo organismo
irá ter penas, escamas ou pêlos, pés, asas
ou barbatanas.

Adenina (A); guanina (G); citosina (C) e timina (T).


Uma das particularidades do ADN é copiar­se a si próprio: quando
uma célula se divide, as novas células recebem uma cópia do ADN
da célula­mãe. O código genético é por isso idêntico em cada
célula, a menos que surjam mutações causadas por influência do
meio ambiente (por exemplo, radiações). A este processo de
divisão celular que permite a reprodução do código genético em
novas células dá­se o nome de mitose.

Contudo, é através de um outro processo ­ a meiose ­ que nós


recebemos 23 cromossomas do pai e 23 cromossomas da mãe. Quando
um óvulo é fecundado por um espermatozóide, forma­se o ovo ou
zigoto com 46 cromossomas, isto é, 23 pares de cromossomas
característicos da espécie humana’.,

O par 23 é diferente nos dois sexos; na mulher é constituído por


dois cromossomas X; no homem esse par é formado por um cromossoma
X e um Y. Da mãe recebe sempre o cromossoma X: se o óvulo é
fecundado por um espermatozóide que tem um cromossoma Y, nascerá
um rapaz; se é fecundado por um espermatozóide com um cromossoma
X, nascerá uma rapariga.
MÉTODOS USADOS NO ESTUDO DA HEREDITARIEDADE HUMANA

O estudo da hereditariedade humana apresenta grandes limitações:


não se podem fazer cruzamentos experimentais entre seres humanos,
como acontece na genética animal. Por outro lado, o número de
cromossomas da espécie humana é
(deverá faltar aqui uma pequena parte do texto)

síndroma de Down, Vulgarmente conhecida por mongolismo,


corresponde a Lima trissomia do cromossoma 21. O
cariótipo passa a ter 47 cromossomas em vez de 46.
indivíduo, ao conjunto de traços que resulta da interacção entre
o genótipo e o meio.

O fenótipo é o resultado da acção concertada entre dois factores:


* a informação genética;
* a influência do meio.

Por exemplo:

O genótipo pode contribuir para a possibilidade de desenvolver


membros longos e grande massa muscular. Contudo, a subnutrição ou
a falta de exercício impedirão o desenvolvimento das capacidades
atléticas.

A INFLUÊNCIA DO MEIO

Podemos considerar que o meio engloba todos os elementos externos


que intervêm no desenvolvimento de um indivíduo. Neste sentido
pode­se afirmar que, desde que é concebido até morrer, o
indivíduo sofre influência do ambiente. A noção de meio, de
ambiente, alargou­se ao meio intra­uterino. Vejamos a sua
influência no desenvolvimento.

O MEIO INTRA­UTERINO

Desde o início da vida, o meio começa a actuar sobre o novo ser ­


daí a importância do meio intra­uterino, onde a criança se vai
desenvolver ao longo de nove meses.

Dado que o sangue do feto é o mesmo da mãe, o regime alimentar e


a saúde materna influenciam o desenvolvimento do corpo e do
cérebro do bebé. A subnutrição grave pode ter como consequência
um retardamento no desenvolvimento cerebral e, portanto, futuras
limitações mentais.

Certas doenças da mãe ­ diabetes, sífilis, toxoplasmose, rubéola,


sida, etc. podem determinar perturbações físicas e/ou mentais na
criança.

Os produtos químicos ­ por exemplo, medicamentos ingeridos pela


mãe ao serem incorporados na corrente sanguínea, podem afectar de
diferentes maneiras o desenvolvimento da criança. São conhecidas
as deformações físicas (crianças sem braços ou sem pernas)
produzidas por um tranquilizante usado pelas grávidas na década
de 50 ­ a talidomida.

Os bebés de mães toxicodependentes (em heroína e cocaína, por


exemplo) podem tornar­se dependentes da droga ainda no útero
materno, apresentando, ao nascer, sintomas de carência:
irritabilidade, inquietação, vómitos, convulsões, insónias.
A ingestão de álcool em quantidade, durante a gravidez, pode
provocar o que se designa por síndroma alcoólica fetal: problemas
de coordenação motora, distorções nas articulações, anomalias
faciais, inteligência subnormal...

O estado emocional da mãe também pode ser um elemento


perturbador. Sabe­se hoje que, quando a mãe vive uma crise
emocional grave, os movimentos do feto aumentam muito
significativamente. Estudos de correlação sugerem que bebés,
cujas mães viveram situações de grande stress durante a gravidez,
apresentam grande instabilidade e excesso de choro, durante a
primeira infância.

A MATURAÇÃO

A maturação designa o processo fisiológico por meio do qual a


hereditariedade actua após o nascimento. As potencialidades para
o desenvolvimento realizam­se à medida que a criança cresce
segundo um determinado programa. Contudo, o meio tem um papel
vital em todo este processo, concretamente ao nível da maturação
do sistema nervoso.
Nos primeiros meses de vida o cérebro continua a desenvolver­se
por divisão e crescimento das células. Uma criança gravemente
subnutrida pode ver reduzido o número de neurónios cerebrais. É
por isso que uma boa alimentação, nos primeiros anos de vida, é
fundamental para o desenvolvimento e capacidade intelectual da
criança.

O desenvolvimento sensório­motor, essencial para o crescimento de


todas as capacidades humanas, depende da estimulação sensorial e
afectiva.

Estudos feitos em crianças que vivem em instituições tipo


internato, onde são pouco acompanhadas e estimuladas durante os
primeiros tempos de vida, demonstram que estas possuem
frequentemente menos habilidades motoras, dificuldade em
relacionar­se com as pessoas, passividade, défices no
desenvolvimento intelectual. Se a privação de estímulos se
mantém, estes défices podem tornar­se irreversíveis.

HEREDITARIEDADE E INTELIGÊNCIA

Uma das questões que têm provocado mais polémica e debate é a de


saber até que ponto a inteligência dos indivíduos é determinada
pela hereditariedade ou pelo meio. As repercussões educativas,
políticas e sociais da questão colocam­na muito para além do
domínio da ciência. Desta esperar­se­iam respostas objectivas e
concludentes; contudo, a complexidade do problema ­ distinguir
claramente o que é devido ao meio e o que é devido à
hereditariedade ­ só permite respostas aproximadas. Vamos, muito
brevemente, referir alguns estudos sobre a questão.

Teria sido Francis Galton o primeiro a investigar o assunto com


alguma intencionalidade e método. Em 1869, desenvolveu um estudo
para conhecer até que ponto o factor genético determinava a
inteligência, Constatou que determinadas
famílias, como a sua, reuniam pessoas cujo trabalho reflectiria
um alto nível de inteligência. Mais ainda, concluiu que os
parentes mais próximos de indivíduos ilustres tinham tendência a
ser mais bem sucedidos do que os mais distantes.

Assim concluiu que a inteligência é determinada pela


hereditariedade.

Este trabalho, que esquece os factores relacionados com o meio na


determinação do nível intelectual, deu início a uma série de
investigações sobre o assunto.
Na década de 20, Terman desenvolveu um estudo, envolvendo
centenas de crianças, que procurava estabelecer uma correlação
entre o quociente de inteligência (QI) e o sucesso na vida. Para
além desta investigação, Terman e Merril correlacionaram o
quociente de inteligência médio das crianças com a profissão dos
pais.

O estudo foi feito numa amostra representativa da


população branca dos EUA. Pelo quadro podes constatar que
existe uma correlação entre o QI e o nível socioeconómico. Este
estudo chama a atenção para a influência que um meio estimulante
que responda às necessidades cognitivas tem no desenvolvimento
intelectual. Estes dados foram confirmados em estudos
desenvolvidos na população negra, bem como em países europeus e
no Japão.
O
Quadro 10 ­ Quocientes de inteligência relacionados com a
profissão do pai
O
Profissão do pai

Q1 médio das crianças

Liberal

1 16
O
Semiliberal e administrativa
O
Escritório, comércio, profissão especializada

107

Semiespecializada, escriturário, empresas comerciais importantes

104

Certo ni@veI de especialização

99

Operários indiferenciados

96
O
CARDOSO, A., FRóIS, A., FACHADA, O., Rumos da Psicologia, Rumo,
1992, p. 181
Noutro estudo recente obteve­se uma correlação de +0,43 entre a
qualidade do meio familiar e o QI. Esta correlação indica que
quanto mais elevada é a qualidade do meio familiar mais elevado é
também o QI da criança.

Quadro 11 ­ Correlação entre os QI

Parentesco

N.’

de estudos

Correlação média

Crianças sem parentesco criadas separadamente

­ O,01

Pais e filhos adoptivos

+0,20

Crianças sem parentesco criadas em conjunto

+0,24

Irmãos criados separadamente

33

+0,47

Irmãos criados em conjunto

36

+ O,55

Gémeos idênticos criados separadamente

+ O,75
Gémeos idênticos criados em conjunto

14

+ O,87

Avós e netos
3

+0,27
O
Pais e filhos
O
13
O
+0,50
O
SPRINTHALL N. A. e SPRINTHAU, R. C., Psicologia Educacional,
MeGraw­Hill, 1993, p. 433

Pela análise do quadro poderemos concluir que o QI está


relacionado com factores hereditários e ambientais.

Podemos concluir que a componente genética é um factor muito


importante no desenvolvimento e capacidade intelectual. Contudo,
os factores do meio desempenham um papel decisivo na determinação
do modo como a componente genética se expressará. Retomaremos a
questão no capítulo sobre a inteligência (p. 276).

“Todo o comportamento humano, incluindo o comportamento


inteligente, é produto da hereditariedade em interacção com o
meio e com o tempo. Este é um dos axiomas básicos da psicologia e
em nenhuma área a validade deste axioma é tão evidente como no
domínio da inteligência. “
O
SPRINTHALL, N. A., e SPRINTHALL, R. C., op. cit., p. 433

A hereditariedade e o meio não são realidades independentes.


São dois pólos de uma realidade ­ o indivíduo ­, que interagem
determinando o desenvolvimento Aprendizagem orgânico, psicomotor,
a linguagem, a inteligência, a afectividade...
“Se dois homens tomados ao acaso da população diferem sempre mais
ou menos um do outro, é, em primeiro lugar, porque receberam dos
pais heranças diferentes, mas é também porque desde o ovo foram
submetidos a circunstâncias dissemelhantes. “

ROSTAND, Jean

A partir do texto, explica a diversidade dos comportamentos.

‘A hereditariedade dá as cartas, o ambiente joga­as. “


BREWER, Charles

Concordas com a afirmação transcrita? justifica a tua resposta,


esclarecendo o conceito de meio ambiente.

“Toda a pessoa é o resultado de uma complexa história de


desenvolvimento, em que se entrelaçam factores hereditários e
experienciais. Começa a vida como uma célula única, cujo
potencial hereditário total se apresenta em forma de mecanismos
meticulosamente codificados. Durante o curso da sua existência,
um número imenso de acontecimentos multiculturais ínterage com o
potencial herdado, para produzir um organismo cada vez mais
complexo. “

TELPOD, C. e SAWREY, J.

A partir do texto, mostra que o comportamento humano resulta de


factores hereditários e de factores ambientais.
PSICOLOGIA SOCIAL
(FUNDAMENTOS SOCIAIS DO COMPORTAMENTO)

“NÃO PODEMOS VIVER ISOLADOS PORQUE AS NOSSAS VIDAS


ESTÃO LIGADAS POR MIL LAÇOS INVISíVEIS.”

A psicologia social tem como objecto os processos psicológicos


que têm origem no grupo. Serão as interacções entre os
indivíduos, entre os indivíduos e o
grupo e entre os grupos o objecto da psicologia social.

Os psicólogos sociais vão procurar conhecer a natureza e as


causas dos nossos comportamentos, pensamentos, sentimentos que se
revelam nas situações sociais.
Porque nos comportamos de determinado modo, como formamos e
mudamos as nossas atitudes e crenças, porque tomamos determinadas
decisões, como reagimos, o que pensamos sobre os outros... são
algumas das questões que a psicologia social aborda. De uma forma
muito genérica, poderíamos dizer com Moscovici: “Os psicólogos
sociais tendem a definir o seu campo como o dos estudos da
interacção social.” Para conhecer a forma como estas interacções
se desenrolam e se cruzam, a psicologia social estabelece
relações interdisciplinares com outras áreas do saber,
concretamente com a sociologia e a antropologia.

Desde o nascimento até à morte o ser humano está marcado e marca


a sociedade em que se encontra inserido. Ser aceite pelos outros,
ter um grupo de pertença com afinidades e padrões de
comportamento comuns, ocupar um lugar na sociedade são fortes
motivações sociais que determinam a vida de cada um. Inerente a
este viver em sociedade, o indivíduo submete­se a normas, a
padrões de conduta, ao sistema de valores... A necessidade de ser
aceite, de se integrar são alguns factores que o levam a
submeter­se às diferentes formas de pressão social.

É o conjunto dos processos complexos inerentes à interdependência


do indivíduo e da sociedade que constitui o objecto deste
capítulo. E podemos começar com um pequeno texto de Edgar Morin.

“( .. ) os indivíduos fazem a sociedade que faz os indivíduos. Os


indivíduos dependem da sociedade que depende deles. Indivíduos e
sociedade coproduzem­se num circuito recursivo permanente em que
cada termo é ao mesmo tempo produtor/produto, causa/efeito,
fim/meio do outro. “

MORIN, E. Notícias, 198­,, p, 88


O HOMEM COMO SER SOCIAL

No capítulo anterior reconhecemos que partilhamos uma herança


genética que nos define como seres humanos. A nossa estrutura
cerebral permite­nos desenvolver a linguagem e interpretar os
estímulos provenientes do meio. Todos os seres
humanos sentem fome e sede, frio e calor, todos os seres humanos
sonham, sorriem e choram, amam e odeiam. Quando estudares a
psicologia do desenvolvimento, reconhecerás algumas
regularidades: a importância da relação mãe­filho, a reacção do
bebé à cara humana, a estranheza a pessoas, não familiares,
expressões de pensamento mágico em crianças pequenas, etc.

“Um visitante que chegasse do espaço e que descesse em qualquer


lugar descobriria seres humanos que praticam desportos, que
intervêm em jogos, danças e festas, que cantam e professam
cultos, que vivem em famílias e formam grupos. Ser humano
significa ser mais parecido do que diferente. É o conjunto destas
tendências de conduta universal que define a natureza humana.
Entre as nossas semelhanças, a mais importante ­ o traço
distintivo da conduta da nossa espécie ­ é a nossa enorme
capacidade para aprender e nos adaptarmos. Por irónico que
pareça, esta semelhança fundamental possibilita a diversidade
humana.

MYERS, D. G., Psicologia, Médica Pan­americana, 1994, p. 523

É precisamente a capacidade de o ser humano se adaptar ao meio,


transformando­o, que o distingue dos outros animais. Enquanto que
estes estão dotados de mecanismos biológicos que, por exemplo, os
defendem do frio, o ser humano teve que construir abrigos,
produzir roupas que o protegessem das temperaturas extremas e das
intempéries. Para assegurar a sua sobrevivência, desenvolveu
acções sobre o meio de que resultou tudo o que nos rodeia: os
campos cultivados, as casas, as estradas, o vestuário, a
electricidade, as mesas, os pratos, os lápis, os automóveis, os
medicamentos... É a fraqueza biológica que o obriga a intervir no
meio, a produzir cultura. Contudo, a cultura não se manifesta
apenas nas produções materiais: as formas de comportamento, os
usos e os costumes, os sistemas de valores, as formas de
expressão, as normas políticas, religiosas e morais, a concepção
de mundo e de morte, o conjunto dos saberes organizados nas
ciências, a organização social constituem cultura. É na
capacidade de o ser humano se adaptar ao meio e de transmitir às
gerações seguintes as suas conquistas, é na sua capacidade de
aprender que reside a linha que distingue o ser humano do animal.
Míscha Titiev usa o termo cultura Para descrever a série completa
de instrumentos não geneticamente adquiridos pelo ser humano,
assim como todas as facetas do comportamento adquiridas após o
nascimento”.

Introdução à Antropologia Cultural,. E C. Gulbenkian, 1985, p. 13

Edgar Morin considera:

“A cultura não é um mero suplemento de que usufruem as sociedades


humanas por contraste com as sociedades animais. É ela que
institui as regras­normas que organizam a sociedade e governam os
comportamentos dos indivíduos; constitui o capital colectivo dos
conhecimentos adquiridos, dos saberes práticos aprendidos, das
experiências vívidas, da memória históricomítíca, da própria
identidade de uma sociedade.

MORIN, E., “Para uma sociologia do conhecimento”, Sociologia ­


Problemas e Práticas, n.I 6, 1989, p. 19

As componentes biológicas e culturais estão, no ser humano,


intimamente ligadas. Edgar Morin afirma: “O Homem como um ser bio
, cultural”.
A RELATIVIDADE CULTURAL

A cultura é um fenómeno universal que se manifesta em todas as


sociedades humanas como forma de responder às necessidades dos
seres humanos. Contudo, não existe uniformidade na resposta a
essas necessidades: não há uma cultura, mas várias culturas. A
cultura varia no tempo e no espaço.

Por exemplo, chorar é um acto que envolve uma componente


biológica, que se concretiza no funcionamento das glândulas
lacrimais, e uma componente psicológica ­ choro porque estou
triste, choro de raiva, de dor, de emoção, de alegria... Contudo,
chorar é uma expressão que, na nossa sociedade, está sobretudo
confinada à mulher, porque “um homem não chora”.

Mas nem sempre foi assim. Anne Vincent Buffault, no seu livro
História das Lãgilmas (1994), refere que, ainda no século XVIII,
os homens demonstravam a sua emoção chorando, ao ler um romance,
ao ver uma peça de teatro, quando viviam situações de dor ou até
de alegria. É no século XIX que os imperativos burgueses põem em
causa o choro como forma de expressão. A partir de então, regras
e normas limitam o homem ocidental de chorar, pelo menos em
público. Mas, mesmo
nos nossos dias, a forma como se chora, quando e por que se chora
varia nas diferentes culturas.

A diversidade cultural manifesta­se em diferentes padrões


culturais: o que é que comemos e quando comemos, o modo como nos
cumprimentamos, os hábitos de higiene, as relações entre pais e
filhos, homens e mulheres, o modo como ocupamos os tempos livres
constituem comportamentos padronizados previstos numa determinada
sociedade. ­
‘A história da vida individual de cada pessoa é, acima de tudo,
uma acomodação aos padrões deforma e de medida tradicionalmente
transmitidos na sua comunidade de geração em geração. Desde que o
indivíduo vem ao mundo, os costumes do ambiente em que nasceu
moldam a sua experiência dos factos e a sua conduta. Quando
começa afalar, ele é o fruto da sua cultura, e quando, crescido,
é capaz de tomar parte nas actividades desta, os hábitos dela são
os seus hábitos, as crenças dela, as suas crenças, as
incapacidades dela, as suas incapacidades. Todo aquele que nasça
num grupo do lado oposto do globo adquirirá a mílésima parte
dessa herança. Nenhum outro problema social nos cabe mais
forçosamente conhecer do que este papel que o costume desempenha
na formação do indivíduo. “

BENEDICT, Ruth, Os Padrões de Cultura, F. C. Gulbenkian, s/d

As culturas não são, como já compreendeste, nem rígidas nem


fechadas: reflectem os processos de desenvolvimento da sociedade,
as suas aquisições e mudanças. Por outro lado, cada cultura
relaciona e reinterpreta o seu sistema, no contacto com culturas
diferentes.

A aculturação designa os processos complexos de contacto cultural


através dos quais as sociedades ou os grupos sociais assimilam,
ou são­lhes impostos, hábitos e valores culturais de outras
sociedades. A colonização e a emigração são dois bons exemplos
deste processo, que se caracteriza pela reformulação das
práticas, costumes e crenças originais a partir dos valores e das
normas da sociedade dominante.

Nos nossos dias, os meios de comunicação social, o


turismo, a emigração, as trocas comerciais, a deslocação de
populações têm proporcionado a transmissão de novos modelos
comportamentais. Alguns destes modelos comportamentais são fácil
e rapidamente assimilados e reintegrados; outros são rejeitados.
Cada cultura faz a partir dos próprios referentes e projectos
culturais uma selecção.

Aconselhamos­te a ler, sobre este assunto, a entrevista com a


antropóloga Doutora Eglantina Monteiro (pp. 150­151).

Edgar Morin afirma que “todo o acto humano é, ao mesmo tempo,


totalmente biológico e totalmente cultural”.

Identifica e caracteriza as componentes culturais em


comportamentos que têm uma evidente matriz biológica: a fome, a
sede, o sono, o impulso sexual. Faz uma lista de alguns
comportamentos que reflictam os padrões de cultura portuguesa.
A História apresenta inúmeros casos em que o processo de
aculturação ocorreu de forma violenta:

em que o património cultural de um povo foi parcial ou totalmente


destruído. É o que se designa por
aculturação por destruição ou desculturação. Em muitos casos, o
etnocídio foi acompanhado de genocídio isto é, do extermínio
físico de uma população. Contudo, estes processos não se confinam
ao passado: acontecimentos contemporâneos são expressões de
aculturação por destruição.

Propomos­te que:

(1) recordes episódios da História universal em que ocorreram


este tipo de fenómenos;

(2) recolhas na imprensa diária notícias que exprimam, na tua


opinião, processos de aculturação por destruição.

SOCIALIZAÇÃO

Designamos por socialização o processo de integração do indivíduo


numa determinada sociedade. Este processo inicia­se no acto de
nascer: o modo como é
assistido no parto, a maneira como é lavado, tratado e vestido
são já marcas da cultura em que o indivíduo nasce.

Este processo decorre ao longo de toda a vida e só termina quando


o indivíduo morre. É por essa razão que a socialização é um
processo dinâmico, interactivo e permanente de integração social.
É no grupo em que nasce ­ a família ­ que vai decorrer o processo
inicial de socialização: a criança aprende os horários
alimentares, os gostos, os hábitos de higiene e outros, a
linguagem, as normas de comportamento. O processo de socialização
obriga a que a criança adapte os seus comportamentos
biologicamente determinados às práticas culturais do grupo social
a que pertence. Por isso, este processo não ocorre sem
dificuldades. Os valores, as atitudes, os conhecimentos
adquiridos no seio da família visam tornar o indivíduo apto a
responder de forma adequada a diferentes situações sociais.
Na nossa sociedade é cada vez mais importante o papel das creches
e dos jardins­de­infancia como agentes de socialização. É já ai
que a criança irá exercitar comportamentos e hábitos de trabalho.

Na escola do 1º Ciclo, o professor e os companheiros da mesma


idade irão desempenhar um importante papel neste processo. Será
no grupo de pares isto é, pessoas de idade aproximada, que
desenvolverá relações de solidariedade e cooperação e adquirirá
os sentimentos de reciprocidade e também de autonomia,
independência e identidade social.

Os conflitos que ocorrem durante as brincadeiras ou


trabalhos darão à criança a consciência da existência dos
outros, com interesses e desejos próprios.

“Sem a possibilidade de encontrar indivíduos que lhe sejam


iguais, as crianças não aprendem competências de comunicação
eficazes, não adquirem as competências necessárias para modelar
as suas acções agressivas, têm dificuldades com a socialização
sexual e estão em desvantagem com respeito à formação de valores
morais.

HARTUP, W. W., “Peenplay andpatbology”, Newsletter, S.R.C.D.


Inc., 1997

A escola é a instituição que transmite os conhecimentos


científicos e técnicos que irão permitir ao indivíduo
exercer um papel no aparelho produtivo. Contudo, a escola tem uma
outra função essencial: veicular as normas sociais, as noções
éticas básicas, os ideais da sociedade. Será todo este conjunto
de aquisições que facilitará a inserção social do indivíduo. Nas
sociedades industrializadas, a escolarização tem­se prolongado,
assumindo a escola, por isso, cada vez mais importância no
processo de socialização.

Os meios de comunicação social ­ televisão, rádio, cinema,


revistas e jornais ­ tornaram­se na sociedade contemporânea
importantes agentes de socialização. A televisão assume um papel
particularmente importante: os filmes, as telenovelas, a
publicidade veiculam modelos de comportamento que são imitados e
reproduzidos.
Como já dissemos, este processo de socialização não termina com a
infância ­­ socialização primária ­­ É um processo que ocorre ao
longo da vida sempre que seja necessária a adaptação a uma nova
situação e a interiorização de novos papéis.
A socialização secundária designa o processo de integração do
indivíduo no grupo ou situação social específica: quando inicia
ou muda de profissão, quando se casa ou divorcia, quando tem um
filho, quando ingressa num grupo cultural ou
desportivo, quando se inscreve num sindicato ou partido político,
etc. Em todas estas situações a pessoa tem que adoptar novos
papéis, novos modos de agir, interiorizar normas e modelos­
enfim, socializar­se.

“A criança humana é, no momento do seu nascimento, um ser


puramente biológico, sobre o qual a cultura ainda não actuou.

Constitui um terreno virgem, pronto a receber qualquer tipo de


influência cultural, assim como aprender qualquer língua.
Subtraído ao ambiente cultural e linguístico normal, não
desenvolverá condutas que, para além da sua morfologia, permitem
reconhecer a sua humanidade, como o demonstraram os casos
excepcionais conhecidos das crianças selvagens ou das crianças
isoladas. “

DROZ e RICHELE

Depois de leres atentamente o texto responde às seguintes


questões:

(1) Desde quando é que a cultura começa a actuar sobre um


indivíduo?

(2) Que tipo de comportamento terá uma criança que não contacte
com o meio social?

Procura na biblioteca livros que relatem casos de crianças


selvagens ou isoladas.

O caso da criança selvagem, descrito por Itard, é um dos mais


conhecidos. Em 1789, é encontrada uma criança selvagem na
floresta de Aveyron, em França. É conduzido para o Instituto dos
Surdos­Mudos, em Paris, onde os médicos diagnosticaram idiotia de
origem biológica. Contudo, Itard tem uma outra concepção: o
comportamento da criança seria explicado pela ausência do
contacto social. Consegue que a criança lhe seja confiada, e é na
casa do médico que o jovem
Victor viverá até aos 18 anos. Apoiado pela sua governanta, o
médico desenvolve um programa de integração no meio social,
descrevendo pormenorizadamente todo o processo em relatórios.

São estes que servirão de base para a realização do filme “O


menino selvagem” de FrançoisTruffaut.

Propomos­te que vejas o filme e que respondas às questões que te


colocamos.

(1) Descreve e explica o modo de locomoção da criança quando é


encontrada, bem como os progressos que registou.

(2) Regista o processo de adaptação ao meio social: à


alimentação, às regras de higiene, à utilização de roupa, ao
contacto com os outros.

Descreve os progressos e dificuldades de Victor no


desenvolvimento da concentração, na emissão de palavras, no
desempenho de tarefas.

(4) Descreve e comenta as relações de afectividade que Victor


progressivamente exprime.
GRUPOS

CONCEITO DE GRUPO

Os seres humanos vivem em sociedade, integrados em grupos. Esta


afirmação pode ser facilmente confirmada pela tua experiência
pessoal: acordaste no seio de um grupo, a família; assistes à
aula de Psicologia integrado num grupo, a turma; Se praticas um
desporto ou uma actividade cultural, integras­te num outro grupo;
se à noite vais à discoteca, acompanhas o teu grupo de amigos.
Além disso, ainda podes pertencer a outros grupos sociais: a
associação de estudantes da tua escola, a um grupo musical, a um
partido político, a um grupo religioso...

Distingues, por certo, estes conjuntos de pessoas de outras


“colecções” de indivíduos com quem contactas: as pessoas que
viajam contigo no autocarro, os espectadores de um
jogo de futebol ou de um filme a que assistes, os participantes
da manifestação em que te integras, etc.

Estes conjuntos de pessoas, isto é, estes agrupamentos sociais,


são distintos uns dos outros, não tendo a mesma composição,
finalidade e organização. Daí que se estabeleçam, em psicologia
social, distinções entre multidão, ajuntamento, assistência,
manifestação e grupos sociais. É sobre estes últimos que vamos
reflectir.

GRUPO: DEFINIÇÃO
Podemos dizer que um grupo é uma unidade social, é um conjunto de
indivíduos, mais ou menos estruturados, com objectivos e
interesses comuns cujos elementos estabelecem entre si relações,
isto é, interagem.

Assim, um conjunto de pessoas constitui um grupo quando estas:


* interagem com frequência;
* partilham de normas e valores comuns;
* participam de um sistema de papéis;
* cooperam para atingir determinado objectivo;
* reconhecem e são reconhecidas pelos outros como pertencentes ao
grupo.

A psicologia social vai procurar conhecer e caracterizar o


comportamento das pessoas enquanto membros de um grupo. A
complexidade da questão reside no facto de, no interior dos
grupos, se desenvolverem múltiplas interacções e porque uma mesma
pessoa pertence a vários grupos.
Kurt Lewin (1890­1947) representa graficamente esta situação:

p ­ pessoa
1 ­ família
2 ­ grupo profissiomal
3 ­ partido político
4 ­ clube
O
A pessoa (P) pertence a grupos muito diferentes quanto à
dimensão, à composição, à estrutura, aos papéis desempenhados, ao
contexto, às normas a que obedece.

TIPOS DE GRUPO

Poderemos distinguir os grupos segundo múltiplas variáveis. A


dimensão do grupo, os seus objectivos e tarefas determinaram o
tipo de interacção e comunicação que os seus elementos
estabelecem. Assim, distinguem­se geralmente dois
tipos de grupos: os grupos primários e os grupos secundários.

Os grupos primários são grupos de pequenas dimensões


caracterizados fundamentalmente por motivações afectivas. A
comunicação é directa, ‘as relações muito frequentes
caracterizando­se pela informalidade e espontaneidade.

Ex.: família, grupo de amigos.

Nos grupos secundários, geralmente formados por um maior número


de elementos que os grupos primários, a comunicação e as relações
que se estabelecem não são directas. O relacionamento está
marcado pela formalidade e impessoalidade.

Ex.: empresas, sindicatos, partidos políticos.

“Um grupo é um envelope que mantém juntos os indivíduos. Enquanto


este envelope não for constituído, pode­se encontrar um agregado
humano, mas não bá grupo.

ANZIEU, Didier

Comenta o texto reportando­te à concepção de grupo. (2) Distingue


o grupo e outros ajuntamentos sociais. (@) Faz uma lista dos
grupos a que pertences.
GRUPO: LIDERANÇA

No interior dos grupos estabelece­se uma divisão de funções e


relações de cooperação entre os seus membros.
O tipo de tarefas, estrutura, organização e normas varia.
Contudo, há um elemento comum a quase todos os grupos ­ a
existência de um coordenador, de um líder. Mesmo nos grupos mais
pequenos, há a tendência para se escolher entre os seus membros
um elemento que coordene a actividade colectiva, para melhor
atingir os objectivos definidos, para afirmar o próprio grupo.

Desde o grupo de amigos aos partidos políticos, aos bandos, aos


grupos religiosos, às empresas e instituições, existem indivíduos
que desempenham funções de liderança de forma esporádica ou
continuada, de modo formal ou informal. Frequentemente, os grupos
têm dois ou mais líderes, normalmente com funções diferentes.
Podemos dizer que é inerente ao grupo, à organização, a
liderança.

TIPOS DE LíDER

Antes de mais temos que distinguir diferentes tipos de líder. O


chefe institucional é imposto ao grupo e exerce funções de
direcção. É o caso, por exemplo, do chefe de um departamento de
um banco, o encarregado de uma fábrica. O chefe institucional
exerce um poder hierárquico sobre os seus subordinados.

Contudo, o líder pode ser designado pelo grupo (podendo ainda


surgir espontaneamente), sendo o elemento central para onde
convergem as comunicações, desempenhando um papel importante na
orientação do grupo para a consecução das suas tarefas e
objectivos. Têm sido desenvolvidas muitas investigações no
sentido de se verificarem as características, os traços e as
condições que tornam um líder eficaz, bem como reconhecer as suas
fontes de poder e influência.

ESTILOS DE LIDERANÇA

Não existe um estilo único de liderança: há diferentes formas de


o líder exercer a sua influência e poder, de se relacionar com os
elementos do grupo. Os diferentes estilos de liderança geram
diferentes atitudes no interior dos grupos, diferentes
comportamentos individuais.

Kurt Lewin desenvolve, nos EUA, em 1939, um conjunto de


investigações com Lippitt e White sobre atmosferas de liderança,
aplicando no seu trabalho o método experimental. Pretendia
observar e comparar os efeitos de diferentes tipos de liderança
no comportamento, no desempenho de tarefas e no nível de
satisfação do
grupo. É um grupo de adolescentes que vai ser objecto da
experiência, executando trabalhos manuais. A variável
independente é o tipo de líder que vai ser simulado
pelos experimentadores, que representarão três tipos:
autoritário, laissez faíre’ (não­directivo) e democrático. Os
resultados apontaram para um grau de satisfaÇão maior no grupo de
liderança democrática. Estes três tipos de liderança são ainda
uma referência possível de classificação, embora existam outras.

Vamos analisar então os três tipos de líder: líder autoritário,


líder laissez­faire e líder democrático.

U LíDER AUTORITÁRIO

Neste estilo de liderança autoritária ou autocrática é o líder


que,

Além de fixar as tarefas de cada um, determina o modo de as


concretizar. Não há espaço para a iniciativa pessoal. Este tipo
de liderança é gerador de conflitos, de atitudes de
agressividade, de frustração, de submissão e desinteresse, entre
outras. A produtividade é elevada, mas a realização das tarefas
não é acompanhada de satisfação.

LíDER LAISSEZ­FAIRE

Neste estilo de liderança não­directiva, o líder funciona como


elemento do grupo e só intervém se for solicitado. É o grupo que
levanta os problemas, discute as soluções e decide. O líder não
intervém na divisão de tarefas, limitando­se a sua actividade a
fornecer informações, se a sua intervenção for requerida. Nos
grupos com este tipo de líder, quando o grupo não tem capacidade
de auto­organização, podem surgir frequentes discussões, com
desempenho das tarefas pouco satisfatório.

LíDER DEMOCRÁTICO

Neste tipo de liderança, o grupo participa na discussão da


programação do trabalho, na divisão das tarefas, sendo as
decisões tomadas colectivamente,
O líder assume uma atitude de apoio, integrando­se no grupo,
sugerindo alternativas sem, contudo, as impor. Procura ser
objectivo nas apreciações que faz do desempenho dos elementos do
grupo e e envia­lhe sínteses dos processos desenvolvidos. Um bom
líder é aquele que é capaz de sentir o que se está a passar no
grupo e é capaz de ter as atitudes adequadas para ajudar o grupo
a ultrapassar os seus problemas. A produtividade é boa e,
sobretudo, constatou­se uma maior satisfação e criatividade no
desempenho das tarefas, uma maior intervenção pessoal, bem como o
desenvolvimento da solidariedade entre os participantes.
@1 Laissez­faire traduz­se, à letra, por ‘@deixar fazer”. Em
português, para além de “não­directivo”, têm sido empregues as
designações de ‘@anárquico”, LberaV, “laxista” e “permissivo”.
REDES DE COMUNICAÇÃO

No interior do grupo, por mais pequeno que ele seja, estabelecem­


se comunicações entre os seus membros. Designamos por redes de
comunicação os canais e o modo como as pessoas se relacionam no
interior de um grupo. Vários autores, partindo dos trabalhos de
Kurt Lewin sobre a influência das comunicações no grupo,
estudaram as transformações provocadas pela utilização de
diferentes canais de comunicações. Leavitt orientou experiências
com grupos de cinco pessoas, organizando­as em três tipos de
rede:

1. Rede em estrela
2. Rede em círculo
3 ­ Rede em cadeia
Este investigador procurou comparar e avaliar, nas diferentes
redes de comunicação, os seguintes parâmetros: o número de
mensagens emitidas; o número de erros cometidos; o tempo
necessário para resolver o problema e o moral do grupo. As
conclusões a que chegou foram as seguintes: o grupo organizado na
rede centralizada em estrela resolvia mais rapidamente os
problemas, o número de mensagens era reduzido e os erros
cometidos irrelevantes; quanto aos indivíduos organizados
em círculo, estes gastavam mais tempo a resolver os problemas,
sendo o número de mensagens e erros em maior número. Contudo, os
participantes neste último tipo de rede apresentavam um maior
nível de satisfação na realização dos trabalhos do que aqueles
que estavam organizados noutro.

Podemos dizer que ‘a rede centralizada em estrela é geralmente


utilizada nos grupos em que domina o estilo autoritário. É o
líder que centraliza toda a comunicação. E, embora a eficácia
aumente, a satisfação experimentada pelos elementos do grupo é
muito baixa.

Na rede em cadeia a mensagem corre riscos de se perder e/ou


deturpar, sendo a comunicação mais lenta.

INTERACÇÃO GRUPAL

“Então, o que caracteriza as interacções entre uma pessoa e


outra? Em primeiro lugar, as pessoas, e não os objectos, podem
responder­nos. Os objectos não nos saúdam, não nos culpam ou
elogiam, não nos amam nem odeiam. Reagem às nossas razões, não a
nós; não estão conscientes da nossa presença. O espelho reflecte,
mas não nos vê; só outra pessoa pode ser um verdadeiro espelho
para um ser humano; somente as pessoas nos podem responder com
sentimentos e compreensão, com irritação ou admiração, com ajuda
ou competição. “

ASCH, S., Psicologia Social, Nacional, 1977, p. 123

O texto de Asch chama a atenção para a importância da interacção


entre as pessoas. O conceito de interacção implica a influência
mútua dos comportamentos, o que passa pela adopção de condutas e
expressões linguísticas próprias que ganham dimensão no grupo e
que, muitas vezes, o distinguem de outros.

Ora, no interior do grupo estabelecem­se múltiplas relações que


aumentam com a sua dimensão.
Se um grupo é composto por duas pessoas ­ díade ­, estabelece­se
uma relação em que se desenvolvem interacções pessoais, onde
predomina a cooperação. Há, geralmente, concessões recíprocas,
sendo a troca social favorecida. O aumento do número de elementos
do grupo implica um aumento considerável no número de
interacções.

Como vês, o número de relações entre os elementos de um grupo


aumenta muito mais rapidamente que o número de indivíduos. Numa
turma de 30 alunos podem­se estabelecer 435 relações’.

Kurt Lewin acentua que um grupo não é um somatório de pessoas,


mas sim uma totalidade dinâmica, isto é, um conjunto de
indivíduos interdependentes que estabelecem entre si relações
dinâmicas.

O comportamento do grupo e dos seus elementos seria explicado


pela interdependência das forças em jogo num determinado momento.

A dinâmica de grupo centra­se no presente; o passado só tem


importância pelas marcas existentes no que se está a passar
naquele momento.

É no contexto da interacção grupal que ocorre a influência do


grupo e os comportamentos conformistas.

INFLUÊNCIA DO GRUPO

“É fácil seguir a opinião da maioria.

SÉNECA (séc. VII)

A influência é uma dimensão da interacção que se estabelece no


interior do grupo pelo facto de se estar junto do outro. A
interacção implica que os sujeitos ajam uns sobre os outros. Os
indivíduos modelam o seu comportamento segundo as normas e os
valores dos grupos a que pertencem: na família, na escola, no
grupo de trabalho, nos grupos de lazer... É nos grupos que se
realizam as aprendizagens, é nos grupos que emergem os modelos e
se exercitam os papéis sociais.

F1 ­ Este número resulta da aplicação da fórmula n (n ­ 1)/2 em


que n é o número de indivíduos.
Aliás, a vida em grupo implica obediência às suas normas formais
e informais. A sua não aceitação por um elemento pode conduzir a
atitudes de repreensão, repressão e até rejeição.

O conceito da influência tem sido objecto de vários estudos


experimentais, que procuraram esclarecer os processos que levam o
indivíduo a conformar­se às normas e às opiniões do grupo.
Solomon Asch desenvolveu, na década de 50, uma série
de experiências que tinham por objecto avaliar a conformidade do
indivíduo ao grupo. Organizou a experiência que passamos a
descrever:

EXPERIêNCIA DE ASCH

O experimentador reuniu, num laboratório, sete pessoas para


participar numa experiência sobre discriminação visual. Sentadas
à volta de uma mesa, os participantes deveriam avaliar o
comprimento da linha de um cartão (A) com as três linhas de outro
cartão (B).

Apenas um dos sete participantes era um sujeito ingénuo, isto é,


desconhecia os verdadeiros objectivos da experiência. Os outros
eram cúmplices do experimentador, comportando­se de acordo com as
suas indicações.

Asch perguntou ao sujeito se a linha X era do mesmo comprimento


das linhas A, B e C. De notar que o investigador colocou o
sujeito ingénuo na sexta posição, pelo que ouvia as cinco
opiniões anteriores. Os participantes cúmplices davam X
uma resposta errada, previamente combinada. A questão era
saber se o sujeito ingénuo do grupo diria o que realmente estava
a ver ou seria influenciado pela opinião unânime do grupo,
conformando­se e dando a resposta errada. Asch concluiu que 75%
das pessoas aceitaram a resposta errada, pelo menos uma vez,
desprezando assim a evidência do que viam.
A sua hipótese estava confirmada: mesmo face a tarefas claras e
inequívocas, os indivíduos tendem a conformar­se com a norma do
grupo.

CONFORMISMO E INCONFORMISMO

Um dos efeitos do grupo é o conformismo face às normas, atitudes


e opiniões assumidas colectivamente. Diz­se que uma pessoa é
conformista quando se comporta de acordo com as expectativas do
grupo. Quando, embora reconhecendo essas expectativas, age de
forma oposta, a pessoa mostra inconformidade, é considerada
independente.

Nos grupos coesos há, regra geral, maior tendência a atitudes


conformistas por parte dos seus membros.

Tem­se tentado identificar os factores mais relevantes que ajudem


a explicar as razões que levam as pessoas a conformarem­se, ou
não, as opiniões do grupo.
O tamanho do grupo é um desses factores. Asch e outros autores
desenvolveram experiências com grupos de diferentes dimensões,
concluindo que haveria uma tendência maior à influência nos
grupos com maior número de elementos. A unanimidade do grupo é
também um factor que favorece o conformismo. Na experiência que
descrevemos, o sujeito “ingénuo” ouve primeiro a opinião de todos
os outros e, face à inexistência de opiniões divergentes, aceita
a da maioria.

Vários investigadores têm tentado identificar outros factores que


expliquem a tendência para o conformismo, concretamente a
variável sexo e variáveis de personalidade. Contudo, os estudos
levados a cabo não permitem tirar conclusões sobre o papel destas
variáveis ­ designadamente um perfil de personalidade específico
­ nos comportamentos conformistas.

OS ESTATUTOS E OS PAPEIS SOCIAIS

O termo “papel” não te é estranho dado que é muito frequente a


sua utilização na linguagem comum. Assim, fala­se do papel dos
professores na educação, do papel da mulher na sociedade
contemporânea, do papel dos gestores nas organizações. Também se
diz, por exemplo: Bruce Willis desempenha um excelente papel no
filme "o quinto elemento" ou a actriz Eunice Munhoz desempenha
papéis muito diferentes nas personagens que interpreta.

Tal como no teatro, o indivíduo ­ que pode ser designado por


“actor social” representa o papel segundo as regras definidas
pelo “cenário” em que se encontra: o de mãe de família, o de
professora da escola, o de membro do sindicato... A pessoa
desempenha vários papéis, isto é, adopta comportamentos diversos
nas diferentes situações.

Poderemos, pois, definir papel social como o conjunto de


comportamentos que o indivíduo apresenta como membro de uma
sociedade. A noção de papel social aparece ligada à de estatuto.
Por isso, vamos esclarecer estes conceitos:

ESTATUTO SOCIAL

Cada um de nós ocupa uma posição nos diferentes grupos a que


pertence. É o conjunto das posições sociais que vai determinar o
estatuto, isto é, o lugar que o indivíduo ocupa na hierarquia
social. O estatuto permite esperar um conjunto de comportamentos
por parte dos outros.

Ora, o indivíduo tem tantos estatutos quantos os grupos sociais a


que pertence.

Analisemos concretamente o estatuto profissional, no caso ser


professora.
O estatuto profissional da pessoa M permite­lhe, por exemplo,
esperar dos alunos, dos colegas, dos funcionários e dos
encarregados de educação um conjunto de comportamentos.

O estatuto profissional confere­lhe direitos, determinando com


precisão os comportamentos dos outros actores sociais.

Transcrevemos a definição de estatuto apresentada por Stoetzel:


“o estatuto vem a ser o conjunto de comportamentos com que
legitimamente o indivíduo pode contar da parte dos outros”
(Psicologia Social, Nacional, s/d, p. 20 5).

O estatuto de mãe, de membro de um sindicato, de um clube...


mostra que uma pessoa tem múltiplos estatutos, a cada um dos
quais correspondem expectativas de comportamentos por parte dos
outros.

Muitos autores designam o estatuto profissional por estatuto


principal dado que marcaria a participação e a posição da pessoa
nos outros grupos sociais.

PAPEL SOCIAL

A cada estatuto corresponde um papel social. O papel é o conjunto


de comportamentos que são esperados de um indivíduo que tem
determinado estatuto. Desde que saibamos a posição que uma pessoa
ocupa num grupo, numa organização, esperamos que ela se comporte
de determinada maneira, segundo os modelos sociais.

Retomando a definição de Stoetzel, diríamos que “o papel [do


indivíduo] é o conjunto de comportamentos com que legitimamente
os outros contam da parte dele” (op. cit., p. 206).

No nosso exemplo, poderíamos representar graficamente o papel


social da pessoa A, tendo em conta o seu estatuto de professor:

Ao participar, como já vimos, em diferentes grupos sociais, onde


exerce funções específicas, o indivíduo desempenha diversos
papéis que são condicionados pelos esquemas sociais. Nos
diferentes contextos, a pessoa terá que condicionar o seu
comportamento aos modelos sociais. Daí que, desde que saibamos a
posição que a pessoa ocupa, esperamos que ela se comporte de
determinado modo. Se estivermos doentes e recorrermos a um
hospital, temos expectativas relativamente ao
comportamento do médico; isto é, esperamos que ele respeite os
atributos centrais do seu papel: que ouça as nossas queixas, que
nos examine, que interprete os sintomas num diagnóstico, que, se
necessário, nos prescreva uma medicação, etc.
Contudo, se encontrarmos, dias depois, o médico num outro
contexto ­ num restaurante, por exemplo ­, com certeza que a
inter­relação será diferente.

1 Esquematizando:

Estatuto: ­­ Conjunto de comportamentos que um indivíduo espera


por parte dos outros tendo em conta a sua posição no grupo.

Papel: ­­ Conjunto de comportamentos que os outros esperam do


indivíduo tendo em conta a sua posição no grupo.

CONFLITOS

Cada pessoa desempenha simultaneamente vários papéis, o que pode


gerar conflitos. Em determinadas situações e momentos, podem não
ser possíveis comportamentos compatíveis entre dois ou mais
papéis. Cria­se, neste caso, um conflito interpapéis: a
satisfação das expectativas relativas a um papel implica a
incapacidade de responder às expectativas do outro. Por exemplo,
um indivíduo pode pertencer a um grupo religioso que interdite os
seus membros de usar armas A e ser obrigado, por lei, a
incorporar­se no exército.

O sujeito tem que, simultaneamente, responder às exigências do


papel A e do papel b. Se o papel de membro de uma comunidade
religiosa é o mais importante, optará por não cumprir a lei,
sofrendo as consequências. Ao optar, provavelmente, o conflito
desaparece.

O conflito entre papéis pode também surgir quando, por exemplo,


um emigrante tem um papel social no seu país e vai ocupar outra
posição social no país que o acolhe. Fala­se, neste caso, de
descontinuidade de papéis, que pode também ocorrer quando uma
pessoa ocupa um lugar de direcção numa empresa e é despromovido,
ou quando um político deixa de ocupar um cargo público e passa a
cidadão comum.

Nalguns casos, um papel pode exigir mais de um comportamento, o


que pode gerar conflitos. Por exemplo, o encarregado de uma
secção de uma fábrica tem de, simultaneamente, assegurar o nível
de produção definido pela administração e, ao mesmo tempo,
proporcionar condições para que os seus subordinados apreciem o
trabalho. Fala­se, neste caso, de conflitos intrapapel.
Pontualmente, podem­se viver conflitos de papéis: uma pessoa
muito ocupada profissionalmente sente que devia dar mais atenção
aos filhos; o aluno que, durante o teste, hesita em deixar copiar
o colega; etc.

"O comportamento recíproco de dois indivíduos pode, em parte, ser


previsto se conhecermos, por um lado, os processos
interpsicológícos que se desenrolam durante o encontro, por
outro, a personalidade de cada interlocutor. Mas o conteúdo e a
forma da comunicação dependerão também, e muito, dos papéis e dos
estatutos dos ínterlocutores, se soubermos, por exemplo, que se
trata de um comprador e um vendedor ou de um médico e um doente.
As noções de estatuto e papel constituem o
aspecto institucíonal das relações ínterpessoais. Em certa
medida, constituem o elo que une cultura e personalidade."
DElAY, J. e PICHOT, P.

Os papéis vão sofrendo, ao longo do tempo, alterações ­ produto


das transformações sociais. Por exemplo, ser professor, ser pai
ou mãe, hoje, corresponde a um conjunto de comportamentos, a um
desempenho, muito diferentes daqueles que estavam prescritos no
início do século. Estas
mudanças são, muitas vezes, geradoras de conflitos.

Analisa a evolução do papel da mulher e identifica as suas


causas.

Caracteriza o tipo de conflitos que podem surgir.


As ATITUDES

Em 1935, AlIport (1890­1976), na sua obra Atitudes, considerava


que o conceito de atitude era central em psicologia social. As
atitudes constituem elementos básicos das relações sociais. Têm
sido objecto de inúmeras investigações e, hoje em dia, com
grandes repercussões práticas: nas questões da opinião pública,
na propaganda, nas crenças religiosas, na competição entre
grupos, na mudança de comportamento, etc.

Podemos definir atitude como uma tendência, uma predisposição,


para responder a um objecto, pessoa ou situação, de uma forma
positiva ou negativa. A atitude implica um estado que orienta o
indivíduo a reagir de determinado modo a um objecto, que pode
ser:

uma pessoa, um grupo social, uma


instituição, uma coisa, um valor, um conceito...

Não se pode confundir atitude com comportamento ­ a atitude é um


potencial para reagir de determinado modo a um objecto. Por
exemplo, se uma pessoa tem uma atitude negativa relativamente aos
pedintes, provavelmente não lhes dará esmola quando for
solicitado, apoiará medidas que visem irradiar os mendigos das
ruas, produzirá um discurso contra a mendicidade, etc. A atitude
determinará reacções semelhantes sempre que se verifiquem
situações em que determinado objecto está implicado. Não
constitui uma reacção isolada, mas um
conjunto de predisposições, reacções que se desencadeiam em
determinadas situações.

É através do comportamento manifestado pelo indivíduo que


poderemos inferir das atitudes, dado que estas não são
objectivamente observáveis. Manifestam­se através de expressões
verbais ou não verbais, de opiniões, de comportamentos, como a
adesão a um grupo político ou religioso, através da aquisição de
determinados objectos, etc. Por outro lado, se conhecermos a
atitude de uma pessoa, por exemplo, face à religião católica,
será possível descrever, compreender e até prever alguns aspectos
do seu comportamento.
COMPONENTES DAS ATITUDES

Numa atitude podemos considerar três componentes: a cognitiva, a


afectiva e a comportamental.

Componente cognitiva ­ uma atitude


inclui um conjunto de crenças sobre um objecto. A crença é a
informação que aceitamos sobre uma situação, um acontecimento, um
conceito. É o que acreditamos como verdadeiro acerca do objecto.

Componente afectiva ­ ao possuir uma


atitude, a pessoa desenvolve sentimentos positivos ou negativos
relativamente ao objecto. Está ligada ao
sistema de valores sendo a sua dimensão emocional.

Componente comportamental ­ a atitude implica que a pessoa se


comporte de determinado modo. É constituída pelo conjunto de
reacções de um sujeito relativamente ao objecto da atitude.

Por exemplo, uma atitude negativa relativamente ao tabaco pode


basear­se numa crença de que há uma relação entre o tabaco e o
cancro pulmonar (componente cognitiva). A pessoa que partilha
desta crença não gosta do fumo e experimenta sentimentos
desagradáveis em ambientes onde as pessoas fumam (componente
afectiva). A esta atitude estão, frequentemente, associados
alguns destes comportamentos: a pessoa não fuma, tenta convencer
os outros a não fumar, participa em campanhas contra o tabaco...
(componente comportamental.

Se a pessoa partilhar da crença de que o tabaco atenua o stress,


provavelmente as componentes afectiva e comportamental serão
diferentes.

Contudo, a psicologia social tem enfatizado o carácter complexo


das atitudes. A propósito do exemplo dado, conheces talvez casos
em que, apesar de haver pessoas que associam o tabaco ao prejuízo
da saúde, continuam a fumar, tentando frequentemente
compatibilizar esta crença com o reconhecimento de que o tabaco
estimula o trabalho, favorece o convívio, etc.
As atitudes permitem que o sujeito organize e classifique os
objectos do meio, bem como os conhecimentos e as necessidades.
São, por isso, facilitadoras da adaptação à realidade,
contribuindo para a estabilidade da personalidade das pessoas,
dado o seu carácter relativamente permanente.

Em geral, o indivíduo considera que as suas atitudes são


correctas e, por isso, devem ser aceites como tal. Quando as
atitudes são partilhadas pelos grupos a que o indivíduo pertence
e pelas pessoas com quem se relaciona, considera­as verdades
naturais.

Sou contra o serviço militar obrigatório. Sou a favor da


protecção das florestas. Sou contra a pena de morte. Sou ­contra
as touradas.

Estas afirmações exprimem atitudes. Identifica atitudes que tu


partilhes e tenta reconhecer as suas componentes cognitivas,
afectivas e comportamentais.

FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DAS ATITUDES

As atitudes não nascem connosco: são adquiridas no processo de


integração do indivíduo na sociedade, isto é , são aprendidas no
meio social. Fazendo parte de uma cultura, comunidade e família,
o indivíduo adquire, sem, geralmente, ter consciência, as
atitudes predominantes, aceitando­as como as melhores.

Durante a infância, as atitudes são moldadas, fundamentalmente,


pelos pais. Estes são a primeira fonte das crenças das crianças.
Vários estudos demonstram que os filhos partilham das atitudes
dos seus progenitores, especialmente as que se relacionam com a
política e a religião. À medida que a criança cresce, esta
influência diminui. É sobretudo a partir da adolescência que
assumem grande importância, na formação
das atitudes, os pares, isto é, as pessoas de idade aproximada
com quem os jovens convivem.

Outra fonte importante no desenvolvimento das atitudes é a


educação formal que decorre na instituição escolar. É um factor
constante e decisivo, assumindo cada vez mais importância, dado o
prolongamento da escolaridade na nossa sociedade.

Os meios de comunicação social, grandes veículos de informação na


sociedade contemporânea, contribuem para a formação das atitudes.
Especialmente a televisão, através dos filmes, telenovelas,
publicidade e informação, influencia o processo de
desenvolvimento das atitudes, face às relações interpessoais, à
concepção de vida, ao lazer, ao trabalho, etc. Expressões
linguísticas, gostos, gestos são adoptados pelas pessoas através
de processos de imitação e identificação. Contudo, alguns autores
consideram que, por si só, os mass media não criam atitudes;
antes, apoiam e reforçam atitudes já formadas pelos outros meios
de influência (pais, pares, educação formal e informal, grupos,
etc.).

A imitação, a identificação, o reforço e a gratificação dos pais,


pares e professores são determinantes na formação das atitudes.
Subjacente à formação das atitudes estão os processos de
aprendizagem, que estudarás mais adiante.

Será entre o fim da adolescência e os 30 anos que as atitudes


tomam a sua forma “final”, sendo menor a probabilidade de mudança
nos anos seguintes. Sears designou por período crítico o período
em que as atitudes se cristalizam. Isto não significa, no
entanto, que as atitudes não mudem ou que não se possam adquirir
novas atitudes.

MUDANÇA DE ATITUDES

A modificação das atitudes depende basicamente de novas


informações relativas ao objecto. Mas a forma como o indivíduo
reage a essas informações varia em função das atitudes em causa:
é mais fácil mudar­se a atitude relativamente a um objecto sobre
o qual se tem um sentimento fraco ou sobre o qual se tem pouca
informação. Por outro lado, é também mais fácil modificar­se uma
atitude relativa a pessoas, situações, objectos que não fazem
parte da experiência próxima e imediata do sujeito.

Por vezes, uma experiência traumática possibilita a formação ou


modificação das atitudes. Se um indivíduo for assaltado por um
cigano, este facto pode determinar uma atitude hostil face
aos elementos desta etnia. Mas, se um elemento da sua família for
ajudado por um cigano, poder­se­á desenvolver uma atitude
positiva relativamente a este grupo.
A propaganda e a publicidade têm por objectivo influenciar as
nossas atitudes e comportamentos. São transmitidas mensagens que
visam persuadir as pessoas a formar uma atitude e,
consequentemente, a comportarem­se de determinada maneira. Para o
conseguir, a fonte da mensagem deve ser credível, ter prestígio e
poder. Por isso, muitos anúncios publicitários associam aos
seus produtos frases como: Está provado cientificamente; Este
produto é aconselhado pelos médicos; É utilizado pela maioria dos
consumidores da UE... Figuras prestigiadas junto do público são
frequentemente usadas para promover um produto declarando que o
utilizam.

O apelo ao medo é também, muitas vezes, utilizado como forma de


persuasão. Nas campanhas políticas, é comum ouvir­se que se o
partido X ganhar as eleições os impostos subirão, a indústria
entrará em crise, o desemprego aumentará... Mas podemos recorrer
a outros exemplos: a campanha a favor da utilização do cinto de
segurança recorreu ao medo, associando a sua não utilização a
acidentes graves.
O mesmo se passa nas campanhas sobre segurança no trabalho.

Organizações estatais e instituições não governamentais promovem


campanhas que visam a sensibilização do público no sentido da
mudança de atitudes. Recorda algumas dessas campanhas: contra o
trabalho infantil; de prevenção rodoviária; contra o abandono dos
animais; pelos direitos humanos (por exemplo, em Timor); de
vacinação; contra a discriminação dos seropositivos; de prevenção
contra a sida, contra a violência doméstica, contra o racismo,
etc.

@1 Falamos de processos de mudança das atitudes por persuasão


quando o processo é intencional.
A publicidade é um meio que pode favorecer mudanças de atitudes.
Reproduzimos alguns anúncios a diferentes produtos em que o homem
aparece com novas atitudes relativamente aos filhos.

Propomos­te que:

Analises e discutas o material que te apresentamos. Recolhas em


jornais, revistas e televisão, anúncios que podem conduzir a
mudanças de atitudes.

Procura identificar as intenções e processos utilizados.


MEDIDA DAS ATITUDES

As escalas de atitudes constituem uma das técnicas utilizadas


para medir a qualidade, o grau de intensidade e a direcção das
atitudes. Baseiam­se no pressuposto de que se podem medir através
das opiniões. Para isso, é necessário encontrar indicadores
adequados, isto é, relevantes para a atitude que vai ser medida.

Uma das escalas mais utilizadas, devido à sua economia e


facilidade de aplicação, foi desenvolvida por Lickert. É uma
técnica de papel e lápis, em que se pede ao inquirido que analise
o que pensa sobre um determinado objecto, manifestando a
intensidade do seu acordo ou desacordo.

Propõe­se uma frase, relativamente à qual o inquirido regista a


sua opinião. É um processo de auto­avaliação. Damos­te um
exemplo:

“Os consumidores de droga devem ser criminalmente


responsabilizados.

Concordo totalmente Discordo


totalmente

Indiferente

Concordo relativamente Discordo


relativamente

Foram desenvolvidas escalas para medir as atitudes relativamente


à guerra, à religião, à família, ao sexo, a grupos étnicos, à
satisfação no emprego, etc. Apresentamos­te, a título de exemplo,
duas escalas de atitudes: escala de Thurstone para medir atitudes
face à Igreja, e uma escala para avaliar a atitude face à
influência da hereditariedade e do meio no comportamento,
personalidade e aptidões. Esta escala segue o modelo da de
Lickert (p. 146).
Quadro 12 ­ Escala de Thurstone para medir atitudes face à Igreja

Este estudo pretende analisar as atitudes face à Igreja. Irá


encontrar 24 frases que expressam atitudes face à Igreja. Faça um
visto (V) se concordar com a frase. Faça uma cruz (X) se
discordar da frase.

Se não conseguir decidir, pode marcar a frase com um ponto de


interrogação (?). Isto não é um
exame. Sobre esta questão as pessoas têm posições diferentes
acerca do que está certo ou errado.

Por favor, indique a sua atitude fazendo um visto quando


concordar e uma cruz quando discordar.
O
Valor da escala’ N.’

Item
O
3,3

5,1

8,8

6,1

8,3

11,O

6,7

3,1

9,6

9,2

4,O

O,8

5,6

7,5

10,7

2,2
1,2

7,2

4,5
O,2

4,7

10,4

1,7

2,6

1 Gosto da minha Igreja porque há lá um espírito de amizade.

2 Gosto das cerimónias que se realizam na minha Igreja, mas não


sinto a falta delas quando estou fora.

3 Respeito as crenças dos membros de qualquer Igreja, mas acho


que é tudo “treta”.

4 Sinto necessidade da religião, mas não encontro o que quero


em nenhuma Igreja.

5 Acho que os ensinamentos da Igreja são demasiado superficiais


para terem algum significado social.

6 Acho que a Igreja é uma parasita da sociedade.

7 Acredito na sinceridade e na bondade sem nenhumas cerimónias


religiosas.

8 Não compreendo os dogmas ou credos da Igreja, mas acho que a


Igreja me ajuda a ser mais honesto e respeitável.

9 Acho que a Igreja é um obstáculo à religião, porque ainda


depende da magia, da superstição e de mitos.

10 Acho que a Igreja tenta impor uma série de dogmas


ultrapassados e de superstições medievais.

11 Quando vou à Igreja gosto de assistir a uma bela cerimónia


ritual acompanhada de boa música.

12 Acho que a Igreja perpetua os valores que são mais


importantes para a sua filosofia de vida.

13 Às vezes acho que a Igreja e a religião são necessárias, mas


outras vezes duvido disso.

14 Acho que se gasta demasiado dinheiro com a Igreja, em


comparação com os benefícios que daí derivam.

15 Acho que a Igreja organizada é um inimigo da verdade e da


ciência.

16 Gosto de ir à Igreja, porque fico com ideias importantes para


reflectir e cheio de bons pensamentos.

17 Acho que a Igreja é um importante agente de promoção tanto da


rectidão individual
como social.

18 Acho que as Igrejas estão demasiadamente divididas em facções


para serem uma força de rectidão.

19 Acredito no que a Igreja diz, mas com reservas mentais.

20 Acho que a Igreja é a maior instituição da América actual.

21 Eu tenho descurado as minhas relações com a religião e a


Igreja, mas não gostava que a minha posição fosse geral.

22 A Igreja representa superficialidade, hipocrisia e


preconceito.

23 As cerimónias religiosas inspiram­me e ajudam­me a dar o meu


melhor durante o resto da semana.

24 A Igreja faz com que os negócios e a politica tenham uma


posição importante, que de outra forma não teriam.

O valor da escala encontra­se aqui com fins meramente


ilustrativos. Na versão a apresentar aos respondentes, estes
valores não estão impressos.
Quadro 13

Escala para avaliar a atitude face à influência da


hereditariedade e do meio no comportamento

1. Numa reunião familiar, para si é muito importante procurar


traços de personalidade passados de avós para pais e destes para
filhos.

2. Ao decidir sobre a escolha de um curso na universidade, o


factor mais importante seria o sucesso obtido pelos pais e/ou
familiares em diversos cursos.

3. Ao decidir entre ir à ópera ou a um jogo de futebol, seria


aconselhável saber como é que as gerações anteriores se sentiam
relativamente a estes dois espectáculos.

4. Se uma pessoa está a ter muita dificuldade em aprender


Matemática, deveria procurar, em primeiro lugar, uma explicação
na sua história familiar. Há um tio ou uma tia, pai ou mãe que
sempre tiveram problemas com a Matemática?

5. Para se ter realmente sucesso na vida o melhor caminho a


percorrer seria seguir as pegadas da família. Não se pode fazer
uma carteira de pele com uma orelha de porco.

6. O sucesso ou insucesso das experiências de uma pessoa está


realmente nas “cartas”. Afinal de contas, a maior parte dos
delinquentes juvenis não têm origem numa família cujos pais
revelam uma tendência para a delinquência?

7. Qualquer pessoa pode ter sucesso em qualquer campo com o


ensino certo e muita motivação.

8. Mostre­me um músico com sucesso e eu mostrar­lhe­ei alguém que


foi reforçado positivamente em todos os passos do seu trajecto.

9. Se examinar os antecedentes de qualquer pessoa famosa,


encontrará algures um mentor paciente ou um professor que
cultivou esse sucesso.

10. Quando uma pessoa falha, não se pode realmente dizer que ele
ou ela são culpados. Muito provavelmente encontra­se uma história
de ensino ou paternidade inadequada. Não culpe a vítima.

11. O problema com a educação especial não reside de todo nas


crianças. Os rótulos é que são os culpados. Todos acreditam que
essa criança aprende lentamente e, por isso, essa criança actua
como tal. É uma profecia auto­realizada.
12. A motivação e o impulso determinam quem atinge um nível quase
perfeito. A aptidão contribui pouco. Afinal,Thomas Edison disse
que a genialidade é 1% de inspiração e 99% de suor.

13. Acho que é importante consultar diariamente o meu horóscopo,


especialmente se vou enfrentar situações que exigem decisões
importantes.

14. Os traços de carácter como a introversão e a extroversão são


transmitidos através de uma ampla cadeia evolutiva que está
claramente fixada na altura do nascimento.

15. Se quer ter sucesso, siga o conselho de ir viver para o


litoral; aí o clima é mais propício ao sucesso.

16. As pessoas que passam todo o tempo a pesquisar o passado,


traçando a sua árvore genealógica à procura da pedra Rosetta das
suas personalidades, estão a perder o seu tempo.

Depois de teres contactado com exemplos de escalas de atitudes,


propomos­te que tentes construir um modelo em que procures
avaliar as atitudes face à energia nuclear, ao consumo, ao
serviço militar obrigatório...

Ao optares pelo tema, lembra­te que, antes de elaborar a escala,


terás de conhecer bem o assunto para determinares os itens
significativos da atitude que pretendes avaliar. Podes, em
seguida, aplicá­la a uma amostra da população da tua escola.
ESTEREóTIPOS E PRECONCEITOS

Se consultares um dicionário, verás que a palavra estereótipo tem


origem em dois vocábulos gregos: stereó, “sólido”, + tipos,
“molde”. É um termo utilizado para designar “impressão, obra
impressa numa chapa de caracteres fixos”.

Em psicologia social, designa uma concepção simplificada e


relativamente rígida manifestada por uma pessoa ou grupo. Os
estereótipos são ideias feitas que resultam de generalizações
e/ou de especificações, tendentes a considerar que todos os
membros de um agrupamento social, de um grupo se comportam do
mesmo modo ou têm as mesmas características.
Reconheces, com certeza, os estereótipos sexuais: os homens são
encarados como racionais, independentes, dominadores, seguros; as
mulheres são, pelo contrário, emotivas, carentes, dóceis,
sensíveis. Assim, os estereótipos têm proporcionado aos homens
assumir papéis sociais mais activos e desafiantes e às mulheres
papéis de suporte e de dependência.
Estas ideias simplificadas, que abrangem diferentes grupos, como,
por exemplo, drogados, árabes, padres, ingleses, ciganos, judeus,
negros.... são transmitidas pelo meio cultural e social. São
assimiladas sem que o indivíduo tenha consciência, apresentando­
se como verdades indiscutíveis. Em muitos casos, as pessoas que
estereotipam as outras fazem­no para satisfazer a sua necessidade
de estatuto de superioridade. É, muitas vezes, um mecanismo de
defesa para protecção da auto­imagem.

O estereótipo tem uma forte componente afectiva, o que implica


sempre uma atitude favorável ou desfavorável.

Como o próprio nome indica, o preconceito “é um conceito formado


antecipadamente e sem fundamento sério ou razoável”. Em
psicologia social, designa uma atitude que deriva de pré­
julgamentos e que conduz os sujeitos a avaliar negativa ou
positivamente objectos, pessoas ou grupos sociais, sendo mais
frequentes os preconceitos com valência negativa que conduzem à
discriminação, à segregação.
“No plano cognitivo, o preconceito está ligado a expectativas
segundo as quais o grupo em causa agirá mal no trabalho ou
adoptará comportamentos criminosos. No plano afectivo, o
preconceito está associado à evitação, à agressividade, à
discriminação.

Adquiridos no processo de socialização, os preconceitos são


aprendidos, referindo­se muitas vezes a realidades ou grupos com
quem o indivíduo nunca contactou.

O preconceito pode também surgir para fornecer uma explicação


para uma determinada situação social. Por exemplo, quando
recentemente aumentou o nível do desemprego nos países europeus
mais desenvolvidos, aumentaram os preconceitos relativamente às
minorias imigrantes ­ argelinos, turcos, árabes e, nalguns casos,
portugueses. A agressão é deslocada para as minorias que surgem
como bode expiatório’ para explicar uma situação social negativa.
O preconceito racial ou étnico conduz, em geral, à discriminação
de pessoas por pertencerem a raças ou etnias diferentes.

(1) Comenta o texto que se segue, esclarecendo o conceito de


estereótipo.

"O estereótipo é elaborado a partir de características julgadas


reais, mas que na verdade não existem.

O uso de estereótipos permite enveredar por um atalho fácil, por


economia de pensamento.”

CORNATON, M.

(2) Reconheces, com certeza, estes preconceitos:


“Os alentejanos são preguiçosos.” “Os adolescentes são
irresponsáveis.”

Procura identificar outros preconceitos, tentando compreender a


sua origem bem como os comportamentos que deles resultam.

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

A psicologia do desenvolvimento autonomiza­se nos finais do


século XIX, marcada por grandes avanços ao longo desse século.
Acompanhou a evolução da ciência e das transformações
socioeconómicas, bem como das representações sociais do que é ser
criança.

Até Rousseau, no século XVIII, a infância não era perspectivada


como um período de desenvolvimento diferenciado, com
especificidade própria. As crianças eram encaradas como adultos
em miniatura, o que se reflecte na literatura e na pintura de
várias culturas e épocas.

O historiador Ariès, nos anos 60, afirma que na sociedade


medieval não existia um sentimento de infância nem de
adolescência. Considera que não se distinguiam tipos de
actividades, divertimentos e até de trabalho entre os mais novos
e os adultos. A adolescência como estádio específico define­se
com a industrialização no século XIX.
Foi Charles Darwin que, no século XIX, ao estudar as semelhanças
e as diferenças entre o animal e o ser humano, evidenciou o papel
da evolução e chamou a atenção para estudos sobre a infância.

Outro aspecto relevante na história da psicologia do


desenvolvimento é o facto de o século XX ser por muitos
considerado o século dos direitos humanos, onde são consignados
os direitos da criança’. Também não será alheia, ao processo de
autonomização da psicologia do desenvolvimento, a evolução da
medicina e da pedagogia.

As transformações na nossa forma de pensar interagem com as


transformações na organização social e familiar. Estas mudanças
acarretam práticas educativas diferentes, um novo papel e
estatuto da criança e do adolescente no interior da família,
assim como aumentam as responsabilidades sociais relativas a esta
população.

As instituições sociais, como as creches, os jardins­de­infância,


as escolas de diferentes graus de ensino, bem como a ocupação
organizada dos tempos livres, têm tido grande influência na
divisão e separação etária, bem como nas actividades consideradas
adaptadas às diferentes etapas.

Hoje muito se investe e se joga na criança e no jovem, É,


contudo, de relevar as grandes diferenças existentes entre as
crianças, relacionadas com factores pessoais, socioculturais,
económicos e geográficos. Muito há de comum e de divergente nas
crianças e adolescentes de uma sociedade rica e avançada e, por
exemplo, de um país em guerra.

O objecto da psicologia do desenvolvimento é o estudo das várias


etapas da vida ­ infância, adolescência, adultez e velhice ­, do
desenvolvimento dos processos psicológicos e biológicos nas
relações interactivas da pessoa e do meio.

Em 1924, é aprovada uma Declaração sobre os Direitos da Criança,


que é revista, em 1954, pela ONU. Em 1989, é
adoptada a Convenção sobre os Direitos da Criança pela Assembleia
Geral das Nações Unidas. Em 1990, esta convenção é ratificada por
Portugal.
CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO

Tal como os outros seres humanos, começaste a andar por volta de


1 ano de idade, a falar com cerca de 1/2 anos. Brincaste com os
teus colegas de escola e na puberdade sofreste um conjunto de
modificações orgânicas. Na adolescência vais­te tornando cada vez
mais autónomo.

Neste teu processo desenvolveste­te como todos os outros


indivíduos, percorrendo um caminho comum. Mas também é verdade
que te desenvolveste como nenhum outro ser humano. Vives num
determinado contexto social, estabeleces relações com
determinadas pessoas, fazes parte de uma determinada família, o
que torna a tua evolução única.

Esta situação contraditória ­ tens muito de comum com os outros,


tens muito de diferente relativamente aos outros ­ revela a
complexidade do desenvolvimento,

No processo de desenvolvimento, que se inicia na concepção e


termina na morte, estão envolvidos múltiplos factores:
biológicos, cognitivos, motores, emocionais, linguísticos,
sociais...

Numa perspectiva dinâmica e abrangente o ser humano terá que ser


encarado como um sistema* aberto em que todos os aspectos
interagem. Só uma abordagem integrada do desenvolvimento, que tem
em conta a estrutura biológica/maturacional e a dimensão social,
permite compreender o ser humano em toda a sua complexidade.

O ser humano interage com o meio envolvente: o meio natural e a


família, os amigos, o grupo de vizinhança, a escola, a
comunidade. Esta abordagem integrada opõe­se a uma concepção
estática e simplificada do comportamento.

Existem contextos, situações, acontecimentos, acasos que


influenciam activamente os percursos da nossa vida: a mudança de
terra e de casa, a doença, a morte de uma pessoa, o nascimento de
um filho, o divórcio...

Estas transições ­ acontecimentos, ocorrências e mudanças ­


implicam a pessoa globalmente nas respostas que irá dar, nas
mudanças internas vivenciadas, quer seja criança, adolescente,
adulto ou velho.

O desenvolvimento implica o ser humano, como unidade


biopsicossociológica, que se adapta, se organiza num processo
global e estrutural, desde a fecundação
até à morte. Por isso a investigação em psicologia do
desenvolvimento recorre não só a outros ramos da psicologia como
a outras áreas científicas: à biologia genética, à etologia, à
história, à antropologia.

Uma questão que se pode levantar é o problema da existência ou


não de períodos críticos, isto é, de etapas limitadas de tempo
durante as quais o organismo é sensível à estimulação do meio.
Se, como já foi dito, algumas aprendizagens não são possíveis
antes de certos estados de maturação, certas aprendizagens também
não sã o possíveis (ou são­no deficientemente) se se
ultrapassarem esses períodos. É comum dar­se o exemplo das
crianças selvagens que, não tendo sido familiarizadas com a
linguagem, já não conseguiram adquirir essa capacidade por terem
ultrapassado determinada idade.

O conceito de desenvolvimento remete para as teorias do


desenvolvimento que vais estudar já a seguir.
CONCEPÇÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO

São várias as correntes que propõem interpretações sobre o


desenvolvimento. Algumas correntes privilegiam a componente
biológica/maturativa (maturacionismo e psicanálise), outras a
componente ambiental/social (behaviorismo). Outras correntes
procuram superar esta dicotomia defendendo que o desenvolvimento
resulta da interacção entre a componente biológica e social
(construtivismo e teoria psicossocial),

No quadro estão registadas as principais correntes sobre o


desenvolvimento.

Quadro 14 ­ Teorias sobre o desenvolvimento

Corrente

Autor

Maturacionismo

Gesell

Behaviorismo i

Watson

Construtivismo

Piaget

Psicanálise

Freud

Teoria Psicossocial

Erikson

A abordagem maturacionista é desenvolvida por Gesell (1880­1961)


e a sua equipa da Universidade de Yale, nos EUA, a partir da
década de 20. Para estes investigadores, os comportamentos
sucedem­se numa ordem sequencial, inalterável, que reflecte uma
programação interna idêntica ao crescimento. O desenvolvimento e
a maturação são predeterminados geneticamente pois são
hereditários. As diferenças entre os indivíduos relacionam­se com
as diferenças inatas. O meio
e as experiências vivenciadas têm pouca importância.
A esta concepção podemos opor a corrente
behaviorista/comportamentalista, segundo a qual os factores do
meio e da aprendizagem são os que determinam o comportamento.

A corrente construtivista e interaccionista de Piaget e a


corrente psicossocial de Erikson valorizam os factores
maturativos e socioculturais.
Quanto à psicanálise, embora privilegie o potencial inato e
maturativo, considera relevante a forma como o sujeito vivencia
os aspectos relacionais, sobretudo os desenvolvidos na infância.

Hoje, considera­se infrutífera a defesa da oposição estanque


entre o biológico e o social, entre o inato e o adquirido. A
dinâmica entre o organismo e o meio é uma realidade ­ o indivíduo
é uma unidade biopsicossocial. As capacidades internas necessitam
de um meio externo estruturante que lhes permita a sua
realização, Alé m disso, é difícil ou impossível adquirir
aprendizagens precocemente sem que haja uma capacidade interna
para essa aquisição. Assim, serão inúteis os esforços para se
ensinar um bebé de seis meses a andar ou a falar.
"O desenvolvimento surge, assim, segundo diferentes autores,
associado à predominância de aspectos inatos (ex., Trevailben),
maturativos (ex., Geselt), construtivístas (ex., Piaget) e
ambientais (ex., Skinner), parecendo ser resultante da complexa
interacção de vários factores (biológicos, equilibração,
transmissão educacional e socíocultural, etc.). As diferenças nos
pressupostos dos vários teóricos derivam, em parTe, do facto de
cada um deles se interessar por um aspecto da criança, propondo­
se em consequência explicar separadamente os diferentes ângulos
do seu desenvolvimento. Este é ainda predominantemente
apresentado como sendo estruturado em fases, ou estádios, que
constituem modelos de funcionamento dominantes nos diferentes
períodos etários. “

BORGES, M. 1. P., “Introdução à psicologia do desenvolvimento”,


jornal de Notícias, 1987, p. 26

Vamos abordar de forma mais aprofundada as teorias de três


autores:

* Piaget ­ estudou o desenvolvimento da criança e do adolescente


a partir dos aspectos cognitivos.

* Freud ­ privilegiou o desenvolvimento psicossexual.

* Erikson ­ deu ênfase aos aspectos psicossociais, estudando a


construção da identidade.

PIAGET E O DESENVOLVIMENTO

Jean Piaget revolucionou a teoria do desenvolvimento intelectual.


Considerava­se a si pró prio epistemólogo. De facto, interessava­
se essencialmente pela epistemologia genética que pretende
estudar como se estrutura o conhecimento, isto é, a sua natureza
e evolução. O desenvolvimento intelectual está relacionado com a
génese do conhecimento; daí a designação de psicologia genética.

O organismo tem, ao nascer, um património genético que permite


interagir com as experiências que vão acontecendo. É uma teoria
psicobiológica por se basear no conceito de adaptação, que é o
processo interactivo da relação organismo­meio.

Piaget é um construtivista e interaccionista’ na medida em que


defende uma posição que não é nem inatista (o património genético
é determinante), nem é empirista* (tudo advém do meio), dando ao
sujeito um papel activo na construção do conhecimento e do
desenvolvimento.

A sua formação de biólogo influencia a maneira como perspectiva o


processo adaptativo através da assimilação e da acomodação, numa
dinâmica interactiva indivíduo­meio.
2 ­ A concepção do autor também pode ser designada por estrutural
construcionista,
O desenvolvimento cognitivo faz­se por mudanças de estruturas
através de invariantes funcionais, isto é, de mecanismos de
adaptação, que são a assimilação
e a acomodação.

Assimilação ­ é o processo mental pelo qual se incorporam os


dados das experiencias aos esquemas de acção e aos esquemas
operatórios existentes. É um movimento de integração do meio no
organismo.

Acomodação ­ é o processo mental pelo qual os esquemas existentes


vão modificar­se em função das experiências do meio. É um
movimento do organismo no sentido de se submeter às exigências
exteriores, adequando­se ao meio.

Equilibração ­ é o processo de regulação entre a assimilação e a


acomodação.

Estes movimentos são interactivos, pois o facto de o sujeito


integrar os dados do meio e estes serem assimilados permite que
os esquemas evoluam e que, portanto, sejam mais capazes de
responder aos problemas.

Existem actividades mentais em que há um predomínio da


assimilação (jogo simbólico) e outras em que há um predomínio da
acomodação (imitação).

“Sem dúvida que pode haver assimilação sem nova acomodação,


quando a situação é a mesma e quando só há que compreender coisas
já conhecidas e imediatamente assimiláveis, e, naturalmente, pode
haver assimilação com novas acomodações, em situações não
conhecidas até então. “

PIAGET, in Inhelder, Garcia e Vonèche, op. cit., p. 67

1 ­ Esquema de acção ­ são estruturas perceptivo­motoras que se


podem reproduzir e generalizar.
2 ­ Esquemas operatórios (ou conceptuais) ­ são estruturas
conceptuais marcadas pela reversibilidade mental.
A inteligência é perspectivada como uma adaptação do indivíduo e
das suas estruturas cognitivas ao meio. Esta adaptação é
orientada pela equilibração entre as acções do organismo sobre o
meio e as do meio sobre o organismo. Isto é, há um processo
interno que regula o equilíbrio entre a assimilação e a
acomodação.

FACTORES DE DESENVOLVIMENTO

Uma das questões a que Piaget vai procurar responder refere­se


aos factores que influenciam o desenvolvimento cognitivo. Segundo
o autor, o desenvolvimento individual é fruto de factores
biológicos de maturação, de experiências do mundo físico, da
inter­relação e transmissão social e de um mecanismo auto­
regulador que é a equilibração.

A hereditariedade, a maturação interna dos sistemas nervoso e


endócrino bem como o crescimento orgânico têm um papel importante
no processo de desenvolvimento. Ainda que a maturação dependa
fundamentalmente de factores genéticos, a estimulação do meio
pode acelerar ou retardar o processo de maturação.

A experiência física, a acção exercida sobre os objectos


desenvolve a motricidade da criança propiciando o seu
desenvolvimento intelectual. Uma criança inibida de manipular
objectos poderá ter o seu desenvolvimento comprometido.

A transmissão social é também um factor importante para explicar


o desenvolvimento. Integrada numa sociedade a criança interage
com o meio físico e social.
Um meio mais estimulante favorecerá o desenvolvimento da criança.
Contudo, o efeito de transmissão social, da educação, só tem
efeito se houver uma assimilação ,activa do sujeito.

A equilibração é um mecanismo auto­regulador através do qual uma


nova aquisição se deve equilibrar com as anteriormente
adquiridas. Este factor tem uma função equilibrante relativamente
aos três anteriores.

É pela equilibração que o sujeito se adapta ao meio, isto é, que


a sua inteligência progride num sentido de um pensamento cada vez
mais complexo.

Piaget no texto que se segue demonstra que é a acção integrada


destes quatro factores que explica o desenvolvimento.

“Primeiro factor: a hereditariedade, a maturação interna. Este


factor deve certamente ser considerado sob todos os pontos de
vista, mas é insuficiente, porque nunca actua no estado puro ou
isolado. Se por toda a parte intervém um efeito de maturação,
esse efeito permanece indissociável dos efeitos do exercício da
aprendizagem ou da experiência. A hereditariedade não é, pois, um
factor que actue por si só ou seja isolável psicologicamente.

Segundo factor: a experiência física, a acção dos objectos.


Constitui também um factor essencial, que não se trata de
subvalorizar, mas que, por si só, é insuficiente, A lógica da
criança, em especial, não advém da experiência dos objectos, o
que não é de maneira nenhuma a mesma coisa, isto é, a parte
activa do indivíduo é fundamental, não bastando a experiência
extraída do objecto.

Terceiro factor: a transmissão social, o factor educativo no


sentido lato. Factor determinante, sem dúvida, no
desenvolvimento, mas, só por si, insuficiente pela seguinte razão
evidente: para que uma transmissão seja possível entre o adulto e
a criança, ou entre o meio social e a criança educada, é
necessário que haja, por parte da criança, assimilação do que se
pretende ínculcar­lhe de fora ( ..)

Quero falar de um quarto factor, que chamarei factor de


equilibração. A partir do momento em que já há três factores, é,
desde logo, necessário que se equilibrem entre si; mas há, além
disso, um factor fundamental que intervém no desenvolvimento
intelectual. É que uma descoberta, uma noção nova, uma afirmação,
etc., devem equilibrar­se com as outras. É necessário todo um
jogo de regulação e de compensações para chegar a uma coerência’.
Emprego a palavra ‘equilíbrio’ não num sentido estático, mas no
sentido de uma equilibração progressiva.

A equilibração parece ser o factor fundamental deste


desenvolvimento. Compreendemos, então, ao mesmo tempo, a
possibilidade de aceleração e a impossibilidade de uma aceleração
que ultrapasse certos limites, “

Piaget, J, Problemas da Psicologia Genética, Dom Quixote, 1972,


pp. 37­39
ESTÁDIOS DE DESENVOLVIMENTO

A evolução faz­se por estádios. Os quatro estádios de


desenvolvimento são estruturas de conjunto que têm a sua unidade
funcional, o que vai permitir caracterizá­los. Cada estádio é
diferente do outro, do ponto de vista qualitativo, tem as suas
formas próprias de adaptação ao meio.

Segundo Piaget cada estádio tem o seu equilíbrio próprio que


permite que o sujeito se adapte às situações. A passagem de um
estádio ao seguinte é um processo de equilíbrio no sentido de uma
auto­regulação. Contudo, todo o equilíbrio induz um novo
desequilíbrio: é precisamente este movimento de equilíbrio­
desequilíbrio que permite o desenvolvimento individual, a
adaptação.

O desenvolvimento vai no sentido de uma melhor adaptação do


sujeito ao meio.

Os estádios caracterizam­se por:

uma estrutura com características próprias; uma ordem de sucessão


constante (embora possam existir diferenças cronológicas); uma
evolução integrativa, isto é, as novas aquisições são integradas
na estrutura anterior, organizando­se agora uma nova estrutura
hierarquicamente superior.

Investigações recentes indicam que os estádios não são tão


estanques como se pensava e que poderemos encontrar algumas
características de um estádio no anterior e no seguinte. Assim,
as idades médias de início e fim de cada estádio são meras
referências teóricas.
Segundo Piaget, o desenvolvimento ocorre segundo quatro estádios:

Estádio sensório­motor (dos 0 aos 18/24 meses).


Estádio pré­operatório (dos 2 aos 7 anos).
Estádio das operações concretas (dos 7 aos 11/12 anos). Estádio
das operações formais (dos 11/12 aos 15/16 anos).

Estádio sensório­motor (dos 0 aos 18/24 meses).


O estádio sensório­motor é um estádio de desenvolvimento que se
caracteriza por uma inteligência prática que se aplica à
resolução de problemas (procurar um guizo escondido, alcançar uma
bola, etc.) e que põe em jogo as percepções e o movimento ­ daí a
designação de sensório­motor’. É uma inteligência baseada na
acção, anterior à linguagem e ao pensamento.

A criança nasce com reflexos e actividades espontâneas e vai


evoluindo devido ao confronto com as experiências com o mundo
envolvente ­ ela tem um papel activo no seu desenvolvimento.

Os primeiros esquemas de acção são os esquemas reflexos inatos*,


como a sucção e a preensão, e as capacidades sensoriais, como a
audição, a visão, o olfacto e o tacto, ainda não coordenados
entre si.

Desde que nasce, o bebé exercita os seus reflexos inatos. Por


exemplo, alguns dias após o nascimento mama melhor. Ele vai
assimilando e acomodando a partir dos reflexos.

mundo é percepcionado como caótico, pois não é estruturado em


função de um tempo e espaço. Um pouco como se a realidade fosse
constituída por diapositivos separados ­ o espaço é o
percepcionado e o tempo é a duração da acção. Para o bebé, não
existe diferenciação entre ele e o meio envolvente.

Ao longo do primeiro ano, os esquemas de acção vão­se coordenando


entre si: por exemplo, o esquema de acção de agarrar e o de puxar
permitem ao bebé fazer funcionar o guizo suspenso por cima do
berço. Por meio de tentativas e erros, são seleccionados os
comportamentos que dão os resultados desejados.

Cerca dos seis meses, o bebé já identifica objectos e percebe a


constância de várias formas; por isso distingue as pessoas
estranhas das que lhe são familiares.

Depois dos 10 meses, a realidade passa progressivamente a ser


mais estável, com a aquisição da permanência do objecto. Isto é,
o bebé passa a compreender que as coisas existem mesmo que não
olhe para elas, e o mundo deixa de ser tão caótico.

A construção do objecto permanente, que se inicia cerca dos nove


meses, é um marco importante no desenvolvimento da inteligência.
Para saberes se um bebé já adquiriu esta noção’, podes fazer uma
experiência: à frente dele tapa o boneco, com que está a brincar,
com uma fralda. Se ele sabe que o boneco está apenas escondido,
levanta a fralda e recupera­o. Antes da construção do objecto
permanente, provavelmente desatará a chorar, pois, ao deixar de o
ver, é como se ele deixasse de existir.

Também até aos doze meses ele vai ter actos intencionais com
coordenação de meios e de fins para obter o que deseja. Pode,
pois, puxar o cobertor para apanhar o brinquedo. Com certeza, já
assististe a cenas em que o bebé, para atingir um objecto que
deseja e que está no centro de uma mesa, puxa a toalha para o
conseguir... com óbvias consequências!

O interesse pelo mundo que o rodeia aumenta significativamente


depois de 1 ano de idade. O bebé faz tentativas na descoberta de
novos meios experimentando.

A partir dos dezoito meses, a criança, de uma forma


interiorizada, consegue uma invenção rápida de novos meios para
resolver problemas: não por tacteamento, como anteriormente, mas
por combinação mental. É esta interiorização que vai permitir uma
súbita compreensão dos problemas. Começa a entender que há um
espaço geral, onde ele e vários objectos se incluem.

Neste período começa a haver mudanças qualitativas na


inteligência da criança. Entre os dezoito meses e os 2 anos, faz­
se a transição de uma inteligência sensório­motora para uma
inteligência representativa e simbólica.

Assim, a criança é capaz de imitar sem a presença do objecto.


Acontecimentos que presenciou podem ser imitados posteriormente ­
imitação diferida ­ e diz palavras referentes a coisas ou pessoas
ausentes. Se ouve falar em avó, pijama, casa, cão... já tem as
representações mentais correspondentes.

A criança começa, pois, a ter imagens mentais das coisas ou


pessoas, o que lhe vai permitir passar para um novo estádio do
desenvolvimento, onde existe uma função simbólica. Ela faz a
passagem de uma inteligência de acção prática para um nível de
representação.

O desenvolvimento deste estádio mostra bem como o pensamento


nasce da acção.

Para Piaget, há uma inteligência prática antes da linguagem, mas


não há pensamento.
ESTÁDIO PRÉ­OPERATóRIO

No estádio pré­operatório, a existência de representações


simbólicas vai permitir à criança poder usar uma inteligência
diferente.

O pensamento corresponde a uma acção interiorizada, assente na


capacidade de simbolização, e não na acção imediata e directa,
como no período sensório­motor. A criança passa a poder
representar objectos ou acções por símbolos.

Ao falar, ao brincar ao faz­de­conta, ao desenhar, exerce a


função simbólica, pois vai representar uma coisa por outra.

Na linguagem’, as palavras são símbolos; ao desenhar uma roda,


dirá que é um carro; no jogo simbólico, um pau é um cavalo ou um
avião a jacto, conforme lhe apetece; ralha à boneca, que se
portou muito mal, improvisa uma floresta, com animais e árvores,
no próprio quarto...

A principal característica deste estádio, ao nível do pensamento,


é o egocentrismo.
O egocentrismo define­se pelo entendimento pessoal que o mundo
foi criado para si e pela incapacidade de compreender as relações
entre as coisas. A criança não compreende o ponto de vista do
outro porque se centra no seu ponto de vista, A criança está
autocentrada.

Este egocentrismo, que é muito marcado no começo deste estádio,


vai sofrendo uma parcial descentração à medida que nos
aproximamos do estádio seguinte. Imaginemos, numa sala de jardim­
de­infância, uma situação com crianças à volta de uma mesa onde
foi construída, com figuras, uma representação de paisagem rural.
Se pedirmos às crianças para descreverem, uma a uma, as imagens
que vê o seu colega que está do outro lado da mesa, frente a ela,
a criança descreve o que ela própria vê como sendo o que a outra
está a ver: os bois de frente, a bicicleta a ir embora, a entrada
da casa, a janela com a cortina ao vento, etc. O seu pensamento
não se descentra, a realidade é percepcionada e imaginada a
partir do seu ponto de vista.

O egocentrismo está presente em frases como: Há vento porque


estou com muito calor; A noite vem quando é para ir para a cama;
A Lua segue­me..

Entre os 2 e os 7 anos, distinguem­se dois subestádios:

o pensamento pré­conceptual ou de exercício da função simbólica


(cerca dos 2 aos 4 anos); o do pensamento intuitivo (cerca dos 4
aos 7 anos).
O

No primeiro subestádio (pensamento pré­conceptual) domina um


pensamento mágico, onde os desejos se tornam realidade, sem
preocupações lógicas, uma imaginação prodigiosa que permite tudo
explicar.
Outras características mentais de um pensamento mágico estão
presentes neste subestádio:

animismo ­ atribuição a objectos inanimados de emoções e


pensamentos. Assim, a criança bate à mesa onde se magoou, diz à
boneca que tem que comer a sopa toda ou afirma que o Sol lhe
sorriu. Desenha a Lua e o Sol como uma cara.

A linguagem reflecte este animismo: O Sol levanta­se, o Sol


deita­se.
O animismo também vai decrescendo: crianças mais velhas podem
atribuir vida já não a todos os objectos mas, por exemplo, àquilo
que mexe, como o vento e a chuva;

realismo ­ sem preocupação de objectividade, a realidade é


construída pela criança. Se no animismo ela dá vida às coisas, no
realismo dá corpo, isto é, materializa as suas fantasias. Se
sonhou que o lobo está no corredor, pode ter medo de sair do
quarto;

finalismo ­ as acções interessam pelos resultados práticos. As


crianças estão sempre a questionar os adultos; no entanto, embora
se diga que estão na “idade dos porquês”, nesta idade procura­se,
sobretudo, saber “para quê”. Não nos podemos esquecer que as
coisas têm, como finalidade, a própria criança, dado o seu
egocentrismo. Assim, o monte é em declive para ela poder correr..

artificialismo ­ é a explicação dos fenómenos naturais como se


fossem produzidos pelos seres humanos para lhes servir como todos
os outros objectos: O Solfoí aceso por umfósforo gigante; A praia
tem areia para nós brincarmos...

O pensamento infantil neste estádio é sincrético, isto é, de uma


forma global e confusa, não diferencia o essencial do
superficial, a parte do todo, o particular do geral. Os
raciocínios são associações na base da fantasia onde se passa de
uma situação particular para outra: A mãe não está no quarto;
logo, está na sala de jantar O Pedro faltou, está doente. A
criança tem dificuldade em apreender conceitos gerais, como os de
espaço, tempo e velocidade.
O pensamento intuitivo* (segundo subestádio), que surge a partir
dos 4 anos, já com uma certa descentração cognitiva, vai permitir
solucionar alguns problemas e
possibilitar muitas aprendizagens. No entanto, este pensamento é
irreversível’, isto é, a criança está sujeita às configurações
perceptivas sem compreender a diferença entre as transformações
reais e aparentes. A criança vai poder frequentemente classificar
e seriar objectos por aproximações sucessivas, embora sem uma
lógica de conjunto.

A experiência que a seguir descrevemos mostra que a criança não


tem a noção de conservação de matéria sólida.

Dão­se à criança duas bolas de plasticina, perguntando­lhe se são


iguais (fazendo as respectivas mudanças até ela considerar que o
são). Na sua presença, faz­se um rolo com uma das bolas,
mantendo­se a outra igual. Pergunta­se à criança se
acha que existe a mesma quantidade de plasticina ou se considera
que há mais quantidade na bola ou no rolo.

O tipo de resposta dada leva­nos a compreender que a criança não


adquiriu a noção de conservação da substância. No caso, ela
respondeu que uma tem mais quantidade porque não foi capaz de ter
reversibilidade nem de ter compreendido logicamente, ficando
presa à mudança na configuração perceptiva.

A mudança da configuração perceptiva fê­la considerar que a


quantidade de substância tinha mudado.

ESTÁDIO DAS OPERAÇõES CONCRETAS 11/12 anos


No estádio das operações concretas, a criança tem um pensamento
lógico com a capacidade de fazer operações mentais. Isto é, a
criança organiza o pensamento em estruturas de conjunto e os seus
raciocínios lógicos são também reversíveis.

No caso da experiência que descrevemos anteriormente a criança


responderia, neste estádio, que a quantidade de substância era a
mesma.

Propomos­te que faças uma experiência idêntica com dois copos com
líquidos que a criança considera com igual quantidade. Muda, na
sua presença, o líquido de um dos copos para um outro copo de
forma diferente e pergunta­lhe se os copos têm a mesma quantidade
de líquido. Se ela disser que não, pergunta­lhe qual é que tem
mais líquido e porquê.

Esta experiência pode ainda ser feita mudando o conteúdo dos


copos para dois copos de formas diferentes.

É pela reversibilidade que a criança pode entender


que 4­2 são 2. Ela compreende que, se se pode somar, também as
duas operações estão relacionadas. A não reversibilidade pré­
operatório era impeditiva desta compreensão.

Existem outras conservações que advém posteriormente, como a do


peso dos 9 anos) e, mais tarde ainda, a do volume (cerca dos 11
anos).
Graças aos esquemas mentais operatórios, a criança consegue agora
compreender a relação parte­todo, fazer operações de
classificação e de seriação, obter a conservação do número,
adquirir a noção de tempo e de espaço globais, de velocidade.

O pensamento descentrado vai agora permitir que ela entenda que,


quando um marroquino vem a Portugal, é estrangeiro, e que, quando
um português vai a Marrocos, também o é. Assim como vai permitir
perceber que o seu pai também é filho, ou ainda explorar um mapa.

A criança pode compreender e explicar as situações problemáticas


graças à reversibilidade e às suas preocupações lógicas de
reflexão sobre o real. ‘

ESTÁDIO DAS OPERAÇõES FORMAIS


­1/12 ­ 15/16 ano

O estádio das operações formais caracteriza­se por um pensamento


abstracto e pelo exercício de raciocínios hipotético­dedutivos.
Assim, o adolescente desprende­se do real, sem precisar de se
apoiar em factos, pode pensar abstractamente e deduzir
mentalmente sobre várias hipóteses que se colocam: é capaz de
resolver problemas através de enunciados verbais.

O adolescente exercita ideias no campo do possível e pensa sobre


o pensamento.
São estas capacidades que vão permitir definir conceitos e
valores, assim como estudar determinados conteúdos escolares,
como a geometria descritiva, a filosofia...
“É só depois de este pensamento formal ter tido o seu início, por
volta dos 11 ou 12 anos, que a construção dos sistemas que
caracteriza a adolescência se torna possível.­ com efeito, as
operações formais fornecem ao pensamento um poder completamente
novo que redunda em desligá­lo e libertá­lo do real para lhe
permitir construir à sua vontade reflexões e teorias. A
inteligência formal marca, assim, o próprio levantar voo do
pensamento, e não é de espantar que este use e
abuse, para começar, do poder imprevisto que assim lhe é
conferido.

PiAGET, J., Seis Estudos de Psicologia, Dom Quixote, 1974, pp.


93­94

A conservação é a possibilidade de entender a permanência e a


constância, apesar das transformações da forma.
Após esta definição, fácil é entender por que é que a
adolescência se caracteriza por aspectos de egocentrismo
cognitivo. “Esta última forma de egocentrismo manifesta­se pela
crença na omnipotência da reflexão, como se o mundo tivesse de se
submeter aos sistemas, e não os sistemas à realidade, É a idade
metafísica por excelência: o eu é bastante forte para reconstruir
o universo e bastante grande para o incorporara si.”

PIAGET, 1974, p. 94
O
Este estádio foi reavaliado por psicólogos, alguns da sua equipa,
com estudos interculturais que introduziram alguns problemas à
universalidade e modalidades do pensamento formal. O próprio
Piaget veio a introduzir algumas reservas sobre a generalização
das características deste estádio, dizendo que os seus estudos
foram limitados a uma população de estudantes suíços. Ele chamou
a atenção para a importância dos contextos educativos no
desenvolvimento deste estádio.

Quando, neste capítulo, falarmos da adolescência, voltaremos a


referir as características intelectuais dos adolescentes (ver p.
195).
O
acomodação, adaptação, assimilação, equilíbrio, estádio.

Quadro 15 ­Estádios de desenvolvimento

Estádios

Idades

Principais características

Sensório­motor O ­ 18/24 meses

Dos reflexos inatos à construção da imagem mental, anterior à


linguagem Coordenação de meios e de fins Permanência do objecto
(8 ­ 12 meses) Invenção de novos meios, imagem mental e formação
de símbolos (18 ­ 24 meses)

Pré­operatório

2 ­ 7 anos

Inteligência representativa Egocentrismo ­ centração Pensamento


mágico. Animismo, realismo, finalismo, artificialismo Função
simbólica: linguagem; jogo si mbólico; desenho (2 ­ 4 anos)
Pensamento intuitivo (4 ­ 7 anos)

Operações concretas
7 ­ 1 1/12 anos

Reversibilidade mental Pensamento lógico, acção sobre o real


Operações mentais: contar, medir, classificar, seriar

Conservação da matéria sólida, liquida, peso e volume


(invariâncias) Conceitos de tempo, de espaço e de velocidade

Operações

formais

1 1/12 ­ 15/16
O
anos
O
Pensamento abstracto Operar sobre operações, acção sobre o
possível Raciocínios hipotético­dedutivos Definição de conceitos
e de valores Egocentrismo cognitivo
O
Fv~
111111 MUIIIIIIIIII
O
Propomos­te que prepares uma visita a um infantário ou jardim­de­
infância, com o objectivo de reconheceres algumas das concepções
piagetianas sobre o desenvolvimento intelectual das crianças.

Divide a turma em grupos que preparem um guião de uma entrevista


a aplicar aos educadores responsáveis pelas crianças.

(2) Observa e regista por escrito: os comportamentos das crianças


(como brincam, falam, se movimentam, o que dizem, como se
relacionam entre si e com os adultos, etc.); os factos que
ocorrerem e que consideres significativos; as características do
espaço, do material didáctico, etc. Se possível, faz registos
vídeo e áudio.

X “Há uma inteligência antes da linguagem, mas não há pensamento.


O
PIAGET Explica esta afirmação.

(2) ‘A Edite tem os cabelos mais claros do que a Susana. E, ao


mesmo tempo, tem os cabelos mais escuros do que a ML Qual das
três tem os cabelos mais escuros?” Este problema é um dos
exemplos apresentados por Piaget. Quando é que uma criança
resolveria este enunciado verbal? justifica a tua resposta.

­”Tens um irmão?”
­”Sím. “
­”Como se chama?”

“0jim tem um irmão?” “Não. “

MYERS, qp. cit., p. 84


O que revela este diálogo? Em que estádio de desenvolvimento se
encontrará está criança? justifica a tua resposta.

(3) Analisa a sequência e identifica o estádio de desenvolvimento


em que se encontra a criança. justifica a tua resposta.
FREUD E O DESENVOLVIMENTO

‘A criança é o pai do Homem. “


FREUD

Texto

Para Freud, o desenvolvimento humano e a constituição do aparelho


psíquico são explicados pela evolução da psicossexualidade.

A sexualidade está integrada no nosso desenvolvimento desde o


nascimento, evoluindo através de estádios, com predomínio de uma
zona erógena, isto é, de uma região do corpo (epiderme ou mucosa)
que, quando estimulada, dá prazer. Cada estádio é marcado pelo
confronto entre as pulsões sexuais (libido*) e as forças que se
lhe opõem.

A psicanálise foi a primeira corrente de psicologia a atribuir


aos primeiros anos de vida uma importância fulcral na
estruturação da personalidade. Dizer que: “A criança é o pai do
Homem” ilustra a importância da infância.
Um dos conceitos mais importantes da teoria
psicanalítica é a existência da sexualidade infantil. Esta
sexualidade envolve todo o corpo, é pré­genital e não centrada no
aparelho genital e é, nos primeiros anos, auto­erótica, isto é, a
criança satisfaz­se com o seu próprio corpo.

Freud elaborou a sua própria teoria psicodinâmica de


desenvolvimento a partir de casos adultos que tinha como
pacientes em psicanálise.

ESTÁDIOS DO DESENVOLVIMENTO: Freud

Freud define e caracteriza cinco estádios de desenvolvimento


psicossexual:

Estádio oral (0 ­ 12/18 meses) Estádio anal (12/18 meses ­ 2/3


anos) Estádio fálico (2/3 anos ­ 5/6 anos) Estádio de latência
(5/6 anos ­ puberdade) Estádio genital (depois da puberdade)

ESTÁDIO ORAL

O ser humano nasce com id, isto é, com um conjunto de pulsões*


inatas.
O ego forma­se, no primeiro ano de vida, de uma parte do id que
começa a ter características próprias. Estas formam­se pela
consciência das percepções internas e externas que o bebé vai
experienciando. São particularmente importantes as percepções
visuais, auditivas e quinestésicas.
1 ­ Ver capítulo da Personalidade, p. 294.
2 ­ O pequeno Hans é o único caso infantil descrito por Freud e,
mesmo este, foi mediatizado pelo pai, pois era ele quem vinha às
consultas.
3 ­ Os quadros das pp. 176 e 177 ajudam a sintetizar a relação
entre a constituição do aparelho psíquico e os estádios de
desenvolvimento.
A zona erógena do bebé, nos primeiros meses, é constituída pelos
lábios e pela cavidade bucal. ............... A alimentação é uma
grande fonte de satisfação. Quando o bebé tem fome, está inquieto
e chora; quando é alimentado, fica saciado e feliz.
O mamar dá um grande prazer ao bebé. O chupar o seio é, para os
freudianos, representado como a primeira actividade sexual.

A criança nasce num estado indiferenciado, sem ter consciência de


que o seu corpo se diferencia do da mãe. A qualidade das relações
entre a mãe’, que o alimenta e cuida, e o bebé vai reflectir­se
na vida futura.

O estádio oral é constituído por um período em que a criança é


muito passiva e dependente e outro, na época do desmame, em que a
criança é mais activa e pode mesmo morder o seio ou o biberão. O
desmame corresponde a uma frustração que vai situar a criança em
relação à realidade do mundo.

Quando o bebé tem 1 ano, o prazer não lhe advém exclusivamente do


seu corpo; a mãe é muito investida enquanto pessoa.

ESTÁDIO ANALO
12/18 meses ­ 2/3 anos

A maturação e o desenvolvimento psicomotor vão permitir à criança


reter ou expulsar as fezes e a urina, no estádio anal.

A zona erógena, nesta idade, é a região anal e a mucosa


intestinal. A estimulação desta parte do corpo dá prazer à
criança. Todavia, as contracções musculares podem provocar também
dor, criando assim uma possível ambivalência entre estas duas
emoções.

Este período etário corresponde a uma fase em que a criança é


mais autónoma, procurando afirmar­se e realizar as suas vontades.

A ambivalência está também presente na forma como a criança


hesita entre ceder ou opor­se às regras de higiene que a mãe
exige. As relações interpessoais
­ com a mãe e com as outras pessoas ­ vão estabelecer­se neste
contexto; daí a importância dada à forma como se educa a criança
a ser asseada.

ESTÁDIO FÁLICO
­3 anos ­ 5/6 anos

No estádio fálico, a zona erógena é a região genital. As crianças


estão interessadas em questões do género: Como nascem os bebés?;
estão atentas às diferenças anatómicas entre os sexos, às
relações entre os pais e às interacções entre homens e mulheres;
têm brincadeiras onde exploram estes
interesses, como brincar aos médicos e aos pais e às mães. Daí
alguns comportamentos exibicionistas e ‘voyeuristas” (espreitas)
poderem surgir nesta idade.

Freud deu particular importância a este estádio por ser durante


este período que as crianças vão vivenciar o complexo* de Édipo,
e por ser no final desta etapa que a estrutura da personalidade
está formada com a existência de um superego.

O complexo de Édipo’ é a atracção que o rapaz tem pela mãe, a


quem ele esteve sempre ligado desde que nasceu, e que agora é
diferentemente sentida. A sexualidade, que era até esta idade
exclusivamente auto­erótica, vai agora ser investida nos pais.

Ele pode assim falar do desejo de casar com a mãe, mas, ao


descobrir o tipo de relação que liga os seus progenitores, sente
rivalidade (por vezes, com expressões de agressividade) com o
pai, que considera um intruso.

O complexo de Édipo, na rapariga, é uma triangulação relacional


idêntica. Uma importante diferença é que a rapariga esteve desde
sempre muito ligada à mãe e, nesta idade, vai investir e seduzir
o pai. É mais difícil rivalizar com a mãe porque receia perder o
seu amor.

O período edipiano da rapariga e do rapaz é atravessado por


vivências tais como:

receios, angústias, o medo fantasiado da castração,


agressividades e culpabilidades.

Algumas destas relações edipianas passam­se de forma invertida,


isto é, a criança investe sensualmente no progenitor do mesmo
sexo.

O complexo de Édipo é ultrapassado pela renúncia aos desejos


sexuais pelos pais e por um processo de identificação com o
progenitor do mesmo sexo.

Freud considera que a forma como se resolve o complexo edipiano


influenciará a vida afectiva futura.

A terceira instância do aparelho psíquico, o superego, vai agora


ser constituída.
O superego é uma instância com funções morais que é constituída
pelos pais introPrOjectados. Estes não são os pais reais, mas os
imaginários, isto é, os idealizados na infância.

Observação: a rapariga muda de objecto libidinal (primeiro a mãe,


depois o pai), o rapaz transforma oferece a relação ao objecto
inicial (a mãe).

DELMINE, Vermeulen, op. cit., p. 118

1 ­ Édipo, na mitologia grega, sem ter consciência, mata o pai,


Laios, e casa com a mãe, Jocasta.
2 ­ Na rapariga, o complexo de Édipo aparece também designado por
complexo de Electra. Na mitologia grega, Electra, filha de
Agamémnon, instigou o irmão a matar a mãe para se vingar por esta
ter morto o pai.
ESTÁDIO DE LATÊNCIA

4/6 anos ­ puberdade

Após a vivência do complexo de Édipo, e com um superego já


formado, a criança entra numa fase de latência. Ela vai como que
esquecer alguns acontecimentos e sensações vividos nos primeiros
anos de sexualidade através de um processo que se designa por
amnésia infantil. O estádio de latência caracteriza­se por uma
diminuição da actividade sexual, que pode ser total ou parcial.

A criança pode, nesta fase, de uma forma mais calma e com mais
disponibilidade interior, desenvolver competências e fazer
aprendizagens diversas: escolares, sociais e culturais, Uma das
grandes aprendizagens é a compreensão dos papéis sexuais, isto é,
o que é ser mulher e ser homem, na sociedade em que vive.

A vergonha, o pudor, o nojo, a repugnância são sentimentos que


contribuem para controlar e reter a libido. A existência de um
superego vai manifestar­se em preocupações morais.

O ego tem mecanismos, privilegiadamente inconscientes, que


permitem estruturar­se com uma nova organização face às pulsões
do id. A introjecção, o recalcamento, a projecção e a sublimação
são ,entre outros, mecanismos de defesa do ego* (ver P. 272).

ESTÁDIO GENITAL

depois da puberdade

Para a psicanálise, a adolescência vai reactivar uma sexualidade


que esteve como que adormecida durante o período da latência.
Assim, no estádio genital retomam­se algumas problemáticas do
estádio fálico, como o complexo de Édipo.

A puberdade traz novas pulsões sexuais genitais. Também o mundo


relacional do adolescente é alargado a pessoas exteriores à
família.
O adolescente vai reviver o complexo de Édipo e a sua
liquidação está ligada a um processo de autonomização dos
adolescentes em relação aos pais idealizados, como eram sentidos
na infância. O adolescente poderá, assim, fazer escolhas
sexuais fora do mundo familiar, bem como adaptar­se
a um conjunto de exigências socioculturais.

Alguns adolescentes, face às dificuldades deste período, regridem


a fases desenvolvimentais anteriores, recorrendo também a
mecanismos de defesa do ego como o ascetismo e a
intelectualização. Através do ascetismo, o adolescente nega o
prazer, procura ter um controlo das pulsões através de uma
rigorosa disciplina e de isolamento. Pela intelectualização ou
racionalização, o jovem procura esconder os aspectos emocionais
do processo adolescente, interessa­se por actividades do
pensamento, colocando aí toda a sua
energia.

Quadro 17 ­ Constituição do aparelho psíquico (segunda tópica)1


O
Aparelho psíquico

Características

id (infra­ego, infra­eu)

Id é a Parte obscura, impenetrável, da nossa personalidade, e


opouco que sabemos dela aprendemo­lo estudando a elaboração do
sonho e a formação do sintoma neurótico. “

FREUD (1932, p. 103)

Instância constituída por pulsões inatas e por conteúdos, como os


desejos, que são posteriormente recalcados. As pulsões procuram o
prazer e uma satisfação imediata.
O id não é regido por preocupações lógicas, temporais ou
espaciais. É amoral.
O id impulsiona e pressiona o ego e a sua actividade é
inconsciente.

ego (eu)

“A estrutura do ego responde a esta dupla tarefa. É composta de


conhecimento e de defesa. A sua actividade de conhecimento é
consciente ou pré­consciente, e é composta de percepções externas
e internas e de toda a espécie de operações intelectuais que lhe
Permitem informar­se das modificações que se vão processando
tanto no mundo exterior como no seu mundo interior. “
(Freud, obbras completas)
Instância que se constitui diferenciando­se do id no primeiro ano
de vida. A sua energia vem­lhe das pulsões do id. Tem
preocupações lógicas, de espaço e de tempo, assim como de
coerência entre a força do id e os constrangimentos da realidade.
Tenta ser moral.
O ego opõe­se a certos desejos do id, a sua actividade é
sobretudo consciente, embora uma parte seja inconsciente, como os
mecanismos de defesa do ego.

superego (supereu)

"O superego é a terceira instância do aparelho psíquico, cujo


aparecimento é o mais tardio. É uma diferenciação do ego durante
uma cisão em que uma fracção do ego se destaca e se constitui em
instância independente. “

TRAN­TONG (1981, p. 122)

Instância formada a partir de uma parte do ego, após o complexo


de Édipo. Constituído pela interiorização das imagens idealizadas
dos pais e das regras sociais. Base da consciência moral. É
hipermoral.
O superego age sobre o ego, filtra os conflitos icllego, decide
sobre o destino das pulsões e a sua actividade é inconsciente e
pré­consciente.

1 ­ _Revê a primeira tópica na p. 26.


Quadro 18 ­ Estádios do desenvolvimento psicossexual

Estádios

Aparelho psíquico

Características

Oral (0 ­ 12/18 meses)

ld

ego

Zona erógena: boca e lábios.


O prazer está ligado ao chupar e, mais tarde, ao morder
Importância das relações mãe/bebé.

Anal (18 meses ­ 2/3 anos)

id

ego

Zona erógena: região anal. Função de expulsar e de reter.


Ambivalência de sentimentos.

Fálico (3 anos ­ 5/ 6 anos)

id

ego superego

As zonas erógenas são as genitais. Interesse pelas diferenças


anatómicas e sexuais, entre os sexos. Complexo de Édipo.

Latência (5/6 anos ­ puberdade)

id

ego superego

Amnésia da sexualidade infantil. Energia da libido canalizada


para actividades sociais. Mecanismos de defesa do ego. Processo
de identificação sexual.

Genital (a partir da puberdade)

id

ego superego
Novas pulsões, Prevalência de uma sexualidade genital.
Reactivação do complexo de Édipo.

Palavras­ compleXO de Édipo, ego, id, psicossexualidade,


superego.

Acabaste de estudar a teoria do desenvolvimento psicossexual.


Comenta de forma pessoal as concepções mais importantes sugeridas
pela psicanálise sobre a sexualidade.

‘Assim, obrigados a conhecer as particularidades psíquicas da


infância, aprendemos uma série de coisas de que nunca teríamos
conhecimento fora da análise. ( ..)

Reconhecemos que os primeiros anos de vida (até cerca dos 5 anos)


são, devido a razões várias, de im porTância capital. É neles que
surge o aparecimento precoce da sexualidade, aparecimento que
decide a vida sexual do adulto.
FREUD

(1) A partir do texto explicita o papel da sexualidade no


conjunto do conceito de desenvolvimento deste autor.

(2) Relaciona as fases de desenvolvimento consideradas pelo autor


com o complexo de Édipo e a emergência do superego.

Nascido, em 1902, em Hamburgo, na


Alemanha, Erik Homburger Erikson fixou­se nos Estados Unidos
desde 1933, tendo leccionado nas universidades de Harvard,
Berkeley e Yale.

As suas concepções de desenvolvimento e de identidade


influenciaram as pesquisas posteriores, nomeadamente sobre a
adolescência. A ele se deve os termos «crise da adolescência».
Começou a sua vida como artista plástico, tendo­se formado em
psicanálise pelo célebre Instituto de Viena. Embora psicanalista,
tece críticas à psicanálise por esta não ter em
conta as interacções entre o indivíduo e o meio, assim
como por privilegiar os aspectos patológicos e defensivos da
personalidade. As suas experiências pessoais em antropologia, na
década de 30 (tendo mesmo habitado na reserva dos índios
Sioux), muito referidas nas suas obras, deram­lhe uma perspectiva
social marcante. As investigações com os
índios confrontaram­no com o sentimento de desenraizamento e de
ruptura que estes experienciavam entre a história do seu povo e a
cultura americana.

Erikson perspectivou oito idades ao longo da vida, atravessadas


por crises psicossociais que, embora se sucedam, estão entre si
profundamente relacionadas.
O importante das suas teorias é a “continuidade da experiência”
do ego. Erikson vai fazer remontar à infância a construção do
“sentimento de identidade”, mas é na adolescência que a
identidade se consolida através de uma crise normativa.

Ele interessa­se pelas psicobiografias,


tendo estudado personagens como Hitler, Lutero e Gandhi. Nas
biografias, pode­se aprender a problemática psicossocial que o
interessa ­ a dinâmica entre a história pessoal e as situações
dos meios de vida e de ocorrências do acaso.

O seu primeiro livro, Infância e Sociedade, foi publicado em


1950. Identidade, juventude e Crise é outra obra muito
importante. As concepções de Erikson revolucionaram a psicologia
do desenvolvimento, continuando, nos dias de hoje, a motivar
investigações e reflexões várias. J. E. Marcia é um eminente
continuador do conceito eriksoniano de identidade.
ERIKSON E O DESENVOLVIMENTO

Conforme pudeste constatar pela leitura da biografia de Erikson,


este critica as concepções psicanalíticas por considerar que
Freud não teve em conta, na sua concepção de desenvolvimento, as
interacções entre o indivíduo e o meio. Por outro lado, enquanto
Freud defendia que a energia que orientava o desenvolvimento era
de natureza libidinal, Erikson enfatiza o processo de construção
da identidade e a sua dimensão psicossocial. Além disso,
considerava que Freud tinha uma tendência para patologizar o
comportamento.

Erikson propõe oito estádios psicossociais: perspectiva oito


idades no desenvolvimento do ciclo de vida, desde o nascimento
até à morte, tendo em conta aspectos biológicos, individuais e
sociais.

Para este autor cada estádio é atravessado por uma crise


psicossocial entre uma vertente positiva e uma negativa. Estas
duas vertentes são dialecticamente necessárias, contudo é
essencial que se sobreponha a vertente positiva.

A crise não tem, na teoria de Erikson, uma conotação negativa, É


inerente ao desenvolvimento e tem que ser encarada pelo
indivíduo. A forma como cada pessoa resolve cada crise nuclear,
ao longo dos diferentes estádios, irá influenciar a
capacidade para resolver, na vida, os conflitos.

O termo crise não é perspectivado com carácter dramático, mas


para designar um ponto decisivo e necessário, um momento crucial,
quando o desenvolvimento tem de optar por uma ou outra direcção,
escolher este ou aquele rumo, mobilizando recursos de
crescimento, recuperação e nova diferenciação” (Erikson, E. H.,
Identidade, juventude e Crise, Zahar, 1976(b), p. 14).

Vamos agora analisar brevemente as oito idades ou estádios de


desenvolvimento psicossocial:

1ª Idade ­ Confiança versus Desconfiança (0 ­ 18 meses)


2ª Idade ­ Autonomia versus Dúvida e Vergonha (18 meses ­ 3 anos)
3ª Idade ­ Iniciativa versus Culpa (3 ­ 6 anos)
4ª Idade ­ Indústria versus Inferioridade (6 ­ 12 anos)
5ª Idade ­ Identidade versus Difusão/Confusão (12 ­ 18/20 anos)
6ª Idade ­ Intimidade versus Isolamento (18/20 ­ 30 e tal anos)
7ª Idade ­ Generatividade versus Estagnação (30 e tal ­ 60 e tal
anos)
8ª Idade ­ Integridade versus Desespero (depois dos 65 anos)
1ª CONFIANÇA VERSUS DESCONFIANÇA
0 ­ 18 meses de IDADE

N esta idade, a criança vai aprender o que é ter ou não


confiança. Esta confiança está muito relacionada com a interacção
do bebé com a mãe.

Embora esta idade corresponda à fase oral freudiana’, ultrapassa­


a. A criança, neste período, aprende a ter ou a não ter
confiança, partindo da relação com a
mãe. Este sentimento de confiança vai reflectir­se na vida
futura.

‘As mães criam nos filhos um sentimento de confiança através


daquele tipo de tratamento que na sua qualidade combina o cuidado
sensível das necessidades individuais da criança e um firme
sentimento de fidedignidade pessoal dentro do arcaboiço do estilo
de vida da sua cultura. Isso cria na criança a base para um
sentimento de identidade que mais tarde combinará um sentimento
de ser ‘aceitável’ ‘ de ser ela mesma, e de se converter no
que os demais confiam que chegará a ser “

ERIKSON, E. H., Infância e Sociedade, Zahar, 1976(a), p. 229

2ª AUTONOMIA VERSUS DúVIDA E VERGONHA 18 meses a 3 anos de IDADE

Este estádio psicossocial é dominado pela contradição entre a


autonomia, o exercício de uma vontade própria e o controlo sobre
o meio e o seu versus negativo constituído pela dúvida e vergonha
de quem se pode “expor” demasiado quando ainda é tão dependente.
A criança precisa de poder experimentar e de se sentir protegida
no processo de autonomização.

A problemática desta idade corresponde à fase anal freudiana.

“Depois de ter conquistado confiança naqueles que as tratam, as


crianças começam a descobrir que têm vontade própria. Afirmam o
seu sentido de autonomia ou independência. Realizam a sua
vontade. Se as crianças são demasiado reprimidas ou castigadas
severamente é provável que desenvolvam um sentimento de dúvida e
vergonha. “

SANTROK, J. W., Adolescence, Brown and Benchmark, 1997, p. 48

3ª INICIATIVA VERSUS CULPA

Retoma­se a problemática da fase anterior de forma mais


amadurecida, mais determinada e directiva.

‘À medida que as crianças em idade pré­escolar enfrentam um mundo


social cada vez mais alargado, aumentam os desafios e necessitam
de desenvolver comportamentos mais significativos para responder
a esses desafios.

1 ­ Embora Erikson enfatize os aspectos socioculturais do


desenvolvimento e abarque a totalidade da vida, a sua teoria
tem grande relação com a perspectiva freudiana, sobretudo nos
três primeiros estádios.
Pede­se às crianças que assumam mais responsabilidades. No
entanto podem surgir sentimentos desagradáveis de culpa, se as
crianças não são responsabilizadas, sentindo­se muito ansiosas. “

SANTROK, J. W., qp. cit., p. 48

Esta idade relaciona­se com a fase fálica da psicanálise, pois as


crianças estão interessadas pelas diferenças sexuais e têm um ego
que se relaciona com os outros de forma muito intrusiva.

A culpa é descrita como interiorizada, internalizada.

4ª INDÚSTRIA VERSUS INFERIORIDADE


6 ­ 12 anos de IDADE

Erikson utiliza a palavra indústria no sentido de produtividade,


de desenvolvimento de competências (intelectuais, sociais,
físicas, escolares). A partir de estudos antropológicos, conclui
que, nesta fase, em várias culturas, se fazem importantes
aprendizagens sociais (instrução sistemática).

É uma fase de grande actividade que a diferencia da latência


descrita por Freud. Esta idade inicia­se com a entrada da criança
para a escola, o que lhe vai permitir um grande número de
experiências. A escola tem por função ensinar o ‘padrão de acção
da sua sociedade”.

O versus negativo é o sentimento de inferioridade e de


inadequação que lhe advém de não se sentir segura nas suas
capacidades ou de não se sentir reconhecida nem segura no seu
papel dentro do grupo social a que pertence.

Erikson considerava que cabe aos professores uma grande


responsabilidade: favorecer o desenvolvimento da “indústria” nas
crianças. Segundo este autor os professores deveriam, de forma
suave, mas firme, obrigar as crianças à aventura de descobrir que
se pode aprender a realizar coisas que, cada um sozinho, nunca
teria pensado atingir”.

ERIKSON, E., Identity Youtb and Crisis, W W. Norton, 1968, p. 127

5ª ­IDENTIDADE VERSUS DIFUSÃO/CONFUSÃO

É a idade onde, na vertente positiva, o adolescente vai adquirir


uma identidade, isto é, entende a sua singularidade, o seu papel
no mundo.

As fases anteriores deixam marcas que influenciarão a forma como


se vivencia esta crise. O adolescente vai perceber­se numa
perspectiva histórica integrando elementos identitários
adquiridos nas idades anteriores.
É neste estádio que os adolescentes exploram, ensaiam vários
estatutos e papéis sociais. A sociedade permite ao adolescente
este espaço de experimentação (ver moratória psicossocial, p.
199).

1 Ver construção da identidade, pp. 197 e ss.


Embora a construção da identidade se realize ao longo do ciclo de
vida, constitui uma tarefa específica desta idade (ver pp. 197 e
ss.).

O versus negativo refere os aspectos de confusão de quem ainda


não se encontrou a si próprio, não sabe o que quer e tem
dificuldade em fazer opções.

É na parte final da adolescência que se obtém uma “identidade


realizada”. A grande virtude adquirida nesta idade é a
fidelidade: fidelidade aos investimentos, compromissos e ideais.

6ª ­INTIMIDADE VERSUS ISOLAMENTO


18/20 ­ 30 e tal anos

Os indivíduos encaram a tarefa desenvolvimental de construir


relações com os outros numa comunicação profunda expressa no amor
e nas relações de amizade. É a idade de jovem adulto que, com uma
identidade assumida, poderá criar relação de intimidade com o(s)
outro(s).

“Assim, o adulto jovem, que emerge da busca e persistência numa


identidade, anseia e dispõe­se a fundir a sua identidade com a de
outros. Está preparado para a intimidade, isto é, a capacidade de
se confiar a filiações e associações concretas e de desenvolver a
força ética necessária para ser fiel a essas ligações, mesmo que
elas imponham sacrifícios e compromissos significativos.

ERIKSON, 1976(a), pp. 242­243

A vertente negativa é o isolamento de quem não consegue partilhar


afectos+ com intimidade nas relações privilegiadas.

7ª ­ GENERATIVIDADE VERSUS ESTAGNAÇÃO

A generatividade é a fase de afirmação pessoal e de


desenvolvimento das potencialidades do ego, nomeadamente no mundo
do trabalho, da família e de interesse pelos outros e por uma
vida social.

A pessoa sente­se madura para transmitir mensagens às gerações


seguintes. Ter filhos é, frequentemente, um desejo que se insere
nesta relação com o mundo.

A vertente positiva é o sentimento de que se tem coisas


interessantes a passar às gerações vindouras. A vertente negativa
é a centração nos seus interesses próprios e superficiais, a
estagnação.

O conceito de generatividade abrange sinónimos mais populares


como produtividade e criatividade, que, entretanto, não podem
substituí­lo “ (Erikson, 1976(a), p. 246).
8ª ­INTEGRIDADE VERSUS DESESPERO
depois dos 65 anos

Quando se considera positivo o que se viveu e se compreende a sua


existência ao longo das várias idades, faz­se a integração
cumulativa do ego”. ‘Embora ciente da relatividade dos diversos
estilos de vida que deram significado ao esforço humano, o
possuidor de integridade está preparado para defender a dignidade
do seu próprio estilo de vida contra todas as ameaças físícas e
económicas, (Erikson, 1976(a), p. 247).

O desespero é a vertente negativa que advém quando se renega a


vida, mas se sabe que já não se pode recomeçar uma nova
existência.

“Os indivíduos olham para trás e avaliam o que fizeram com as


suas vidas. Os olhares retrospectivos tanto podem ser positivos
(integridade) como negativos (desespero).

SANTROK, J. W., op. cit., p. 48

Quadro 19 ­ Etapas do desenvolvimento psicossocial de Erikson

Professor
O
Idade aproximada Descrição da tarefa

O ­ 18 meses Confiança vs
desconfiança

Se se satisfazem as necessidades, a criança consegue um


sentimento de confiança básica.

18 meses ­ 3 ano. Autonomia vs


dúvida e vergonha

A criança esforça­se por adquirir independência e autoconfiança.

3 ­ 6 anos Iniciativa
vs culpa

Aprende a desenvolver tarefas e lida com o autocontrolo.

6 ­ 12 anos Indústria vs
inferioridade

A criança aprende a sentir­se eficaz ou inapta.

i Identidade vs confusão
12 ­ 18/20 anos O adolescente aperfeiçoa o sentido do eu,
experimentando erros, integrando­os
depois para formar uma só identidade.

Intimidade vs isolamento
18/20 ­ 30 e tal anos O jovem procura estabelecer relações de
intimidade com os outros e adquirir a capacidade necessária para
o amor intimo.

Generatividade vs estagnação
30 e tal ­ 60 e tal anos A pessoa de meia­idade procura o
sentido da sua contribuição para o mundo (por exemplo, através da
família e do trabalho).

1 Integridade vs desespero Depois


dos 65 anos Quando reflecte acerca da sua vida, o idoso pode
experimentar um sentimento de satisfação ou de fracasso.

MYERS, op. cit., p. 109 (adapt.

EXERCÍCIOS
“As concepções de Eríkson revolucionaram a psicologia do
desenvolvimento.

(1) justifica a afirmação transcrita.

(2) Esclarece o conceito de crise psicossocial.

(3) Descreve a 5ª idade do ciclo de vida de Erikson.


DESENVOLVIMENTO E SOCIALIZAÇÃO

RELAÇÃO MÃE/BEBÉ
Tem sido estudada a atracção que o bebé exerce sobre as pessoas.
Esta atracção parece dever­se a características como: testa alta,
olhos grandes, nariz pequeno, bochechas e uma gordura em todo
o corpo que lhe dá um aspecto rechonchudo.

Nos últimos anos, a psicologia desenvolveu estudos profundos


sobre os bebés e os primórdios da comunicação humana. As
observações naturalistas com registos diversificados,
nomeadamente videogravações, têm permitido estudos que
transformaram os saberes adquiridos sobre este assunto.

Um dos aspectos mais estudados tem sido a


relação da díade mãe/filho. As características desta relação, no
primeiro ano de vida, vão ter grande importância no
desenvolvimento futuro da criança: personalidade, auto­estima*,
confiança em si próprio, relacionamento interpessoal.
Concretamente, a actividade clínica tem fornecido exemplos
significativos de como a qualidade da relação mãe/filho
influencia as futuras relações interpessoais.

A relação com o filho começa bem antes do nascimento, na fantasia


dos pais. Ser mãe e ser pai são marcados por uma
relação simbólica, um jogo de fantasia: Será menino ou menina?
Como vai ser? Com quem se parecerá? Como será a nossa relação?

Muitas mães testemunham como falam com o bebé que têm na barriga:
como lhe apresentam a família e a casa, como lhe falam dos
aborrecimentos do dia de trabalho, nas expectativas nele
depositadas, como se sentem na gravidez, como vivem os tempos em
que o sentem crescer dentro delas... Poderemos quase dizer que o
bebé, antes de nascer, se relaciona com a mãe e com as pessoas
significativas do seu meio. Ele influencia e é influenciado pelo
mundo envolvente.

A forma como decorre o próprio nascimento tem sido considerada


como muito importante. Não só o próprio acto de nascer, mas o
acolhimento ­ externo e interno ­ que é feito. É a forma terna
como lhe é dado o nome, como se descobre com quem se parece, como
se arranjou espaço para si na casa, que faz inscrever este filho
no casal e na história das anteriores famílias.
A relação da mãe e das outras pessoas com os bebés é,
normalmente, diferente das que desenvolvem com outras crianças
mais velhas: no tom de voz, nos olhares, nos gestos, no que é
dito e na forma como é dito.

Daniel Stern comenta as reacções maternas:


‘As ‘caras’ que ela faz para o bebé, a maneira como utiliza a
fala, não só naquilo que diz, mas nos sons que emite, os
movimentos da cabeça e do corpo, as
coisas que faz com as mãos e dedos, a posição que toma em relação
ao bebé, e o tempo e ritmo das suas reacções, tudo isto se torna
diferente. “
STERN, D., Bebé­Mãe.­ Primeira Relação Humana, Moraes, 1980, p.
16

Este autor (op. cit., p. 23) cita o estudo de Ferguson sobre o


que as mães de vários continentes dizem aos seus bebés em seis
línguas diferentes e descobriu que todas falavam a versão de
“linguagem de bebé”. Em cada um dos casos havia uma linguagem
muito simplificada, alocuções curtas e muitos sons disparatados.
Algumas transformações de sons tinham características comuns em
todas as línguas. Por exemplo, em todo o mundo, as mães têm o
equivalente, na sua língua, à transformação da frase “Olha o
carro” em “Olha opopó, opopó oo”.

Até ao desenvolvimento destas investigações, dominava uma


representação do bebé como um ser passivo e inerte. A linha
destes estudos desenvolve uma perspectiva do recém­nascido como
um agente activo no seu desenvolvimento, dotado de energia e com
capacidade de estimular a interacção com a mãe. De facto, o bebé
nasce com capacidades, até agora descuradas, que lhe permitem ser
activo no relacionamento humano. O recém­nascido possui uma
actividade reflexa e instintiva e um equipamento sensorial e
motor que possibilita uma adaptação ao mundo envolvente. O seu
reportório é muito variado: reage à dor, ao calor, ao frio,
aos sabores salgados, ácidos e açucarados, distingue a claridade
da escuridão, pode discriminar sons e emitir vocalizações
variadas. Está provado que o bebé distingue a voz da mãe da das
outras pessoas, reconhece o seu odor e que, ao fim do primeiro
mês, reage ao seu próprio nome, quando pronunciado por ela.

Stern chama a atenção, no texto que transcrevemos, para a


importância da estimulação no processo de desenvolvimento das
competências do bebé.
“Durante as últimas décadas, têm­se acumulado, de modos muito
diferentes, provas de que o bebé procura estímulos desde o
nascimento e até se esforça por consegui­los. De facto, a procura
de estímulos atingiu agora o estatuto de instinto, ou tendência
motivacional, não muito diferente do da fome, uma analogia que
não é muito exagerada. Tal como os alimentos são necessários para
o corpo crescer, o estímulo é necessário para fornecer ao cérebro
as ‘matérias­primas essenciais para a maturação dos processos
motores, perceptivos, cognitivos e sensoriais.

O bebé está equipado com as tendências para procurar e receber


este ‘alimento cerebral essencial.“

STERN, op. cit, p. 70

Sorriso

O psicanalista René Spitz (1887­1974) perspectiva o sorriso ­


entre as seis e as doze semanas ­ como a primeira manifestação
comportamental activa e intencional da criança, desenvolvida na
comunicação mãe/filho. O sorriso é um comportamento que une o
fisiológico e o emocional.

Para este autor, este primeiro sorriso é indiferenciado; a


criança, quando sorri, não sorri à mãe, sorri à humanidade, pois
reage a uma gestalt, isto é, a uma configuração de rosto com
olhos, nariz e boca. O rosto será um sinal que desencadeia
reacções positivas. É interessante sabermos que o bebé sorri a
qualquer rosto de frente e mesmo a uma máscara em movimento;
contudo, não sorrirá a um rosto de perfil.

Aos seis meses, o bebé tem já um sorriso para pessoas


preferenciais.

Carência afectiva materna

Spitz estudou os efeitos patológicos da carência afectiva materna


nos casos de separação prolongada. As repercussões acarretam
perturbações físicas, afectivas e mentais
durante esse período e na vida futura, como verás no capítulo
sobre a Personalidade.

Os estudos etológicos de Harlow provam como a falta da relação


precoce entre as macacas Rbesus e suas crias perturbam o
desenvolvimento destas. As macacas criadas numa privação de
contacto físico e em situação de isolamento evitam, quando
adultas, relações de acasalamento. Se forem fecundadas
artificialmente, quando as crias nascem, rejeitam­nas,
frequentemente, com agressividade.

Vinculação
John BowIby é um psicanalista britânico que, seguindo os estudos
de Spitz, começou por estudar a carência afectiva e a perda da
ligação maternal.

Este autor apresenta a necessidade de vinculação (apego,


attachement), isto é, a necessidade de estabelecimento de
contacto e de laços emocionais entre o bebé e a mãe e outras
pessoas próximas, como um fenómeno biologicamente determinado.

spitz designa por “hospitalismo” a depressão vivida por crianças


a quem faltou a presença materna (geralmente
órfãs ou abandonadas e criadas em asilos).
A necessidade de vinculação não é fruto da aprendizagem, mas uma
necessidade básica do mesmo tipo que a alimentação e a
sexualidade. BowIby considera que esta necessidade não é herdada
­ o que se herda é o potencial para a desenvolver.

René Zazzo considerou que esta descoberta implica uma


reorganização profunda das novas perspectivas sobre a primeira
infância.

“Evidentemente que o que é novo não é dizer que o bebé se vincula


à mãe e às pessoas do seu meio! Toda a gente o"sabe e constata. A
novidade, a descoberta, relaciona­se com a origem desta
vinculação: até há pouco pensava­se que era o
resultado de uma aprendizagem, hoje pensa­se poder afirmar­se que
é o efeito de uma necessidade primária que, para se realizar,
dispõe provavelmente de mecanismos inatos.

ZAZZO, R., in A Vinculação, Socicultur, 1978, p. 7

Experiências etológicas

A vinculação é um processo que se manifesta também em certos


mamíferos e aves.

Na década de 50, o etólogo Harry Harlow, contemporâneo de BowIby,


desenvolveu experiências com crias de macacos Rbesus. Colocou, na
mesma jaula, duas mães­substituto: ­ uma era
construída em arame, a outra em tecido felpudo. Esta experiência
decorreu em várias jaulas: em metade delas, era o modelo de arame
que fornecia alimento à cria; na outra metade, esta função era
assegurada pela mãe de tecido felpudo. A variável analisada foi o
tempo que as crias passavam junto das mães artificiais.

As observações levaram o investigador a concluir que as crias


preferiam a mãe de tecido independentemente de qual fosse a que
lhes fornecia alimento, recorrendo a estas em caso de perigo.

Estas experiências levam Harlow a afirmar que a necessidade e a


procura de contacto corporal e de proximidade física são mais
importantes que a necessidade de alimentação. Esta necessidade de
agarrar, de estar junto da mãe, vai ser designada como contacto
do conforto. Este mecanismo, também estudado nos bebés humanos,
permite concluir que o contacto físico com a mãe é da maior
importância, sendo uma necessidade primaria que não depende da
alimentação.

Harlow fala da necessidade de amor e de emoção que observou nos


primatas. Evidencia a interacção existente entre mãe e filho ­ o
filho abraça a mãe que cada vez mais sente a necessidade de
expressar este terno agarrar ­ que está na base da vinculação.
Significativamente, o título do livro, onde Harlow desenvolve a
teoria da vinculação, é A Natureza do Amor.

A teoria da vinculação constrói­se a partir da intersecção das


concepções etológicas, psicanalíticas e da aprendizagem social.

“Desde os primeiros meses de vida, o bebé começa a elaborar


modelos de representação do mundo que o rodeia e de si próprio,
enquanto agente deste mundo. De todos os elementos do seu meio,
nada desempenha um papel maior que a
figura materna. Em consequência, a partir do segundo ano, a vida
mental e o comportamento da criança são cada vez mais
influenciados pelos modelos de representação de si próprio e da
mãe, através dos quais ela percebe o seu universo, interpreta as
suas percepções e conduz as suas acções.”

ZAZZO, qp. cit., pp. 171­172

(2) Explica de que modo a relação mãe/bebé é encarada por Freud e


Erikson.
A ADOLESCÊNCIA

A adolescência é uma época da vida humana marcada por profundas


transformações fisiológicas, psicológicas, pulsionais, afectivas,
intelectuais e sociais vivenciadas num determinado contexto
cultural.

Mais do que uma fase, a adolescência é um processo dinâmico de


passagem entre a infância e a idade adulta.

Conceito recente, suscita, na segunda metade do século XX, grande


profusão de investigações em áreas diversificadas: psicologia,
sociologia, história, antropologia, medicina...

O primeiro livro ­ Adolescence ­ dedicado ao estudo psicológico


da adolescência foi escrito pelo americano Stanley HalI, em 1904.
Segundo este autor, o adolescente opunha­se à criança pela
intensa vida interior de reflexão sobre os sentimentos
vivenciados. Era uma visão conflitual e que negligenciava os
factores socioculturais que se vieram posteriormente a considerar
como fundamentais. As características da adolescência eram
predeterminadas biologicamente.

Uma das dificuldades do conceito de adolescência advém da


delimitação etária deste período, pois existem diferenças entre
os sexos, etnias, meios geográficos, condições socioeconómicas e
culturais.

Além disso, no mesmo meio, encontramos grandes variabilidades de


indivíduo para indivíduo: há puberdades muito precoces, outras
são muito tardias. Por outro lado, uma mesma pessoa tem
diferentes ritmos de maturação. Há indivíduos com um
pensamento operatório formal, mas sem características
pubertárias; enquanto que poderemos encontrar transformações
fisiológicas precoces em crianças emocional e intelectualmente
pouco amadurecidas: “Cada um tem uma maneira própria de evoluir”,
como diz Maurice Debesse.

Se se pode afirmar que a adolescência começa


com a puberdade, já não é tão fácil dizer quando termina. Dizer
que a adolescência acaba quando se
passa a “ser jovem adulto” é, na sociedade actual, difícil de
definir...

Será importante relevar que a adolescência se define pela


negativa: o adolescente já não é criança e ainda não é adulto.

A puberdade muda o corpo, a mente e os aféctos da criança. Os


adolescentes entram numa nova fase existencial, banhados por
novas pulsões, novas sensibilidades, novas capacidades
cognitivas, novas dificuldades nos seus pontos de referência.

A adolescência é um espaço/tempo onde os


jovens através de momentos de maturação diversificados fazem um
trabalho de reintegração do seu passado e das suas ligações
infantis, numa nova unidade. Esta reelaboração deverá dar
capacidades para optar por valores, fazer a
sua orientação sexual, escolher o caminho profissional, integrar­
se socialmente. Este processo de crescimento faz­se também com
retrocessos (às vezes dá vontade de voltar a ser criança), este
crescer faz­se sozinho, com o melhor amigo, com e contra os pais,
com os outros adolescentes e com os outros adultos.

Existem muitas adolescências, conforme cada infância, cada fase


de maturação, cada família, cada época, cada cultura, cada classe
social.

ADOLESCÊNCIAS

A ambivalência da adolescência relaciona­se com as transformações


globais que ocorrem no indivíduo e que tornam este nível etário
de difícil compreensão: pelos outros e pelos próprios. Coabitam,
nesta fase, desejos ambivalentes de crescer e de regredir, de se
sentir ainda criança e já adulto, de autonomia e de dependência,
de ligação ao passado e de vontade de se projectar no futuro.

A ambiguidade e as dificuldades na definição do conceito são


agravadas pela existência de preconceitos, reflectidos nas frases
feitas do senso comum e que são impeditivas da compreensão dos
adolescentes, São comuns expressões do tipo: “idade do armário”,
“idade da parvoíce”, “idade da caixa”, “a idade mais maravilhosa
“1 “estar na fase “. Simultaneamente, encontramos representações
sociais que quase associam o jovem a vandalismo, marginalidade,
delinquência, droga.

A sociedade de consumo em que vivemos faz da juventude um


público­alvo de exploração: há cada vez mais produtos dirigidos
ao adolescente. São cada vez mais significativas as camadas de
jovens que detêm ­ directa ou indirectamente ­ poder de compra.
Os jovens são, hoje, consumidores efectivos.

O actual período de escolaridade prolongou­se no tempo, o que


torna o adolescente familiar e socialmente dependente; contudo,
são­lhe exigidas, ao mesmo tempo, autonomia e responsabilidade.
Esta situação reflecte­se em expressões que são contraditórias e
paradoxais. O mesmo adulto pode dizer ao mesmo adolescente: já
não és criança, tens idade para ser responsável; Ainda não tens
idade para saberes o que queres. E o adolescente reconhece e
sente bem esta ambivalência. A fragilidade sentida pode estimular
surtos regressivos, alienações, comportamentos associais,
dificuldades várias. Para muitos autores, o mal­estar sentido
pelos jovens, na sociedade actual, tem a ver com a indefinição do
seu estatuto social.

No entanto, a adolescência não é obrigatoriamente uma fase


perturbada, dado que grande parte dos problemas são
ultrapassados.

A adolescência não pode ser compreendida sem se ter em conta os


aspectos psicológicos, físicos, cognitivos, socioculturais e
económicos.

Muitas sociedades primitivas estruturam a passagem para o mundo


adulto através de ritos iniciáticos que dão as regras e legitimam
essa passagem.

Na maior parte das sociedades primitivas existem cerimónias,


estranhas aos olhos dos Ocidentais, que introduzem os
adolescentes na sociedade dos adultos. (.. ) Estes ritos podem
ser de curta duração ou desenrolar­se durante vários anos; podem
realizar­se por ocasião de uma cerimónia simples ou exigir
manifestações importantes, que necessitem de construções
especiais e de longos preparativos, podem ser
celebrados durante uma festa alegre ou em cerimónias
impressionantes que implicam provas perigosas, ridicularizações
físicas e toda uma cirurgia ritual
como a limagem dos dentes, as escarificações’, a circuncisão,
etc. (..)

A literatura etnológica revela a existência, em variadíssimas


tribos, de rituais pubertários em que a ideia de renascimento,
quer seja através da reprodução simbólica do nascimento ou de um
psícodrama muito complicado, ocupa um
lugar central ( .. ). O acesso a uma vida nova no termo da
iniciação é, muitas vezes, reforçado pela atribuição de um nome
novo, diferente do da infância, ou
pela reaprendizagem dos gestos outrora familiares (
.. ).

A iniciação introduz o adolescente no domínio das regras sociais


e culturais e assegura o reconhecimento por parte dos outros
membros da sociedade.

CLAES, M., Os Problemas da Adolescência, Verbo, 1990, pp. 36­46

A adolescência começa com as transformações pubertárias e termina


com a construção de uma autonomia e identidade, de elaboração de
projectos de vida e de inserção social.

Ao terminar a adolescência, o jovem tem o sentimento de


individualidade e compreende o seu papel activo na orientação da
sua vida aceitando compromissos.

Ele cumpriu determinadas tarefas’ como afirmação da identidade


pessoal, sexual e psicossocial bem como a interiorização de
normas sociais e a aquisição de uma autonomia. A aquisição legal
de autonomia (maioridade) contribui para datar o fim desta etapa
da vida.

Como nos diz Horrocks, citado por Claes (op. cit., pp. 48­49):

“A adolescência termina quando o indivíduo atinge a maturidade


social e emocional e adquire a experiência, a habilidade e a
vontade requeridas para assumir, de maneira consistente, o papel
de um adulto, que é definido pela cultura em que vive, “
Apesar de todos os problemas inerentes ao conceito de
adolescência e das variações individuais, poderemos dizer de
forma genérica que esta etapa existencial, na
nossa cultura actual, abrange um período entre os 12­13 anos
(para se poder ter em conta uma certa diferenç a etária entre as
raparigas e os rapazes) e os 18 anos.

@l ­ Escarificações: incisões na pele.


2 ­ Havighurst, nos anos 50, definiu as tarefas
desenvolvimentais* que devem ser levadas a cabo para se poder
fazer a passagem para a adultez: relações sociais maduras,
adopção de papéis sexuais masculinos e femininos, aceitação das
transformações físicas; independência emocional dos pais;
aquisição de um sistema de valores e aspirações sociais;
preparação para uma profissão.
Propomos­te que leias e tentes identificar a época em que foram
emitidas as quatro opiniões sobre a juventude que a seguir
transcrevemos, apresentadas por Ronald Gibson, numa conferência
sobre o conflito de gerações, na Sociedade Médica de Portsmouth ­
Grã­Bretanha.

A ­ ‘A nossa juventude ama o luxo, é mal­educada, zomba da


autoridade e não tem nenhuma espécie de respeito pelos velhos. As
crianças de hoje são tiranas. Não se levantam quando um velho
entra numa sala, respondem a seus pais e são simplesmente más. “

B ­ “Não tenho nenhuma esperança no futuro do nosso país se a


juventude de hoje toma o mando amanhã, porque esta juventude é
insuportável, sem moderação. Simplesmente terrível. “

c ­ "O nosso mundo atingiu um estado crítico. Os filhos não


escutam os pais. O fim do mundo não pode estar muito longe. “

D ­ ‘Esta juventude está podre desde o fundo do coração. Os


jovens são maus e preguiçosos. Não serão nunca a juventude de
outrora. Os de hoje não são capazes de manter a nossa cultura. “

Conseguiste descobrir os autores destas afirmações? Confronta as


tuas respostas com as soluções.

ADOLESCÊNCIA E DESENVOLVIMENTO

“Não vês como isto é duro


Ser jovem não é um posto
Ter de encarar o futuro
Com borbulhas no rosto”

CARLOS TÊ E RUI VELOSO

ASPECTOS FISIOLóGICOS

Numa fase de pré­puberdade, que dura mais ou menos dois anos,


ocorrem mudanças corporais (caracteres sexuais secundários) que
preparam as transformações fisiológicas da puberdade, isto é, a
possibilidade de ejaculação e a menstruação.

Os órgãos sexuais entram em funcionamento e são estas


modificações que vão marcar a sexualidade adolescente por uma
genitalidade e possibilitam a capacidade da função reprodutora.

Outras maturações físicas acontecem durante a adolescência, como


a ossificação da mão que se completa, um aumento do tamanho do
coração e dos pulmões.

Surgem, frequentemente, modificações nos


odores corporais, nomeadamente no suor. Alguns jovens são,
temporariamente, afectados por seborreia, acne, ou, ainda,
variações de peso.

Existe, entre as raparigas e os rapazes, cerca de dois anos de


diferença na idade média de chegada à puberdade (12/13 anos e
14/15 anos). Esta diferença está relacionada com a estatura
que é, estatisticamente, mais elevada nos rapazes.
O crescimento é influenciado pelo sistema neuroendócrino e, regra
geral, só se cresce significativamente cerca de cinco anos após a
puberdade. Assim, se o processo pubertário é mais precoce nas
raparigas, elas deixam de crescer mais cedo’.

ASPECTOS AFECTIVOS

As transformações corporais levam o jovem a voltar­se para si


próprio, procurando perceber o que se está a passar, para se
entender mais profundamente enquanto pessoa.

Escrever um diário, isolar­se, ter devaneios, solilóquios, pintar


ou tocar música correspondem a necessidades interiores e podem
contribuir para melhor se conhecer. Alguns adolescentes fecham­se
muito sobre si próprios, comunicando pouco com os adultos.

O melhor amigo, do mesmo sexo, tem, para muitos adolescentes, uma


função muito importante, pois pode encontrar algumas respostas
para várias inquietações: Serei normal@ Como vai ser o futuro.?,
Sou o único a sentir as coisas desta maneira?

Os adolescentes vivem, em geral, com grande ansiedade as


transformações do seu corpo. É muito comum não apreciarem,
temporariamente, algumas das suas características físicas: o
cabelo, o nariz, a pele, os pés, o peso, a altura... Estes
sentimentos são tanto mais inesperados quanto as crianças se
sentiam bem no seu corpo antes das transformações sexuais
pubertárias.

O adolescente tem de assumir uma imagem corporal* sexualizada, o


que nem sempre é fácil.

Haverá que distinguir se as transformações fisiológicas com a sua


aceitação psicológica. A forma como cada um se autopercepciona (o
autoconceito) e o modo como gostamos de nós (a auto­estima)* são
muito influenciados pelo meio em que se vive, a maneira como se é
representado e aceite pelos outros.

Na sociedade contemporânea a moda exerce, frequentemente, uma


certa tirania sobre os jovens, padronizando estilos que não se
coadunam a todos os corpos.

Alguns jovens sentem necessidade de se afirmarem como


diferentes. Assim, a “crise de originalidade” que alguns
atravessam tem expressão na forma de vestir, na linguagem, na
actividade artística, nas atitudes e comportamentos.

Poderemos dizer que muitos jovens são hipersensíveis, que existe


uma fragilidade e agressividade que se manifestam em súbitas
mudanças de humor. São, assim, frequentes as crises de choro, os
estados de euforia, de melancolia... As grandes e globais
transformações causam uma tensão que se traduz em impulsos não
controlados.

A incompreensão de que muitas vezes se sentem vítimas é,


frequentemente, uma projecção* da sua própria dificuldade em se
compreenderem intimamente.

Na adolescência, os modelos de identificação deixam de ser os


pais para passar a ser jovens da mesma idade, num processo de
autonomia, de individuação.

Muitas das duras críticas, por vezes tecidas aos pais, estão
relacionadas com este percurso interno de individuação do
adolescente, de que não têm consciência. Em certos casos, o
adolescente pode sentir um vazio, sentir­se desprotegido,
perturbado, sem compreender os seus afectos.

ASPECTOS INTELECTUAIS

A adolescência é uma fase em que se obtém uma maturidade


intelectual. O pensamento formal vai abrir novas perspectivas;
exercitá­lo é pôr­se questões, é problematizar jogando com as
várias perspectivas dos assuntos, é aprender, é criticar, é
interrogar o futuro e a sociedade.

O raciocínio hipotético­dedutivo é, no desenvolvimento


psicossocial, uma arma poderosa nas opções profissionais, nos
caminhos que aspiram, na construção de projectos de futuro.
O exercício destas novas capacidades cognitivas de abstracção, de
reflectir antes de agir, pode permitir uma distância
relativamente aos conflitos emocionais.

O gosto pela fantasia e pela imaginação, pelo debate de valores,


leva a uma melhor compreensão de si próprio e do mundo. Há uma
exigência de coerência nas discussões intermináveis, no
questionar dos problemas e nos argumentos expressos na defesa de
uma filosofia de vida, que são importantes na formação de ideias
próprias.

Esta mudança intelectual da adolescência vai, pois, permitir


construir o “seu sistema pessoal” como diz Piaget. Existe como
que um reaparecimento do egocentrismo. Mas trata­se agora de um
egocentrismo intelectual ­ as suas teorias sobre o mundo aparecem
como as únicas correctas.

Como consequência do egocentrismo intelectual o adolescente pode


sentir­se alvo dos olhares e atenções dos outros.

ASPECTOS SOCIOMORAIS

Durante a adolescência, o jovem vai interessar­se por problemas


éticos e ideológicos, debate­os, faz opções e constrói os valores
sociais próprios. A lealdade, a
coerência, a justiça social, a liberdade, a autenticidade são
alguns dos valores mais defendidos, o que, frequentemente, faz
com grande radicalidade.

Os adolescentes revoltam­se, frequentemente, quando descobrem que


a sociedade não se coaduna com as aspirações e valores que
defendem. Eles desejam, quase sempre, uma perfeição moral e
expressam um grande altruísmo.

As novas capacidades cognitivas de reflexão e abstracção e o


poder de jogar mentalmente com várias hipóteses (raciocínio
hipotético­dedutivo) permitem­lhe debater ideias, apreendendo a
complexidade dos valores sociomorais, bem como
construir uma teoria própria sobre a realidade social.

A adolescência está ligada a um novo estatuto e papel na


comunidade, daí a sociedade exercer uma nova socialização com
novas formas ­ consciente e inconscientemente exercidas ­, como
temos vindo a referir.

David Elkind estudou como o adolescente frequentemente se


comporta como se estivesse face a uma audiência imaginária» com
os olhos postos em si, como se existisse um público invisível.
Estudou ainda a « narrativa pessoal», isto é, a crença que o
adolescente pode ter de ser único e a fábula que elabora para
contar a si e aos outros. Estas duas características são
manifestações de um egocentrismo intelectual.
No entanto, se, no decorrer e no final da adolescência, se obtém
uma maturação fisiológica, afectiva e intelectual, em
contrapartida não se obtém, regra geral, uma maturação social.
São hoje muito referenciados os problemas sobre a aquiSição de
estatuto de “jovem adulto” e a sua relação com o prolongamento do
tempo de escolaridade.

A forma como se vive a adolescência não só está relacionada com a


infância, como com o meio comunitário envolvente nas suas
dimensões geográficas, económicas e socioculturais. A
adolescência está também relacionada com a forma como se fez a
aprendizagem da vida social e como se participou na vida cívica.

Este facto faz­nos levantar questões ao papel jogado pela


sociedade actual no processo de adolescência.

Uma sociedade concorrencial, violenta, consumista dificilmente se


oferece como meio de vida estruturante, que abra sobre agradáveis
horizontes, facilitando a construção de projectos de futuro.

As letras de muitas canções reflectem as vivências dos


adolescentes e jovens. Propomos­te que recolhas textos de músicas
portuguesas e estrangeiras que reflictam o viver adolescente.

Identifica e regista os extractos mais significativos sobre o


sentir e o viver da adolescência.

Relaciona­os com as concepções que já estudaste.

CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE

Tode alguém ser quem não é?”

SÉRGIO GODINHO

A adolescência é uma fase importante no processo de consolidação


da identidade pessoal, da identidade psicossocial e da identidade
sexual.

Erik Erikson fala­nos que o sentimento de identidade é o


sentimento intrínseco de ser o mesmo ao longo da vida,
atravessando mudanças pessoais e ocorrências diversas.

Os adolescentes vão, através de uma crise potenciadora de


energias, confrontar­se com esta problemática identitária
(5aidade ­ identidade vs. difusão/confuSão).2
O
@I Erikson fala de «mesmidade» (sameness).
2 ­ Revê este estádio nas pp. 181­182.
O
É também com uma certa desorientação entre avanços, hesitações e
recuos que se fazem importantes experimentações de afirmação do
ego, na procura de fidelidade, na construção de identidade.

Para além de uma certa confusão pela qual quase todos passam,
existem por vezes situações (que também podem ser temporárias),
como difusões/confusões agudas de identidade, adolescências
retardadas e prolongadas, inibições, perturbação de valores,
assim como crises neuróticas* e psicóticas* caracterizadas por um
isolamento psicossocial profundo e mecanismos defensivos.

Cada um de nós constrói o seu eu através de outros


significativos, das interacções relacionais, reais e fantasiadas.
A identidade constrói­se nas experiências vividas através de um
subtil jogo de identificações.

Se na infância os nossos modelos identificatórios são os pais, na


adolescência vão ser jovens da mesma idade. As relações com os
pais têm que mudar para que os adolescentes possam ascender a
ideias e afectos próprios.

A amizade é muito investida ao nível dos afectos. O melhor amigo


do mesmo sexo é normalmente alguém com quem se partilham grandes
inquietações. É como um espelho estruturante onde o adolescente
se reconhece reflectido, onde se vê crescer.

O grupo de pares pode ter uma função estruturante, apresentando


modelos de identificação positiva para o adolescente. Erikson
refere a certeza que o grupo pode trazer às incertezas do
adolescente. No entanto, pode apresentar alguns riscos
negativos, sobretudo quando a relação com o grupo é de grande
dependência.

Numa época da vida em que se buscam outros universos para além


dos familiares e onde as figuras parentais são tanto mais
importantes quanto têm que ser reelaboradas as relações pais­
filhos e com as quais há muitas vezes conflitos, existe a
necessidade de outros adultos significativos. A escola, para além
de um mundo de jovens, é também um mundo de adultos: os
professores, os empregados, as personagens dos livros, os outros
pais (de quem os colegas falam ... ).

Nós olhamo­nos com os olhares que nos olham, com os olhares que
trocamos.
O processo de identificação está, nesta fase da adolescência,
relacionado com um processo de diferenciação.

A instituição escolar deverá contribuir para o ultrapassar das


identificações infantis, nas escolhas e na descoberta de modelos
mais de acordo com o que se quer ter como personalidade futura.
Neste universo interactivo, numa cultura jovem, constroem­se
certos estereótipos grupais e sociais. Os heróis têm, no processo
de identificação de alguns adolescentes, um papel relevante,
oferecendo imagens poderosas, cultivadas colectivamente.

No final da adolescência o jovem obtém uma “identidade


realizada”, ele será capaz, como diz Erikson, de sentir uma
“continuidade interna” e “uma continuidade do que ele significa
para as outras pessoas.” Ele entende­se no seu percurso de vida.

Moratória psicossocial

Outro dos conceitos importantes criksoniano foi o de moratória


psicossocial. Esta moratória é “um compasso de espera nos
compromissos adultos”. É um período de procura de alternativas e
de experimentação dos papéis que vai permitir um trabalho de
elaboração interna.

As moratórias são caracterizadas pelas necessidades e exigências


socioculturais e institucionais. “Cada sociedade e cada cultura
institucionalizam uma certa moratória para a maioria dos seus
jovens. “

Antecipa­se o futuro, exploram­se alternativas, experimenta­se,


dá­se tempo...

í ‘As instituições sociais amparam o vigor e a


distinção da identidade funcional nascente, oferecendo aos que
ainda estão aprendendo e experimentando um certo status da
aprendizagem uma moratória caracterizada por obrigações
definitivas e competições sancionadas, assim como por uma
tolerância especial.

ERIKSON, 1976(b), p. 157

Também se pode considerar como moratória sexual­afectiva o tempo


de namoro, dos flids, dos pequenos e grandes investimentos
amorosos, que permitem vivências e experiências antes de se
definirem orientações sexuais e se poder fazer escolhas amorosas
para uma ligação perspectivada com certa estabilidade e
durabilidade.

Muitos adolescentes têm uma evolução “truncada” por terem


entrado, de forma demasiado rápida, na vida adulta sem se terem
permitido um amadurecimento interior.

Erikson, muito preocupado com as interacções com o meio


envolvente, falou na importância do jovem ser “reconhecido” no
sentido do seu estatuto. O autor refere muitos comportamentos
marginais como tentativas de encontrar uma moratória.
Concluímos com um texto que te ajudará a compreender melhor o
conceito de moratória psicossocial.

A moratória é, frequentemente, o resultado de uma decisão difícil


e deliberada de dar uma trégua às preocupações habituais, tais
como as da escola, da universidade ou do primeiro emprego. O
objectivo consiste em fazer uma pausa, no sentido de o indivíduo
poder explorar, de um modo mais completo, quer o próprio eu
psicológico, quer a realidade objectiva. A diferença aparente
entre a moratória e a
difusão pode parecer muito subtil; todavia, vistas bem as coisas,
essa diferença é bastante grande. Na moratória existe uma
verdadeira procura de alternativas, e
não apenas uma espera prolongada, até que surja a oportunidade
certa. O indivíduo sente uma grande necessidade de se testar a si
próprio, numa variedade de experiências, no sentido de obter um
conhecimento cada vez mais pormenorizado do seu eu. Os
compromissos são, temporariamente, evitados, com base em razões
legitimas: `Preciso de mais tempo e experiência, antes de me
dedicar inteiramente a uma carreira, como, por exemplo, a
medicina.’ Ou, ‘ainda não estou preparado para iniciar o
doutoramento em História. Existem bastantes coisas desconhecidas
que preciso de explorar primeiro.’ Desta forma, a moratória não é
simplesmente uma fuga às responsabilidades, que possibilita ao
indivíduo andar sem destino. Em vez disso, esta fase constitui um
processo de procura activa, que tem como objectivo principal
prepará­lo para estabelecer compromissos. A própria vida de
Erikson, como documenta a sua biografia, contém uma moratória
muito significativa, de Verificação assim como de dedicação ainda
maior a uma causa.

Iniciámos este tema com um verso de uma canção de Sérgio


Godinho. Propomos­te que recolhas, noutras canções, poemas ou
textos, extractos que reflictam questões relacionadas com a
construção da identidade.

Os diários correspondem, geralmente, às necessidades que os


adolescentes têm de exprimir as suas inquietações, afectos e
conflitos.

Anne Frank (1929­1945) e Ziata Filipovic (nascida em 1980) são


duas adolescentes que viveram situações semelhantes: a primeira,
judia, escreve o seu diário no período de dominação nazi; a
segunda escreve o seu diário durante a guerra civil da ex­
Jugoslávia.

Propomos­te que leias estes diários ­ O Diário de Anne Frank e O


Diário de ZIatal ­ que, para além de nos darem um retrato da
situação de guerra vivida pelas duas autoras, reflectem o viver
adolescente.

“Construir uma nova identidade, inscrevê­la num projecto de vida


é a tarefa necessária à crise da adolescência. Implica integrar
as mudanças nas suas relações consigo mesmo e com os outros,
fazer o luto da infância, adquirir a sua
verdadeira independência, isto é, aprender a reconhecer­se numa
rede de dependências mais ampla do que a família. Este processo é
longo, incerto e nem sempre bem sucedido.

BIRRAUX, Anne

Apresenta alguns aspectos fisiológicos e afectivos que


caracterizam a adolescência.

Descreve o estádio de desenvolvimento intelectual em que o


adolescente se encontra, segundo a tipologia de Piaget. Explica
em que consiste a crise da identidade na perspectiva de Erikson.

(4) Explica como é que se processa a construção da identidade na


adolescência.

(5) Esclarece o conceito de moratória psicossocial tal como é


definido por Erikson.

APRENDIZAGEM E MEMÓRIA

TODO O CONHECIMENTO É COMO SE FOSSE UM TRICô OU UMA MALHA, COMO


SE FOSSE UM TECIDO EM QUE CADA PEÇA DO CONHECIMENTO Só FAZ
SENTIDO OU É úTIL EM FUNÇÃO DAS OUTRAS PEÇAS...”

Poderemos afirmar que a característica mais importante da espécie


humana é a capacidade de aprender, de aprender sempre, com todos
e em qualquer lugar. É a aprendizagem que permite que o ser
humano se adapte às condições do ambiente sempre em mudança,
assegurando­lhe a flexibilidade do comportamento.
Isto não significa que apenas o ser humano aprenda: todos os
animais modificam comportamentos através da experiência, embora a
aprendizagem ganhe mais importância à medida que se sobe na
escala animal. Aliás, muitas investigações foram feitas sobre
características e modalidades destas aprendizagens, que motivaram
e promoveram estudos sobre a forma humana de aprender,

Ao longo dos quatro capítulos anteriores, já assististe a debates


que opõem aqueles que defendem o maior peso dos factores inatos*
no comportamento humano e aqueles que privilegiam as aquisições
que resultam da aprendizagem e da experiência.

Historicamente, o tema da aprendizagem está ligado aos


behavioristas/comportamentalistas e às metodologias experimentais
e laboratoriais que afirmaram a psicologia como ciência. Estas
correntes deram tanta importância à aprendizagem que foram
designadas por teorias da aprendizagem.

As concepções que defendem a interacção sujeito­meio propõem uma


síntese dinâmica entre as capacidades inatas e a sua
possibilidade de realização proporcionada pelo meio. Piaget, que,
como sabes, estudou as crianças no seu contexto de vida,
perspectivou a aprendizagem numa linha interaccionista.

A aprendizagem está intimamente ligada à memória, dado que o que


se aprende tem de se conservar. Não podemos aprender sem
recordar, nem recordar sem aprender. São os conhecimentos, a
experiência anterior que nos permitem seleccionar, organizar e
reconhecer as informações actuais.

Por isso neste capítulo abordaremos a aprendizagem e a memória.

conceito de aprendizagem

Aprender e aprendizagem são termos que fazem parte do nosso


discurso comum, abrangendo um grande número de significados.
Falamos de aprendizagens escolares, de hábitos alimentares, de
higiene... de aprender a escrever, a cantar, a ter boas maneiras,
a rir, a falar... e, também, aprender a defender­se, aprender uma
profissão, aprender a gostar de arte abstracta, aprender a
amar... e aprender a aprender.

Podemos definir a aprendizagem como uma mudança relativamente


estável e duradoura do comportamento e do conhecimento. Esta
mudança do comportamento está relacionada com o exercício e a
experiência, podendo ocorrer de forma consciente ou inconsciente,
num processo individual ou interpessoal. E tudo o que o Homem
aprende é produto da sua cultura.
Desde que nascemos até morrermos mudamos. E esta mudança é devida
em grande parte à aprendizagem. É através de experiências que
aprendemos novas atitudes, novas competências, novos medos, novos
conceitos, novas maneiras de resolver os problemas, etc.

De entre os factores que explicam a mudança, a aprendizagem é o


mais importante. Pela aprendizagem adquirimos saberes,
desenvolvemos capacidades, ocorrendo uma mudança pessoal.

praticamente todo o nosso pensamento e comportamento foram


aprendidos. A aprendizagem pode ser adaptativa ou desadaptativa,
consciente ou inconsciente, manifesta ou não­observável.
Sentimentos e atitudes sã o certamente aprendidos como o são
factos e competências. “

SPRINTHALL, e SPRINTHALL, op cit, 1993, p. 223

É a aprendizagem que determina o nosso pensamento, a nossa


linguagem, as motivações, as atitudes, a personalidade. Por isso,
muitos autores a consideram o núcleo central da psicologia.

Este processo complexo que é aprender implica, como verás,


comportamentos perceptivos, motores, intelectuais, emocionais e
sociais.

Inerente aos processos de aprendizagem está a memória. Só a


memória nos possibilita reter o que aprendemos, para responder
adequadamente à situação presente e nos proporcionar a
possibilidade de projectar o futuro.

“ A aprendizagem é uma actividade que modifica as possibilidades


de um ser vivo de, maneira duradoira,'(Fraisse, 1957)

A aprendizagem tem por finalidade a aquisição de hábitos


(principalmente no domínio motor, e tende então para a criação de
automatismo) e a aquisição de conhecimentos. Segundo o objectivo
a atingir, os procedimentos serão diferentes. Fazem apelo à
atenção, à percepção, à qual a imaginação pode suprir às
associações, implicam a intervenção da memória enfim,
toda a verdadeira aquisição de noção faz intervir uma operação
mental.

À volta destes diferentes dados, constituíram­se teorias da


aprendizagem, pondo, segundo os autores, a ênfase sobre um ou
outro dos factores. A aprendizagem faz­se em diferentes níveis da
actividade psíquica do indivíduo”.

LAFON, Robert, Vocabulaire depsycbopédagogie et dep@vcbiatr!e de


Venfant, PU, 1969, p. 71
TIPOS DE APRENDIZAGEM

Vamos abordar agora alguns tipos de aprendizagem:

O Condicionamento clássico

* Condicionamento operante
* Aprendizagem motora, de discriminação e verbal
* Aprendizagem de conceitos
* Aprendizagem de resolução de problemas
* Aprendizagem social

CONDICIONAMENTO CLáSSICO’

Pavlov, ao estudar a secreção salivar nos cães, constatou que os


animais salivavam sempre que o alimento lhes era colocado na
boca. Ao repetir a experiência com os mesmos cães, observou que
os animais salivavam nas seguintes condições: ao ver o alimento,
ao ver a pessoa que habitualmente lhes trazia o alimento, ao
ouvir os passos destas pessoas. Estas observações ­ que
representavam interferências no seu
projecto experimental inicial ­ levaram­no a pôr a hipótese de
que estava perante uma forma de aprendizagem. Reformulou o seu
projecto de investigação e procurou, com os seus colaboradores,
através de experiências, estudar objectivamente o fenómeno:
conhecer de que modo estímulos neutros provocavam a salivação.

A EXPERIÊNCIA DE PAVlOV

Pavlov descreve pormenorizadamente as suas experiências no livro


Reflexos Condicionados. Para se certificar de que estímulos
estranhos não afectariam a experiência, procurou controlar as
condições em que esta decorre.

Quando o experimentador apresentava a carne ao animal, ele


salivava. Neste caso, a salivação é uma resposta não condicionada
(R,), isto é, inata*, não aprendida. O estímulo que a provocou
designa­se por estímulo não condicionado ou incondicionado (E,).

Posteriormente, Pavlov fez acompanhar a carne (E,) de um toque de


campainha (E, ­ estímulo neutro) e verificou que o cão salivava.

O experimentador repete várias vezes esta associação de


estímulos, o que leva o cão a esperar que a carne apareça ao
toque da campainha. Passado algum tempo, Pavlov constata que o
cão saliva quando ouve a campainha.

O reflexo condicionado é, pois, uma resposta aprendida a um


estímulo inadequado. A quantidade de saliva segregada constitui a
intensidade da resposta do animal.

esquematIzando:
Antes do condicionamento

Estimulo não condicionado (ENC) (carne)


O
Estimulo neutro (campainha)
O
Resposta não condicionada (RNC) (salivação)

Não há resposta ou esta é inadequada


O
Durante o condicionamento

Estimulo não condicionado

E, (carne)
O
Estimulo neutro

E, E2 (campainha)
O
RNC (salivação)
O
Depois do condicionamento

Estimulo condicionado (EC) (campainha)


O
RC (salivação)
O

OS PROCESSOS DE CONDICIONAMENTO

Decorrentes das experiências realizadas, Pavlov e a sua equipa


identificaram alguns processos que envolvem o condicionamento*: a
aquisição ­o, a
extinção, a

recuperação espontânea’, a generalização do estímulo e a


discriminação­’.

O termo extinção é utilizado para designar a diminuição e/ou


extinção da resposta condicionada devido à ausência do estímulo
não condicionado.

Pavlov constatou que, quando fazia soar a campainha, repetidas


vezes, sem apresentar a carne, o cão salivava cada vez menos, até
deixar de salivar.

Durante as experiências, os investigadores constataram que o cão


salivava mesmo quando o som emitido era diferente do da campainha
habitualmente usada no condicionamento: a resposta condicionada
era, inclusive, desencadeada pelo som de uma sirene. A tendência
para responder a estímulos semelhantes ao estímulo condicionado
designa­se por generalização de estímulo

Watson desenvolve, em 1920, com Rosalie Rayner, experiências


sobre o condicionamento do medo em crianças onde reconheceu o
efeito da generalização dos estímulos. É muito conhecida a
experiência com Albert, um bebé de 11 meses. No início
da experiência, Albert não demonstra qualquer receio quando
vê um coelho branco, Em seguida, é­lhe apresentado um rato
branco, ao mesmo tempo que o experimentador produz um ruído
forte. Esta situação é repetida várias vezes. Watson e os seus
colaboradores descobrem que, ao apresentar apenas o rato branco,
Albert chorava e fugia do animal (resposta condicionada). Para
além de ter sido estabelecida a reacção condicionada de medo ao
rato, o bebé ficou com medo do coelho branco e também de objectos
semelhantes como uma bola de algodão, um urso de pêlo branco,
homens com barba branca, etc. Neste caso, ocorreu a generalização
de estímulos.
1 ­ Pavlov descobre que depois de a resposta condicionada parecer
extinta, após um tempo de descanso, se voltasse a tocar a
campainha, o cã o voltava a salivar, ainda que de forma mais
atenuada. Este processo designa­se por recuperação espontânea da
resposta.
2 ­ Pavlov constata que os cães aprenderam a responder a um tom
particular da campainha, distinguindo­o de outros
tons. É o que designa por discriminação.
O ALCANCE DO CONDICIONAMENTO CLÁSSICO

O condicionamento clássico é uma forma de aprendizagem que está


presente em muitos aspectos da vida quotidiana dos seres humanos:
sentimos fome à hora das refeições­ ao ouvir o toque da campainha
da porta, esperamos que alguém apareça quando a abrimos; certo
tipo de música nos filmes leva­nos a esperar cenas emocionantes,
etc. São muitos os estímulos que servem de sinais para outros
estímulos.

Quando, a propósito da generalização dos estímulos, demos o


exemplo de Albert, demonstrámos que o medo pode ser condicionado.
Por exemplo, se uma pessoa teve experiências dolorosas no
dentista, pode acontecer que quando se
senta na cadeira viva uma sensação de medo: espera que a situação
desagradável se volte a repetir.

Muitos medos vividos por adultos podem ter sido adquiridos por
condicionamento na infância ou pela vivência de situações
traumáticas. Às vezes, uma única
experiência pode causar condicionamento. Por exemplo, se uma
pessoa foi vítima de um ataque violento ao ser assaltada, pode
sentir medo (resposta condicionada) quando percepciona
determinados locais ou determinado tipo de pessoas (estímulos
condicionados).

Aquando das comemorações do encerramento do campo de concentração


de Auschwitz, muitos sobreviventes, ao visitá­lo, sentiram suores
frios, o coração a bater aceleradamente, tremores... Sabem que o
campo está desactivado, que o
nazismo como regime desapareceu... Contudo, estas respostas
automáticas, involuntárias e sem controlo, reflectem o medo
condicionado.

Luís tem 4 anos. Anda de triciclo no jardim de sua casa quando,


de súbito, surge o cachorro adquirido pela vizinha no dia
anterior. O Luís assusta­se, cai e esfola um joelho, chorando de
dor. Alertada pelo choro do filho, a mãe vem buscá­lo e faz­lhe o
curativo. Mais tarde, volta ao jardim e quando, pouco tempo
depois, vê o cão a passar, o Luís desata a chorar.

Identifica no episódio que descrevemos:

* o estímulo não condicionado (ENC);


* o estímulo condicionado (EC);
* a resposta não condicionada (RNC);
* a resposta condicionada (RC).
Passas por uma padaria e sentes o cheiro a pão quente, o que te
faz crescer água na boca.

Identifica o ENC, a RNC, o EC e a RC.

O João, que tem 2 anos, foi submetido durante meses à inoculação


de vacinas contra as alergias ministradas por um médico.Tenta
explicar os comportamentos que, a seguir, descrevemos:

A ­Ao entrar no consultório, começa a chorar. B ­ Quando lanchava


com a mãe numa confeitaria e o pasteleiro, de bata branca, se
aproximou,
ele desatou a chorar.

CONDICIONAMENTO OPERANTE

Enquanto Pavov desenvolvia as suas investigações na Rússia, nos


EUA Thorndike procurava conhecer o modo como animais resolviam
problemas. É a
partir das experiências históricas deste investigador que Skinner
vai desenvolver os eus trabalhos.

A EXPERIÊNCIA DE THORNDIKE

Edward Lee Thorndike desenvolve um conjunto de investigações,


vinte anos antes de Pavlov, procurando responder a uma
questão: será que o modo de aprender do ser humano é semelhante
ao dos animais?

Para responder a esta questão, Thorndike vai desenvolver uma


rigorosa investigação experimental com o objectivo de estudar o
modo como a aprendizagem decorre, concretamente nos gatos.
Thorndike constrói uma caixa­problema: é uma gaiola com grades de
onde o animal só podia sair se executasse uma acção (puxar um
fio, carregar numa alavanca) que lhe abria a porta. No exterior
da caixa, o experimentador colocava alimento que podia ser visto
e cheirado pelo animal. Utiliza na experiência gatos esfomeados
que eram recompensados quando saíam, portanto, quando resolviam o
problema.

Numa primeira fase, o animal investia contra as grades, mordia­


as, miando desesperadamente. Passado algum tempo, e depois de
várias tentativas e erros, por acaso, o animal accionava o
mecanismo que abria a porta, recebendo alimento quando saía. Ao
repetir a experiência, o animal demorava cada vez menos tempo a
resolver o problema até que, ao entrar na caixa, já se dirigia
directamente ao mecanismo, que accionava e que abria a porta,
recebendo logo em seguida a recompensa. O animal aprendeu a
resolver o problema ­ aprendizagem por tentativas e erros.
A LEI DO EFEITO

Thorndike constatou que, à medida que a experiência é repetida,


as respostas desadequadas ­ investir contra as grades, saltar,
miar ­ são progressivamente substituídas por respostas correctas
e eficazes. Isto quer dizer que há respostas que são
enfraquecidas e outras que são fortalecidas. Formula então a lei
do efeito para explicar este processo: se a resposta for
recompensada, fortalecer­se­á; se não houver recompensa ou se
houver castigo, a resposta enfraquecerá. As primeiras seriam como
que gravadas e as segundas apagadas. São as respostas mais
adequadas, mais aptas, que são retidas, desempenhando assim a
aprendizagem um papel importante no processo de adaptação do
animal ao ambiente’.

O gato colocado na gaiola devia carregar na alavanca para abrir a


porta.

Brutus F. Skinner nasceu na Pensilvânia, tendo­se F­ 1 C H A


licenciado em Literatura em 1922. Depois de concluir que não
tinha talento para ser escritor, decide estudar psicologia, tendo
ingressado na Universidade de Harvard em 1928 e tendo­se
doutorado em 1931. Mantém­se nesta Universidade durante mais
cinco anos onde, influenciado pelas concepções de Watson,
desenvolve várias investigações. Depois de ter leccionado na
Universidade de Minnesota e Indiana, aceitou o lugar de professor
em Harvard onde vai construir a famosa “caixa de Skinner” e
desenvolver as suas experiências com ratos e pombos.
SKINNEr Orienta os seus estudos na linha de Pavlov,
Thorndike e Watson, considerando que os seres humanos podiam ser
condicionados, treinados, tal como os animais. Interessa­se pela
psicologia educacional, tendo desenvolvido, na década de 60, a
“máquina de ensinar” ou ensino programado. Para Skinner, este
tipo de ensino seria um precioso auxiliar para os professores;
paralelamente e com base no seu conceito de aprendizagem,
desenvolve técnicas de modificação do comportamento na sala de
aula.

De entre as suas obras, poderemos destacar:


O Comportamento dos Organismos, Ciência e
Comportamento Humano, Programas de Reforço e
904­1990) A Tecnologia do Ensino, Skinner é considerado o
representante mais significativo do
behaviorismo/comportamentalismo.

1 ­ Existe, portanto, uma conexão, uma associação entre o


estímulo e a resposta que é acompanhada pela recompensa e que
produz um estado de satisfação; a conexão enfraquece se for
seguida de um estado de insatisfação provocada ou pela ausência
de recompensa ou pela punição. Thorndike compara a lei do efeito
à lei darwinista da sobrevivência do mais apto.
SKINNER E O CONDICIONAMENTO OPERANTE

O ponto de partida para as investigações levadas a


cabo por Skinner é a lei do efeito de Thorndike: a aprendizagem é
uma associação entre o estímulo e a resposta resultante de um
acto do sujeito. Seguindo a tradição comportamentalista, vai
desenvolver todo um conjunto de experiências, registando as
respostas objectivamente observáveis dadas pelos animais.

Constrói uma caixa (a caixa de Skinner ou câmara de


condicionamento operante dotada de um dispositiVo especial: se
uma alavanca for carregada, ou uma tecla premida, é libertado
alimento. O experimentador coloca, por exemplo, um rato no
interior da caixa; depois de a explorar, o animal carrega, por
acaso, na alavanca e recebe alimento. A partir deste momento, o
animal repete o comportamento, obtendo todas as vezes comida, que
constitui o reforço. Neste caso, o reforço é positivo dado que o
animal tudo fará para o obter.

Contudo, o reforço pode ser negativo. Skinner ilustrou este tipo


de reforço desenvolvendo experiências em que utilizou estímulos
dolorosos ou desagradáveis: o rato é colocado numa gaiola, sobre
uma rede metálica, ao fundo da qual existe um pedal. Pela rede
faz­se passar uma corrente eléctrica que pode ser interrompida se
o pedal for carregado. Nestas circunstâncias, o animal, depois de
várias tentativas e
erros, aprende a evitar a dor, carregando no pedal.

Assim,

reforço positivo ­­ o estímulo cuja presença serve para manter ou


fortalecer a resposta;

reforço negativo ­­ a eliminação de um estímulo que põe fim a uma


situação aversiva e que serve para manter ou fortalecer a
resposta.

São os dois princípios motivadores ­ a busca do prazer e a fuga à


dor ­ que estão na base dos reforços positivos e negativos.

Tal como no condicionamento clássico, se o reforço for suspenso,


a resposta extingue­se, podendo depois ser recondicionada.

1 ­ Não se pode confundir o reforço negativo com o castigo ou


punição: enquanto que o reforço negativo fortalece a resposta (o
rato prime o pedal para evitar o choque), o castigo enfraquece­a
(no exemplo constituiria uma punição o rato receber um choque
depois de ter carregado no pedal). Diz­se negativo porque diminui
a situação aversiva.
PRÉMIOS E CASTIGOS NA APRENDIZAGEM

Uma das questões que tem suscitado mais polémica relaciona­se com
a eficácia dos prémios e castigos no controlo do comportamento.
Thorndike, quando enunciou a lei do efeito, considerava que quer
a recompensa quer a punição favoreciam a aprendizagem. Contudo,
este investigador vai rever a sua posição ao afirmar que a
recompensa era muito mais eficaz no reforço da aprendizagem do
que a punição no enfraquecimento de um comportamento indesejável.

Vários estudos laboratoriais entretanto desenvolvidos demonstram


que o castigo diminui, efectivamente, a frequência de um
comportamento não desejado. Por exemplo, um cão que faz chichi na
sala se for castigado, esse comportamento tenderá a desaparecer.
Contudo, para que o animal aprenda, a punição deverá ser rápida,
enérgica e consistente, isto é, deve ser aplicada sempre e
imediatamente após a ocorrência do comportamento que se pretende
evitar.

Mais controversa e complexa tem sido a discussão da punição na


educação dos seres humanos. Pela experiência, sabe­se, por
exemplo, que, se uma criança, depois de dizer um palavrão, for
impedida pelos pais de ver o seu programa favorito na
TV durante um dia, haverá uma forte probabilidade de o
comportamento diminuir. Contudo, talvez o comportamento não seja
esquecido, mas apenas reprimido, podendo ocorrer noutros
contextos: com os amigos, no recreio da escola, etc.

Skinner chamou a atenção para os efeitos indesejáveis que um


castigo pode provocar: uma criança pode associar o medo da
punição não só ao comportamento responsável, mas também à pessoa
que o administra­ por outro lado, a aplicação dos castigos pode
aumentar a agressividade daquele que é punido. Skinner via por
isso maiores vantagens na aplicação do reforço positivo: enquanto
que este diz o que o sujeito deve fazer, o castigo diz o que não
deve fazer, não orientando no sentido do comportamento desejável.
Ora, na aprendizagem é mais eficaz a instrução positiva do que a
negativa. Por isso, é mais eficiente a combinação com um reforço
positivo. Além disso, é muitas vezes possível reformular de modo
positivo muitas ameaças de castigo. Uma mãe, em vez de ameaçar o
filho com uma punição: Se não estudares, não te deixo ir à festa,
pode reformulá­lo de um modo positivo: Se estudares, deixo­te ir
à festa.
DISTINÇÃO ENTRE CONDICIONAMENTO CLÁSSICO E OPERANTE

Existem claras diferenças entre condicionamento clássico e


operante. Enquanto que, no condicionamento pavloviano, as
respostas são involuntárias (salivar), no
condicionamento operante são voluntárias (carregar numa
alavanca). No primeiro, a resposta resulta da associação de
estímulos (ENC + EC), enquanto que no segundo o organismo adopta
certos comportamentos para obter uma resposta. No condicionamento
operante, o sujeito age, opera sobre o ambiente para obter
satisfação ou evitar a dor ou a sensação desagradável.

Poderemos dizer que, neste tipo de condicionamento, o sujeito


toma iniciativa, é activo, enquanto que no condicionamento
clássico é enfatizado o aspecto mecânico e passivo do sujeito.

Palavras­ condicionamento operante, reforço positivo, reforço


negativo.

APRENDIZAGEM MOTORA, DE DISCRIMINAÇÃO E VERBAL

Como o próprio nome indica, a aprendizagem motora consiste em


fazer alguma coisa através de movimentos, da manipulação de
objectos ou instrumentos. Este tipo de aprendizagem está presente
nos seres humanos e animais.

No ser humano a aprendizagem motora está presente nos actos mais


simples e mais complexos da vida quotidiana: vestir­se, lavar­se,
fazer a cama, usar os talheres, jogar a bola, deitar água num
copo, pregar um prego... são exemplos de aprendizagens motoras.
Outras actividades mais elaboradas implicam também sequências
ordenadas de movimentos: escrever, tocar um instrumento musical,
digitar um texto no computador, guiar um automóvel, pilotar um
avião... todas estas actividades implicam observação e exercício.

Podemos afirmar que toda a actividade humana implica a


aprendizagem por discrinúnação, isto é, a possibilidade de
perceber e a compreensão das semelhanças e diferenças entre as
situações e os objectos. Aprendemos a distinguir as mesas das
cadeiras, o campo cultivado da floresta, o rio do lago, o cão do
gato, o livro do caderno, o tango do rock, os diferentes sinais
de trânsito...

A aprendizagem por discriminação está também na base de


aquisições mais complexas: a aprendizagem da leitura implica a
discriminação das letras, dos sons, da pontuação.

As aprendizagens estão, em geral, baseadas nas palavras, na


aprendizagem verbal. Nas crianças pequenas, é nítido como as
palavras servem, frequentemente, de ,rótulo verbal” facilitador
da aprendizagem: aprendem­melhor ao nomear os objectos, os
fenómenos, as situações.
Quando se dá um nome a uma coisa, a uma situação, estabelece­se
uma relação: a palavra faz uma mediação entre o estímulo e a
resposta. O nome favorece o processo de discriminação,
aprendizagem, memorização e recordação (lê entrevista na p. 336).

APRENDIZAGEM DE CONCEITOS

Os conceitos* são agrupamentos mentais que nos permitem organizar


as informações sobre a realidade. No conceito de mesa incluímos
todos os objectos que têm um tampo e um suporte, isto é,
identificamos os seus atributos; ao conceito de árvore
correspondem várias características que nos permitem distingui­la
de outros objectos e seres do meio ambiente. Podemos dizer,
reproduzindo uma definição clássica, que o conceito é a
representação universal de alguma coisa ou realidade.

Os conceitos que temos vindo a referir ­ mesa, cão,


gato, casa, mar, etc. ­ são os conceitos objectivos. Outros não
correspondem a objectos materiais: único, difícil, grande, menor.
São os conceitos abstractos ou funcionais. A beleza, a justiça,
a bondade, a solidariedade, a lealdade... são conceitos
abstractos cuja aquisição é muito complexa.
APRENDIZAGEM DE RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS

Entre os problemas que se nos deparam, alguns só exigem, para a


sua resolução, o recurso à inteligência prática e resolvendo­os
através da manipulação física dos objectos. É o que acontece
quando procuramos, por exemplo, a chave de uma gaveta.

Contudo, para outros problemas que se nos colocam é necessário


recorrer a outros procedimentos: raciocínio lógico, associação,
eliminação de hipóteses, etc.’.

Já agora, tenta resolver este problema:

Serás capaz de percorrer estes 36 pontos:


* em dez segmentos de recta seguidos (sem
levantar o lápis);

* voltando ao ponto de partida;

* sem sair do quadrado delimitado pelos pontos.

BERLOQUIN, P., 100 jogos Geométi@cos, Gradiva, 1991, p. 33

Para resolver este problema, recorreste a uma série de regras que


provavelmente aprendeste em Matemática, ou em experiências
anteriores de resolução de problemas e jogos semelhantes e que te
permitiram encontrar a solução.

Em primeiro lugar, percepcionamos os dados do problema, os


elementos que o constituem. Compreendemos a sua dificuldade e
definimos os objectivos. Nesta etapa, identificamos o problema.
Em seguida, definimos e escolhemos estratégias para a sua
resolução. Depois de termos optado pelas que consideramos mais
adequadas, ensaiamo­las aplicando­as e, em seguida, avaliamos os
resultados’.

Contudo, muitas vezes este processo é mais complexo. Supõe que


tentaste resolver os problemas que te propusemos há pouco e não
conseguiste (se os queres resolver, de facto, resiste à tentação
de ir ver a solução)’. Sentes­te frustrado e
desistes temporariamente. Esta atitude pode conduzir a uma outra
via, de resolução que se designa por incubação. Enquanto estás
ocupado com outras actividades e resolves outros problemas,
surge­te de repente a solução, como uma iluminação, por insigbt*.

1 No processo de resolução de problemas intervêm múltiplas


variáveis, como a motivação e as experiências passadas.
As estratégias seleccionadas dependem da natureza do problema, do
estilo cognitivo da personalidade do sujeito.
2 ­ Alguns autores apontam quatro fases na resolução de
problemas: a preparação, a produção, o ensaio e a avaliação.
3 ­ Podes ver a solução na p. 349.
APRENDIZAGEM SOCIAL

Poderíamos dizer que faz parte do senso comum a afirmação de que


as pessoas, sobretudo as crianças, aprendem observando e imitando
os outros. Contudo, foi Albert Bandura que desenvolveu numerosas
experiências que fundamentaram a importância da aprendizagem por
observação, isto é, a
aprendizagem que resulta da interacção e da imitação social.

De acordo com este psicólogo, muitos dos nossos comportamentos


são aprendidos através da observação e imitação de um modelo ­
modelação ou modelagem. É pela observação que posso aprender a
serrar uma tábua, a abrir uma caixa, a ligar uma máquina, a
cozinhar, a pintar... Com certeza que precisamos de prática para
desenvolver estas aptidões, mas na base da sua aquisição está a
observação. De facto, grande parte da aprendizagem humana está
baseada na observação: o processo de socialização passa, como já
estudaste, necessariamente pela observação, imitação e
identificação com os modelos sociais (pais, professores,
amigos ... ).

Este tipo de aprendizagem pode ser seguido de reforço directo: a


criança, ao usar correctamente o talher, é elogiada, isto é, foi
reforçada por ter imitado um comportamento desejado. Mas Bandura
chama a atenção para o facto de a imitação de um adulto poder ser
estimulada se a criança observar que ele é elogiado por se ter
comportado de determinado modo ­ é o que o autor chama reforço
vicariante. A criança, se agir daquele modo, obterá aprovação
semelhante.

Poderíamos dar inúmeros exemplos que resultam da aprendizagem por


observação. Uma criança, que desde pequena está habituada a que
lhe leiam histórias, que lhe ofereçam livros, e cujos pais tenham
por hábito a leitura, tenderá a ler e a apreciar esta actividade.
Nas aulas, aprendes, quando observas o professor, a realizar
experiências, a resolver problemas. Sabes também que certos
comportamentos ­ como fumar ­ se iniciam por imitação dos adultos
ou pares. E até o medo, que muitos de nós temos, dos ratos e/ou
cobras, foi talvez adquirido, porque em crianças observamos o
horror que estes animais provocavam nos nossos pais.

Albert Bandura
No mundo dominado pelos meios de comunicação social, muito se
aprende através da observação dos programas transmitidos pela TV
e no cinema. Eventualmente, foi através da televisão que
observaste e começaste a dançar o rap!

Experiências mostram que bebés de 14 meses observam e imitam o


que vêem na TV, concretamente um adulto a desmanchar um brinquedo
simples. Estas constatações têm levado a que se desenvolvam
reflexões e estudos sobre o efeito da televisão, especialmente de
programas com conteúdos violentos, sobre o comportamento das
crianças. Estas tendem a imitar modelos, independentemente de a
conduta ser socialmente desejável ou não desejável.

EFEITOS DA APRENDIZAGEM POR OBSERVAÇÃO

De entre os efeitos da observação e imitação apontados por


Bandura e os seus colaboradores, destacamos:

efeito da modelação ou modelagem ­ o observador observa e imita o


modelo, adquirindo novas formas de resposta. Bandura desenvolveu
observações experimentais em que crianças dos 3 aos 6 anos (grupo
experimental) observaram adultos que gritavam e pontapeavam um
boneco insuflável. Mais tarde, quando as crianças brincavam com o
boneco, apresentavam duas vezes mais respostas agressivas do que
o grupo que não tinha assistido à cena (grupo de controlo);

efeito desinibitório e inibitório ­ para compreenderes estes


efeitos, recorremos a exemplos. Uma criança geralmente inibe a
agressividade porque este tipo de comportamentos é criticado
pelos pais, professores e outros adultos. Contudo, se estes
exibem comportamentos agressivos, a criança apresentará também
reacções agressivas atenuando­se assim a inibição anterior
(efeito desinibidor). Pode também ocorrer um efeito inibidor se o
modelo sofrer consequências negativas pelo seu comportamento. Um
aluno que vê o colega ser punido disciplinarmente por estar a ler
revistas durante uma aula inibe este COMportamento (efeito
inibidor).

São muitos os factores que influenciam a aprendizagem por


observação. A proximidade e o peso afectivo do modelo são dois
desses factores. Por isso, os pais, professores, amigos são os
modelos mais comuns. Concretamente, é muito referido o professor
como modelo de imitação: os temas que prefere da disciplina que
lecciona, os gostos e as preferências, as suas atitudes exercem
grande influência sobre os alunos.

A selecção dos modelos parece relacionar­se com o sexo e a idade:


é mais frequente a imitação de modelos do mesmo sexo e de idades
próximas. Também parece ser influenciada pelo estatuto dos
modelos escolhidos: são mais imitados os modelos que apresentam
estatuto social mais elevado e mais prestigiado. A
atenção é também um factor que intervém neste tipo de
aprendizagem: quanto mais atento o observador estiver ao
comportamento apresentado pelo modelo, mais eficaz será a
aquisição.

“A aprendizagem por observação pode ser definida pela modificação


do sistema de respostas de um indivíduo, através da observação de
uma sequência ( .. ), como se o próprio observador estivesse
envolvido nessa sequência de acontecimentos.

JOYCE

1) Descreve a sequência de um comportamento aprendido por


observação.

(2) Esclarece o conceito de reforço vicariante.

À luz das concepções de Bandura, explica a influência dos meios


de comunicação social no comportamento das pessoas.
FACTORES DE APRENDIZAGEM

São muitos os factores que influenciam a aprendizagem de formas


mais ou menos directas, mais ou menos conscientes e em graus de
abrangência e de importância diversos. Assim, poderemos referir:
motivação, idade, momento da vida, personalidade, inteligência,
estilos próprios de pensar’ e de sentir, aspectos relacionais,
familiaridade com os conteúdos, com a linguagem usada e projectos
de futuro... Outros factores relacionados com a escola
influenciam também a aprendizagem: representação da função social
da escola, experiência anterior, expectativas depositadas no
aluno, estratégias pedagógicas, relação professor­aluno, clima
existente na sala de aula, organização do espaço escolar...

Vamos apenas estudar alguns desses factores:

* Inteligência
* Motivação
* Aprendizagem anterior e experiência

Factores sociais

APRENDIZAGEM: INTELIGÊNCIA

Existe uma relação entre inteligência e aprendizagem,


sendo muitas vezes difícil separar uma actividade intelectual de
uma actividade de aprendizagem. Os sujeitos com capacidades
intelectuais “significativas”, normalmente, conseguem elaborar
raciocínios mais adequados, resolvem os problemas num
ritmo mais rápido e com menos erros e fazem melhores
transferências dos conhecimentos.

“O nível de inteligência de uma pessoa, tal como


é medido por um teste de inteligência, tem grande importância
para a sua facilidade em aprender. Na realidade, a inteligência é
definida por alguns psicólogos como uma medida da capacidade em
aprender “

MORGAN, C, T., Introdução à Psicologia, McGraw­Hiíl, 1978, p. 122


@£UH_, 4U

De facto, durante muito tempo foi atribuída à inteligência a


principal razão para justificar a facilidade ou dificuldade em
aprender. Não podemos esquecer que a Escala de Inteligência de
Binet­Simon, elaborada em 1904, pretendia medir a inteligência e
identificar quais as crianças que tinham quocientes intelectuais
mais baixos, relativamente às quais se previam dificuldades de
aprendizagem.
consideram­se estilos cognitivos as diferenças individuais, com
consistência na organização e funcionamento
intelectual, em que se interligam factores de personalidade.
Contudo à medida que se desenvolveram estudos sobre os processos
de ensino­aprendizagem, foi­se tendo consciência da inoperância
da correlação directa inteligência e resultados escolares ­, dada
a complexidade do problema.

Concretamente, as investigações desenvolvidas nos EUA pelos


psicólogos Rosenthal e Jacobson demonstraram que as expectativas
positivas e negativas do professor em relação aos diferentes
alunos tinham uma influência directa sobre as suas aprendizagens
e mesmo sobre o seu quociente intelectual (efeito de Pigmalião).

APRENDIZAGEM: MOTIVAÇÃO

A motivação tem sido definida como uma tensão interna que leva o
indivíduo a agir com dinamismo e empenho em determinada direcção.

Na vida corrente, justificamos muitos comportamentos pela


motivação: Ela aprendeu tão depressa a conduzir porque o desejava
muito; Para deixares de fumar, o importante é decidires que vais
mesmo fazê­lo; Quando estou motivada, sou capaz de estudar horas
afio; e ainda: Querer é poder; Quem porfia mata caça...

Na pedagogia*, a motivação tem sido muito considerada,


procurando­se técnicas de motivação para incentivar os alunos,
isto é, estimular a vontade de os alunos aprenderem.

A motivação pode ser incentivada por: factores internos­


(motivação intrínseca), isto é, pelo prazer de realização da
actividade, por se inserir num projecto pessoal, pelo prazer de
aprender, etc, Factores externos (motivação extrínseca) podem
constituir incentivos para a aprendizagem: avaliação,
recompensas, elogios, ganhos obtidos e castigos evitados,

A motivação pode ser, a curto prazo: Conseguir melhorar no


próximo teste de Geografia; ou, a longo prazo: Profissionalizar­
se em cabeleireiro... Pode­se também falar em motivação para
iniciar, continuar ou finalizar uma aprendizagem.

Poderemos dizer que a importância dada aos factores motivacionais


na educação mudou o clima existente na sala de aula, Assim,
passou­se a valorizar a apresentação dos materiais escolares e a
clareza da exposição dos professores, a importância de se
estimular a atenção do aluno, o clima de confiança onde os alunos
se sintam implicados, etc.

Os defensores da motivação na pedagogia chamam a atenção para a


importância de o aluno querer aprender, de ele ser activo no
processo de aprendizagem.
APRENDIZAGEM ANTERIOR E EXPERIÊNCIA

Poderemos dizer que a maioria dos assuntos a aprender não são


inteiramente novos e que têm mais ou menos relação com anteriores
aprendizagens. A experiência passada influencia profundamente as
aprendizagens, frequentemente mediatizada pela motivação do
sujeito. Nós interessamo­nos por assuntos que nos deram prazer.
Uma experiência agradável dá­nos confiança para aprendizagens
nesse domínio. As situações vivenciadas influenciam as nossas
atitudes face às aprendizagens, quer em relação aos conteúdos,
quer em relação aos métodos utilizados.

Vamos agora relacionar a importância das aprendizagens anteriores


no processo de transferência de conteúdos, processos e
habilidades para situações semelhantes ou idênticas.

A transferência de uma situação para outra pode facilitar ou


dificultar a nova aprendizagem. Uma transferência é positiva
quando a influência que exerce na futura aprendizagem é positiva.
Assim, a habilidade adquirida favorece actividades idênticas ­
aprender a andar de bicicleta favorece a aprendizagem de andar de
moto.

Uma transferência é negativa se inibir novas aprendizagens. Saber


andar de bicicleta dificulta a aprendizagem de andar de barco,
porque se queremos, por exemplo, virar à esquerda temos que virar
o leme para a direita.

APRENDIZAGEM: FACTORES SOCIAIS

Tem sido investigado o modo como a sociedade ­ valores,


aspirações, interesses, atitudes, religiões, organização política
­ marca a educação, influenciando as
grandes linhas educativas, os currículos, a formação de
professores, os recursos e as verbas disponibilizadas. A escola,
a forma como a aprendizagem é encarada são
influenciadas por factores sociais que não têm efectivamente
promovido uma igualdade de oportunidades para todos os alunos.
Vários estudos sobre o insucesso escolar salientaram uma relação
entre a taxa de reprovação e o meio social, económico e cultural
de origem dos alunos. Na realidade, existem subtis e não
conscientes formas de exclusão social (ver efeito de Pigmalião*,
p. 225).

A escola, enquanto instituição com práticas educativas, conteúdos


curriculares, normas e processos de socialização, linguagem e
outras formas de expressão, está mais perto da cultura de origem
de determinadas crianças ­ concretamente as dos meios
socioculturais favorecidos. Tem também sido estudado como a
própria origem social do professor influencia a comunicação com
os alunos e as expectativas de sucesso.

Parece­nos óbvio que crianças habituadas a ouvirem, sentadas, ler


histórias, quando vão para a escola estão mais adaptadas aos
materiais e ao clima da sala de aula, apresentando maior
capacidade de concentração. Sem querermos ser deterministas,
afirmamos que os antecedentes culturais criam, à partida,
diferenças entre os alunos.

Outro aspecto muito estudado nos anos 70 refere­se às diferenças


da herança linguística das crianças e de que modo esse factor
estabelece possibilidades de compreensão dos conteúdos escolares
e de comunicação diferenciados.

Embora estes factores sociais tenham suscitado um grande número


de investigações, nem sempre esta importância é visível e tida em
conta pelas pessoas, permanecendo uma tendência para se
considerarem as dificuldades em termos muito individualizados e
como reflexo de carências intelectuais: O meu filho não dá para
os estudos; Estes alunos têm dificuldades para aprender, não são
crianças muito dotadas...

A diversidade dos valores, interesses e atitudes das crianças de


diferentes meios familiares e sociais de origem pode trazer
conflitos e dificuldades entre os alunos quando o professor não
tem em conta e não aproveita pedagogicamente a dimensão da
heterogeneidade. A integração das diferenças socioculturais e
étnicas no grupo turma pode e deve contribuir para uma
valorização de todos os alunos.

Propomos­te que vejas o filme A Educação de Rito, de Lewis


Gilbert, e que respondas às questões:

(1) Identifica os factores que levam Rita a querer aprender.

(2) Regista as modificações no comportamento de Rita resultantes


da aprendizagem.
MÉTODOS DE APRENDIZAGEM

A aprendizagem pode processar­se por diferentes métodos. Vamos


abordar brevemente alguns desses métodos:

Distribuição da prática no tempo


Conhecimento dos resultados
Aprendizagem total e aprendizagem parcial
Aprendizagem programada

APRENDIZAGEM: DISTRIBUIÇÃO DA PRÁTICA NO TEMPO

O factor tempo é muito importante na aprendizagem pois existe uma


relação entre o tempo e os conteúdos aprendidos.

Os alunos criam hábitos e estratégias diferentes de estudo.


Assim, se reflectires nos teus hábitos e se perguntares a outras
pessoas, há quem divida a matéria a estudar por espaços regulares
de tempo e quem a estude de forma mais maciça.

Considera­se aprendizagem concentrada a que é feita intensamente,


sem intervalos, e que se opõe a uma aprendizagem espaçada, que se
faz distribuída num determinado período de tempo.

Tem sido estudado como, nas aprendizagens motoras (andar de


bicicleta, jogar ténis, guiar automóvel), nas aprendizagens
teóricas (aprendizagens de línguas estrangeiras, aprendizagens de
listas de palavras sem sentido ... ) se notam os efeitos
positivos do espaçamento, isto é, de uma aprendizagem repartida e
repetida no tempo.

A motivação que pode advir de uma aprendizagem concentrada com


vista a uma aplicação imediata tem sido apresentada como um
factor para a sua utilização.
Propomos­te que reflictas sobre a forma como distribuis o teu
estudo: de forma concentrada ou espaçada. Regista as vantagens e
os inconvenientes dos teus hábitos de trabalho.

Sabe­se também que o aluno, se souber o tempo de que dispõe para


as diferentes tarefas, consegue uma melhor organização mental e
um maior investimento no trabalho.
aprendizagem: CONHECIMENTO DOS RESULTADOS

Tem sido pesquisado como é importante para o educando saber o


resultado dos seus desempenhos, o conhecimento dos resultados.
Isto é tanto mais importante quando nem sempre a pessoa se
apercebe que errou e de que modo errou.

Há investigações que manipularam essa variável: situações em que


os alunos souberam os resultados e situações em que não souberam
os resultados. Concluiu­se que houve melhoria na realização de
aprendizagens no grupo de alunos que tiveram conhecimento dos
seus desempenhos.

Ter conhecimento dos resultados é sobretudo eficaz quando os


períodos de intervalo que medeiam o acontecimento e a retroacção
(feedback) são curtos.

As aplicações pedagógicas deste facto devem levar os professores


a devolver aos alunos os testes e os trabalhos e a dar
informações de forma clara, concreta e
de maneira que os estudantes percebam como deveriam ter
respondido.

APRENDIZAGEM TOTAL E APRENDIZAGEM PARCIAL

A questão da aprendizagem total e da aprendizagem parcial diz


respeito à apresentação dos conteúdos: como um todo ou dividido
em partes.

Os psicólogos behavioristas propõem a divisão do problema e da


tarefa em partes, considerando que tem vantagem as crianças
confrontarem­se com matérias de forma mais acessível e, portanto,
com mais possibilidade de êxito. Em contrapartida, os psicólogos
cognitivistas defendem uma apresentação da matéria como um todo’.

Os professores têm verificado que, muitas vezes, o que é


aprendido nas partes não é automaticamente transferido para o
todo da matéria, sentindo a necessidade de fazer entender a
relação dos assuntos com a estrutura de conjunto. Quando o
conteúdo é demasiado extenso, tem­se sugerido dividi­lo em
unidades com significado e independentizadas; o mesmo processo
pode ser utilizado quando a ligação parte­todo não é facilmente
aprendida.
Evidentemente, a quantidade de conteúdos a
ensinar, e a ligação a estabelecer entre o todo e as partes,
deverá ser diferente de estudante para estudante, devendo­se ter
em conta factores como idade, maturidade, inteligência, motivação
do aluno, bem como a experiência anterior de aprendizagem. Mas,
apesar destas possíveis adaptações, defendemos que o educando
deve entender a temática da unidade e a sua coerência global.
Bruner considera a necessidade de o tema ser abordado como um
todo coerente e significativo para o aluno; Ausubel privilegia a
apresentação da organização dos conceitos com uma sequencialidade
articulada com as partes que lhe estão subordinadas.
APRENDIZAGEM PROGRAMADA

Foi na Universidade de Harvard que Skinner, com Fred Keller e J.


Holland, desenvolveu um método baseado no condicionamento
operante e designado por aprendizagem programada.

De acordo com esta concepção, a aprendizagem de qualquer tarefa


complexa deve ser dividida em pequenas etapas. Aquele que aprende
deve, por outro lado, conhecer o resultado do seu trabalho
devendo as suas respostas ser objecto de reforço imediato.

Para apoiar este tipo de aprendizagem, recorrer­se­ia a livros de


textos adequados a uma aprendizagem progressiva: os manuais
programados são formados por problemas, por questões apresentadas
segundo uma ordem de dificuldade crescente. As questões são
encadeadas, isto é, a resposta a uma pergunta utiliza os
conhecimentos da que acaba de ser aprendida. As conexões entre os
conteúdos são claras, sendo as noções deduzidas umas das outras.
O estudante não se limita a ler um texto corrido onde a matéria é
exposta: responde com frequência a questões, o que torna a
aprendizagem mais motivadora. O aluno, ao responder às perguntas
e ao conhecer rapidamente o seu resultado, reconhece o que
aprendeu e
aquilo que não sabe, podendo ficar mais interessado, mais
empenhado. Este retorno (feedback) imediato é um elemento que
estimula e motiva a aprendizagem.

Um dos aspectos centrais da aprendizagem programada consiste em


permitir que os alunos progridam a velocidade e ritmo próprios.
Os programas são dados individualmente aos alunos, podendo cada
um deles trabalhá­los mais ou menos rapidamente. O ritmo de cada
aluno é assim respeitado. Neste aspecto, o ensino programado
distingue­se claramente de uma aula tradicional em que os mesmos
conteúdos são dados ao mesmo tempo para todos os alunos da turma.

O ENSINO ASSISTIDO POR COMPUTADOR

O ensino assistido por computador (EAC)’ começou por utilizar


programas que, seguindo as perspectivas de Skinner, serviam para
resolver problemas, fazer exercícios, sendo utilizados como apoio
suplementar de diferentes áreas disciplinares dos currículos
escolares.

Com o desenvolvimento da tecnologia informática e o aparecimento


de novas concepções sobre a aprendizagem ­ concretamente as
teorias construtivistas ­ surgiu um novo tipo de software
educativo. Os programas rígidos são substituídos por programas
flexíveis em que o aluno desempenha um papel activo: é através
das escolhas que vai fazendo (e que têm em conta o que ele sabe)
que, por exemplo, um conceito é descoberto. A exploração do
programa é pessoal, o que explica que um mesmo programa possa
conduzir a aprendizagens diversificadas.

F1 ­ Em inglês CAI ­ Computer Assisted Instruction.


Os novos programas têm em conta não só o nível intelectual dos
alunos mas também as suas expectativas, o seu modo de saber e
procurar informação. Daí falar­se em programas interactivos que
permitem o diálogo do aluno com o sistema, que valorizam a
resolução de problemas e estimulam a descoberta.

O computador é encarado como um recurso que estimula a autonomia


e a iniciativa do aluno. Esta ferramenta flexível, a
operacionalizar pelos professores com os alunos, é cada vez mais
um instrumento de insuspeitadas possibilidades. O acesso a
grandes bancos de dados (livros, revistas, jornais, filmes),
através das redes de comunicação, tende a vulgarizar­se, o que
trará óbvias consequências ao processo ensino­aprendizagem.

A dicotomia professor/computador não faz sentido. Cabe ao


professor interligar em totalidades significativas as
aprendizagens fornecidas e/ou potencializadas pelo computador.

“O bom ensino exige duas coisas: é necessário dizer aos alunos o


que está bem e o que está mal, e, quando o que fazem está bem, há
que os orientar de modo a dar o passo seguinte.

SKINNER

Identifica, no texto, os princípios e características do ensino


programado.

De entre o software educativo existente na tua escola escolhe um


programa. Analisa­o, identificando as vantagens que tem para a
aprendizagem.
CONCEITO DE MEMÓRIA

“O que é o presente? É uma coisa relativa ao passado e ao futuro.


É uma coisa que existe em virtude de outras coisas existirem.

ALBERTO CAEiRo

Não podemos pensar a vida humana sem memória, É graças à


capacidade de reter o que aprendemos que lemos este texto, que
abotoamos o casaco, que ligamos o rádio, que reconhecemos os
nossos familiares e amigos... É a memória que nos dá o sentimento
de identidade pessoal: as experiências vividas, acumuladas e que
reconhecemos como nossas constituem o nosso património pessoal
que nos distingue dos outros e nos torna únicos. Por isso,
Georges Gusdorf afirma: ‘A memória constitui uma espécie de
retrato do que somos, composto com os traços do que fomos”.

A mitologia grega reflecte a importância dada desde sempre à


memória: Mnemósina, filha de úrano, era a deusa da memória e mãe
das nove musas que presidiam às letras, ciências e artes. No
século IV, Aristóteles, na sua obra Da Memõda e da Reminiscência,
distingue a faculdade de conservar o passado (memória
propriamente dita) da faculdade de o evocar voluntariamente
(reminiscência).

Ao longo do tempo, especialistas procuraram desenvolver a memória


através da repetição e de técnicas, pondo­a, a maior parte das
vezes, ao serviço da retórica. Magos, feiticeiros e alquimistas
procuraram, ao longo dos tempos, substâncias que aumentassem o
poder desta faculdade.
Podemos então definir a memória como um processo cognitivo que
compreende a retenção e a recuperação da informação. É um sistema
aberto em que a informação entra (aquisição), é armazenada
(retenção), podendo depois ser recuperada (recordação).
Recorrendo ao modelo informático’, poderilamos apresentar estas
três fases como uma sequência:

ENTRADA (input)
ARMAZENAMENTO/PROCESSAMENTO
SAíDA (outPut)

Voltemos ao questionário inicial: se não respondeste a alguma


questão, tenta identificar o motivo. Ou não adquiriste
informação, ou esta não ficou retida, ou o
problema é de recuperação, de recordação.

É de notar que, no questionário, reportámo­nos apenas à memória


de aconteCimentos vividos por ti, ou de conhecimentos gerais que
aprendeste. Contudo, há uma memória do saber­fazer que se refere
ao conhecimento do funcionamento dos
objectos: abriste o caderno, aguçaste o lápis, usaste a borracha
para apagar uma resposta, etC.2

@I ­ N. computador, é através dos dispositivos de entrada


(teclado, rato, scanner, sensores ... ) que a informação entra
no sistema de memória onde é armazenada. A informação é
processada por programas adequados cujos resultados são
disponibilizados através dos dispositivos de saída (monitores,
impressoras ... ).
2 ­ Este tipo de memória é designado por Tulving (1985) por
memória procedimental, isto é, a memória do saber­fazer;

a memória do saber, de acontecimentos específicos e gerais, seria


a memória declarativa.
TIPOS DE MEmóRIA

São os nossos receptores sensoriais que captam as informações do


meio ambiente. Estes dados são codificados e retidos por um
período de tempo que pode variar entre escassos segundos ou
uma vida inteira. Por isso, grande parte dos autores distinguem
três tipos (ou subsistemas) de memória’, baseados em três formas
de armazenamento da informação:

memória sensorial
memória a curto prazo
memória a longo prazo

MEMÓRIA SENSORIAL

É pelos sentidos que as informações entram no sistema da memória.


As entradas (inputs) sensoriais são mantidas armazenadas durante
fracções de segundo: a informação sensorial do estímulo (visual,
auditivo, táctil ... ) mantém­se após o seu desaparecimento por
um curtíssimo espaço de tempo. Podemos assim referir vários tipos
de memória sensorial: visual, auditiva, olfactiva, táctil,
gustativa... De entre as memórias sensoriais, as mais estudadas
são a visual e a auditiva.

A memória visual é também designada por memória icónica. O ícone


é o registo visual que contém a informação.

É graças a este tipo de memória que


percepcionamos o movimento quando vemos um filme, porque retemos
durante um curto espaço de tempo as imagens, o que nos permite
ligar os diferentes fotogramas.

É graças à memória auditiva ou memória ecóica que compreendemos o


que ouvimos, dado que retemos por um curto período de tempo a
informação auditiva. É esta retenção que nos permite ligar as
frases que constituem um discurso. Designa­se por eco o traço
sensorial de um som específico.

Os sistemas da memória sensorial são, como vês, elementos do


processo perceptivo, são imagens perceptivas. Os seus materiais
ou são perdidos ou, se prestarmos atenção, são processados no
armazenamento a curto ou a longo prazo.

Vamos centrar a nossa abordagem sobre a memória humana. Contudo,


já tiveste oportunidade de constatar, ao estudar a aprendizagem,
que os animais têm memória. No entanto, é uma memória que não
lhes permite evocar o passado para o representar.
MEMóRIA A CURTO PRAZO

A memória a curto prazo’ designa, como o nome indica, o


armazenamento da informação, por um período de alguns segundos
após o desaparecimento do estímulo’. Corresponde a um segundo
armazenamento da memória sendo mais durável e mais controlada
pelo sujeito do que a memória sensorial. É este tipo de memória
que utilizamos em situações que reconheces da tua experiência:
queres reservar bilhetes para um concerto e procuras na lista o
número do telefone da agencia. Reténs o número, repetindo­o
mentalmente, o que te permite fazer o
telefonema. Se, passada uma hora, um amigo teu o pedir,
provavelmente não o recordarás...

A capacidade da memória a curto prazo é pequena, sendo poucas as


informações que podem ser percebidas conscientemente ao mesmo
tempo. Ebbinghaus (1850­1909), nos estudos que desenvolveu
utilizando sílabas sem sentido ZUF, RIF, TAF, etc.), apresentou
como limite sete unidades (podendo variar em mais ou menos duas).
De notar que, neste tipo de memória, funcionam as leis do
agrupamento da percepção. Assim se explica que sejamos capazes de
reter maior número de itens. Constata­se que se podem reter mais
ou menos conjuntos ou agrupamentos. É a partir desta constatação
que, por exemplo, os números de telefone de valor acrescentado
são anunciados desta forma: 720 380.

Apesar de a capacidade da memória a curto prazo ser pequena, o


caudal de informação que flui no período de uma hora é enorme. É
o material da memória a curto prazo que fornece a informação
sobre a qual se desenvolve a aprendizagem, o raciocínio, a
imaginação...

Parte dos materiais da memória a curto prazo é transferida para a


memória a longo prazo.

Este tipo de memória é também designado por memória do trabalho,


memória operacional ou memória activa.
2 ­ O tempo de armazenamento depende de múltiplas variáveis: do
sujeito, do material a reter, do tipo de apresentação..
3 ­ Estas leis foram enunciadas pelos gestaltistas.
MEMÓRIA A LONGO PRAZO

A memória a longo prazo permite conservar dados, informações


adquiridas, durante dias, meses, anos e até durante toda a vida.
É graças a este tipo de memória que somos capazes de ler, de
reconhecer trajectos, de identificar pessoas conhecidas, de
recordar episódios da nossa infância. Podemos até afirmar que a
sua duração é ilimitada.

A memória a longo prazo contém dados que têm origem na memória a


curto prazo. Para ser armazenada, a informação sofre um processo
de transformação, ou seja, é codificada. Existem vários tipos de
códigos, sendo os mais estudados os que estão relacionados com a
linguagem e com a imagem.

Durante muito tempo foi valorizada a codificação através das


representações verbais; contudo, com o desenvolvimento dos meios
audiovisuais, tem­se intensificado a investigação sobre a
memorização através das imagens’. O facto de este
tipo de memorização ser superior à que se processa pela linguagem
­ Uma imagem vale mais do que mil palavras ­ deve­se à
circunstância de uma figura ser sujeita a uma dupla codificação
(um código de imagem e um código verbal).
O código semântico armazena o sentido das coisas relacionando os
objectos com as palavras. É uma codificação segundo o sentido.

1 ­­o código imagético produz uma síntese de imagens: ao


recordares o edifício da tua escola do 1.1 ciclo, reconhece­lo
sob diferentes ângulos. O mesmo se passa quando evocas o rosto de
um amigo, a praia onde passas as férias, etc.
O processo de codificação envolve, em muitos casos, o contexto em
que ocorre o acontecimento ou facto, O texto que se segue aborda
esta relação:

‘A facilidade de recordação está, por outro lado, relacionada com


o grau de correspondência entre o contexto de codificação e o
contexto de evocação, entre a forma como o conhecimento é
armazenado na memória e a forma como é recuperado. Este
princípio, designado por especificidade da codificação, permite
compreender fenómenos quotidianos, como, por exemplo, não
reconhecer uma pessoa num contexto diferente daquele em que foi
inicialmente codificado na memória. Outra forma de influência do
contexto diz respeito ao grau em que o estado físico pode afectar
a recordação. Também aqui o esquecimento é menor sempre que a
aprendizagem e a evocação têm lugar nas mesmas condições físicas
e psicológicas. Um acontecimento é recordado mais facilmente se a
pessoa
voltar a sentir o mesmo estado emocional que experimentou durante
o episódio da aprendizagem.”

JESUínO, op. cit, p. 214


Quadro 20 ­As características dos diferentes tipos de memória

Tipo de memória

Função Duração

Capacidade
O
Memória sensorial
O
Muito grande e Criação Muito breve
proporcional à capacidade de informações (0,2 a 2
seg.) dos receptores.

Memória a curto prazo (MCT)

Fixação 20 a 30 segundos De 7 ± 2 elementos

Memória a longo prazo (MLT)

Ficheiro Ilimitada
Ilimitada
O
Godefroid, J., Lesfondements de Ia psychologie, Études Vivantes,
1993, p. 483

entro nos domínios e nas vastas câmaras da memória, onde estão


guardados os tesouros de imagens sem conta...

Uma vez no armazém, peço que me tragam aquilo que pretendo:


algumas coisas aparecem de imediato, outras têm de ser procuradas
durante mais tempo e é como se tivessem de ser desenterradas de
algum receptáculo oculto. “

SANTO AGOSTINHO

(1) Este texto é um extracto do livro Confissões (séc. IV). Tenta


relacionar as concepções do autor com os conceitos de memória que
aprendeste.

‘Se a aprendizagem é uma mudança de comportamento, cabe à memória


a retenção dessa mudança (ela é o suporte de todos os processos
de aprendizagem).

WOODWORTH

(1) Comenta o texto relacionando aprendizagem e memória.

(2) O teu relógio parou. Perguntas a um teu colega as horas e


acertas o relógio. Esta actividade que tipo de memória requer?
justifica a resposta.
Consulta nas primeiras páginas de uma lista telefónica os números
dos bombeiros, polícia, hospitais, etc. Explica qual a razão do
agrupamento dos algarismos.
mEMÓRIA E ESQUECIMENTO

“Uma boa memória é útil, mas também o é a capacidade de esquecer.


MYERS

Não podemos falar de memória sem falar de esquecimento. Na


conversação corrente, o esquecimento aparece como um defeito,
como o inverso da memória. Contudo, podemos dizer com William
james: se recordássemos tudo, estaríamos tão mal como se não
recordássemos nada.
O esquecimento não pode ser encarado como uma lacuna da memória,
como uma doença. Ele é condição da própria memória: é porque
esquecemos que continuamos a reter. O esquecimento tem uma função
selectiva dado que, numa dada situação, afasta materiais que não
são úteis ou necessários. Aliás, ocorre nos diferentes níveis da
memória, como viste no esquema da p. 237.

FACTORES QUE EXPLICAM O ESQUECIMENTO

Desde sempre os seres humanos procuraram explicar o esquecimento,


isto é, a incapacidade de reter, recordar ou reconhecer uma
informação. Várias teorias foram, ao longo do tempo, sugerindo
explicações para o processo de perda do material memorizado. As
diferentes propostas de explicação apresentaram diferentes
factores para explicar o esquecimento.

Hoje constata­se que o esquecimento não é produto de apenas um


factor mas da interacção de vários factores.

Desaparecimento e alteração do traço mnésico Interferências de


novas aprendizagens Motivação inconsciente

O DESAPARECIMENTO E ALTERAÇÃO DO TRAÇO MNÉSICO

“( .. ) com o tempo, um princípio de entropia* corrói a


recordação, que fica como que roída pela traça, lacunar, se
desfia e, in extremis, quando a queremos reconstituir passados
tantos anos, só nos restam bocados incertos... “

Morin, E., As Grandes Questões do Nosso Tempo, Notícias, 1987, p.


17

Uma das hipóteses mais partilhadas para explicar o esquecimento


reside no desaparecimento do traço mnésico devido à passagem do
tempo. O esquecimento teria origem na perda de retenção provocada
pela não utilização dos materiais armazenados. O traço
enfraqueceria devido à falta de exercício.

Apesar de ser a explicação mais antiga, não se


pode reduzir o esquecimento a este factor: as aprendizagens
motoras (andar de bicicleta, por exemplo) resistem à falta de
exercício, sendo dificilmente esquecidas. Por outro lado,
recordamos com muita nitidez acontecimentos que ocorreram num
período da nossa vida, esquecendo outros factos que nos
aconteceram na mesma época.
Para muitos, o esquecimento teria origem fundamentalmente na
deformação dos conteúdos retidos. Uma das fontes de distorção
seria produto de atribuição aos materiais armazenados na memória
de designações desadequadas. Daí não ser
possível recordar com exactidão materiais aos quais foram
atribuídos significados inexactos.

Recentes investigações apontariam para o facto de grande parte


das deformações ocorrerem na forma como percepcionamos os
acontecimentos e não numa mudança no traço da memória.

INTERFERÊNCIAS DE NOVAS APRENDIZAGENS

Um dos factores que explicaria o esquecimento resultaria da


interferência de aprendizagens na retenção de outras
aprendizagens.

Foram desenvolvidas pesquisas experimentais procurando


identificar o efeito que a aprendizagem de uma unidade ou item
pode ter na recordação de um item semelhante.

Geralmente, distinguem­se duas formas de interferência: inibição


proactiva e inibição retroactiva:

inibição proactiva ­ corresponde à influência negativa que a


aprendizagem anterior tem sobre a recordação de uma nova
informação. Se aprendemos dois tipos de tarefa ­ A e depois B ­,
a natureza de A pode influenciar a recordação de B. Se, por
exemplo, uma pessoa perder o seu cartão multibanco e depois
receber um novo, o código do cartão perdido pode influenciar,
interferir, na recordação do novo código;

inibição retroactiva ­ corresponde ao efeito negativo que a


informação nova tem sobre a anterior: a tarefa B inibe a
recordação da tarefa A. Neste caso, o
processo de interferência aumenta com o exercício. Retomemos o
exemplo anterior: depois de uma pessoa usar o cartão várias vezes
com o novo código, tem dificuldade em recordar o código anterior.

Muitos autores consideram que o esquecimento seria provocado mais


por influência das interferências do que do enfraquecimento do
traço mnésico. Daí relacionarem o melhor desempenho quando as
aprendizagens são seguidas de intervalos em que o sujeito dorme.

O que foi dito não nos pode levar a concluir que o efeito das
interferências é só negativo. Como já vimos, os conhecimentos
anteriores podem facilitar novas aprendizagens: saber andar de
bicicleta facilita aprender a andar de mota; o conhecimento do
latim facilita a aprendizagem do francês, etc.
O ESQUECIMENTO E MOTIVAÇÃO INCONSCIENTE

Freud’ apresenta uma explicação para o esquecimento baseada na


noção de recalcamento: o sujeito esqueceria acontecimentos
traumatizantes que teriam ocorrido. As recordações dolorosas eram
inibidas, mantendo­se recalcadas no inconsciente. O esquecimento
teria, portanto, um carácter selectivo: acontecimentos,
representações geradoras de angústia e ansiedade, não aceites
pelo sujeito, seriam reprimidas, mantendo­se na zona inconsciente
do psiquismo. Submersas, manteriam o seu potencial dinâmico
influenciando o comportamento do indivíduo. A resistência, que se
opõe a que estas lembranças se tornem conscientes, impede a
sua evocação.

Será no contexto do tratamento psicanalítico que o analista


procurará levar o indivíduo a tornar consciente o material
esquecido.

Freud vai chamar a atenção para um aspecto particular de


esquecimento: a aninésia infantil, As primeiras recordações da
infância não seriam acessíveis ao sujeito dado que eram
constituídas por conteúdos relacionados com uma sexualidade
infantil. Freud refere que muitas das recordações da infância são
produto de uma reconstrução dado serem formadas pelos relatos dos
pais e familiares. As recordações “verdadeiras poderiam ser
recuperadas, revividas, durante o tratamento analítico, com a
ajuda do psicanalista.
aconselhamos­te a que revejas as concepções de Freud nas pp. 25 e
ss.
Freud vai também analisar os pequenos esquecimentos que
atravessam a nossa vida quotidiana: lapsos, esquecimentos de
palavras, de nomes, de datas, objectos, estariam relacionados com
motivos inconscientes, São os actos falhados a que Freud, como já
estudaste, atribui significado.’

O esquecimento não pode ser explicado apenas por um factor, antes


resulta da convergência de diferentes factores.

“Como todas as coisas do Universo, a memória sofre a degradação e


a desintegração, o que se chama esquecimento. A diminuição
da memória é ininterrupta. A própria memória tende a tornar­se
lacunar, incorrecta, enganadora. Além disso, como vimos, sofre
profundamente o efeito das forças de recalcamento, que sam a
recordação incómoda 1e das forças de transfiguração e
mítologização, que legendarizam a recordação.

EDGAR MORIN

(1) Explica, a partir do que estudaste, de que formas a memória


se pode tornar ­lacunar, incorrecta, enganadora”.

Identifica a concepção a que se reporta a frase sublinhada.

Os objectos representados nesta página foram provavelmente muito


usados pelos teus pais e/ou avós. Propomos­te que lhos mostres e
que lhes peças que te relatem o modo como os usavam bem como
experiências e vivências a eles associadas.

A MEMÓRIA, AS MEMóRIAS

Acabaste de estudar diferentes interpretações sobre o


esquecimento. Contudo, convém assinalar que a informação retida,
e que tens possibilidade de evocar, não é reproduzida fielmente
quando é recordada. As recordações são reconstruídas, isto é, as
informações sofrem modificações, produto de múltiplas variações:
o tempo, as experiências e vivências do sujeito, a motivação,
factores emocionais e afectivos...

O texto que transcrevemos é uma contribuição para compreenderes


melhor o processo de reconstrução do passado individual e
colectivo.

“A meio caminho do social e cognitivo certos estudos mostram que


o indivíduo reconstrói a sua própria história, num sentido que
lhe é favorável. Como diz Elisabeth Loftus, ‘a nossa memória
sofre de um complexo de superioridade’. Num artigo intitulado'C)
ego totalitário’, Antbony G. Greentvaldpõe em evidência três
tipos de manipulações da percepção da realidade (e mais
particularmente das recordações), visando assegurar­nos a melhor
imagem possível de nós próprios; consideramo­nos melhor do que os
outros e desempenhando um papel social mais importante; temos
tendência afazer jogar os sucessos a nosso favor e a recusar uma
responsabilidade nos fracassos (por exemplo, os condutores de
automóveis são frequentemente renitentes em reconhecer que
estiveram na origem de um acidente); procuramos geralmente
preservara justeza da nossa maneira de pensar, mesmo deformando a
realidade (por exemplo, pode acontecer que modifiquemos uma
recordação afim de que possa estar mais de acordo com a nossa
situação ou as nossas convicções actuais).

Esta tendência do indivíduo em reconstruir o passado em função do


presente manifesta­se igualmente no seio dos grupos sociais. A
sociologia da memória colectiva estuda o modo como as sociedades
‘comemoram’ os factos notáveis. Os acontecimentos passados são
modificados, intencionalmente ou não, provavelmente para que o
grupo social possa manter a sua coesão interna. Nível de.
responsabilidade, número de mortos... são reduzidos ou aumentados
de acordo com o lado de onde se fala. Os manuais escolares são
muitas vezes testemunhos impassíveis desta reescrita do passado,
que por vezes pode mesmo conduzir a uma verdadeira amnésia
colectiva.
LECOMTE, j_ “La méraoire déchiffrée”, Sciences bumaines, n.’ 43,
1994, p. 19
Concluímos este capítulo com alguns textos que se reportam à
memória, às memórias.

“Sem memória esvai­se o presente que simultaneamente já é passado


morre. . Perde­se a vida anterior, E a interior, bem entendido,
porque sem referência do passado morrem os afectos e os laços
sentimentais. E a noção do tempo que relaciona as imagens do
passado e que lhes dá a luz e o tom que as datam e as tornam
significantes, também isso. Verdade, também isso se perde porque
a memória, aprendi por mim, é indispensável para que o tempo não
só possa ser medido como sentido. “

PIRES, J. Cardoso, De Profundis, Valsa Lenta, Dom Quixote, p, 25

“Dos meus primeiros anos não consigo ter mais do que uma
impressão confusa: qualquer coisa de vermelho, preto e quente. O
apartamento era vermelho, e vermelhos eram também o tapete de lã,
a sala de jantar Henrique II, a seda estampada que disfarçava as
portas envidraçadas e as cortinas de veludo do escritório do meu
pai. Os móveis desse antro sagrado eram de pereira escura. Ali
encoIbía­me no nicho cavado sob a escrivaninha e deixava­me ficar
no escuro. Aquilo era sombrio e era quente e de novo o vermelho
do tapete berrava aos meus olhos. Assim passei a minha primeira
infância: olhava, apalpava, aprendia o mundo dentro daquele meu
abrigo, “

BEAUVOIR, S., Memórias de uma Menina Bem Comportada, Bertrand,


1982, pp. 9­10

“Um dia compreendi a importância que teve para mim o Campo


Alegre’: o sítio, o cheiro, a vista, as árvores. Foi a fragrância
quem me recebeu primeiro, facilitando­me no vaivém da ondulação
distinguir as plantas e a terra que as recolhe. Lembro­me das
pessoas que passavam por mim, das caras que faziam e do mundo a
que recolhiam no desaparecer do virar da rua. Eram histórias
banais que elas contavam, ninharias de quem sofre para subsistir
e se preocupa no dar os bons­dias e as boas­noites. “

RUBEN, A., O Mundo à Minha Procura, vol. 1, Assírio e Alvim,


1992, p. 13

O autor viveu a sua infância e adolescência na Rua do Campo


Alegre, na casa que hoje está integrada no jardim Botânico da
cidade do Porto.
“Relembro. Uma grande mesa oval resplandecente de brancura,
cristais, reflexos de louça, dois grandes candeeiros de globos
pálidos, e fora, pelos espaços da noite nua, uma memória grande
de paz. Um longo abraço, quente de ternura, sufoca­nos a todos na
procura de um refúgio, de uma alegria perdida quando? onde? o
sonho não é de nunca, O que é vivo, o que é real é aquela ceia
vulgar, com uma sopa, várIos pratos, doces e uma necessidade de
preencher os espaços de silêncio como o que bá de único na bora e
não sabemos e nos foge. “

FERreIRA, V., Aparição, Bertrand, 1994, p. 19

“Cresci nos subúrbios de Lisboa, em Benfica, então quintinhas,


travessas, casas baixas, a ouvir as mães chamarem ao crepúsculo;
­ Víiiiiiiitor­ num grito que, pai­tido da Rua Ernesto da Silva,
alcançava as cegonhas no cume das árvores mais altas, e afogava
os pavões no lago sob os álamos. Cresci junto ao castelíto das
Portas que nos separava da Venda Nova e da Estrada Militar, num
país cujos postos fronteiriços eram a drogaria do senhor jardim,
a mercearia do Careca, a pastelaria do senhor Madureira e a
capelista Havaneza do senhor Silvino, e demorava­me, à tarde, na
oficina de sapateiro do senhor Florindo, a bater sola num
cubículo escuro rodeado de cegos sentados em banquinhos baixos,
envoltos no cheiro de cabedal e miséria que se mantém como único
odor de santidade que conheço. A dona Maria Salgado, pequenina,
magra, sempre de luto, transporta a Sagrada Família, numa caixa,
de vivenda em vivenda, e os meus avós recebiam na sala, durante
quinze dias, essas três figuras de barro numa redoma embaciada,
que as criadas iluminavam de pavios de azeite,

A. L., Público Magazine, 17­1­93

Palavras­ aquisição, esquecimento, recordação, retenção.

Propomos­te que vejas o filme Cinema Paraíso, de Roberto Benigni.


Reflecte e discute com os teus colegas as diferentes memórias
presentes no filme: a memória da
infância e juventude do protagonista, a memória de uma época e
também a memória do cinema.
MOTIVAÇÃO

“o HOMEM É UMA CRIAÇÃO DO DESEJO, NÃO UMA CRIAÇÃO DO NECESSÁRIO.”

A concepção mais antiga e mais partilhada pelo senso comum é a de


que o ser humano é um ser racional. As opções, as decisões e a
sua acção seriam orientadas pelo pensamento. Nas Paixões da Alma,
Descartes considera que é a razão ­ a vontade ­ que controla as
inclinações animais e nos torna humanos.

É a partir da teoria evolucionista de Darwin que se começam a


desenvolver concepções científicas sobre a motivação. Darwin
defendia que um conjunto de comportamentos humanos e animais era
inato*. Para além dos reflexos*, as espécies estavam dotadas
geneticamente de padrões fixos de comportamento, os instintos,
que asseguravam a adaptação e a sobrevivência dos organismos: a
fuga face a uma situação de perigo, a fome, a reprodução, mas
também o gregarismo, a curiosidade.
Entretanto, os dados da antropologia cultural contribuíram para
pôr em causa a concepção que defendia a universalidade destes
comportamentos: as motivações humanas não são comuns a todas as
culturas e não se exprimem do mesmo modo.

É Robert Woodworth, em 1918, quem defende que o comportamento é


dirigido por impulsos que partem do sujeito, do organismo.
Apresenta o conceito de impulso que passa a designar a energia
que impele o organismo para a acção.

Se as teorias baseadas no conceito de impulso são adequadas para


explicar certo tipo de comportamentos, não permitem a compreensão
de condutas que não visem o equilíbrio orgânico e que envolvam
processos cognitivos e afectivos. E é sobre os comportamentos
mais complexos que as mais recentes teorias se vão debruçar ­ a
motivação para o sucesso, a necessidade de realização, o desejo
de conhecer, a elaboração e concretização de projectos...

O estudo da motivação é central em psicologia, dado que é um dos


factores mais influentes nas atitudes e no comportamento, estando
subjacente a vários processos psicológicos como aprendizagem,
pensamento, memória, esquecimento, percepção, emoções,
personalidade...

Conceito de motivação e ciclo motivacional

Tipos de motivação: inatas/fisiológicas, combinadas e


aprendidas/sociais

Se reflectirmos sobre alguns dos nossos comportamentos, será mais


fácil compreender o conceito de motivação: comemos, bebemos,
dormimos, procuramos a companhia dos outros e o seu afecto. No
local de trabalho, nas aulas ou no grupo de amigos, esperamos que
nos apreciem e que as nossas opiniões e comportamentos sejam
aprovados e reconhecidos.

Estes e outros comportamentos têm origem numa força interna que


predispõe as pessoas a desenvolver uma acção com vista a um
objectivo: o alimento, a bebida, o sexo, o prestígio, a aprovação
social, o afecto, etc. Poderemos utilizar o termo motivação para
designar o aspecto dinâmico do comportamento dirigido a um
objectivo. A motivação será um conjunto de forças que mobilizam e
orientam a acção de um organismo em direcção a determinados
objectivos. Segundo alguns autores como, por exemplo, J. Nuttin,
a motivação dirige a acção para uma categoria de objectos que
satisfazem a necessidade.

«O que torna dinâmica a relação que une o indivíduo ao seu


ambiente é o facto comprovado de que o ser vivo, em geral, e a
personalidade humana, em particular, não sã o indiferentes aos
objectos e situações com os quais se relacionam: certas formas de
contacto e de interacção são preferidas a outras; algumas são
procuradas e mesmo ‘requeridas para o funcionamento óptimo do
indivíduo; outras, pelo contrário, são evitadas e aparentemente
nocivas. Por outras palavras, o fenómeno fundamental da motivação
manifesta­se no funcionamento comportamental e consiste no facto
de o organismo se orientar activamente e deforma preferencial em
direcção a
certas formas de interacção, a tal ponto que determinadas
categorias de relação com certos tipos de objectos são requeridas
ou indispensáveis ao seu funcionamento.

NUMN, J., 7heoi@e de Ia motivation bumaine, PU, 1985, pp. 15­16

Os diferentes objectos do meio não são encarados pelo indivíduo


de igual modo. Uns são preferidos, outros recusados, alguns são
indiferentes. Por outro lado, são sentidos e vividos de forma
diferente pelos diferentes indivíduos.
CICLO MOTIVACIONAL

O motivo é o estado do organismo pelo qual a energia corporal é


mobilizada e dirigida a determinados elementos do meio; é a razão
que leva o organismo a agir. Ao falarmos de motivo, teremos de
referir as suas componentes: a necessidade e o impulso.

É a experiência da necessidade ­ estado de falta fisiológica ou


psicológica ­ que origina o impulso. Este é o processo interno
que incita a pessoa à acção, isto é, ao
conjunto de comportamentos que permitem atingir o objectivo. O
impulso termina quando a meta, o objectivo, é alcançada. É com a
satisfação da necessidade que o motivo deixa de orientar o
comportamento.

“Tecnicamente, então, o défíce interno (necessidade) empurra a


pessoa para a acção (impulso), aproximando­a ou afastando­a de
uma meta específica.

SPRINTHALL e SPRINTHALL, op. cit, p. 506

Tomemos o exemplo de um comportamento motivado: a sede. É a


experiência de um défice orgânico que desencadeia uma tensão ou
energia que visa a acção o impulso. A carência, a necessidade,
passa a ser representada pelo impulso que orienta o organismo em
direcção a um objectivo: beber. Muitos autores designaM por
respostas instrumentais ou preparatórias as condutas que se
desenvolvem para satisfazer a necessidade de, por exemplo, ir à
cozinha, abrir o frigorífico, tirar a garrafa de água, deitá­la
no copo ... ; se a meta é atingida, isto é, se bebemos, a
necessidade é satisfeita e o impulso é reduzido.
Quando o objectivo é alcançado, o impulso inicial é reduzido dado
que a necessidade que esteve na sua origem está satisfeita... No
exemplo, a saciedade é temporária; passado algum tempo, o ciclo
recomeça.

Motivação: ASPECTOS FISIOLóGICOS

Como verás, o comportamento motivado está intimamente ligado ao


funcionamento do sistema endócrino e a diferentes estruturas do
sistema nervoso. Ao estudares a fome, a sede, o comportamento
sexual e o comportamento maternal irás identificar os mecanismos
fisiológicos envolvidos em cada um destes comportamentos
motivados, bem como reconhecer a forma integrada do seu
funcionamento.

­ Revê no 2º capítulo, pp. 88 e 89.


TIPOS DE MOTIVAÇÃO

Há várias propostas de classificação das motivações. Optámos por


distinguir: motivações fisiológicas, combinadas, sociais e
cognitivas.

MOTIVAÇõES FISIOLÓGICAS

As motivações fisiológicas, também designadas por primárias,


inatas, básicas ou ­"­é nicas, são inerentes à estrutura
biológica do organismo. Visam garantir o equilíbrio orgânico,
assegurando a sua sobrevivência’.

É o fisiólogo Walter Cannon que, na década de 30, desenvolve o


conceito de «homeostasia». O termo homeostasia designa o conjunto
de mecanismos reguladores que visam manter o estado de equilíbrio
dos seres vivos: a perturbação do meio inter no desencadeia
impulsos que visam o restabelecimento do equilíbrio perdido. É um
processo dinâmico de auto­regulação, que assegura a sobrevivência
do organismo.

De entre os impulsos homeostáticos, podemos referir: a respiração


e a pressão do sangue, fome, a sede e o sono, bem como a
temperatura do corpo.

O sono é um impulso que tem um papel fundamental no equilíbrio


orgânico. Basta recordar que passamos cerca de um terço da nossa
existência a dormir!
O desejo de dormir é um dos impulsos mais fortes. É a constatação
da importância do sono que explica que uma das mais terríveis
formas de tortura seja impedir uma
pessoa de dormir. É o hipotálamo que regula o sono pela acção
concertada de um centro inibidor de vigília e um centro
estimulador. Ratos a quem foi destruído o
centro inibidor da vigília acabaram por morrer de esgotamento. @1
­­Claude Bernard (1813­1878) chamou a atenção para o facto de o
organismo manter estável o meio interno apesar das alterações do
meio externo.
O impulso da dor é um mecanismo homeostático que visa a defesa do
organismo. É um impulso aversivo ou repulsivo dado que conduz o
organismo a evitar o estímulo doloroso, mantendo o equilíbrio
orgânico posto em causa. A dor desempenha assim um papel
fundamental na sobrevivência.

Nos seres humanos a aprendizagem interfere neste motivo’:


aprendemos a “aguentar” a dor quando vamos ao dentista, quando
apanhamos uma injecção. Além disso, o impulso da dor apresenta
uma configuração sociocultural: em certas tribos de África, a
circuncisão, que marca a passagem dos adolescentes para o estado
adulto, é suportada pelos jovens sem gritar. A forma como as
dores de parto são suportadas também varia nas diferentes
culturas.

A fome e a sede são impulsos homeostáticos fundamentais para a


sobrevivência e equilíbrio dos organismos. Vamos analisar
brevemente o impulso da fome para se compreender melhor os
processos fisiológicos subjacentes aos impulsos homeostáticos.

O IMPULSO DA FOME
*/* (deve continuar­se a fazer uma leitura correctiva)
A sensação de fome é provocada pelas contracções do estômago, que
desencadeiam estímulos internos que nos levam a procurar
alimento. Contudo, não é o estômago que controla o impulso da
fome: pessoas e animais a quem foi retirado este órgão mantêm o
desejo de comer.

Algumas horas após a ingestão de uma refeição, o nível de açúcar


no sangue desce; esta situação é detectada no

hipotálamo, desencadeando­se um mecanismo inato de reacção que


assegura o equilíbrio orgânico: sentimos fome. É este

estado que nos leva a orientar ou a cessar acções com o

objectivo de satisfazer a necessidade. Depois de comermos, o


nível de açúcar no sangue sobe, situação que é detectada pelo
hipotálamo. Uma área especializada é responsável pela sensação de
saciedade.

É o impulso homeostático da fome que assegura que o organismo


tenha o nível de substâncias nutritivas necessárias à sua
sobrevivência.

A descrição do funcionamento fisiológico do mecanismo da fome não


nos pode fazer esquecer o papel da aprendizagem na satisfação
deste impulso nos seres

humanos. O que comemos, quando e como comemos ultrapassa em muito


as determinações fisiológicas. O tipo de alimentos e a forma como
são cozinhados são manifestações culturais significativas: entre
os judeus e os muçulmanos a carne de porco não é consumida porque
a sua ingestão é interdita pela religião. É, contudo,
O
[­1­­Victor de Aveyron ­ o menino selvagem ­ apresentava
insensibilidade à dor, analgesia cutânea: pegava em brasas
e dormia na neve. É através da integração social que ele aprende,
por exemplo, a discriminar a temperatura.
O
uma carne muito apreciada por outros, que, no entanto, não
costumam ingerir carne de cão. As dietas alimentares não variam
apenas no tipo de alimentos mas

nos sabores que são apreciados e que distinguem a cozinha chinesa


da indiana, da italiana, da portuguesa, etc. Por outro lado,
pessoas de uma mesma cultura sentem­se atraídas por alimentos
distintos: as preferências alimentares têm origem no processo de
socialização.

Outros factores intervêm no impulso homeostático da fome:


comemos, mesmo quando não temos fome, para fazer companhia a
alguém, porque o alimento tem um aspecto apetecível, porque
estamos ansiosos. Noutras situações, mesmo sentindo fome, não
comemos (por exemplo, se estivermos a fazer dieta de
emagrecimento).
O
F) E
O
“Quando, às 10 h 20, a campainha tocou, o joão saiu a correr da
sala, foi ao bufete e comprou um bolo. “
O
Poderemos explicar este comportamento pela fórmula
comportamentalista E ­­> R ? justifica a tua resposta indicando
as componentes que intervêm neste comportamento.

MOTIVAÇõES COMBINADAS

O termo motivações combinadas é geralmente utilizado para


designar o tipo de motivações determinadas pelo efeito combinado
de mecanismos fisiológicos, não aprendidos, e de características
resultantes da aprendizagem. Os comportamentos sexual e maternal
são geralmente integrados neste tipo de motivação dado que
resultariam de determinações orgânicas e de padrões sociais.

O COMPORTAMENTO SEXUAL

No segundo capítulo, relacionaste o comportamento sexual com o


funcionaProfessor mento do sistema endócrino e do hipotálamo’.
Nos seres humanos, o córtex cere Texto Complementar SObral
desempenha também um papel importante no despertar do interesse
sexual

Guia, p. 77 pelos estímulos externos; a imaginação também


influencia a motivação sexual,

De Byrne (1982) representa, num esquema, as relações interactivas


entre os estímulos externos, os estímulos da imaginação e a
componente fisiológica que estão na base da motivação sexual:
Est@rnu1os da imaginação Est@rnulos externos
Aptidão fisiológica
O
MYERS, op, cit, p. 337
@1 ­ Relê as pp. 88 e 99.
O comportamento sexual humano tem uma dinâmica motivacional
complexa, dado ser marcado por factores fisiológicos, hormonais,
afectivos, eróticos, cognitivos, socioculturais’. Desejar sexual,
erótica e afectivamente alguém é também desejar conhecê­lo,
descobri­lo.
O
“Quanto ao elemento corporal da sexualidade ­ elemento que é
importante distinguir do aspecto fisiológico ­, o corpo do outro
não pode, normalmente, dissociar­se da personalidade. Como
aparência física e comportamento manifesto do indivíduo, o corpo
é a forma sobre a qual a pessoa aparece à outra e, em certa
medida, a ela própria. Assim, o objecto sexual é infinitamente
mais rico que o

corpo objectivo; é a própria pessoa revestida do mistério e da


atracção que a personalidade íntima exerce.
O
NUMN, op. cit., pp. 179­180
O
A aprendizagem marca decisivamente a sexualidade humana que está
determinada pelos padrões sociais vigentes, pelo sistema de
valores, isto é, faz parte do quadro cultural global. Os dados da
antropologia e da história mostram­nos que o

comportamento sexual tem variado ao longo do tempo e nas


diferentes culturas: é o contexto sociocultural que, através das
leis, costumes e normas morais, controla a manifestação do
impulso sexual. Daí que em determinadas culturas e/ou épocas se
aceite ou interdite a masturbação, o relacionamento sexual antes
do casamento,

[o ad Itério, a homossexualidade, a poliandria, a poligamia...


Além disso, no interior de uma cultura os comportamentos sexuais
podem variar em diferentes grupos sociais.

“Estes ‘códigos’ culturais modificam­se, entretanto, com o tempo.


O que era proibido ontem é boje aceite e mesmo encorajado. Assim,
as atitudes mudam sem cessar e, com elas, o comportamento.

Na cultura ocidental, a relação sexual continua a ser motivada,


em parte, pela necessidade de procriar. Mas é considerada, cada
vez mais, como uma fonte de prazer e como um meio de exprimir o
amor ou a ternura relativamente a um companheiro.
O
GODEFROID, OP. cit., P. 336

@I ­­À medida que se sobe na escala animal, a motivação sexual é


mais independente dos factores fisiológicos.
De entre as motivações sociais, vamos apenas abordar algumas: a
afiliação, a realização e a necessidade de poder.

AFILIAÇÃO

O motivo da afiliação corresponde ao desejo de a pessoa ser


aceite e estimada pelos outros. Manifesta­se na necessidade de as
pessoas procurarem desenvolver actividades com os outros, fazer
amigos, etc.’

Esta motivação está relacionada com a vida dos seres humanos em


grupos, sendo principalmente aí que se

manifestam as necessidades de ser apreciado e querido.

A conformidade dos comportamentos individuais às normas do grupo,


ao que é aceite pelos outros membros’ , é uma constante da vida
social. Daí a relação da afiliação com a necessidade de aprovação
social.

A auto­avaliação depende, em grande parte, das interracçóes que o


indivíduo estabelece com os outros. Se é apreciado, as
necessidades de auto­estima* estão satisfeitas, o que conduz a um
sentimento de segurança em

si próprio.

David McCIelland, um dos teóricos da motivação, analisou o efeito


da afiliação nas organizações: manifesta­se pelo prazer de
trabalhar com as outras pessoas, de estar atento aos sentimentos
dos companheiros de trabalho, Relacionou a manifestação desta
motivação com o bom desempenho e a qualidade do trabalho.

REALIZAÇÃO/SUCESSO

A motivação de reafização pode definir­se como o desejo de ser


bem sucedido em situações desafiantes. Manifesta­se por uma
grande preocupação em alcançar padrões de desempenho elevados,
desenvolvendo actividades difíceis, superando resistências e
obstáculos.

McCIelland e os seus colaboradores desenvolveram estudos na


Universidade de Harvard em que, através da aplicação do teste
projectivo TAT (Teste de Apercepção Temática), procuraram
identificar se os indivíduos tinham um alto ou um baixo nível de
realização. Consideravam que esta motivação de realização se
manifestava
O
@I Õ motivo da afiliação manifesta­se com particular incidência
na infância.
2 ­ Revê o conceito nas pp. 131­133­
nos sujeitos pelo desejo de ser “excelente”, apresentando uma
motivação para o sucesso superior ao receio do fracasso.
Indivíduos muito motivados aceitam riscos, apresentando grande
necessidade de progredir, competindo com

os outros para atingir os objectivos. O sucesso produziria uma


satisfação interna: a pessoa realiza pelo prazer próprio da
realização’.

McCIelland considerava ser possível intervir junto de alunos e


professores, gestores e trabalhadores, ensinando­lhes as técnicas
que os orientassem para o sucesso.

A NECESSIDADE DE PODER/PRESTÍGIO

A necessidade de poder é uma motivação social que se


manifesta na procura de, posições que permitam influenciar os
outros, estando relacionada com a necessidade de prestígio.
Pessoas em

que esta motivação se manifesta em nível elevado procuram ocupar


lugares de chefia, postos­chave nas organizações, associações e
empresas.

“Durante muitos anos, o psicólogo Davíd McClelland


e os seus colegas estudaram um perfil motivacíonal chamado
`síndroma da motivação para a liderança’. Os indivíduos que têm
este perfil manifestam um conjunto de necessidades elevadas de
poder e de controlo de si, assim como uma grande necessidade de
afiliação. As pessoas que demonstram uma tendência elevada para a

liderança sobem rapidamente nos escalões da carreira militar ou


profissional, supondo­se que possuem também capacidades de
gestão. Mas, em muitos casos, pagam igualmente o preço,

As pessoas que têm este perfil motivacional apresentam igualmente


um risco elevado de desenvolver doenças relacionadas com o
stress, sobretudo quando se trata de um stress relativo à
inibição ou à frustração da sua necessidade de poder” (Fodor,
1984, 1985; McCIelland e

Jemmont, 1980).
O
RATHUS, qp. cit., p. 254

@1 Poderíamos designar esta motivação como intrínseca. A


motivação extrínseca refere­se ao desejo de se comportar de
determinada forma pelas recompensas que se esperam obter
(elogios, dinheiro, promoções, evitar castigos, etc.).
Frequentemente as motivações intrínsecas e extrínsecas interagem.
MOTIVAÇõES COGNITIVAS

Designamos por motivações cognitivas as necessidades de


informação e de conhecimento que muitos autores consideram ter
como base a actividade exploratória e a curiosidade. A
necessidade de conhecer cada vez mais e melhor a Natureza, o
sentido da existência, a vida em sociedade, o sentido do próprio
Universo constituiu o factor mais significativo da evolução
humana.

No texto que se segue, Godefroid aborda o alcance destas


motivações.

“Através dos contactos com os outros e com os diferentes meios, a


criança, e, mais tarde, o adulto em que se transforma, ouve,
olha, lê, procurando constantemente compreender ou explicar a
realidade, primeiro no plano concreto e

depois, progressivamente, no plano abstracto das ideias e dos


princípios. As suas

escolhas são, todavia, limitadas pelas experiências passadas e


pelo contexto social no qual evoluí; levam­no a interessar­se
mais por um domínio ou aspecto do que por outro. O tipo de
questões que ao garagista e ao médico se colocam diferem
necessariamente do tipo das que preocupam o físico ou o talbante.
Mas fundamentalmente assemelham­se na necessidade mais profunda
de conhecimento de si e do sentido a atribuir à sua existência,
de reflexão sobre o lugar que ocupam no

grupo social, na sociedade em geral e, finalmente, no Universo. “


O
GODEFROID, op. cit, p. 346
O
E­ = 40 ~iii
O
_N ­14
O
“A publicidade cria novas necessidades.

“A publicidade explora as motivações sociais dos consumidores.’

justifica as duas afirmações a partir da análise de anúncios


publicitários na TV, rádio e imprensa.
FRUSTRAÇÃO E CONFLITO

FRUSTRAÇÃO

O termo frustração* é muito comum na linguagem corrente, sendo


usado para designar o sentimento produzido por uma
contrariedade. As frustrações fazem parte da nossa vida
quotidiana. Profes­ Em psicologia, o termo kustraçã o
designa o bloqueio do comportamento motivado, isto é, um
obstáculo impede que o desejo, o objectivo, seja alcançado.

Como as motivações variam de indivíduo para indivíduo,


u não se pode fazer um levantamento do tipo de situações que
provocam frustrações. Além disso, os efeitos que a frustração tem
no psiquismo e no comportamento de uma pessoa dependem de
múltiplas variáveis: da intensidade e da natureza da motivação,
do tipo de obstáculo e, é claro, da personalidade do sujeito.

Reconheces, pela tua experiência, que algumas situações frustram


mais uma

pessoa do que outras. Perder o autocarro, não comprar uma


camisola por não ter dinheiro, ou não entrar no curso que se
deseja são frustrações de tipo diferente, com

diferentes efeitos no comportamento.

A tolerância à frustração, isto é, a capacidade de suportar a


frustração, depende de vários factores. A idade é um deles: uma
criança pequena com fome suporta a situação de não comer com
menos tolerância do que um adulto. Por outro lado, um
indivíduo que sofre de frustrações repetidas apresenta, em geral,
menor tolerância à frustração. A aprendizagem é um factor que
interfere na forma como o sujeito encara e reage à frustração.
Assim, pelo efeito da socialização, a criança pode abandonar
progressivamente reacções de intolerância à frustração. As
experiências desempenham um papel importante neste processo.

As reacções à frustração podem ocorrer imediatamente a Seguir a


situação frustrante ou ocorrer mais tarde, geralmentecom
consequências mais duradouras. Os tipos de reacção são ­muito
variados, podendo ir da agressão (directa ou deslocada) lã apatia
(indiferença, inactividade).

A agressão directa ocorre quando o indivíduo agride a


causa que provocou a frustração; na agressão deslocada, o
sujeito desloca a sua agressão para elementos não responsáveis
pela frustração (por exemplo, uma criança que se vê impedida de
ver televisão pelos pais dá um pontapé na porta). A auto­agressão
é uma forma de agressão deslocada em que o sujeito se agride a si
próprio (no exemplo anterior, a criança decide não jantar).

Campo de concentração em Bergen­Belsen (Alemanha). Os


prisioneiros apresentavam frequentemente apatia.
“A satisfação de uma pulsão pode colidir com um obstáculo externo
ou interno. Essa situação acarreta para o sujeito uma frustração.
A frustração é susceptível de provocar diferentes reacções entre
as quais a agressão seria a principal. “

“Há uma relação directa entre a intensidade da frustração e a


intensidade da resposta agressiva. “

Relaciona os dois textos, elaborando um pequeno comentário onde


esclareças o conceito de frustração.

(2) Identifica alguns comportamentos que possam resultar da


frustração.
O
Proposta de Trabalho 27 Guia, p. 81

CONFLITO

Muitas vezes um sujeito está numa situação em que se opõem


diferentes motivações, isto é, vive um conflito. Podemos definir
conflito como a oposição de forças com

intensidade semelhante. O conflito surge, portanto, quando os


motivos são incompatíveis.,

Kurt Lewin considera que o comportamento do indivíduo resulta da


interacção entre o sujeito (com as suas

necessidades) e o meio que integra os elementos que podem


satisfazer essas necessidades; há um campo dinâmico de motivações
que anima o sujeito na acção. Considera três formas básicas de
conflito em que estão presentes

valências positivas e/ou negativas. Vamos enunciá­las de forma


breve.

Conflito aproximação/aproximação’ ­ neste tipo de conflito, o


indivíduo está perante duas ou mais forças positivas, está entre
dois objectos ou actividades desejadas. O conflito surge porque
só é possível escolher uma resposta. Ex.: Escolher um gelado ou
um chocolate...

Escolher entre ir a uma festa ou ao cinema... É frequente surgir


angústia por não se ter escolhido a hipótese afastada.

@1 ­ Podem também aparecer as designações: atracçào/atracção;


apetência/apetência; positivo/positivo.
Conflito afastamento/afastamento’ ­ neste tipo de conflito, o
indivíduo está perante duas alternativas desagradáveis, duas
valências negativas, hesitando sobre qual evitar. Ex.: Quando se
colocam à criança alternativas que não deseja como, por exemplo,

comer a sopa ou ir para a cama, fazer uma tarefa desagradável ou


ser punida. Qualquer tipo de escolha criará no indivíduo
insatisfação; por isso surgem muitas vezes
comportamentos de fuga.

Conflito aproximação/afastamento’ ­ neste, o indivíduo está


perante uma situação que é positiva e negativa ao mesmo tempo.
Ex.: Uma criança vive este tipo de conflito
quando deseja, e receia ao mesmo tempo, acariciar um cão.

Uma pessoa que está a fazer dieta de emagrecimento, face a um


bolo que lhe é oferecido, vive o conflito de aproximação (o bolo
tem óptimo aspecto) e de afastamento (o bolo tem muitas
calorias).

Os conflitos têm uma origem consciente e


inconsciente; os inconscientes serão analisados nas teorias da
motivação quando falarmos de Freud.
O
conflito, frustração, impulso, motivação, necessidade.

“Os conflitos que envolvem valências negativas são em geral mais


dolorosos e

dificeis de serem resolvidos do que os que envolvam valências


positivas.

VERNON

(I) Concordas com a afirmação do autor? justifica. (2) Dá um


exemplo de um conflito de evitamentolevitamento que tenhas
experimentado recentemente. Reflecte sobre a situação vivida por
ti.
O
@I ­­Pode também ser designado por: evitamento/evitamento;
rejeição/rejeição; negativo/negativo.
2 ­John Dollard e Neal Miller acrescentaram um 4.o tipo de
conflito que é o mais complexo: o conflito
aproximação/afastamento duplo. Neste caso, a situação ou objecto
têm ao mesmo tempo aspectos agradáveis e desagradáveis; qualquer
que seja a opção há aspectos positivos e negativos.
TEORIAS DA MOTIVAÇÃO

A explicação do comportamento motivado tem sido objecto de várias


interpretações ao longo do tempo. Ultrapassando a teoria do
instinto pelas teorias homeostáticas, os behavioristas procuraram
enquadrar a motivação na fórmula E 4 R: o

indivíduo age por uma sucessão de estímulos­respostas. Produto


das experiencias anteriores (daí a designaçã o de teoria da
aprendizagem), não é apontada a intervenção de factores de
carácter cognitivo no processo motivacional.

Ao estudares a teoria humanista de Maslow e a teoria


psicanalítica de Freud poderás perspectivar a motivação a partir
de outras variáveis.

Vamos apresentar mais detalhadamente as concepções de Maslow e de


Freud e fazer uma breve referência à teoria cognitiva de Nuttin.

Abraham Harold Maslow nasceu em Brookiyn, nos EUA. É na


Universidade de Wisconsin, onde se formou, que inicia as suas
investigações com primatas. Em 195 1, desenvolve a sua actividade
na Universidade de Brandeis, onde se mantém até
1969.

A sua concepção integra­se na corrente humanista que pretendia


ser alternativa ao behaviorismo e à psicanálise. Considera estas
correntes muito deterministas. Partilha de uma concepção que
evidencia as potencialidades e as capacidades positivas dos seres
humanos, enfatizando o papel da liberdade. Desenvolveu vários
estudos em pessoas,

procurando compreender de que modo se organizavam as motivações


humanas.Através de análises clínicas a estudantes universitários,
procurou identificar as características psicológicas dos auto­
realizados, isto é, de pessoas que sentem a

necessidade de desenvolver o seu potencial. Analisou a


personalidade de figuras históricas que na sua opinião teriam
sido movidas pela necessidade de se autodesenvolverem: Lincoin,

Jefferson, Ghandi, Einstein... De entre as suas obras, podemos


destacar: Necessidade e Auto­realização e Motivação e
Personalidade, Para uma Psicologia do Ser.

MASLOW E A HIERARQUIA DE NECESSIDADES

Segundo Maslow, as necessidades humanas estariam organizadas numa


hierarquia, Este autor representou a sua concepção através de uma
piramide em que, na base, estariam as necessidades fisiológicas
e, no cume, as necessidades mais elevadas que seriam as de auto­
realização.

As necessidades fundamentais seriam as necessidades básicas: as


fisiológicas e as de segurança. Só depois de estas necessidades
estarem satisfeitas se ascende na hierarquia para satisfação de
outras mais complexas e mais elevadas. No decurso da sua
existência, se não houvesse obstáculos, o ser humano progrediria
na hierarquia até ao topo.

Vamos analisar brevemente cada um dos níveis da hierarquia.


Pirâmide de Maslow

A esta pirâmide, Maslo@, mais tarde, acrescentou antes da


necessidade à auto­realização as necessidades cognitivas
(exploração, compreensão, conhecimento) e as necessidades
estéticas (ordem, simetria, beleza).

1 NECESSIDADES FISIOLóGICAS

São consideradas necessidades fisiológicas a fome, a sede, o


sono, o evitamento da dor, o desejo sexual. A satisfação destas
necessidades domina o comportamento humano. As necessidades de
segurança só surgem se estas estiverem satisfeitas. Assim se
explica que pessoas esfomeadas arrisquem a vida para conseguir
alimento.

2 NECESSIDADES DE SEGURANÇA

As necessidades de segurança manifestam­se na procura de


protecção relativamente ao meio (abrigo e vestuário) bem como na
busca de um ambiente estável e ordenado. O perigo físico provoca
insegurança e ansiedade dominando o comportamento do indivíduo.
Uma pessoa com medo prescinde da relação com os outros. Os
motivos da estima surgem só quando, a pessoa se sente segura.

3 NECESSIDADES DE AFECTO E DE PERTENÇA

Estas necessidades manifestam o desejo de associação,


participação e aceitação por parte dos outros. Nas relações
íntimas e nos grupos a que pertenc,

e,

o indivíduo procura o afecto, a aprovação.

4 NECESSIDADES DE ESTIMA

Segundo Maslow, as necessidades de estima assumem duas


expressões: o desejo de realização e de competência e o estatuto
e desejo de reconhecimento.
As pessoas desejam ser competentes, isto é, desenvolver
actividades com qualidade e serem reconheO
cidas por isso. Daí se relacionar com estas necessiO
dades a procura do sucesso, do prestígio. A satisfação da
necessidade de estima desenvolve nas pessoas sentimentos de
autoconfiança; a sua frustração gera sentimentos de
inferioridade.

5 NECESSIDADES DE AUTO­REALIZAÇãO

Se todas as necessidades estão satisfeitas, manifestar­se­á a


necessidade de auto­realização, isto é, a realização do potencial
de cada um, a concretização das

capacidades pessoais.

Maslow considerava que esta necessidade seria inerente aos seres


humanos. A

sua concretização varia de pessoa para pessoa: um indivíduo pode


auto­realizar­se sendo um atleta de alta competição, outro
através das artes plásticas, da

música, da investigação científica, da intervenção social, etc.

As pessoas em procura de auto­realização (que corresponderia a um


crescimento pessoal) apresentam algumas características comuns de
personalidade:
O
Maslow para compreender a motivação. As suas principais
conclusões têm encon­ Texto
O
trado várias aplicações, sobretudo ao nível da organizaçao do
trabalho. Complementar 54

No capítulo sobre a personalidade voltaremos a abordar esta


teoria. Guia, p. 81

Palavras­ auto­realização, hierarquia de necessidades, motivação.

motivação: TEORIA PSICANALÍTICA

O princípio básico da teoria psicanalítica da motivação é


considerar que o comportamento humano é fundamentalmente motivado
por razões de carácter incons1 n­ [ciente'e orientado por
pulsões.

A noção de pulsão* é central na teoria de Freud que a define do


seguinte modo:

Tor pulsão designamos o representante psíquico de uma fonte


contínua de excitação proveniente do interior do organismo e que
diferenciamos da excitação exterior e descontínua. A pulsão está,
pois, nos limites do psíquico efisíco. “
O
FREUD, S., Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade, Livros do
Brasil, s/d, p. 72

Professor A pulsão é, portanto, um impulso

Texto Complementar 55 energético, uma tendência para agir, que

Guia, p. 81 encontra a sua origem numa tensão orgânica. Esta


orienta a pessoa para determinados afectos*, mentalizações e
comportamentos. Ora, o comportamento é orientado pela tendência
do organismo em

reduzir a tensão. O nosso aparelho psiquico tende a manter um


nível de excitação baixo e constante (princípio de constância):
obtém­se prazer pela redução da excitação e desprazer pelo
aumento da excitação.

Freud considera que as pulsões têm uma origem (ou fonte),


finalidade (ou alvo), uma força (ou energia) e um objecto
tendente para o reequilíbrio homeostático.
O
‘xPlicit,111(lo:
O
Fonte da ptilsão ­ a pulsão pode partir de várias zonas do corpo.
É um processo somático localizado num órgão ou numa parte do
corpo cuja excitação é representada pela pulsão.
O
@1’ Actualiza os teus conhecimentos sobre a teoria psicanalítica
consultando as pp. 25 e ss.
Alvo da pulsão ­ o fim da pulsão é sempre a satisfação que é
atingida com a

supressão ou redução do estado de excitação orgânica: a


finalidade da pulsão é a satisfação que põe fim à excitação. Os
meios que permitem atingir o fim da pulsão são diversos.

Força da pulsão ­ a pulsão tem uma energia, um ímpeto. Podemos


dizer que a

característica essencial da pulsão é o seu carácter dinâmico.

Objecto da pulsão ­ é o meio que permite a satisfação da pulsão.


O objecto da pulsão é muito variável: pode ser estranho ao
organismo ou a uma parte do próprio corpo.
O
“[A pulsão é o] processo dinâmico que consiste numa pressão ou
força (carga energética, factor de motricidade), que faz tender o
organismo para um alvo. Segundo Freud, uma pulsão tem a sua fonte
numa excitação corporal (estado de tensão); o seu alvo é suprimir
o estado de tensão que reina na fonte pulsional; é no objecto, ou
graças a ele, que a pulsão pode atingir o seu alvo. “
O
LA,PLANCHE, J. e PONTALIS, J. B., Vocabuláilo da Psicanálise,
Moraes, 1976, p. 506

A LíBIDO

Freud, como já estudaste, vai privilegiar as pulsões sexuais’.


Libido é o termo usado para designar as pulsões . . . . . . .
.sexuais e a sua energia exprime a sexualidade num sentido
genérico.

Freud distingue a libido narcísica da libido objectal. v

O objecto da libido narcísica é o próprio ego, isto é, é o ego


que reduz ou suprime a excitação. Na libido objectal, a

satisfação da pulsão obtém­se a partir de um objecto (pessoa,


instrumento) exterior ao organismo. Como diz Freud, “a pessoa que
exerce uma atracção sexual será designada por objecto sexual”.

O termo investimento é utilizado para designar a quantidade de


libido ligada a um objecto que permite a satisfação de uma
necessidade. Daí a expressão: a pessoa investe no objecto
desejado. O contra­investimento designaria uma força inibitória
resultante da pressão do ego sobre o id. Por exemplo, uma pessoa
pode sentir­se atraída sexualmente por outra, mas imperativos com
origem no ego ou no superego podem deslocar ou inibir a expressão
deste impulso.
Numa primeira teoria das pulsões, Freud distingue pulsões do eu
ou de autoconservação (fome, sede, sono ... ) e as pulsóes
sexuais. Numa segunda fase, oporá as pulsões da vida (Éros) às
pulsões da morte (7banatos). As primeiras agrupam as pulsões de
autoconservaçào que visam a manutenção do indivíduo e as pulsões
sexuais; as segundas agrupam as pulsões de morte ou destrutivas
que explicariam as tendências agressivas.
O recalcamento’ é um dos destinos das pulsões. Inerente à
concepção psicanalítica da motivação, está a noção de conflito
que opõe a estrutura biológica do sujeito à sociedade: o conflito
tem origem nos obstáculos, resistê ncias que encontra à
realização das pulsões. O conflito reflecte a luta, a

oposição entre sentimentos, pulsões ou instâncias contrárias no


interior do indivíduo. É este antagonismo que está na base do
dinamismo que caracteriza a vida psíquica.

Têm sido particularmente interessantes as reflexões decorrentes


das investigações de Antônio Damásio (1995) sobre as emoções e a
motivação. Não resistimos a transcrever parte de um artigo de
Philippe Chambon sugestivamente intitulado “A ciência dá razão a
Freud”:

‘Assim, a teoria psicanalítica, afirmando que o Homem é governado


pelas suaspulsões e que constrói inconscientemente defesas que
lbepermitem conter­se, ínsere­se perfeitamente na descrição que
Damásío nos dá do funcionamento do cérebro, UmJúncionamento no
qual o instinto de sobrevivência e de reprodução bem como as
emoções primárias relacionadas desempenbam um papel determínante.
Nada está mais de acordo com uma evidência: a nossa vida é uma
longa aprendizagem do controlo das nossas pulsões para satisfazer
as exigências da vida com os outros.

Não podemos, sem arriscar sérios dissabores, dar ­livre curso às


pulsões sexuais que encontram a sua origem numa necessidade
biológica de renovação da espécie. Aprendemos a defender­nos, a
medir os efeitos da confrontação com a realidade.

Esta aprendizagem está inscrita sob forma de conexões no nosso


cérebro. As experiências da infância, os nossos comportamentos e
as consequencias que tiveram nem sempre nos deixam uma recordação
consciente. Contudo, continuam a

agir, sem o sabermos, através dosfamosos marcadores somáticos. “

CHAMBON, P., “La scíence donne raison a Freud”, Science et Vie,


n., 933, 1995, p. 75

Palavras: ­­ libido, mecanismos de defesa do ego, pulsão. c h .


@’1 e
MECANISMOS DE DEFESA DO EGO

Os mecanismos de defesa do ego’ são estratégias inconscientes que


a pessoa usa para tentar reduzir a tensão e a ansiedade, fruto
dos conflitos entre o id, o ego e o superego.

“Estes mecanismos de defesa visam efectivamente procurar


satisfações para a

pessoa, por vezes reais, mas a maioria das vezes imaginárias ou


afastadas da realidade ou ainda por um não reconhecimento das
ideias e das pulsões geradoras da ansiedade.

GODEFROID, qp. cit, p. 594

São vários os mecanismos de defesa que se reconhecem existir no


indivíduo. Entre eles salientamos o recalcamento, a regressão, a
intelectualização, a projecção, o deslocamento, a formação
reactiva e a sublimação.

Recalcamento ­ pelo recalcamento, o sujeito envia para o id as


pulsões, desejos e sentimentos que não pode admitir no seu ego.
Os conteúdos recalcados, apesar de inconscientes, continuam
actuantes e tendem a reaparecer de forma disfarçada (sonhos,
actos falhados, lapsos de linguagem ... ).

Regressão ­ pela regressão, o sujeito adopta modos de pensar,


atitudes e comportamentos caracteriÍsticos de uma fase de
desenvolvimento anterior. Frente a uma frustração* ou
incapacidade de resolver problemas, a criança ou o adulto
regridem, procurando a protecção de épocas passadas.
O
de defesa do ego» foram desenvolvidos sobretudo pela filha de
Freud, Anna (1895­1982).
Assim, o nascimento de um irmão pode levar uma criança a fazer
chíchi na

cama (enurese*) ou um adulto, face a problemas, pode fugir à


realidade refugiando­se em atitudes infantis (dependência
excessiva, choro, chantagem ... ).

Intelectualização ­ pela intelectualização ou racionalização, o


sujeito, ocultando a si próprio e aos outros as verdadeiras
razões, justifica racionalmente o seu

comportamento retirando assim os aspectos emocionais de uma


situação geradora de angústia e de stress. Deste modo, com
justificações racionais tenta­se explicar de forma “aceitável”
por que se bateu no irmão, se faltou ao exame médico, se mentiu
ao marido ou à mulher...’ (ver pp. 175­176).

Projecção ­ pela projecção, o sujeito atribui, a outros (à


sociedade, a pessoas, a objectos), desejos, ideias,
caracteriÍsticas que não consegue admitir em si próprio. São
reflexos deste processo frases como Fulano detesta­me; Aquele
indivíduo não supwa cifticas; A sociedade não tem ideais
solidálios; A boneca é má... quando é a própria pessoa que tem
esses sentimentos, etc.

Deslocamento ­ pelo ‘deslocamento, o sujeito transfere pulsões e


emoções do seu objecto natural, mas “perigoso”, para um objecto
substitutivo, mudando assim o objecto que satisfaz a pulsão.
Exemplos: o funcionário que sofre conflitos no emprego e é
agressivo ao chegar a casa; a criança que desloca a cólera
sentida pelos pais para a boneca...

Formação reactiva ­ pela formação reactiva, o sujeito “resolve” o


conflito entre os valores e as tendências consideradas
inaceitáveis, apresentando comportamentos opostos às pulsões.
Assim, uma pessoa pode ser demasiado amável e atenta com alguém
que odeia; manifestar uma excessiva caridade para esconder um
sadismo latente; uma pessoa submissa e dócil pode esconder um
dominador violento...

Sublimação ­ pela sublimação, o sujeito substitui o fim ou o


objecto das pulsões de modo a que estas se possam manifestar em
modalidades socialmente aceites. A eficácia do processo de
sublimação implica que o objecto de substituição satisfaça o
sujeito de forma real ou simbólica. Frequentemente, a sublimação
faz­se através de substituições com valor moral e social elevado.
Exemplos: um

pirómano pode ingressar num corpo de bombeiros, modificando as


suas relações com o fogo, agora utilizadas de forma socialmente
reconhecida; o amor platónico pode esconder desejos considerados
inaceitáveis pelo sujeito. A arte tem sido estudada como uma área
que permite sublimações.

palavras: ­­ mecanismo de defesa de ego, princípio da realidade,


principio do prazer. O. h . @v.

­ A intelectualizaçâo/racionalizaÇão e o recalcamento são os


mecanismos de defesa do ego* mais usados pelas pessoas.
O
PS112­18
O
Completa o quadro identificando o mecanismo de defesa a que
corresponde a definição e os exemplos.
O
Mecanismo de defesa Definição
Exemplos

Retorno, em período de stress, a uma Um adolescente começa a


chorar quanforma de comportamento caracteris­ @ do lhe é recusada
a utilização de um

tica de um estado anterior de desen­ carro da família.


O
volvimento. 1
O
Um adulto torna­se muito dependente

dos seus pais após uma ruptura conjugal,

Conservação das ideias ansiógenas Um estudante esquece que deve


aprefora do campo da consciência.

sentar um trabalho difícil.

Um paciente em terapia esquece uma

sessão onde será abordado material

ansiógeno.

Utilização de justificações ilusórias Um estudante é apanhado a


copiar e

para um comportamento inaceitável. acusa o professor por ter


deixado a sala

por um momento.

Um homem justifica a fraude na sua


declaração de impostos declarando:
“Todo o gente o foz”.

Canalização de pulsões primitivas

Uma pessoa pinta “nus” por amor da

para esforços positivos e construtivos. “beleza” e da “arte”.

Uma pessoa hostil torna­se uma vedeta


do ténis.

, Transferência de ideias e de pulsões @ Um trabalhador procura


discutir com a

de objectos ameaçadores ou inopor­ , sua colega após ter sido


criticado pela

tunos para objectos menos ameaçasua supervisora.

dores.

Atribuir a outrem as suas pulsões inaUma pessoa hostil apreende o


mundo
O
ceitáveis. 1
O
como um lugar perigoso.

Uma pessoa frustrada sexualmente

interpreta os gestos inocentes de outro


O
como avanços sexuais.
O
Manifestação de comportamentos Uma pessoa encolerizada com o
pai

opostos às verdadeiras pulsões com o conduz­se de uma maneira


“excessivafim de afastar as pulsões. mente amável”
relativamente a ele.

Um indivíduo sádico toma­se médico.


motivação:TEORIA COGNITIVA E RELACIONAL DE NUTTIN

Joseph Nuttin apresenta uma das principais


teorias contemporâneas da motivação ­ uma teoria cognitiva e
relacional que divulga através de vários livros, artigos e

conferências. Segundo este autor, o comportamento não nasce


de uma

carencia ou desequilíbrio homeostático, mas de uma ‘persistência”


da tensão, de um “dinamismo temporal” que leva o individuo ao
desenvolvimento e ao ‘progresso “.

Integrando o passado de forma personalizada e intencional, o


sujeito pensa o

futuro com aspirações, projectos, construindo planos de acção.


Assim, a acção dirige­se a uma categoria de objectos na qual o
sujeito pode satisfazer as suas necessidades introduzindo assim a
possibilidade de opção (se se tem fome e vontade de um gelado,
pode­se mudar, optando por uma bebida fresca).

Em oposição com as visões instintivas e impessoais da motivação


humana, Nuttin apresenta as necessidades, os motivos e as
finalidades da acção como per~ sonalizadas, compreendidas em
função da pessoa, das suas mentalizações e dos seus projectos de
vida.
O
b IIIIIIIII =MUM ~ E"»

* “Interessar­se ou desinteressar­se, procurar e evitar, preferir


ou recusar são as linbas básicas de uma conduta motivada que
correspondem a distintos valores e alícíamentos que damos às
coisas, pessoas e acontecimentos.
O
GRAUMANN

DOUGALL
O
‘A motivação é o postulado indispensável a toda a psicologia.
O
Escreve um pequeno texto onde justifiques as afirmações
transcritas.

Propomos­te que vejas, ou revejas, o filme O Clube dos Poetas


Mortos, de PeterWeir.

Analisa os diferentes tipos de motivação presentes no filme,


relacionando­os com a frustração e o conflito.
INTELIGÊNCIA
áo,@ @ 4,^ @@z ­­ U­ rá @ ­ ­ @ ~.&@ ­,
PLOTINO “A HUMANIDADE ENCONTRA­SE SUSPENSA A MEIO CAMINHO

ENTRE OS DEUSES E OS ANIMAIS.”

Um dos mitos que mais interesse e interpretações tem suscitado é


o mito de

Prometeu: esta divindade grega roubou o fogo que era de uso


exclusivo dos deu~

ses do Olimpo e deu­o aos seres humanos. Zangado, Júpiter ordenou


que Prometeu fosse agrilhoado e que uma águia lhe comesse o
fígado que crescia continuamente: é Hercules que o salva matando
a águia.

O fogo que a divindade oferece aos seres humanos representaria a


capacidade

para intervir e transformar o meio, para produzir conhecimento e


o transmitir de geração em geração. O fogo seria a inteligência
que compensaria a Humanidade

da sua fragilidade física: não somos os mais fortes, os mais


ágeis, os mais resistentes; os nossos sentidos são limitados. É a
inteligência que irá possibilitar a ultrapassagem destas
limitações permitindo aos seres humanos falar, cultivar os
campos, domesticar animais, construir cidades, viver debaixo de
água, voar, navegar

no espaço, elaborar normas e regras sociais, produzir teorias que


tornam o mundo

mais compreensível.

O conceito de inteligência não é, contudo, unívoco. Ao longo dos


tempos, tem variado, reflectindo diferentes valores e convicções
sociais, culturais e morais.

justificou classificações que distinguiam de forma radical os


civilizados dos primitivos ou selvagens, os normais dos anormais,
os inteligentes dos estúpidos, justifi~ cando preconceitos que
conduziram à exclusão de muitos seres humanos.

Actualmente é enfatizado o carácter multifacetado e plural dos


seres humanos

que vivem em diferentes meios sociais e culturais e que, para


além de pensar, se

emocionam, sofrem, duvidam e amam.


L ­IGENCIA`
O
A palavra inteligência tem origem no termo latino intelligent@a
que significa compreensão”. Contudo, a definição desta faculdade
é bem mais dificil de enunciar do que a sua etimologia. De facto,
não há uma definição universal de inteligência, dada a
complexidade deste conceito. Daí que o termo inteligência seja
utilizado em sentidos muito diversos e que se encontrem várias
definições para caracterizar esta faculdade.

Para justificar esta afirmação, referiremos um estudo elaborado


por Mark Snyderman e Stariley Rothman nos finais da década de
80’. Estes investigadores interrogaram cerca de 1000 psicólogos e
educadores para identificar, numa lista de aptidões humanas,
aquelas que constituiriam os elementos mais importantes da
inteligê ncia. Quase todos referiram o raciocínio abstracto, a
resolução de problemas e a capacidade de adquirir conhecimentos;
mais de metade apontaram a memória, a adaptação ao meio, a
velocidade intelectual, a competência linguística, a competência
matemática, a originalidade e o conhecimento geral; cerca de 1/4
dos interrogados referiram a acuidade sensorial, a orientação
para um objectivo e a motivação para a realização. @I ­­Referido
por Gray, Psycbology, Worth Publishers, 1994, p. 364.
Consultando um dicionário de psicologia, acabamos por encontrar
estes traços na definição de inteligência: “i ­ Capacidade de
eiifi­entar sítlí(ic@)(,s noi,as e de se adaptar a elos de imia

fioriiia rúpida e @flcíente.


2­ Capacídade de lítilizar, coi;i e

ficúci i. conceitos (11)stractos.


3 ­ CaPacidade deftizer i­el,­icio;l(i(:@)cs e apreilder
O
CHAPLIN, J. P., Dicionái@o de Psicologia, Dom Quixote, 1981, p.
297
O
As três capacidades ­ capacidade de adaptação ao meio, capacidade
de pensar abstractamente e capacidade de aprender ­ estão
interligadas, constituindo diferentes aspectos da inteligência.

INTELIGÊNCIA PRÁTICA, SOCIAL E CONCEPTUAL

Durante muito tempo considerou­se que os seres humanos seriam


dotados apenas de uma inteligência conceptual e lógica.
Thorndike, na década de 20, chama a atenção para outros tipos de
inteligência. Assim distingue:

* inteligência prática revela­se ao nível da actividade concreta,


envolvendo a

manipulação de objectos;
* inteligência social estaria na base dos comportamentos de
relação social;
* inteligência abstracta ou conceptual manifesta­se sobretudo na
capacidade

verbal e simbólica.

A inteligência prática’ manifesta­se empiricamente pela invenção,


fabrico e uso de

objectos, estando na base de respostas concretas aos problemas do


quotidiano. Esta inteligência recorre à capacidade de manipulação
e de mobilização de representações perceptivas.

A inteligência social manifesta­se na vida relacional e social e


na resolução de problemas interpessoais, recorrendo
predominantemente à intuição.

A inteligência conceptual, também designada racional e abstracta,


pressupõe o

recurso da linguagem e de outros sistemas simbólicos e manifesta­


se nas capacidades de compreensão, raciocínio, resolução de
problemas e tomadas de decisão.

Mais recentemente, Robert Sternberg (1985) e Richard Weinberg


(1989), reagindo às definições tradicionais de inteligência, que
dão ênfase a uma inteligência no sentido de julgar, compreender,
pensar racionalmente, propõem que se alargue este conceito a uma
inteligência prática, social. Segundo estes autores, para além de
uma inteligência criadora, conceptual, que se manifesta na
resolução de problemas novos, de uma inteligência mais voltada
para a resolução de problemas acadêmicos, existiria
O
@1 ­ No processo de desenvolvimento intelectual a inteligência
prática precede a inteligência conceptual. Recorda o

estádio sensório­motor (pp. 164­165)


uma inteligência prática requerida para resolver problemas do
quotidiano. Esta inteligência social e prática constituiria uma
capacidade para resolver problemas como:

* Vesponder a expressões faciaís e gestos que significam:


‘Gostaria de falar

consigo’ ou Tor favor não me incomode’.


* Observar duas pessoas a trabalhar e perceber qual é o chefe;
olhar para um

casal e concluir se têm uma relaçãojá há muito tempo ou se


acabaram de se conhecer.
* Com reender o que é mais importante para se ter sucesso no
emprego.
O
Kalat, J. W., Introduction to Psycbology, Brooks/Cole Publishing
Company, 1993, p. 414
O
É difícil separar em três categorias distintas a inteligência
prática, a social e a conceptual dado que interagem de forma
constante e construtiva segundo o tipo de questionamentos e
exigencias a que somos sujeitos.

Como verás quando estudares a teoria de Gardner, não há uma


inteligência mas inteligências.

Ao estudares a composição da inteligência abordarás outras


concepções Pre@fessor

(pp. 287 e ss).


Texto

Complementar 56 Concluímos esta primeira abordagem para definir


inteligência com a resposta Guia, p.84 dada por alguns
investigadores e autores à pergunta colocada pelo Le Nouvel
Observateur:

o que É a INTELIGêNCIA
Edgar Morin: “Há diversos tipos de inteligência, mais ou menos
adaptados ou aptos às actividades práticas, técnicas ou teóricas,
ou ainda às diversas categorias de necessidades e problemas
(abstractos ou concretos, gerais ou particulares, domésticos ou
políticos, materiais ou psicológicos, especulativos ou empíricos,
etc.), e há inteligências desenvolvidas num dom ni .o
ci.rcunsciito, mas adormecidasfora deste contexto... “
O
FRANÇOIS JACOB 2 : “Não há uma mas várias inteligências.
Imagínem Eínstein no meio da floresta virgem: não teria sido ele
o melhor! Falando mais a sério, a intelígêncía é a capacidade de
responder às situações mais dificeis e de prever os efeitos que
daí decorram.
O
@I ­­Sociólogo e cpistemólogo, autor de vários livros entre os
quais destacamos O Paradigma Perdido, O Método, Ciência com
Consciência,
2 ­ Prêmio Nobel da Medicina em 1965.
ELISABETH BADINTER1: ‘A inteligência é o conjunto defaculdades
que laboram para apreender o desconhecido ou o muito conhecido.
Supõe a

i.magi.nação, a atenção, a paciência, a dúvida, a modéstia, mas@


antes de mai.s, a curiosidade. Considero esta última como
elemento determinante da
1.nteligêncía, um elemento bem mais ímpor@ante que todas as
aptidões para a abstracção e análise, que vêm em segundo lugar
Contrariamente ao estereótipo representado pelo sábio fechado na
sua discíplina, considero que a

ínteligência atinge o seu apogeu quando é relacionada por uma


pessoa curiosa sobre tudo, sobre os seres e as coisas.

DANIEL COHEN’: “Inteligência vem do latim intellegêrc que quer


dizer compreender. A inteligência é, pois, à partida, a faculdade
de compreender. Mas é uma noção muito relativa, que depende do
meio no qual fomos educados. O citadino torna­se estúpido na
selva, onde o pigmeu se

omporta como o Homem mais inteligente do mundo. O que explica que


a

inteligência ou, melhor, as inteligências são relativas.

Le Nouvel Observateur, n.’ 1575 ­ 12/18 janeiro, 1995, pp. 10~14

INTELIGÊNCIA E INSTRUMENTOS DE MEDIDA

Foram, como sabes, A. Binet e o seu discípulo T. Simon 3 que


criaram a Escala Métrica de Inteligência constituída por testes
destinados a medir as capacidades mentais. Os’ testes eram
constituídos

por questões e exercícios so re iguras, números, letras,


palavras, em ordem crescente de dificuldade e variavam de acordo
com a idade’.

O resultado obtido nos testes indicava a idade mental. Se a idade


mental coincidisse com a idade cronológica, a criança era
considerada normal; assim, se, por exemplo, uma criança de 12
anos só conseguisse responder correctamente aos testes destinados
às de 8 anos, dir­se­ia que a sua idade mental seria de
8 anos; portanto, a criança apresentaria um “atraso”.

De notar que a escala está orientada para avaliar as capacidades


requeridas pela escola: o seu objectivo era fazer um prognóstico
do rendimento escolar.

O termo Quociente de Inteligência (Ql) é usado pela primeira vez


por Stern, na Alemanha, e retomado nos EUA por Terman que
publica, em 1916, uma versão

revista do teste Binet­Simon. Esta versão passa a ser denominada


por Escala
O
@1 ­ Investigadora na área de ciências humanas e sociais, autora
dos livros Amor Incerto, Um é o Outro, XY ­ a

Identidade masculina.
2 ­ Geneticista, autor da primeira carta mundial do genoma.
3 ­ Relê a p. 57.
4 ­ Binet aferiu a sua escala através da aplicação dos testes a
crianças com idades entre os 3 e os 11 anos.
Stanford­Binet’. O quociente de inteligência visa determinar a
relação entre a idade

mental (IM) e a idade cronológica OC). Para calcular o Ql, Terman


divide a idade

mental, obtida pela aplicação de uma bateria de testes, pela


idade cronológica multiplicando o resultado por 100.

Q1 IM X 100

ic

Assim, por exemplo, uma criança de 10 anos com a idade mental de


12 anos tem um Q1 de 12 ­­­ 10 x 100 = 120. Neste caso, a criança
teria um desenvolvimento da inteligência avaliada acima da média,
dado que o Q1 de 100 é considerado o valor médio.

Terman estabelece, a partir da testagem de vários sujeitos, as


seguintes categorias:
O
Idade
O
Item
O
80­89
O
Lentidão
O
90­109

Inteligência média

1 10­1 19

Inteligência superior

120­140

Inteligência muito superior


O
Quadro 21 ­ Itens da Escala Stanford­Binet de Inteligência

Item Descrição

Prancha com três furos Coloca formas (círculo, triângulo,


quadrado) nos furos correctos.

Construção de uma torre Constrói uma torre de quatro blocos


depois de feita uma
de blocos demonstração.

Construção de uma ponte Constrói uma ponte formada por


blocos laterais e um bloco

com blocos superior depois de feita uma


demonstração.

Semelhanças Respostas e perguntas do tipo:


“Qual é a semelhança entre um

navio e um automóvel?”. ,

Copiar um losango Desenha três losangos acompanhado


por um modelo impresso.

Vocabulário Define oito palavras apresentadas


numa lista.
O
Absurdos verbais Deve dizer o que está errado numa
história deste gênero: “Vi um homem bem vestido que possecivo
pelo rua com os mã os

nos bolsos e que agitava uma bengala novo.”

Inversão de cligitos Deve repetir oito cligitos de trás


para a frente.

TERMAN e MERRILL (196o), citado por C. Morgan, Introdução à


Psicologia, 1978, pp. 193­194 (adapt.)

Idade

2 anos

3 anos

7 anos

8 anos

Memória para histó

9 anos
O
F1 _­Stanford ­ nome da Universidade onde Terman leccionava.
Nos finais da década de 30, Wèchsler apresenta um teste para
adultos ­ a Escala

de Inteligência de Wèchsler para Adultos (WAIS ­ WeásIer Adult


Intelligence Test)
­, sendo revista em 1981 (WAIS ­ R). Constrói ainda uma escala de
inteligência para crianças, WISC1 e, mais tarde, uma específica
para o nível pré­escolar e 1.’ ciclo.

Apresentamos­te, em seguida, um quadro de provas da WISC em que


aparecem algumas questões verbais e de desempenho.

Quadro 22 ­ Escala de Inteligência de Wèchsler para crianças


(WISC)
O
TESTES VERBAIS

TESTE DE REALIZAÇÃO

Informação geral “Quais são as quatro estações do ano?” “Quem


descobriu o Brasil?’’

‘’Qual é a capital da Argentina?’’

Compreensão ‘’0 que devemos fazer quando nos cortamos num dedo?’’

‘’0 que farias se visses um comboio aproximar­se de um sitio?’’

Aritmética

“Um leiteiro tinha 25 garrafas de leite e vendeu 1 1.

Com quantas ficou?’’ “Tinhamos 72$00 para distribuir por 4


rapazes, Esse dinheiro foi igualmente dividido entre eles. Com
quantos escudos ficou cada rapaz?’’

Semelhanças “Em que são semelhantes um gato e um rato?’’ “Em que


são semelhantes uma montanha e um lago?’’

Vocabulário

‘’0 que é uma aflição?” “0 que é um campanário?”

Memória de dígitos Repete uma série de números por ordem,


primeiro em sentido normal e depois em sentido ‘inverso.

Complemento de gravuras indicar o que falta nas gravuras.

Disposição de gravuras Colocar uma série de imagens por ordem


para formar uma história.
Cubos Reproduzir um desenho geométrico com uma série

de cubos coloridos,

Composição de objectos Reunir as peças de um puzzle.


Código Fazer corresponder números e signos.

Labirintos

Resolução de labirintos.
O
NIARQUES, J. H. F. (Org.), Manual da E­Ia de Inteligência de
Wecbslerpam Crianças (WISC), instituto da Alta Cultura, 1976
(adapt.)

TESTES DE INTELIGÊNCIA ­ A POLÉMICA

já tiveste oportunidade de reflectir sobre algumas reservas que


se colocam à aplicação dos teSteS2. Os testes de
inteligência têm sido os que mais polémica têm suscitado. De
facto, nas primeiras décadas do nosso século, ao serem utilizados
de forma redutora e abusiva, conduziram ou justificaram a
discriminação social e
O
@1_­@SC ­ Wechsler Intelligence Scalefor Children.
2 ­ Relê as pp. 63 e 64.
racial. Um dos exemplos mais citados refere­se à aplicação dos
testes de inteligência aos emigrantes que chegavam aos EUA.
Assim, em 1917, psicólogos afirmaram que 83% dos emigrantes
judeus, 80% dos húngaros, 79% dos italianos e 87% dos russos

eram débeis mentais.

Robert L. Williams, um psicólogo negro, apresentou o seu


testemunho:

“Quase quefuí vítima destes testes. Aos 15 anos, tive uma


classificação no QI de
82, isto é, trêspontos acima das classes de educação especial.
Depois deste resultado, o orientador sugeriu­me a construção
civil, porque era ‘bábil com as mãos’. O meu

fraco QI, apesar de tudo, não me permitiu considerar esta escolba


desejável,

WILLIAMS, R., citado por Rathus, op. cit, pp. 225­226


O
Depois de uma utilização maciça dos testes de inteligência
(durante a Primeira

Guerra Mundial, o exército americano emprega mais de 300


psicólogos), assiste­se, na década de 60, a umaÃorte contestação
ao modo como estes instrumentos de medida eram utilizados. Muitos
psicólogos denunciam o facto de os testes terem justificado a
institucionalização da ideia de que os diferentes grupos étnicos,
raciais e sociais corresponderiam a diferentes aptidões
cognitivas, hereditariamente determinadas e reflectidas nos
resultados do Q11. É enfatizado o facto de os testes alimentarem
preconceitos culturais ao utilizarem fundamentalmente a
experiência da cultura ocidental.

Por outro lado, são cada vez mais as vozes que contestam a
possibilidade de se

avaliar as capacidades intelectuais de uma pessoa através de um


número. É esta a

ideia dos textos que a seguir te apresentamos.

“Será possível descrever através de um único número algo de tão


complexo como o intelecto bumano? Por analogia, tenta descrever
ofisico de uma pessoa com um simples número. Que números usarias
­ a

altura? o peso? o comprimento do braço? a medida do pescoço? Uma


média destas ou de mais algumas outras? Nenbuma medida ou média
únicas são adequadas. Para retratar o corpo
r p

en

as­ a esco_@ buma

ocor

p de alguém, precisarás de um conjunto de medidas de diferentes


partes do corpo. Não será a estrutura da

inteligência pelo menos tão complexa como a do corpo?”


O
GRAY, op. cit, p. 375

@I No livro ne Bell Curve: Intelligence and Class Structure in


American Life, The Free Press, 1994, C. Murray e R.

Hermstein, valorizando os resultados do QI, defendem que os


indivíduos diferem nas suas capacidades cognitivas, o que se
deveria fundamentalmente à hereditariedade. As pessoas de raça
negra teriam os Q1 mais baixos. A publicação desta obra gerou um
intenso debate nas revistas da especialidade e na imprensa em
geral. Os textos que te apresentámos nas pp. 281 e 282 fazem
parte de um desses debates.
Was talvez seja mais importante notar que os testes de
inteligência são alpenas uma selecção de um leque muito vasto de
aptidões intelectuais, em grande parte determinada pelos
critérios de sucesso vigentes na sociedade em que o teste foi
construído. Dos testes não se pode inferir nada quanto à
superioridade em geral, nem tampouco que os grupos com scores
abaixo da norma sejam menos

competentes em termos gerais. A competência é definida pelo meio


e não pelos testes.”

JESUNO, OP. Cit., p. 138


O
Psicólogos e educadores condenam sobretudo a absolutização de um
resultado que passa a rotular uma pessoa, marcando­lhe muitas
vezes o seu destino’. A crença de que um número ­ Q1 ­ é
suficiente para avaliar um individuo esquece o relativismo desta
avaliação e, sobretudo, a riqueza e a variedade das capacidades
humanas.

A questão talvez não se deva colocar na exclusão dos testes


mentais: são instrumentos úteis ao diagnóstico desde que
controlados os efeitos e acompanhados de outros meios e técnicas
de observação e avaliação.
O
W Reflecte sobre os materiais que te apresentamos e que foram
publicados no Nouvel Observateur, de janeiro de 1995, e na
revista Science et Vie, n.’ 928, de janeiro de 1995.
O
* Wa Inglaterra, foifeito um estudo em crianças que viviam em
barcos nos canais e poucofrequentavam a escola e que tinham um QI
na ordem de setenta. E quanto mais tempo viviam nessa situação
mais o QI baixava. Resultados semelhantes foram obtidos com
cri.anças ciganas que apenas i.am a escola trinta e cinco por
cento do tempo. Em contrapartida, Vernon apurou que crianças, em
condições à partída menos Javorecidas, aumentavam
substancialmente o seu QI com uma melboria de educação. “
O
JESUNO, OP. cit., p. 135
O
(1) Diz como se calcula o QI.

(@) Identifica e comenta a questão que é abordada no texto.


O
@1 De notar que, na apreciação de um resultado nos testes de
inteligência, o psicólogo deve ter em conta, para além das
vivências culturais, étnicas e sociais, outros factores: as
condições psicológicas do indivíduo no momento em que o teste é
aplicado (cansaço, stress, ansiedade ... ), o empenhamento, as
expectativas e a motivação, bem como a experiência da pessoa a
responder aos testes.
COMPOSIÇÃO DA INTELIGENCIA

Uma das questões mais discutidas sobre a inteligência refere­se à


sua composição, a sua estrutura: é uma capacidade única, global,
geral, ou é constituída por capacidades que correspondem a
aptidões específicas? Galton encarou a inteligencia como uma
entidade singular e única; Binet considerava que a inteligência
era constituída por um conjunto de atributos (memória, fluência
numérica, vocabulário, etc.).
O
ABORDAGEM FACTORIAL

O psicólogo inglês Charles Spearman (1927) desenvolveu uma


bateria de testes de vários tipos: de memória, de percepção, de
fluência verbal e de lógica. Aos resultados obtidos pelos
sujeitos, aplicou um método estatístico designado por análise
factorial. Através deste método seria possível estabelecer
correlações entre as aptidões
Quadro 4 Guia, p. 84
O
avaliadas pela aplicação dos testes. A análise estatistica da
estrutura da inteligência permitiria isolar os factores que
correspondem a aptidões intelectuais específicas.

Spearman, ao analisar os resultados, conclui que as pessoas que


têm uma elevada pontuação num tipo de teste têm tendência a obter
também classificações elevadas

noutros testes. Coloca a hipótese da existência de uma capacidade


de inteligência geral
­ o factor G ­ que estaria subjacente aos factores específicos ­
factores S’. Seriam estes

factores, que correspondem a aptidões especificas, que


explicariam que uma pessoa

fosse mais dotada para certo tipo de actividade do que outras.

Seria o factor G que dinamizaria o conjunto dos factores


específicos. A inteligência geral ­ fundamentalmente hereditária
­ estaria na base de todos os actos
intelectuais determinando por isso a capacidade da pessoa. Testes
adequados poderiam avaliar o factor G de cada pessoa.

A CONCEPÇÃO MULTIFACTORIAL

Louis Thurstone (1887­1956) desenvolve nos EUA, nos finais da


década de 30, uma concepção distinta da de Spearman, dado que nas
suas investigações não encontra fundamento para afirmar a
existência do factor G. Aplica uma bateria de

56 testes de aptidão, submetendo os resultados obtidos pelos


sujeitos à análise factorial. Da análise dos resultados conclui
que existiriam sete aptidões mentais primárias ligadas a tarefas
específicas:

1. Aptidões espaciais e visuais,­,­ capacidade de visualizar e


compreender formas e

relações espaciais.

2. Rapidez perceptual @,­ capacidade para compreender rapidamente


pormenores,

semelhanças e diferenças entre os objectos, os estímulos.

3. Aptidão numérica @@­ capacidade para fazer cálculos e resolver

operaçoes aritméticas.
4. Compreensão verbal capacidade para compreender o
significado das palavras.

5. MemórIa,,@!­ capacidade para reter e recordar a informação.

6. Fluidez verbal capacidade para compreender a linguagem

oral e escrita.

7. Raciocínio ­­ capacidade para tirar conclusões seguras a


partir

de afirmações gerais (raciocínio dedutivo) e para retirar


conclusões gerais a partir de exemplos particulares (raciocínio
indutivo).
O
@I ­­De entre os factores específicos, Spearman destaca o visual,
o verbal e o numérico.
Thurstone considera que a inteligência é multifactorial, isto é,
composta por vários factores, negando assim a existência de uma
inteligência geral. Assim se explicaria o facto de, por exemplo,
uma pessoa ter a aptidão numérica muito desenvolvida, resolvendo
com facilidade problemas de matemática, e uma fraca fluidez
verbal, o que lhe trará dificuldades no domínio da linguagem.

Ainda no contexto das teorias factoriais, Guilford, nos finais da


década de 50, considera que a inteligência é constituída por 150
factores ou traços (ver pp. 292­293).

TEORIA DAS INTELIGÊNCIAS MúLTIPLAS

Os autores que estudámos integrados nas teorias factoriais


fundamentavam as
Professc)r suas concepções na análise das correlações dos
resultados dos testes que aplicaComplementar 57 riam a um grande
número de indivíduos. Assim, identificaram diferentes tipos
ouGuia, p. 85 factores de inteligência.

Considerando que os testes psicométricos conduzem a uma concepção


limitada dado que só medem determinado tipo de inteligência,
psicólogos cognitivistas vão procurar conhecer os
j processos cognitivos envolvidos nos comportamentos
inteligentes.

Howard Gardner considera que existem sete tipos de inteligência


com regras de funcionamento próprias e que actuam de forma
independente ­ daí a designação de teoria das inteligências
múltiplas.

Enunciemos brevemente esses tipos de inteligências’:


1. Inteligência linguística :@­ aptidão verbal, mais
concretamente, as subtilezas de significado.
2. Inteligência lógico­matemática @@­ aptidão para raciocinar.
Desenho feito pori
3. Inteligência espacial aptidão para reconhecer
e desenhar relações espaciais.
uma criança autis& ,de 5 anos. A sua
4. Inteligência musical aptidão para cantar,
tocar um instrumento, compor
habilidade artistica

surgiu a partir dos música.


seus esforços sem

qualquer treino
5. Inteligêncía corporal­cinestésíca @­ aptidão para controlar
os movimentos de
(Gardner, 1985),
forma adequada e harmoniosa, como dançar, fazer atletismo,
manipular e usar utensílios e objectos, etc.
6. Inteligência ínterpessoal aptidão para
compreender e responder adequadamente aos outros.
Inteligência intrapessoal aptidão para se
compreender a si próprio. @1 ­ Em 1993, no seu livro Les
intelligences multiples, acrescenta uma 8.’ inteligência: ­ a
inteligência naturalista ­ capacidade para reconhecer e
distinguir plantas e animais. Põe também a hipótese de existir
ainda um outro tipo de inteligência: a inteligência existencial ­
capacidade de colocar questões sobre os grandes problemas da
existência.
Para Gardner, Os testes tradicionais só avaliavam os dois
Primeiros tipos de inteligência, não tendo em conta todos os
outros. Na nossa sociedade, a valorização das aptidões
relacionadas com a escola teria feito esquecer as outras
capacidades humanas’.

Para fundamentar a sua teoria das inteligências múltiplas, o


Psicólogo recorre a exemplos de Pessoas que apresentam atrasos
graves em quase todas as áreas inteas aptidões lectuais@ mas que
demonstram aptidões especiais, por teveriam ser valorizadas. A
teoria deste autor inspirou a cexemPlo, na arte. Na sua opinião@
todas

organização do currículo de algumas escolas que dividi­ ,am


equitativamente o terfipo lectivo pela língua materna,
informática, arte, matemática, música, etc.
O
(1) PrOPIlOs­te que leias e comentes as afirmaçÕes que
transcrevemos, procurando definir inteligência: ‘A actividade
inteligente consiste na compreensão dos asPectos essenciais numa
determinada SituaÇão, em resposta adequada a­ Mesma. “
O
IA inteligência é a capacidade de uma Pessoa para mostrar
7daPtativa orientadapara metas.,,

HEIM

uma conduta
O
STERNBERG e SALnR
O
‘A intelígência é a capacidade global do ar íntenciona fícazmente
com o meio. mente, pensar racionalmente e lidar eindivíduo Para
actu

‘A conduta inteligente cons@£t WECHSLER

e na nt

e gr

aÇão d

v e .x lizaçãopara resolverPrOb161nas novos sem P@c1.asPassadas


e na sua utirecorrer aoPrOcesso das tentativas e erros, 11 (2) A
inteligência é uma faculdade única ou é constituída Por vários
factores separados? COHEN EXPõe a concepÇão de Thurstone.
O
Texto RELAÇÃO ENTRE A INTELIGÊNCIA E DIVERSOS FACTORES Guia, P.
86
9 é produto da interacção Complementar 58 entre
hereditariedade e o meio. Análise de res

No capítulo 2 Pudeste constatar que a inteli ência

ultados de várias investigações que correlacionaram O QI


com a hereditariedade e factor,, sociais permitiram_te con cluir
que as capacidades intelectuais dependem da interacção entre
esses factores.

S191,do Gardner@ as diferentes culturas e a na Grécia Antiga que


todas as capacidades s diferentes épocas valorizaram diferentes
aptidões. Na sua opinião, foi

intelectuais humanas foram igualmente valorizadas.


O texto que se segue ajudar­te­á a recordar e a aprofundar este
tema.

‘A beredítailedade limita o grau em que a inteligência pode ser


influenciada pelo

meio e pelo tempo. Actualmente, é seguro afirmar que a


inteligência tem um compo­ Texto

Complementar 59 nente genético. Este componente genético


estabelece os limites dentro dos quais UM Guia, p. 86 qualquer
traço responderá à estimulação do meio. Esta zona limitada
geneticamente constitui a amplitude de reacção e pode ser
demonstrada com mais clareza no caso da altura bumana. Apesar da
altura de cada pessoa, que é um traço poligénico, poder ser
largamente influenciada porfactores do meio, tais como a
nutrição, existem alguns grupos depigmeus em África cuja altura
nunca sepoderia aproximar das dos norte­americanos médios,
independentemente das influências do meio”. ( .. ) Impwantes
figuras no campo da psicologia, como J Mc Vicker Hunt, Jerome
Bruner, Benjamin S. Bloom e David Krecb, consideram que a
variedade de estímulos é talvez o ingrediente mais importante no
desenvolvimento intelectual. Hunt afirma que quanto mais vemos,
ouvimos e tocamos no início da infância, mais queremos ver, ouvir
e tocar posteriormente. Segundo Runt, a cbave do desenvolvimento
cognítivo reside no ajustamento entre a capacidade intelectual
actual da criança e uma variedade de estímulos ngorosamente
doseada, que ponba em acção o desejo natural de continuar a
aprender. Bruner insiste que, para apoiar o desenvolvimento
intelectual, os bebés devem ser expostos a uma ampla variedade de
estímulos e a um meio em mudança constante. Bloom afirma que um
meio enriquecido durante as primeiras fases da vida constituí a
cbave para o pleno desenvolvimento da inteligência.

Sprinthall e Sprinthall, op. cit, pp. 433­435


O
Ainda segundo N. Sprinthall e R. Sprinthall, a maioria dos
psicólogos considera Texto
O
que a influência do meio se faz sentir de forma mais
significativa nos primeiros Complementar 60 anos de vida.
Guia, p. 87

As crianças, jovens e adultos são muito influenciados nos


aspectos intelectuais pelas expectativas ­ positivas e negativas
­ feitas sobre eles, sobretudo pelas pessoas significativas como
os pais, outros familiares, professores, colegas, amigos, etc.

Assim, tem sido estudado como os sujeitos tendem a ajustar­se às


expectativas pelo facto de estas influenciarem o autoconceito,
motivação para aprender, nível de aspiração, persistência na
realização de tarefas, etc.

Daí a importância de se viver em meios educativos que confiem e


transmitam essa confiança nas capacidades do sujeito (ver efeito
de Pigmalião*, p. 225).’

INTELIGENCIA E CRIATIVIDADE

No decorrer deste capítulo, analisaste a forma como diferentes


modelos explicativos encaram as diversas dimensões intervenientes
no comportamento inteligente. Vamos agora abordar brevemente dois
processos, duas formas de encontrar soluções para problemas.
Distinguiremos o pensamento convergente e divergente.
O
@I Ãlerta­se para os riscos das expectativas se poderem tornar
preditivas dos comportamentos esperados ­ profecias
auto­realizadas.
PERSONALIDADE
ÁLVARO DE CAMPOS

“DEPUS A MÁSCARA, E TORNEI A PÔ­LA.

ASSIM É MELHOR.

SEM A MÁSCARA.

E VOLTO À PERSONALIDADE COMO A UM TERMINUS DA LINHA...”

A palavra personalidade tem origem no termo latino "persona", que


significa máscara. Os actores do teatro antigo, concretamente da
tragédia grega, usavam uma
máscara durante toda a representação, permitindo aos espectadores
reconhecer a personalidade das diferentes personagens. A máscara,
pela sua constância, possibilitava prever o comportamento dos
intervenientes ao longo da acção.

A personalidade é o elemento relativamente estável da conduta de


uma pessoa, a estrutura que subjaz à constelação das
características de cada um de nós. É o
que nos torna unos e únicos, distinguindo­nos de todos os outros.

As referências à personalidade são muito frequentes na


conversação comum, atribuindo­se classificações e valores à
maneira de ser daqueles que nos rodeiam.
Assim, é frequente referirmos que alguém é tímido ou sociável,
seguro ou inseguro, introvertido ou extrovertido, disciplinado ou
impulsivo... Por vezes até se avançam explicações para certas
formas de estar e ser, procurando justificações para aqueles que
estão sempre à defesa, que encaram mundo como hostil, que se
dedicam a grandes ideais perseguindo utopias...

Subjacentes a estas considerações, que fazem parte do quotidiano,


estão vulgarizações de algumas teorias da personalidade que
estudarás neste capítulo.
Algumas perturbações e patologias da personalidade
como a despersonalização*, a personalidade esquizóide*,
paranóide­compulsiva*, obsessiva*, anti­social*, múltipla*...
são objecto de grande curiosidade.

O conceito de personalidade percorreu este livro. Neste capítulo,


procuraremos reelaborar uma síntese integradora do que já
estudaste nas unidades anteriores. Aliás, a compreensão da
personalidade envolve o entrecruzamento de saberes de várias
áreas do conhecimento: psicologia’, biologia, sociologia,
neurologia, antropologia e, também, história, artes plásticas,
literatura... Só uma visão interdisciplinar respeitará a
complexidade, pluralidade e dinamismo desta dimensão do ser
humano.

A psicologia diferencial/psicologia comparada estuda


comparativamente as diferenças individuais, isto é, as
características semelhantes e distintivas entre as pessoas e os
grupos, ao nível físico, mental ou de padrões comportamentais.
CONCEITO DE PERSONALIDADE

O conceito de personalidade, apesar da grande diversidade


conceptual, centra­se em alguns itens aglutinadores como
consistência, essencialidade, estabilidade, continuidade,
estrutura... A personalidade diz respeito a um conjunto de
características pessoais, persistentes e suportadas numa
coerência interna.

Quando nos referimos à personalidade de alguém, temos em conta os


seus sentimentos, emoções, pensamentos, atitudes, comportamentos,
motivações, tomadas de decisão, projectos de vida. Falar de
personalidade é também falar do sentido que a pessoa dá às
diferentes ocorrências e experiências da sua vida. Falar de
personalidade é ainda falar de comunicação e de relações
interpessoais, de comportamento social.

A personalidade é um conceito
que apela ao indivíduo, à sua unicidade, no que há de mais
nuclear e específico em si mesmo, mas, também, à sua
diferenciação, no que há de distintivo dos outros. A
personalidade permite que nos reconheçamos e sejamos reconhecidos
mesmo quando, ao desempenhar os vários
papeis sociais, usamos diferentes máscaras que representam as
diferentes personagens. A personalidade representa uma
fidelidade, uma continuidade de formas de estar e de ser.

‘A diversidade do comportamento humano não acontece


desordenadamente, ou à sorte, mas organiza­se em padrões ou
pautas de conduta facilmente identificáveis e características das
pessoas. Estes padrões de comportamento, diferentes uns dos
outros, constituem um fenómeno complexo, que inclui, pelo menos,
dois elementos, ambos relevantes. O primeiro é o facto
diferencial.­ pessoas diferentes reagem e comportam­se de modo
diferente numa mesma situação. O outro é a continuidade ou
(relativa) estabilidade do modo de conduzir­se de cada pessoa,
que parece tender para uma certa semelhança de comportamento
mesmo quando a situação é diferente. “

FIERRO, A., Personalidad.­ Teoría y Estudio, in Puente, op­ cit,


p. 538
Muitas denominações têm sido dadas para referir um mesmo objecto
de estudo: personalidade, identidade, carácter próprio.
O texto que se segue relaciona personalidade com as noções de
pessoa, temperamento* e carácter*.

‘A personalidade é simultaneamente um factor de


unidade e de comparação, permitindo precisamente distinguir no
Homem que actua aquilo que faz que seja um Homem e o que faz com
que ele seja aquele Homem.

Mais claramente, é cómodo, e para além disso banal, confrontara


personalidade a noções próximas, nomeadamente a pessoa, o
carácter e o temperamento.

A pessoa designa um indivíduo concreto. Na linguagem comum, a


personalidade pode designar também um ser concreto: quando, por
exemplo, se diz de alguém que e uma personalidade forte. Em
psicologia, no entanto, a personalidade distingue­se da pessoa ao
designar o conjunto de esquemas que organizam o comportamento do
indivíduo. É, portanto, uma noção abstracta fácil de confrontar à
de pessoa quando, por exemplo, se diz de tal pessoa que, com uma
personalidade como a sua, é surpreendente que tenha agido de tal
maneira.

A personalidade é, muitas vezes, confundida com o carácter


Contudo, este designa, antes de mais, as componentes instintivo­
afectivas da personalidade, enquanto que aquela engloba, além
disso, os elementos caracteriais (jovialidade,
agressividade ... ), mas também as aptidões cognitivas
(imaginação, inteligência...) e, ainda, as componentes físicas.

Quanto ao temperamento, remete prioritariamente para as


componentes fisiológicas hereditárias. Portanto, não é mais que
um aspecto da personalidade.

Quando se diz que a personalidade é uma noção abstracta, isso


quer dizer que repousa sobre inferências. Do mesmo modo que a
agressividade é inferida a partir da agressão, a personalidade é
inferida, a um segundo nível, a partir de traços como a
agressividade, a timidez, etc. Ela substitui a motivação, que é
ocasional, enquanto a personalidade assegura a continuidade do
comportamento. “

PIRE, F., Questions depsychologie, De Boeck, 1994, p. 176 O


livro de L'Ecuyer, Le concept de soi, aprofunda as diferenças
conceptuais entre as várias designações (ver bibliografia.)
Antes de analisarmos os diferentes olhares dos vários psicólogos
sobre este conceito, referiremos a polémica personalidade­
comportamento. Assim, a personalidade é, nalgumas concepções,
inferida a partir dos comportamentos observados, enquanto,
noutras, é a personalidade que vai explicar os comportamentos.
Nesta perspectiva, a personalidade transcende o estudo do
comportamento,

ela é a trama sobre a qual se tecem diversos padrões” (Petit, op.


cit., P. 176).

Muitas definições da personalidade foram expressas por diferentes


correntes e autores.
o quadro que se segue apresenta algumas.

Quadro 23 ­Algumas definições de personalidade

“Um padrão de acções, sendo a acção um padrão de conduta, uma


disposição a comportar­se de uma

maneira descritível.”

“Formas relativamente estáveis, características do indivíduo, de


pensar, experimentar e comportar­se.”

“Padrões de conduta e modos de pensar característicos de uma


pessoa, que determinam a sua adaptação ao meio que a rodeia.”
“Um sistema relativamente específico, definido e consistente de
disposições de necessidade, que operam como reacções selectivas
às alternativas que se apresentam ao indivíduo a partir da
situação.”

FIERRO, A., inPuente, op. cit., p. 539

A multiplicidade das definições de personalidade leva a que nos


interroguemos a este respeito.
‘A questão da personalidade recebeu tantas respostas que se pode
considerar uma questão sem resposta”.

­ Miport referiu cinquenta definições diferentes de


personalidade.
Propomos­te que, a partir das definições de personalidade que
transcrevemos, procures construir um texto que responda à questão
“o que é a personalidade?”

‘A personalidade não existe do mesmo modo que uma pele ou uma


pessoa; não se pode acariciá­la nem apertar­lhe a mão. É uma
construção hipotética inferida a partir do que diz (ou não diz) e
faz (ou não faz) um ser humano, para se perceber uma estrutura
relativamente estável de elementos que lhe são característicos,
que fazem com que ele não seja confundido com qualquer outro e se
possa prever o seu comportamento anterior numa dada situação. “

LEYENS

“O que a personalidade representa essencialmente é a noção de


unidade integrativa de um homem, com todo o conjunto das suas
características diferenciais permanentes (inteligência, carácter,
temperamento, constituição) e as suas modalidades próprias de
comportamento.

PIERON

‘A personalidade é a totalidade psicológica que caracteriza um


homem em particular

MEILI

“A personalidade é constituída pelos modelos de comportamento


distintos, incluindo os pensamentos e as emoções, que
caracterizam a adaptação de uma pessoa às exigências da vida.”

RAy

‘A personalidade é aquilo que permite um prognóstico do que a


pessoa fará numa dada situação.

CAMUs
NATUREZA DA PERSONALIDADE

A personalidade é uma construção pessoal que decorre ao longo da


nossa vida. Tem os seus alicerces no temperamento, sendo também
fruto de uma elaboração da nossa história de vida, isto é, da
forma como sentimos, representamos e integramos as nossas
experiências.

A personalidade não se pode isolar de aspectos pessoais como a


dimensão fisiológica, emocional, intelectual, sóciomoral, não
sendo também independente da consciência e da representação de
si, que cada um tem, nem da sua auto­estima.

A personalidade acompanha e reflecte a maturação psicológica e


esta avalia­se por características da personalidade como a
autonomia, o autocontrolo, a capacidade de comunicação
interpessoal, a expressão das ideias e dos afectos e a construção
de projectos de vida. O processo de maturação obtém­se através
dos conflitos, gratificações afectivas, frustrações, realizações,
crises... com que nos confrontamos.,

No capítulo sobre o desenvolvimento, já tiveste oportunidade de


abordar as diferentes dimensões e perspectivas de
desenvolvimento, o que, de um modo mais ou menos directo, te
remete para a evolução e construção da personalidade.

A personalidade é um processo dinâmico em que intervêm diferentes


factores.

FACTORES GERAIS QUE INFLUENCIAM A PERSONALIDADE

Nos diferentes capítulos, já discutimos, de forma mais ou menos


desenvolvida, a influência da hereditariedade, do meio social e
das experiências pessoais no comportamento e desenvolvimento dos
seres humanos. Por isso, só faremos uma breve referência a estes
factores e à forma como intervêm na construção da personalidade.

As diferentes teorias da personalidade vão privilegiar, como


verás, uns factores em detrimento de outros. Contudo, eles estão
intimamente relacionados: a personalidade é produto da
organização dinâmica das diferentes componentes. A influência
destes factores é, obviamente, diferente nos diferentes
indivíduos e nas fases diferentes do ciclo de vida.

Analisemos então três factores gerais que influenciam a


personalidade:

Influências hereditárias

Meio social
Experiências pessoais
personalidade: Influências hereditárias

O património genético do indivíduo define­se na sua singularidade


fisiológica e morfológica. Na determinação do temperamento estão
as variações individuais do organismo, concretamente a
constituição física e o funcionamento dos sistemas nervoso e
endócrino, que são em grande parte hereditários.

Quando estudaste os fundamentos da psicofisiologia, tiveste


oportunidade de analisar o papel da hereditariedade no
desenvolvimento e comportamento dos seres humanos. O estudo dos
gémeos ­ um dos métodos usados para analisar o papel da
hereditariedade (v. p. 106) ­ demonstrou que, na generalidade, é
nas características da personalidade que a semelhança é menor, em
comparação com as semelhanças físicas e intelectuais.

Para te aperceberes melhor da importância que os factores


biológicos têm na personalidade, basta recordares as perturbações
daqueles que são afectados pela disfunção do sistema nervoso e do
sistema endócrino.

“O padrão genético estabelecido no momento da concepção


influencia as características da personalidade que uma pessoa
desenvolverá. Deforma muito óbvia, o dano encefálico herdado ou
os defeitos de nascença podem ter influência pronunciada sobre o
comportamento da pessoa. Além disso, os factores somáticos
(orgânicos) como altura, peso ( .. ), o funcionamento dos órgãos
dos sentidos e outros podem afectar o desenvolvimento da
personalidade. “

WITTIG, A., Psicologia Geral, McGraw­Hili, 1981, p. 7 (adapt.)

As primeiras teorias da personalidade, concretamente as teorias


dos tipos, enfatizaram o papel dos factores biológicos e da
componente hereditária na estrutura da personalidade,
subalternizando o papel do meio e das experiências pessoais. A
psicanálise vai chamar a atenção para a componente pulsional de
raiz biológica na construção da personalidade.

Personagem: O Meio social

O papel dos factores sociais no desenvolvimento e comportamento


do ser humano foram objecto de análise detalhada nos capítulos
sobre a psicologia social e o desenvolvimento.

O meio social ­ família, grupos e cultura a que se pertence ­


desempenha um papel determinante na construção da personalidade.
A personalidade forma­se num processo interactivo com os sistemas
de vida que a envolvem: a família, a escola, o grupo de pares, o
trabalho, a comunidade... Uma personalidade é marcada por todo o
processo de socialização em que a família, sobretudo nos
primeiros anos, assume um papel muito importante pelas
características e qualidade das relações existentes e pelos
estilos educativos. O tipo de ambiente e de clima vivenciados
(gratificante, hostil, violento, harmonioso ... ) também
influenciam a personalidade. As investigações ecossistémicas e
antropológicas têm enriquecido o estudo da relação
pessoa/contexto de vida.

“Os psicólogos têm procurado determinar o efeito relativo da


hereditariedade e do ambiente no desenvolvimento da
personalidade, Em geral, parece que quanto mais próximo é o
relacionamento de duas pessoas, tanto mais provável é que as
características da sua personalidade sejam as mesmas. Entretanto,
esta tendência é afectada pelas circunstâncias ambientais. Assim,
gémeos idênticos criados juntos têm mais probabilidade de mostrar
padrões semelhantes do que os criados separadamente, mas mesmo
estes têm mais probabilidade de ser semelhantes do que irmã os
que não sejam gémeos.

WITnG, Op. cit, p. 28

As correntes comportamentalistas e da aprendizagem social


enfatizam o papel dos estímulos do meio, dos processos de
aprendizagem e dos modelos sociais na construção da
personalidade. A teoria da aprendizagem social, embora não
atribuindo muita importância ao mundo interior da pessoa,
reconhece, no entanto, a importância de variáveis específicas dos
sujeitos.
Recentemente, têm sido feitas interessantes pesquisas sobre as
causas sociais que estão na base do stress. Investigadores que
desenvolveram estudos mais alargados procuraram, para além dos
factores sociais, identificar a influência, na maneira de
ser e de sentir, de factores geográficos e climáticos (a
influência de viver em regiões desérticas, em ilhas, em zonas em
que os dias são mais curtos, etc.).

Personalidade: Experiências pessoais

“(..) como é que a criança chega um dia, diante do seu retrato,


ou do seu reflexo, a dizer ‘sou eu’, como é que ela toma, um dia,
posse dela própria? “

RENÉ ZAZZO

As experiências pessoais abarcam as vivências de cada um.


Atribui­se cada vez mais importância aos estádios do
desenvolvimento emocional da infância na construção da
personalidade.

A qualidade das relações precoces e o processo de vinculação na


relação da díade mãe/filho (v. pp. 184 e ss.) parecem ser
fundamentais na estruturação e organização da personalidade. René
Spitz foi um dos autores que mais estudou as consequências graves
da carência ou privação de afectos (comportamentos regressivos,
de ansiedade, de automutilação, de prostração, chegando mesmo à
morte).

A complexidade das relações familiares vai influenciar as


capacidades cognitivas, linguísticas e afectivas, processos de
autonomia, de socialização, de construção de valores das crianças
e jovens.

Embora quem lide com bebés note bem as diferenças entre eles,
vários psicólogos dizem ser entre os 2 e os 3 anos que começam a
surgir manifestações de afirmação do ego ­ personalismo. Esta é
uma fase em que a criança procura normalmente afirmar­se e
exercer poder sobre a família, o que frequentemente acontece pelo
negativismo (diz não, faz perrices, opõe­se às ordens...).

É interessante relacionarmos com o facto de nesta idade ela


empregar, na linguagem, o pronome eu em vez de se
referir a si na terceira pessoa (o bebé, o menino, o Zé, a Naina,
etc.). Esta fase de afirmação corresponde também ao período
edipiano da teoria psicanalítica que, como
sabes, é considerado central na estruturação psíquica.

Na construção da personalidade, outra etapa­chave e


a adolescência com a formação das identidades pessoal, de género
e psicossocial. São algumas das manifestações deste processo
interno a procura de uma assinatura personalizada, a afirmação ­
frequentemente com exageros ­ de uma
originalidade que se reflecte no vestir, nas ideias defendidas e
nas formas de se expressar.

Ocorrências e acasos ­ morte de familiares ou amigos, mudança de


terra, violação, encontros amorosos, divórcio, satisfações,
frustrações, cura de uma doença grave... ­ são experiências que
marcam a personalidade de quem as vive. Mas o sentido que nós
lhes atribuímos, a forma personalizada como as representamos, o
modo como conseguimos (ou não) superá­las e integrá­las na nossa
vida são também reflexo de uma personalidade.

Concluímos com uma síntese de Edgar Morin:

‘Assim, podemos avançar que a personalidade se forma e se


modifica em função de três séries de factores:

Hereditariedade genética. Herança cultural (em simbiose e


antagonismo com a precedente).

MORIN, E., Ciência com Consciência, Europa­América, s/d, p. 108


TEORIAS DA PERSONALIDADE

As teorias da personalidade constituem tentativas para descrever


e explicar o modo como os indivíduos se distinguem no seu estilo
geral de comportamento, na sua personalidade.

Tendo em conta o conceito de personalidade, compreendes que estas


teorias são as mais abrangentes e globais da psicologia. Como
verás, as grandes correntes da psicologia vão tentar explicar a
personalidade no quadro dos respectivos paradigmas. Para além de
propor quadros explicativos da personalidade, estas teorias
procuram prever o comportamento futuro dos indivíduos e, em
muitos casos, prescrever o tratamento de
algumas perturbações.

O que distingue as diferentes teorias são as diversas formas como


os autores enfatizam as diferentes variáveis que intervêm na
personalidade, o modo como se combinam, qual delas domina, como
interagem ... : os factores fisiológicos; os
factores relacionados com o meio; a motivação; as experiências
pessoais; as estruturas cognitivas... Portanto, podemos afirmar
que, subjacente a uma teoria da personalidade, está uma concepção
sobre a motivação, a cognição, o desenvolvimento... Cada uma das
teorias dá uma visão particular da personalidade.

Começaremos por abordar a teoria psicanalítica de Freud que


perspectiva a personalidade como que dominada pelas pulsões
inconscientes. Esta concepção psicodinâmica da personalidade
ajudar­te­á a integrar o que já estudaste sobre a psicanálise.

Abordaremos a teoria psicossocial de Erikson, relacionando­a com


o que aprendeste no capítulo sobre o desenvolvimento e
enfatizando o conceito de identidade.

A teoria da aprendizagem social de Bandura demarca­se das teorias


behavioristas tradicionais que encaram a personalidade como um
somatório de aprendizagens, tendo em conta apenas a variável meio
ambiente. Bandura considera que a personalidade se constrói por
processos de aprendizagem social com influência do meio e dos
modelos sociais bem como de factores pessoais.

As teorias humanistas estão representadas por Carl Rogers, cuja


concepção se centra na pessoa, e por Abraham Maslow, que alicerça
a sua teoria na hierarquia das necessidades, enfatizando a
necessidade de auto­realização.

Concluiremos este tema expondo a teoria das necessidades


psicológicas de Murray’ entrada na análise individual.

Para além destas teorias, podemos ainda referir a concepção de


Kurt Lewin, que perspectiva a personalidade como um campo de
forças, e a teoria social cognitiva de Rotter, que se baseia numa
interpretação cognitiva do controlo que cada indivíduo tem sobre
o seu comportamento. A corrente ecossistémica perspectiva a
personalidade como um sistema auto­regulado.
personalidade: TEORIA PSICANALÍTICA

A psicanálise é um corpo teórico explicativo da estrutura


psíquica, da vida mental e afectiva e um processo terapêutico das
perturbações da personalidade.
Esta teoria vai centrar a explicação do comportamento em factores
energéticos e internos à própria pessoa, apresentando assim uma
perspectiva intrapsíquica do funcionamento humano. A
personalidade é orientada por forças pulsionais, marcadas pelo
inconsciente, por uma grande importância atribuída à infância e
às relações de objecto.

A experiência clínica de Freud fê­lo valorizar os primeiros anos


de vida e compreender como o acesso ao mundo inconsciente (das
pulsões, desejos, conteúdos reprimidos ... explica as
perturbações neuróticas.

Recorda a imagem do icebergue: a parte consciente da


personalidade corresponde à parte visível; o pré­consciente é a
zona flutuante que toca a tona da água; o inconsciente é a parte
não visível, mergulhada e a maior do nosso aparelho psíquico (v.
pp. 26 e ss.).

Numa segunda tópica, personalidade, comportamentos, fantasias,


crenças, opções de vida... são explicados pela dinâmica entre as
instâncias do aparelho psíquico ­ id, ego e superego ­ que se
formam ao longo do desenvolvimento psicossexual.

O PRINCÍPIO DO PRAZER E O PRINCÍPIO DA REALIDADE

Contrariamente às concepções vigentes, a vida psíquica não


decorre de uma forma lógica, controlada e previsível. É antes
caracterizada por um dinamismo resultante de forças antagónicas
que se chocam e se degladiam.

Para Freud, dois princípios fundamentais regem a vida psíquica: o


princípio do prazer e o princípio da realidade.

O princípio do prazer, que visa a realização imediata dos


desejos, rege o inconsciente e o id. O princípio do prazer entra
em conflito com a zona consciente, dominada pelo princípio da
realidade, já que, de acordo com aquele princípio, o sujeito
deverá lutar pela satisfação pulsional.

O princípio da realidade, que domina a vida consciente e


corresponde à necessidade de adaptação ao real social, visa um
comportamento controlado, adequado às exigências desta.
O ego, regido por este princípio e tendo em conta as exigências
do superego, vai avaliar quais as pulsões do id que podem ou não
ser satisfeitas.
O superego, que existe, enquanto instância do aparelho psíquico,
mais ou menos a partir dos 5 anos, vai impor ao ego valores
morais e regras socioculturais, levando­o a viver conflitos,
ambivalências, complexos, sofrimentos (sentimento de
culpabilidade), mas também orgulho e bem­estar consigo próprio.
Através dos princípios do prazer e da realidade, Freud pretendeu
explicar alguns processos psíquicos da personalidade como
conflitos, fugas e defesas, mas também desejos, expectativas e
ambições.

PERSONALIDADE E DESENVOLVIMENTO PSICOSSEXUAL

O desenvolvimento da personalidade é, na perspectiva freudiana,


centrado no desenvolvimento psicossexual.

O desenvolvimento psicossexual faz­se através dos vários estádios


que correspondem à prevalência de diferentes zonas erógenas, isto
é, de partes do corpo cuja estimulação pode produzir uma
excitação sexual. A boca e os lábios no estádio oral, a mucosa
intestinal no estádio anal e os órgãos sexuais no estádio fálico.
No estádio de latência, após uma amnésia infantil, a criança
esquece a sexualidade anterior, havendo uma diminuição do
interesse libidinal. Na puberdade, a
sexualidade reaparece, mais focalizada nas zonas erógenas
genitais, procurando a satisfação nas relações com o outro (v.
pp. 175 e 176).

Os entraves à satisfação pulsional podem levar a uma fixação,


isto é, a que uma parte da energia pulsional fique bloqueada,
presa em determinado estádio do desenvolvimento.

Freud viveu uma época e uma cultura que reprimiam fortemente a


sexualidade desde a infância. Os sintomas neuróticos, as doenças
psicossomáticas, os sofrimentos causados pela culpabilização, as
passagens ao acto, as regressões... que ele encontrou nos seus
pacientes estavam relacionados com a vida sexual.

Ao longo do desenvolvimento da vida, as pessoas


confrontam­se com conflitos e complexos. O complexo de Édipo do
rapaz e da rapariga (também denominado
complexo de Electra no processo da rapariga) é nuclear na
personalidade. O ultrapassar desta triangulação conflitual pai­
mãe­filho(a) é condição necessária ao desenvolvimento
do equilíbrio, à satisfação amorosa e à maturação psíquica, já
que é dele que o superego faz o seu aparecimento.

As características da personalidade de cada um resultariam, em


grande parte, das características inatas, das relações de objecto
que estabelece, das identificações, das formas de resolução de
conflitos intrapsíquicos e dos mecanismos de defesa que
privilegiou (relê as pp. 272 e 273).
“Os conflitos são, pois, inevitáveis entre estes três níveis [id,
ego e superego], é a maneira como serão resolvidos que vai
imprimir uma orientação a cada um dos nossos comportamentos. Uma
solução realista dos conflitos resulta de um ego forte, capaz de
a todo momento decidir entre as exigências do id e as pressões do
superego, afim de determinar qual é o comportamento mais eficaz e
mais coerente a adoptar. Esta visão, no entanto, é relativamente
utópica:
Frequentemente, pelo contrário, as frustrações sentidas pelo id,
sob as pressões do superego, levam o ego a liquidar as tensões
pela utilização de diversas ‘válvulas, como um comportamento
agressivo, uma fuga no álcool ou na droga, (­) ou ainda a adopção
de mecanismos de defesa que são medidas implementadas pelo ego
para conter as pulsões. “

GODEFROID, OP. Cit., p. 593

palavras: ­­
conflitos intrapsíquicos, princípio do prazer, princípio da
realidade, psicossexual idade.

personalidade: TEORIA PSICOSSOCIAL DE ERIKSON

‘A identidade constrói­se no confronto do idêntico e da


alteridade*, da semelhança e da diferença.”

PIERRE TAP

Erik Erikson’ é um psicanalista que perspectiva o desenvolvimento


da personalidade não em termos da psicossexualidade mas numa
perspectiva psicossocial, ao longo de toda a vida, através das
oito idades do ciclo da vida.

O conceito central da sua teoria é o da identidade. A identidade


está relacionada com o sentimento pessoal de se sentir como um
ser único integrando o passado e antecipando um futuro; dando um
sentido histórico à existência.
A identidade constrói­se tendo em conta as representações feitas
sobre nós, bem como as interacções e os confrontos entre as
representações que os outros fazem de nós e as que nós fazemos de
nós próprios.

A personalidade, aqui entendida pelo conceito de identidade, tem


em conta a dimensão biológica, social e individual.
Os contextos sociais de vida podem ou não facilitar a construção
da personalidade. Os aspectos culturais modalidades sociais, o
meio psicossocial, as influências educativas vão intervir num
desenvolvimento predeterminado reforçando, bloqueando, inibindo,
estimulando. Erik Erikson refere a necessidade, no processo de
formação de identidade, de a pessoa se poder confrontar com
várias alternativas, pois este processo implica ser: a) ­ como
todas as outras pessoas;
b) ­ como algumas outras pessoas; c) ­ Como nenhuma outra pessoa.

GALLATIN, op. cit, p. 201

Isto é, a singularidade pessoal (como nenhuma outra pessoa), é


banhada pela identificação com o grupo social de pertença (todas
as outras pessoas), mas cada um faz opções, isto é, escolhe
determinados indivíduos como modelos (algumas outras pessoas).

A identidade forma­se numa continuidade que une as diferentes


transformações num processo cumulativo de desenvolvimento. As
oito idades do ciclo de vida do nascimento à morte ­ são
atravessadas por uma crise bipolarizada numa vertente positiva e
numa vertente negativa. A forma, positiva ou negativa, como se
supera a problemática conflitual tem em conta o passado e terá
repercussões nos estádios futuros.

“Cada estádio implica um dilema particular em que o indivíduo


desenvolve atitudes básicas que marcam a sua evolução como ser
social e contribuem para o desenvolvimento da identidade. Estas
atitudes básicas surgem em cada estádio como orientações polares,
isto é, o indivíduo pode emergir de cada um deles com um sentido
de si próprio reforçado ou debilitado. Estas orientações polares
são conflitos nucleares, ou seja, momentos de crise e de ssíntese
activa do eu em que o indivíduo está perante soluções
contraditórias que implicam tomadas de desisão.
A fase nodal, fulcral da
5.@ idade ­ identidade versu construção da identidade Passa­se,
Para Erikson, na e 18/20 anos s

A adolescência, d@rUsã01confusã0 de ídèntidade@

devido às grandes entre cerca dos


2 fase com novas características Puls,Ona,s@
POtencialidades elásticas desta ‘s e corporais, perrganizar
ofuturo,, com Mite formular avaliações, reelaborar o passado e
­­­o @ n de formas de ser, de pensar, de viver.
cOgnitivas 1 lOciona­ Opções

Entre Os Problemas de identidade, Erikson evidenciou a


identidade negativa que ele diz acompanhar a positiva como forma­
se ligada a ideais e a negativa represe “Uma
sombra” A identidade positiva ciando um desprezo pelos modelos
vigentes. nta papéis sociais indesejados
denun­­­( . ) um diagrama ePigenético inclui um sistema de etapas
dependentes

individuai­spossam ter sido exploradas de modo


reciproca ente; e mesmo que as etapas adequado
mais ou menos completo m

O diag­ma sugere que o seu estudo pross . ou


denominadas de modo mais ou menos (Erikson, @976 (a), P. 251).
lga, selnPre considerando a confíguração total das eta

pas,, Erikson Pretende relacionar, neste diagrama, as zonas


erógenas do desenvolvimento Psicossexual freudiano e os estádios
do ciclo vital.
“Na identidade negativa há uma procura de ser díferente de toda a
gente. Há uma negação de qualquer símílitude étnica ou social.
Tudo o que é próprio ao sujeito é mínimizado; tudo o que é
estranho é supervalorizado. Esta atitude de singularidade pode
levar paradoxalmente à formação de grupos que encontram laços de
união através da afirmação de uma antí­sociedade. Assim se
constituem gangs de delinquentes juvenis, ( .. )
de toxicómanos que, na sua ambição de se oporem à sociedade
constituída, terminam por se arregimentar em seitas ou em se
ligar por códigos mais severos do que os em vigor na sociedade da
qual se afastaram. “

PEREIRA, O. G., et al., Desenvolvimento Psicológico da Criança,


2.’ vol., Moraes, 1972, p. 289

crise, identidade negativa, identidade psicossocial, oito idades.

Sintetiza o conceito de identidade, base da teoria psicossocial


de Erik Erikson.

‘A identidade constrói­se no confronto do idêntico e da


alteridade, da semelhança e da diferença.

PIERRE TAP

(J) A partir do texto esclarece o conceito de identidade na


teoria de Erikson.

(@) Refere os factores que intervêm no processo de construção da


identidade.

TEORIA DA APRENDIZAGEM SOCIAL

As correntes behavioristas tradicionais enfatizaram a acção do


meio e dos processos de aprendizagem no comportamento. Como já
estudaste, minimizavam as variáveis internas e pessoais: a
personalidade e o comportamento do indivíduo eram

produto da influência do meio.

Para os comportamentalistas, a personalidade é a ponte, o


,mediador entre a situação e a resposta. No seu conceito de
personalidade não estão em jogo os sentimentos e os desejos; a
personalidade é encarada como o produto da acumulação das
aprendizagens por condicionamento que ocorreram ao longo do
tempo.

A teoria da aprendizagem social mantém a preocupação em


assegurar a objectividade das suas pesquisas através do estudo do
comportamento observável. Apesar de enfatizarem a
importância do meio, os teóricos da aprendizagem social, como
Bandura, vão valorizar as variáveis pessoais: as expectativas, os
valores, as competências, as aptidões, os hábitos
culturais, etc. O comportamento é produto da interacção entre as
variáveis da situação (que inclui o comportamento dos outros) e
as variáveis pessoais. No processo de aprendizagem, as pessoas
não têm um papel passivo: influenciam e são influenciadas pelo
meio, afectam e são afectadas pelas situações. É neste processo
de interacção contínua que a pessoa se modifica e modifica o meio
de acordo com as suas competências, expectativas, experiências,
condutas anteriores, proJectos, etc. O comportamento do indivíduo
não é determinado de forma mecânica e fatal pelo meio; ele tem
também a capacidade de regular o seu comportamento.

Bandura designou por determinismo recíproco a influência mútua


entre a pessoa e o meio. Segundo este autor, “a conduta, os
factores Pessoais internos e as influências ambientais actuam
todas como determinantes relacionadas umas com as outras”.

Poderíamos esquematizar deste modo o determinismo recíproco:

Influências ambientais

MYERS, OP. cit., P. 396


O
A personalidade não é inata nem apenas determinada pelo meio: é
no jogo das interacções entre os diferentes factores e variáveis
que se pode compreender o comportamento actual das pessoas.

Em todo este processo, assume particular importância a


aprendizagem por modelação (ou modelagem), conceito que já
estudaste’: o indivíduo aprende observando modelos como os pais,
adultos significativos, colegas e amigos, personagens da moda, do
cinema, de bandas musicais, heróis... “Segundo os teóricos da
aprendizagem social, os indivíduos são conscientes e implicam­se
deliberadamente na aprendizagem. As pessoas não estão
simplesmente à mercê do meio. Procuram antes descobri­lo.
Modificam e adaptam o meio para obter reforços acessíveis. “

RATHUS, OP. Cit., P. 326

­Palavras­ comportamento observável, determinismo recíproco,


modelação/modelagem. @ h a _ve

310 1 D E

E~ Eu n
O
(1) Relaciona a teoria da personalidade de Bandura com o que
aprendeste sobre a aprendizagem social no capítulo S.
O
FI­­­Relê as pp. 221 e ss.
Carl Ranson Rogers nasceu nos EUA, em Cial< Park, nos arredores
de Chicago. É ele que nos
conta como foi marcado pela vida: “Fui educado numa família
extremamente unida onde reinava uma atmosfera religiosa e moral
muito estrito e intransigente, e que tinha um verdadeiro culto
pelo valor do trabalho. Fui o quarto de seis filhos. Os meus

pois tinham­nos um grande afecto e o nosso bem­estar era para


eles uma preocupação constante. Controlavam também o nosso
comportamento de uma maneira ao mesmo tempo subtil e afectuosa.”
(Rogers, 1970, p. 17) Aos doze anos, os pais compraram uma
fazenda ROCE e esta experiência suscitou­lhe um
grande interesse pela zoologia e agricultura. Fez uma formação,
durante dois anos, para ser pastor protestante, mas desistiu,
tendo­se formado em psicologia. No entanto, uma grande
religiosidade marcou com um cunho missionário o trabalho como
psicólogo e impregnou de idealismo os aspectos de prevenção
social de que se revestia a sua teoria e prática. Afirmou que
apresentava as suas ideias “como hipóteses de trabalho para serem
aceites ou rejeitadas”. A sua teoria de não­directividade foi por
si considerada como uma filosofia de vida, uma maneira de ser. As
suas concepções humanistas, numa teoria do ego, valorizavam

a pessoa, que ele concebia como naturalmente boa, com capacidades


de racionalidade e de mudança, numa procura contínua de afirmação
pessoal e de auto­realização.
O centro universitário de aconselhamento, por si criado, foi um
laboratório vivo de experimentação, J reflexão e
produção de saber. Rogers foi o primeiro terapeuta a declarar que
gravava as sessões com os seus clientes e que a análise das
sessões gravadas tinha sido base de um estudo crítico sobre o
processo terapêutico. Denunciou o carácter negativo da rotulagem
psiquiátrica e da relação
902~ 1987) de dependência terapeuta­doente. Para este
psicólogo, os problemas das pessoas não deveriam ser
patologizados. A abordagem centrada na pessoa marcou a psicologia
com conceitos importantes como os de congruência, aceitação
incondicional positiva e empatia. Com esta base conceptual, o seu
trabalho clínico de relação de ajuda para além da psicoterapia
individual desenvolveu­se com os “grupos de encontro” onde
procurou aprofundar estes princípios numa comunicação autêntica e
igualitária. É uma terapia de crescimento do ego (self growth).
Foi professor na Universidade de Ohio, Chicago e Wisconsin e,
entre a sua vasta obra, salientamos: Tomar­se Pessoa, Relação de
Ajuda e Psicoterapia, Grupos de Encontro, Liberdade para Aprender
e Terapia Centrado no Cliente.

ROGERS E A ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA

Rogers é um humanista’ que apresenta uma abordagem globalizante


centrada na pessoa e que, tal como Maslow (v. pp. 318 e 319),
acredita na capacidade natural de auto­realização do indivíduo.

Carl Rogers opõe­se à ideia da pessoa como ser irracional


dominado pelas pulsões e com dificuldades de autocontrolo. Para
ele, a pessoa tenta racionalmente organizar a sua vida para
atingir os objectivos pretendidos.

A personalidade é positiva, racional e realista. A pessoa é


autónoma e capaz de se desenvolver, se afirmar, se autodirigir e
desfruta de um potencial de crescimento pessoal e de uma
“orientação positiva”. “( .. ) a experiência mostrou­me que as
pessoas têm fundamentalmente uma orientação positiva. “ “( .. )
a vida, no que tem de melhor, é um processo que flui, que se
altera e onde nada está fixado. “

ROGERS, C. R., Tornar­se Pessoa, Moraes, 1970, pp. 37­38 @_I­


_Rogers foi também considerado um fenomenólogo por ter em conta o
sujeito e a sua experiência subjectiva da realidade.
A teoria da personalidade rogeriana baseia­se numa racionalidade
centrada na pessoa e no seu potencial de crescimento, na sua
capacidade de auto­realização. Existe uma tendência inerente ao
indivíduo para desenvolver activamente as suas potencialidades na
procura das finalidades pretendidas.

A pessoa tem competências que lhe permitem conhecer­se,


aceitar~se e transformar­se. Assim, vai resolver problemas,
avaliar­se a si própria e às situações e orientar racionalmente a
sua vida. A pessoa deve atingir o “sentimento positivo de
satisfação consigo mesma”. Tem, pois, uma capacidade de auto­
regulação.

“O indivíduo possui dentro de si vastos recursos para a


autocompreensão, para a modificação dos seus autoconceitos, das
suas atitudes e do seu comportamento autónomo.

ROGERS, C. R., Um Jeito de Ser, EPU, 1983, p. 38

Rogers construiu a sua teoria da personalidade baseado na


actividade clínica. Os problemas da personalidade são, em grande
parte, ­41

incongruências entre a auto­imagem, o autoconceito e a realidade.


A pessoa deve saber integrar a experiência no conhecimento de si
própria, evoluindo com confiança, realizando­se.

A pessoa é sensível às representações e avaliações que os outros


fazem de si. A abordagem centrada na pessoa deve facilitar o
processo de mudança do sujeito criando as condições psicológicas
através da relação interpessoal, de autenticidade, aceitação e
empatia’.

“A autenticidade, a aceitação e a empatia são a água, o sal e os


nutrientes que permitem que a gente cresça como um carvalho
vigoroso. “

MYERS, Op. cit, p. 391

Um clima ‘facilitador do crescimento “deve ter estas três


condições:

Autenticidade ­ é uma atitude de abertura ao outro, com expressão


dos sentimentos. Ser­se autêntico é ser­se com transparência, não
sendo “uma fachada, um papel ou uma ficção”.

A autenticidade implica a necessidade de se ser congruente* entre


o comportamento, os pensamentos e as emoções.

‘julgo que aprendi isto junto dos meus pacientes, bem como
através da minha experiência pessoal ­ não podemos mudar, não nos
Podemos afastar do que somos enquanto não aceitarmos
profundamente o que somos. Então a mudança parece operar­se mesmo
sem termos consciência disso. “

ROGERS, 1970, p. 29

A terapia não­directiva aprofundou estas características


consideradas necessárias na construção de um clima de
confiança que possa permitir ao cliente autoconhecer­se e
transformar­se.
Aceitação ­ é uma atitude de “consideração positiva
incondicional”, que se baseia numa atitude de atenção, de procura
de compreensão sem crítica nem julgamento. A pessoa precisa de
ter confiança em si e de se sentir aceite pelos outros.
Necessita­se de um “olhar positivo “sobre nós próprios e os
nossos comportamentos. A possibilidade de um indivíduo se
realizar depende da existência deste clima promotor e
facilitador.

“Descobri que é quando posso aceitar uma outra pessoa, o que


significa especificamente aceitar os sentimentos, as atitudes e
as crenças que a constituem como elementos integrantes reais e
vitais, que eu posso ajudá­la a tornar­se pessoa: e julgo que há
nisto um grande valor.

ROGERS, 1970, P. 32

Empatia é uma atitude afectiva e


‘Í compreensiva de comunicação interpessoal. Procura­se a
compreensão da pessoa e do seu mundo interior, como ele próprio o
entende.

A compreensão por empatia exige que sejamos capazes de nos


descentrarmos para entendermos o outro do seu ponto de vista.

Y .. ) captar o mundo particular da pessoa como se


fosse o seu próprio mundo, mas sem nunca esquecer esse carácter
de ‘como se'­ é isso a empatia. “

ROGERS, 1970, p. 265

Algumas críticas tecidas à sua teoria dirigem­se ao facto de este


autor não ter suficientemente em conta a realidade social e os
seus conflitos.

Palavras­ aceitação, autenticidade, congruência, empatia,


não­directividade. e h . @,, .

­­­­­­­­­­ D E

nas minhas relações com as pessoas descobri* que não ajuda, a


longo prazo, agir como se fosse eu.

ROGERS

Diz quais são as atitudes e condições subjacentes a esta citação


e caracteriza­as.

A maioria das pessoas vive em climas onde existe uma


“consideração positiva condicional”, isto é, onde se aceitam
apenas determinados comportamentos da pessoa e onde se impõem
condições (Só gosto de ti se não fores preguiçoso).
MASLOW E A TEORIA DA AUTO­REALIZAÇÃO

Para este autor, é a hierarquia das necessidades ­ a pirâmide de


Maslow ­, que estudaste no capítulo sobre a motivação’, que está
na base da sua teoria da personalidade. A motivação é o motor da
vida das pessoas, sendo a personalidade marcada pelos diferentes
itinerários percorridos pelo indivíduo à medida que as
necessidades são satisfeitas.

Maslow vai dar particular atenção à necessidade de realização dos


talentos e potenciais individuais. Para estudar e identificar as
características da personalidade de indivíduos que considerava
auto­realizados, Maslow analisou várias biografias: Abraham
Lincoln, Thomas jefferson, Albert Einstein, Albert Schweitzer,
entre outros. Observou e entrevistou amigos, colegas e estudantes
universitários, que ele considerava auto­realizados, procurando
através destes processos construir uma lista com as principais
qualidades de pessoas que teriam atingido o vértice da pirâmide
de necessidades.

“Segundo Maslow os indivíduos auto­realizados:

* percebem a realidade de modo preciso;


* aceitam­se a si próprios, aos outros e ao mundo;
* são espontâneos e despretensiosos;
* centram­se mais nos problemas do que em si próprios;
* valorizam a solidão,
* são autónomos;
* reagem com respeito aos mistérios da vida;
* têm experiências fortes;
* identificam­se com a Humanidade;
* têm relativamente poucos amigos, mas levam­nos a sério;
* partilham valores democráticos;
* têm um forte sentido ético;
* têm sentido de humor sem hostilidade;
* são criativos;
* resistem à enculturação.

MASLOW, A., Motivation and Personality, citado por Gray, op.


cit., p. 584 (adapt.)

Maslow vai­se demarcar criticamente da concepção freudiana de


criatividade. Contrariamente ao fundador da psicanálise, Maslow
considera que as pessoas só podem desenvolver a sua criatividade
se as necessidades básicas estiverem relativamente satisfeitas. A
produção artística e científica não resultaria assim do
O
@1 ­ Relê as pp. 266 e ss.
2 ­ A. Lincoln (1809­1865) foi presidente dos EUA (1860­1865),
tendo proclamado a emancipação dos escravos.
T. jefferson (1743­1826) foi presidente dos EUA entre 1801 e
1809; A. Einstein (1879­1955) foi um cientista, principalmente
conhecido pela teoria da relatividade; A. Schweitzer (1875­1965),
médico e teólogo francês, recebeu o Prémio Nobel da Paz em 1952.
direccionamento das energias recalcadas ­ fundamentalmente de
natureza sexual ­ para fins mais elevados.

Uma das criticas apontadas a Maslow refere­se ao carácter pouco


rigoroso, não cientificamente provado, da sua teoria: teria
analisado e estudado pessoas que ele previamente considerara
auto­realizadas. Segundo os críticos, ao escolher determinadas
biografias e ao observar determinadas pessoas, usou um processo
circular e partiu de valores e caracterizações pessoais que os
seus estudos só vieram confirmar. Além disso, o conceito de auto­
realização é difícil de ser objectivado e, portanto, analisado
cientificamente.

Apesar destas críticas, a concepção de Maslow é considerada por


muitos uma matriz que ajuda a compreender a personalidade humana.
A hierarquização das necessidades, reflectidas na sua pirâmide,
passou a ser uma referência importante no estudo da motivação e
da personalidade humana.

palavras: ­­ auto­realização, hierarquia de necessidades,


motivação.

D E

De entre as personalidades da vida nacional e internacional,


escolhe uma que consideres uma pessoa auto­realizada. justifica
as razões da tua escolha.

Henry Alexander Murray nasceu em Nova F7 A


Iorque. Formou­se na Escola de Medicina e Cirurgia de Colúmbia em
1915, tendo­se doutorado em Bioquímica na Universidade de
Cambridge, em Inglaterra, em 1927. Foi neste
ano que se começou a interessar pela psicologia, tendo contactado
com a corrente psicanalítica. Chegou, inclusive, a fazer uma
breve análise com Carl Jung, em Zurique. Afasta­se das concepções
da corrente freudiana, regressando aos
EUA como professor de Psicologia na
Universidade de Harvard, passando, em 1928, a dirigir a Clínica
Psicológica da Universidade. Aí, MUR dedica­se sobretudo ao
estudo da personalidade, tendo publicado, em 1938, a obra
Investigações Sobre a Personalidade. Nas suas pesquisas recorre a
vários métodos: clínico, experimental, histórico,
psicanalítico...

G­1,, R A F 11 CC Foi um dos fundadores do Instituto de


Psicanálise de Boston, tendo concluído uma formação que lhe
permitiu praticar psicanálise. Uma das contribuições mais
conhecidas deste

o estudo da personalidade foi o desenautor para volvimento, com


Cristiana Morgan, do Teste de Apercepção Temática (TA1@ muito
utilizado nos

nossos dias.

Após 36 anos de leccionação em Harvard, deixa esta Universidade


em 1962, tendo recebido a
medalha de ouro da ­Fundação Psicológica Americana pelos seus
trabalhos.
93­1988) O desenvolvimento das suas pesquisas sobre a
personalidade levou­o ao estabelecimento de uma teoria que
denominou personalogia. Os seus ensaios e trabalhos foram
reunidos em volume editado pelos seus colegas sob o título: Os
Estudos de Vidas: Ensaios Sobre a Personalidade de Henry A.
Murroy.
MURRAY E A TEORIA DAS NECESSIDADES PSICOLóGICAS

Murray vai considerar que só a análise aprofundada do indivíduo,


enquanto pessoa, pode conduzir ao estudo e conhecimento da
personalidade. O carácter único da personalidade leva­o ao estudo
aprofundado de casos individuais. Será na Clínica de Psicologia
de Harvard que Murray e os seus colegas vão levar a cabo
pesquisas em amostras restritas de indivíduos. Para isso,
recorrem a vários meios: análise de dados biográficos
pormenorizados, observação directa do comportamento dos sujeitos;
entrevistas efectuadas por diversos investigadores. Eram
efectuados estudos longitudinais dos sujeitos ao longo dos anos,
procurando conhecer a sua evolução e desenvolvimento.

Para estudar a vida do indivíduo, eram analisados vários itens: o


desenvolvimento na infância, as experiências e recordações mais
significativas, a história escolar do indivíduo, as suas relações
familiares e escolares, o desenvolvimento sexual, as capacidades
e interesses, os valores éticos e estéticos perfilhados... A
partir da história da vida da pessoa, do seu passado e das suas
aspirações relativamente ao futuro, seria possível caracterizar a
personalidade. Contudo, Murray considera que é possível, a partir
dos casos individuais estudados, inferir algumas regras gerais de
comportamento.

Na sua teoria, que o autor designa por personalogia, destacam­se


dois conceitos: necessidades e pressão.

NECESSIDADES

Para Murray, a necessidade é uma força que pode ter origem no


interior ou no exterior da pessoa, organiza e orienta os mais
diferentes processos psicológicos: a memória, o pensamento, a
percepção, a acção. Isto é, as necessidades organizam o modo como
as pessoas percebem, sentem, pensam, recordam e se comportam.

Murray apresenta uma longa lista de necessidades a partir das


investigações que conduziu: identificou 12 necessidades
viscerogénicas, isto é, primárias ou
orgânicas, e 18 necessidades psicogénicas, secundárias ou
psíquicas. As primeiras estão relacionadas com a sobrevivência:
necessidade de ar, de oxigénio, de alimento, etc.

As necessidades psicogénicas, que derivam das necessidades


primárias ou orgânicas, podem em determinados momentos,
inclusive, superá­las. Isto significa que nem todas as pessoas
vivem as necessidades do mesmo modo: há necessidades que podem
dominar a vida de uma pessoa e ser só relativamente sentidas por
outras. No quadro 25, apresentamos­te algumas necessidades
psicogénicas ou secundárias de Murray.
Necessidade

Realização

Afiliação

Domínio

Exibição

Evitamento

social

Comportamento

de apoio

Ordem

jogo

Sexo

Reforço
O
Quadro 25 ­ Lista de necessidades psicogénicas de Murray
O
Definição ou exemplo

1 iL Dominar, manipular ou organizar objectos


físicos, seres humanos ou Atingir algo de dif 1 1

ideias tão rápida e independentemente quanto possível.


Ultrapassar obstáculos e ating’ ,ir um nível elevado,
Aperfeiçoar­se e ultrapassar­se a si próprio. Rivalizar e
ultrapassar os outros.

Aproximar­se e cooperar com prazer com um outro.


Agradar e conquistar a afeição de outro. Manter­se leal a um
amigo.

Controlar o seu ambiente humano, influenciar ou dirigir o


comportamento de outros através da sugestão, persuasão ou
comando. Convencer outros da correcção da sua opinião.

Causar impressão. Ser visto e ouvido. Provocar, fascinar,


divertir, chocar ou entreter outros. Atrair as atenções através
de maneirismos, gestos ou discursos. Monopolizar as conversas.
Evitara humilhação. Abandonar situações embaraçantes que podem
conduzir à humilhação. Refrear uma acção por mecic, de falhar.
Associar­se a inferiores.

Ser simpático e responder às necessidades de uma pessoa indefesa.


Ajudar uma pessoa em perigo. Alimentar, ajudar, apoiar, consolar,
proteger, confortar e curar.

Pôr coisas em ordem. Procurar limpeza, harmonia, organização,


equilíbrio, arrumação, clareza e precisão.

Agir por divertimento, sem qualquer outro propósito, Empenhar­se


em actividades agradáveis, sem ansiedade, de faz­de­conta.
Dedicar os tempos livres aos desportos, à dança, a beber, em
festas, a jogar cartas.

Procurar e promover uma relação erótica. Ter actividade sexual.

Ter as suas necessidades satisfeitas com a ajuda de um aliado.


Ser apoiado, protegido, aconselhado, guiado e perdoado. Exagerar
uma injúria. Permanecer ligado a um protector devotado. Ter
sempre um apoiante.

HJELLE, L. e ZIEGLER, D., Pe@sonality 7heoiles, McGraw­Hill,


1981, p. 158O
Da análise dos dados que estudou e da contribuição de outras
ciências (como, por exemplo, da antropologia), Murray considerou
que certas necessidades se manifestam abertamente dado serem
aceites pela sociedade. Designa­as por necessidades abertas que,
na sociedade ocidental, seriam as necessidades de afiliação, de
realização, de ordem, etc. Outras necessidades não se podem
exprimir em determinado contexto sociocultural, sendo reprimidas,
inibidas. São o que designa por necessidades latentes que,
mantendo­se inconscientes, se manifestam nos sonhos, nas
fantasias, em sintomas neuróticos, etc. Enquadram­se neste tipo
de necessidades o sexo, a agressão... De notar que as
necessidades abertas e latentes não são universais dado que o seu
carácter depende e varia nas diferentes culturas (o que é uma
necessidade aberta numa cultura ou época pode ser latente
noutra).
Murray considera que entre as diferentes necessidades existe uma
grande interacção, decorrendo daí o seu carácter
dinâmico. Nalguns casos, as necessidades fundem­se, realizando­se
na mesma actividade ou objecto. Contudo, é frequente surgir um
conflito quando duas necessidades apresentam forças iguais ou
semelhantes, originando assim um estado de tensão.

PRESSÃO

Intimamente relacionado com o conceito de necessidade está o de


pressão. A pressão pode ter origem num objecto ou pessoa do meio
que facilita ou dificulta a satisfação de uma necessidade.

As necessidades exprimem­se num determinado meio ambiente, num


contexto que bloqueia ou permite a concretização de uma
necessidade. O comportamento individual joga­se na interacção que
existe entre as necessidades e a pressão do meio ­ é nesta
relação que se gera a dinâmica do comportamento individual.
Murray designa por tema­unidade o padrão psicológico do
indivíduo, que resulta da forma como ele organiza as relações
entre as suas necessidades e o contexto em que vive. E o
tema­unidade que dá continuidade à sua personalidade. É da
relação única entre necessidades e a pressão’ do ambiente que se
vai construindo, ao longo do tempo, a personalidade individual.

O DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE

A personalidade de uma pessoa é produto quer do seu passado ­ a


sua história de vida ­, quer dos objectivos que aponta para o
futuro.

Directamente influenciado pelos psicanalistas, Murray considera


que a primeira infância tem um papel fundamental na formação da
personalidade: distingue cinco estádios que deixariam marcas na
personalidade sob a forma de complexos influenciando de modo
decisivo o desenvolvimento normal do indivíduo. A patologia só
surge quando a pessoa se fixa num estádio impedindo o
desenvolvimento,

a maturidade.

­­Murray distingue a pressão alfa da pressão beta. À primeira,


corresponde o conjunto de pessoas, objectos, acontecimentos, que
existem de facto num determinado momento. A pressão beta
corresponde à pressão do ambiente como é sentida, vivida
subjectivamente, pelo indivíduo (por exemplo, pode interpretar
como hostis todos aqueles que o rodeiam). Geralmente, os dois
tipos de pressão equilibram­se.
Na formação da personalidade intervêm factores de vária ordem:
factores relacionados com a constituição física da pessoa, a
cultura a que pertence, os grupos de que faz parte. Murray refere
ainda a importância dos factores relacionados com o estatuto e o
papel que a pessoa ocupa e desempenha na sociedade. Por exemplo,
o estatuto da mulher na nossa sociedade determina, segundo este
psicólogo, aspectos da sua personalidade. O estatuto adquirido
como, por exemplo, a profissão afecta também a personalidade dos
sujeitos.

Contudo, Murray não esquece as determinantes da situação, isto é,


os acontecimentos que ocorrem na vida quotidiana das pessoas: por
exemplo, um encontro
ocasional pode levar a um casamento, determinando muitos aspectos
da sua vida futura.

A teoria de Murray sobre a personalidade reflecte a influência da


psicanálise e das teorias humanistas, destacando­se o carácter
interactivo e dinâmico das suas concepções. Alguns críticos
apontam a ausência de estudos empíricos que fundamentem a sua
teoria.

Uma das aplicações mais conhecidas da teoria das necessidades é


na construção do TAT, que é um dos testes projectivos mais
utilizados em que se pretende a Verificação da Aprendizagem
apreensão e interpretação dos aspectos menos visíveis da
personalidade: fantasias, desejos, conflitos...

O homem fazjogging ou foge de um atacante? Esta fotografia é


semelhante às apresentadas nos Testes de Apercepção Temática
(TAT).

palavras: ­­ necessidades, personalogia, pressão, TAT, tema­


unidade.

Para Murray, a dimensão tempo marca a personalidade.

Comenta esta afirmação reportando­te aos factores que, segundo o


autor, influenciam a construção e o desenvolvimento da
personalidade.
ENTREVISTA

Prof. Júlio Machado Vaz

Júlio Machado Vaz nasceu, em 1949, na cidade do


Porto. Licenciou­se em Psiquiatria, tendo­se doutorado
em Psicologia Médica. Desenvolve a sua actividade
como professor na regência da cadeira de Antropologia
Médica no curso de Medicina do Instituto de Ciências
Biomédicas de Abel Salazar, no Porto.

Foi o responsável pelo programa Sexualidades,


durante dois anos, na RTP. Animou durante nove
anos, na Rádio Nova, o programa O Sexo dos Anjos. É autor dos
livros: O Sexo dos Anjos (1991), O Fio Invisível (1992),
Domingos,
Sábados e Outros Dias (1993). Em 1995, publica Muros, o seu
primeiro romance, e em 1997 o livro Conversas no Papel. É
director clínico da comunidade terapêutica para
a recuperação de toxicodependentes de Adaúfe.

Pergunta ­ Que factores considera mais importantes na formação da


personalidade?

Júlio Machado Vaz ­ Os decorrentes dos processos de socialização,


Os constitucionais (em que acredito firmemente) parecem­me
indicar tendências ou mesmo limites”, mas assemelham­se ao
diamante por lapidar, as suas potencialidades só surgirão pelo
trabalho fino que lima arestas e esculpe o resultado final.

P. ­ Considera a adolescência uma fase particularmente importante


no desenvolvimento da personalidade?

J. M. V. ­ Considero. Na sua consolidação e adaptação a um mundo


diferente do infantil, mas não penso que seja possível alterar
radicalmente o que vem de trás. Esta opinião não traduz qualquer
espécie de fatalismo ou de pseudo­” ortodoxia freudiana”. Podemos
mudar, a liberdade para nos autodeterminarmos existe, mas não
acredito em alterações (com ou sem ajuda terapêutica) de traços
verdadeiramente fundamentais da nossa personalidade preexistentes
a essa fase da nossa vida.

P. ­ Face às diferentes teorias da personalidade, como se


posiciona?

J. M. V. ­ Atendendo à minha personalidade, sou avesso a crenças,


que considero
ingénuas, na veracidade de uma qualquer teoria isolada. Dito
isto, seria falso não admitir a minha preferência pelas teorias
psicodinâmicas. Porque acho que se aproximam mais de aspectos
fundamentais da mente humana como a ambivalência, o conflito, a
culpabilidade e o luto. E sejamos francos: também porque são
intelectualmente mais estimulantes.

P. ­ Fale­nos, enquanto sexólogo, do papel da sexualidade na vida


das pessoas.

J. M. V. ­ Para um sexólogo de inspiração psicodinâmica, a


sexualidade é uma dimensão importantíssima da vida das pessoas.
Encarada como um produto de momentos históricos e culturais e não
como um “instinto atípico” que representasse o que em nós resta
de verdadeiramente natural numa sociedade que se afastou das suas
raízes biológicas. Também sem hipertrofias que a tornam
responsável pelo equilíbrio de pessoas ou casais face a um
quotidiano cada vez mais exigente.

Basicamente dois tipos de preocupações inundam os gabinetes dos


sexólogos: o desenvolvimento sexual e a longevidade das relações.
A segunda área expressa bem o valor único da sexualidade numa
área em crise evidente, a da comunicação entre as pessoas.

P. ­ Na sua opinião, a sociedade contemporânea favorece o


aparecimento de patologias específicas?

J. M. V. ­ A palavra patologia surge­me como demasiadamente


inquinada por um pensamento médico de raiz anátomo­fisiológica
ou, em alternativa, ligado à doença mental. Preferiria falar de
problemas que, embora não específicos, me parecem cada vez mais
frequentes na nossa sociedade. Refiro­me aos problemas de
intimidade numa sociedade que promove, por um lado, a
massificação e, pelo outro, a competição individual desenfreada.
As pessoas estão cada vez mais sós apesar de não sozinhas.
ENTREVISTA
Dr. António Pêgo

Licenciado em Psicologia pela Faculdade de Psicologia e Ciências


da Educação da Universidade de Coimbra. Exerceu a actividade
durante cinco anos na formação de educadores de infãncia e
professores primários em Leiria. Exerceu actividade na área de
orientação escolar e profissional em escolas secundárias e foi
consultor de Recursos Humanos em empresa de serviços. Em
1988, ingressou na Associação Industrial Portuense como técnico
de formação, sendo actualmente Director do Departamento de
Formação Profissional.

Pergunta ­ Qual a área de intervenção do psicólogo


organizacional?

António Pêgo ­ Passe a redundância, diria que constituem áreas de


potencial intervenção do psicólogo organizacional todas as
que dizem respeito à existência e ao desenvolvimento das
organizações, independentemente da sua dimensão e/ou
enquadramento específico. De um ponto de vista mais prático,
constatamos hoje a participação de psicólogos em
dinâmicas organizacionais de múltipla natureza ­ em empresas,
instituições e/ou entidades de administração, organismos
profissionais, associações, clubes ­, ou seja, num
conjunto razoavelmente alargado de organizações mais ou menos
complexas e com áreas de actuação muito ou pouco definidas, no
domínio vasto de sistemas e valores que regulam a vida dos
indivíduos em sociedade.

Em resumo, diria que as áreas de intervenção do Psicólogo Serão


tantas e tão largas quanto os conceitos de organização o
permitam, ou recomendem.

P. ­ Que métodos e técnicas são mais utilizados na sua prática?

A. P. ­ Todas as abordagens científicas integram um conjunto de


saberes essenciais e de

ferramentas práticas de aplicação e/ou intervenção sustentadas


por modelos teóricos sólidos e obviamente enquadrados no tempo

e no espaço em que são produzidos. A evolução da psicologia


transporta assim um conjunto de abordagens que incorporam os seus
conhecimentos nucleares e ferramentas de análise e intervenção,
procurando aplicá­las à problemática das organizações as
componentes, os objectivos, a estrutura, a

sua natureza “viva” ­ de acordo com o circunstancialismo


incontornável de produção
das práticas e saberes que as suportam.
Posto isto, espero que tenham percebido que são válidos os
métodos e as técnicas que aprenderam neste livro, desde que
devidamente adaptados a cada realidade e
às suas circunstâncias.

P. ­ Quais as problemáticas da sociedade


contemporânea que justificam a intervenção do psicólogo
organizacional?

A. P. ­ Na minha opinião, uma das problemáticas centrais da


sociedade contemporânea diz respeito a essa palavra “mágica”
simultaneamente atraente e assustadora: a

mudança. Trata­se de um conceito difuso, de difícil enquadramento


teórico ou metodológico mas que atravessa as sociedades e

os seus modos de organização. Qualquer que seja o nível da


análise em que nos posicionemos ­ o individual, o grupal

ou o organizacional ­, gerir a mudança constitui um acto de


sobrevivência ­ porque é inevitável e inultrapassável (a mudança
é

permanente e cada vez mais rápida!). Em cada indivíduo como em


cada organização, o entusiasmo e a abertura à mudança
­ generalizadamente aceite por todos incorporam sempre sintomas
mais ou menos firmes de resistência à mudança, não
necessariamente percepcionados como tal.

Chamar­lhe­ia o paradoxo virtuoso. Se é

assim, haverá desafio mais aliciante para o

profissional que analisa ou actua no desenvolvimento


organizacional?

P. ­ Na sua prática, interage com psicólogos de outras áreas,


designadamente com psicólogos clínicos e escolares?

A. P. ­ Nos nossos dias, o êxito advém

quase sempre de intervenções pluridisciplinares e


multiprofissionais. O profissional que na sua actividade não
interage com

outros profissionais de outros ramos e saberes científicos limita


claramente o âmbito e a qualidade da sua acção, logo, os
horizontes do seu percurso. Em resumo, é desejável interagir com
psicólogos de outras áreas, mas também com

grupos profissionais de diferentes especialidades: engenharia,


economia, sociologia.­­num registo de permanente entrecruzamento
de saberes e competências.

P. ­ Que questões éticas se colocam na

sua acção como psicólogo?


A. P. ­ Em qualquer actividade profissional podemos considerar um
plano mais visível que tem a ver com o desempenho e a execução e
um plano menos visível que deriva de valores socialmente aceites.

As questões éticas são, na acção do psicólogo, o instrumento


regulador dos valores e

convenções socialmente partilhadas e ao

mesmo tempo o “escudo protector” do sujeito que vive em cada ser


humano.
ENTREVISTA

com Lisete Barbosa

pós­graduou­se em Pedagogia e Psicologia Clínica em Paris, onde


fez também a sua formação inicial. Coordenou durante dez anos a
Divisão de Orientação Educativa da então D.­G. do Ensino Básico.
Durante

esse período trabalhou directamente com professores e

alunos e co­construiu uma equipa pluridisciplinar de formação e


de apoio para as Escolas Preparatórias. Actualmente é professora
coordenadora na Escola
Superior de Educação de Setúbal. Autora de livros e artigos de
Psicologia da Educação.

rvenção do Pergunta ­ Qual a área de inte psicólogo escolar?

Lisete Barbosa ­ Costuma associar­se a expressão psicologia


educacional à intervenção dos psicólogos dentro das instituições
escolares e muito especificamente para apoiar alunos que
manifestam, num ou noutro momento, dificuldades. De facto, a
intervenção do psicólogo educacional visa o

desenvolvimento de pessoas que, na maior

parte dos casos, são alunos de uma determinada escola. Por isso,
é necessário que a

escola seja um contexto onde as crianças e jovens se desenvolvam


bem. Isto implica jogar com factores organizacionais, contactar
com professores, pais e outros profissionais ligados à saúde ou
aos outros contextos sociais. Assim, a área de intervenção do
psicólogo educacional é o aconselhamento; mas

é também dialogar e provocar encontros entre pais, professores,


outros profissionais; é também criar e gerir situações de
formação. P. ­ Que mé todos e técnicas são mais utilizados na sua
prática?

L. B. ­ A comunicação interpessoal. Diálogos, capacidade de


escuta, condução e participação em reuniões, trabalho de equipa,
entrevistas individuais ou de grupo. É fundamental ter uma boa
formação nesta

área para ter intervenções construtivas junto dos jovens, dos


adultos que trabalham nas

instituições e_ eventualmente, dos pais. Muito esporadicamente,


os testes. p. ­ Quais as problemáticas da sociedade contemporãnea
que justificam a intervenção do psicólogo educacional?

L. B. ­ o A perspectiva de dificuldades no

mercado do trabalho, que funciona como

um pano de fundo mais ou menos consciente para a falta de


motivação para as

actividades escolares. * As condições de vida com grande perda de


tempo em transportes e na obrigação de consumir que leva a que as
ocasiões de diálogo e conversa entre as pessoas escasseiem. Por
vezes, a presença de um profissional desencadeia um processo que
cria espaço e

tempo para as pessoas se encontrarem, se


conhecerem e, a partir daí, poderem colabo­ a

rar na procura de soluções ou de alternati­ s

vas. A ideologia dominante de individualis­ d

mo traduz­se numa grande solidão e na d

perda da consciência deste facto simples: a

união faz a força.


­ o próprio funcionamento da escola como instituição e as suas
ambiguidades e contradições. P. ­ Na sua prática, interage com
Psicó10gos de outras áreas, designadamente com psicólogos
clínicos e organizacionais?

L. B. ­ Sim. Não só na prática essa colaboração é condição de


eficácia, como a nível da minha própria formação senti
necessidade de ir beber nos campos organizacionais e clínicos ­
como à sociologia e à

economia ­, para poder ter uma melhor compreensão das coisas. No


terreno ainda não encontrei um psicólogo organizacional a
trabalhar numa escola. Mas os seus contributos teóricos são
evidentes. E, na prática, para que a acção do psicólogo
educacional tenha efeitos duradouros e ecológicos, é preciso que
ele colabore (no sentido de trabalhar em comum) com equipas de
professores, com alguns professores individualmente, com grupos
de alunos, com alguns alunos individualmente, com a direcção da
escola e com os funcionários, com equipas de saúde e com
clínicos.

P. ­ Que questões éticas se colocam na


sua acção como psicóloga?

L. B. ­ Falar de ética está tanto na moda


que receio que a palavra acabe por perder sentido. Ou então que
tenhamos que a

escrever entre aspas, como aconteceu já com a palavra ,sucesso”


na primeira metade dos anos 90... os problemas que se poem a um
psicólogo educacional são essencialmente idênticos aos que se
poem a um psicólogo clínico: o

respeito pela pessoa ­ criança, jovem ou

dulto. E a dificuldade em gerir o que nós abemos, e pode ser


segredo, e a necessiade de desencadear soluçõ es que não ependem
só de nós. p. ­ Conte um caso significativo na sua

experiência profissional.
L. B. ­ Acho que contava dois. um, já anti~

go, mas que me­ marcou profundamente, pelo que me ensinou: fiz a
uma miúda aquela pergunta do wlsC: “Sefosses comprar pão e na
padaria te dissessem que Ia na­o bavia, o que é que fazias.?”. E
ela respondeu: @’Ia pedir dinbeiro à minba mae
porque já nãofiavam mais”. Claro que esta resposta não constava
da lista das respostas a pontuar como certas. Mas não só revelava
uma grande perspicácia e inteligência, como

me revelou a mim como alguns instrumentos são marcados por


factores sociais e culturais. Neste caso, por exemplo, seria
resposta certa ‘comprar pãezínbos de leite”.
O outro episódio tipifica aqueles milagres que podem ser
quotidianos e acontecem, de

facto, muitas vezes: os alunos de uma escola pediram para reunir


connosco (ia com outros dois colegas professores com funções
técnicas no Ministério da Educação) para pôr alguns problemas da
escola. Dissemos que sim e que queríamos que alguns professores
também estivessem presentes. A nossa pas~

sagem na escola era ocasional e não tínhamos qualquer poder de


intervenção. E também não queríamos que o debate se transformasse
numa inútil sessão de queixas contra a escola e os professores,
Estes, no princípio, estavam um bocado na

defensiva; mas, a pouco e pouco, começaram a entrar numa posição


de diálogo. Os

alunos começaram a sugyerir maneiras de solucionar alguns


problemas. Quando a sessão acabou, tinham sido resolvidas
questões tão importantes como o horário dos transportes e toda a
gente estava contente e a

saber que podiam contar uns com os outros.


E N T R E V 1 S T A

com
O
Fátima Sarsfield Cabral é Psicóloga e psicanalista. Trabalha,
desde 1973, no Centro de Saúde Mental Infantil e Juvenil do
Porto. Estagiou em Paris sob a

orientação do psicanalista Serge Lebovici. Em 1983, entra para a


Sociedade Portuguesa de Psicanálise, sendo agora membro titular.
Tem artigos publicados, sobretudo na Revista Portuguesa de
Psicanãlise. É membro titular da Sociedade Portuguesa de
Psicanálise, onde entrou em 1983. Desde então, faz psicoterapia
analítica e psicanálise a adultos e crianças.
O
Pergunta ­ Qual a área de intervenção do psicólogo clínico?

Fátima S. Cabral ­ O psicólogo clínico intervém especialmente na


área da saúde

mental, englobando a prevenção, a intervenção ou o tratamento, a


investigação e o

ensino. As suas funções dependem fundamentalmente do tipo e do


grau de aprofundamento da sua formação ­ formação que me parece
dever ser contínua ­ e do facto

de trabalhar sozinho ou numa equipa e do equilíbrio e dinâmica


que se estabelecem nessa equipa. Mais concretamente, podemos
dizer que a

sua intervenção começa pela observação a chamada observação


psicológica. Esta observação é muito especial porque se trata

de observar pessoas. Para esta observação, o psicólogo socorre­se


muitas vezes de instrumentos ­ os chamados testes ­ que, se, por
um lado, podem ajudar muito no diagnóstico psicológico (por ex.,
aperceber­se das dificuldades específicas que uma criança

pode ter na aprendizagem, apesar de ter

um bom desenvolvimento intelectual), por outro, podem ser um


entrave ou constituírem uma defesa ao estabelecimento de uma
relação mais profunda que se constrói lentamente e sem “truques”.
Portanto, ao estudo psicológico do indivíduo ou dos grupos,
segue­se naturalmente a elaboração do diagnóstico psicológico que
deveria ser discutido e completado com o de outros técnicos da
equipa (médicos, assistentes sociais, educadores, terapeutas)
diagnóstico fundamental para a

prevenção ou para a escolha do tratamento mais adequado à


situação.
O psicólogo clínico pode ainda fazer o

aconselhamento psicológico individual, conjugal, familiar ou de


grupo, intervir psicologicamente e fazer psicoterapia. Mas eu
penso que os psicólogos, assim como

todos os técnicos médicos ou não médicos, deveriam sempre


continuar a sua formação após a licenciatura ­ que forçosamente
dá uma formação muito geral ­ e escolher
especializar­se numa ou noutra corrente de intervenção ou terapia
que se adapte melhor à sua personalidade, percurso de vida e
opções teóricas. Neste momento, em Portugal, são as várias
sociedades clínicas que fazem essas formações, que passam quase
sempre por o psicólogo sofrer ­ com

aspas ou sem elas ­ a terapia que pretende aprender a fazer aos


outros: Terapia Familiar, Comportamental, Cognitivista,
Psicodrama, Psicanálise, etc.

P. ­ Que métodos e técnicas são mais usados na sua prática?

F. S. C. ­ A prática, os métodos e técnicas que o psicólogo


clínico utiliza, isso depende sempre da sua experiência e
formação. Geralmente, começa~se pela observação, por conversar
livremente com as pessoas, tentando estabelecer uma relação que
permita a abertura e a confiança da criança ou do adulto em nós.
Com as crianças, a observação do jogo simbólico, a da maneira
como utiliza os brinquedos, a do desenho e da pintura livres são
meios fundamentais para determinar o seu desenvolvimento e

para compreender o que se passa no seu íntimo, já que raramente


conseguem exprimir pela fala aquilo que sentem ou temem ou que as
faz sofrer. Mas há também testes estandardizados e inquéritos que
nos dão uma medida estatística ­ e como tal relativa e cega
perante situações específicas ­ do nível de desenvolvimento
intelectual ou de dificuldades mais específicas e que perturbam a
aprendizagem, como as dificuldades na organização grafoperceptiva
e na integração da lateralidade; outros ainda, como os
projectivos ­ Família, Pata Preta, CAT, Fábulas de Duss, por
exemplo ­, podem­nos ajudar a obter mais rapidamente certos
dados, certas fantasias, que podem mesmo

ser inconscientes para a criança e que nos permitem intervir no


alvo do problema. Um exemplo muito comum é a criança projectar
nas figuras de animais o ciúme perante o

nascimento de um irmão, sem, no entanto, jamais ter exprimido


isso, de tal modo que os pais nunca o teriam notado. Isto faz­me
pensar em como é importante que o psicólogo clínico não deixe de
ligar os vários dados que obtém através desta observação que,
apenas metodologicamente, é feita por zonas aparentemente
compartimentadas ­ inteligência, afectividade, etc. A psicologia
clínica tem evoluído muito e, hoje, dá­se uma enorme importância
ao desenvolvimento e à relação precoces, pois, como dizia João
dos Santos, é no berço que o bebé começa a aprender a ler, e
muitos dos problemas futuros começam aí. Por isso, a área da
relação precoce e do apoio à gravidez começa a ser uma das mais
frutuosas para a intervenção do psicólogo. Utilizo cada vez menos
instrumentos, sendo o principal a análise daquilo que vou
sentindo na relação entre mim e a criança, adulto ou grupo.
Evidentemente que isto pressupõe uma atitude de grande
disponibilidade para receber as projecções que o

outro ou os outros não suportam ou desconhecem e depositam no


terapeuta, e umaformação continua, supervisão ou discussão em
pequenos grupos de trabalho, que ajudem a destrinçar as fantasias
que pertencem ao terapeuta ­ um outro ser humano, talvez mais
fortalecido e interiormente mais livre e disponível pela sua
própria análise ­ e que o ajudem a pensar para poder devolver de
uma forma mitigada aquilo que foi projectado, de maneira a poder
ser digerido pela criança, adulto ou família, possibilitando­lhes
o crescimento e a conquista da autonomia e da criatividade.
P. ­ Quais as problemãticas da sociedade contemporãnea que
justificam a intervenção do psicólogo clínico?

F. S. C. ­ Essa pergunta faz­me sorrir porque pus­me a imaginar


uma sociedade que não precisasse de psicólogos... Se calhar só

o nome, as técnicas e os conhecimentos é que são modernos...


Sempre houve feiticeiros, curandeiros, bruxas, directores
espirituais, etc., etc., para ajudar o ser humano

a suportar o sofrimento provocado pela sua

condição de ter dentro de si algo que o

aparenta aos deuses ­ um mundo inínito

de fantasia ­ e de se saber condenado à

morte e à separação. De qualquer maneira, o que se verifica é

que quanto mais complexa é a sociedade

maiores tensões existem, maior é a competição desenfreada, a


violência e a exclusão.

E não é por acaso que tanto se fala na falta

de comunicação que existe na nossa sociedade, a par da enorme


sofisticação dos meios de comunicação social que, paradoxalmente,
parecem isolar cada vez mais o

ser humano, tentando “normalizá­lo” e afastando tudo o que é


diferente. A psicologia e os psicólogos têm aqui um

enorme campo de acção, tanto na prevenção como na intervenção


junto do indivíduo e dos grupos.

P. ­ Que questões éticas se colocam na sua acção como psicóloga?

F. S. C. ­ Há bocado falávamos da relação do psicólogo clínico


como uma relação com o mais íntimo das pessoas. Evidentemente que
isso põe imediatamente questões éticas e não só pela importância
do segredo profissional. Este levanta muitas questões sobretudo
quando se trabalha com

crianças que nos são enviadas pela escola e os professores querem


saber o que se passa
O
para perceber melhor o aluno. Mas há sempre o risco ­ se se
passarem certas informações ­ de a criança ser estigmatizada. Há
uns estudos muito interessantes que mostram que, se se diz aos
professores que certos alunos têm mais capacidades que outros
­ sem ser verdade ­, isso vai influenciar significativamente ­ e
inconscientemente ­ o

seu interesse pelos que pensa serem os

melhores, de tal modo que as suas capacidades aumentam


significativamente. Considero extremamente importante a atitude
do psicólogo cujo trabalho é o de aceitar o outro como ele é,
respeitá­lo e ao seu

sofrimento, compreendê­lo, enquanto, simultaneamente, vai


favorecendo a sua

autonomia e capacidades criativas. Muitas vezes as pessoas estão


muito fragilizadas e

é extremamente fácil manipulá­las. Mesmo que um terapeuta não dê


conselhos, o paciente apercebe­se muitas vezes daquilo que agrada
ou não ao terapeuta, se este não for tolerante. Muitas críticas
que se fazem às

terapias é o de elas tentarem adaptar as pessoas, tornando­as


conformistas e dependentes. Mas o objectivo de uma terapia ­ para
mim ­ só pode ser o de ajudar o outro a ser

* que é, a fortalecer­se para saber escolher


* caminho que quer seguir e a tolerar

melhor as diferenças, a separação e o sofrimento que sempre


acontece na vida real. Ouvi muitas vezes as pessoas manifestarem
o seu medo das terapias por poderem ficar dependentes do
terapeuta; é verdade que há um período em que o terapeuta é
fundamental e a pessoa se sente afectivamente

dependente dele; mas esta dependê ncia acontece porque


já existia ou porque a pessoa necessitava dela para se tornar
mais

segura e finalmente autónoma.

P. ­ Conte­nos um caso significativo da sua experiência


profissional.
F. S. C. ­ É difícil escolher... Acho sempre muito interessante
ver como o trabalho com os pais, ou muitas vezes só com a mãe,
pode alterar tanto o comportamento dos filhos, pode fazer
desaparecer a impossibilidade de dormir só, ou a enurese, ou as
crises de raiva. Mais uma vez isto nos mostra

como a criança pode ser o sintoma do que não vai bem na família
ou com um dos pais, da própria dificuldade de separaçao destes
dos filhos, da dificuldade em os deixar crescer ou da violência
das projecções em certas famílias.

Um caso muito bonito que tenho neste momento é o de uma criança


que, embora com perto de 5 anos, tinha um comportamento
semelhante ao de uma de 2, pronunciando apenas alguns sons, sem,
no

entanto, ser autista nem me parecer débil mental. Parecia­me mais


que o seu desenvolvimento tinha parado ­ talvez na altura

do nascimento de um irmão. O que mais me tocava era a nostalgia


do seu olhar, o

facto de nunca sorrir e a angústia da separação. Ao fim de seis


meses de psicanálise, com três sessões por semana, em que o jogo
principal e repetitivo tem sido o de se

esconder para eu a procurar, a sua transformação e enorme:


alegre, brincalhona, terna e também capaz de mostrar a sua
agressividade, já diz frases completas e interessa­se

por livros e histórias. Claro que a sua terapia está longe de


terminar e que nem sempre é assim tão rápido o desbIoqueamento de
uma situação. Mas uma das terapias que mais gosto de fazer ­ e
que resultou de uma profunda reflexão, feita por um pequeno grupo
de técnicos com formação analítica, sobre a

importância da expressão criativa através do jogo e da pintura


livres, da dinâmica de grupo, do período de latência e da técnica
psicanalítica ­ é a dos grupos de psicoO
terapia analítica com crianças entre os 6 e

os 11 anos. Nestes grupos, não mistos, os

rapazes ou as raparigas mais novos (6/8 anos) podem exprimir os


seus medos, fantasias ou desejos através de jogos, histórias ou
teatros, e os mais velhos (9/11 anos) através da pintura livre.
Mas, para além da expressão através do jogo e da pintura, é dada
grande importância à palavra e à

interpretação do que é dito de uma forma


ou de outra. Todo o grupo é tomado como a expressão do mundo
interno, em

que há partes mais maduras, outras mais Ilabebezadas”, outras


medrosas, outras deprimidas, outras invejosas ou ciumentas, etc.,
etc., que, como num sonho, são o espelho do que se passa no
teatro interno de cada indivíduo. O facto de serem grupos só de
rapazes ou de raparigas reforça e ajuda muito à consolidação da
identidade sexual neste período da latência. Além disso, os pais
destas crianças (sobretudo as mães) têm, à mesma hora do grupo
dos filhos e com outro terapeuta, uma reunião para discutirem
problemas que têm com os filhos mas que, rapidamente, se
transforma numa terapia de grupo. Verificámos muito depressa
quanto as mudanças nos filhos e nos pais estavam interligadas e
como as transformações se

davam mais rapidamente... A grande maioria destas crianças


aparece­nos com dificuldades escolares, medos, inibições,
mutismos e outros sintomas; ao fim de algum tempo de terapia ­ e,
às vezes, com grande espanto dos pais e professores, “porque só
estavam ali a brincar e não a

estudar” ­, começam a ter um novo interesse pela vida, a ter


menos medo de crescer e a tolerar melhor a dor mental inerente às
perdas consequentes, a ter um

bom rendimento, a ser capazes de se afirmar e a ser mais


criativas.
E N T R E V 1 S T A
O
Adriana Baptista, sociolinguista, professora adjunta

na Escola Superior de Educação do Porto e membro da

Associação Portuguesa de Linguística.

A sua tese de Mestrado explora as estratégias que

os falantes usam para verbalizar representações

mentais espaciais.

Actualmente desenvolve pesquisas na área da comunicação e da


retórica verbal e visual enquanto estratégias de convencimento.
O
Pergunta ­ Quando queremos interligar linguagem e pensamento, a
primeira questão que nos surge é de que modo a forma como falamos
nos ajuda a pensar e a estruturar o mundo.

Adriana Baptista ­ Não é fácil responder a

este tipo de questões a não ser que optemos por respostas


circulares, tal é a interligação da linguagem e do pensamento
enquanto fenómenos constituintes da actividade cognoscente. Será
que criamos e desenvolvemos a linguagem em função das
necessidades que o mundo nos apresenta ou será que,
contrariamente, o mundo que vemos é o

resultado da língua que falamos? Se, por um lado, uma mente


positivista rejeitaria sem

hesitações esta segunda hipótese, o certo é

que a língua que falamos e com que nos habituamos a ver o mundo é
uma chave fundamental para a nossa leitura inteligente dos
fenômenos do quotidiano e que falar uma língua e não outra nos
permite estabelecer relações de parentesco semântico entre
determinadas realidades e não entre outras.

A linguagem verbal é, com certeza, uma fonna especifica de


representação do mundo mas não devemos pensar que é uma forma

simples de etiquetagem. A representação do mundo que qualquer


língua natural adn­úte estará sempre profundamente ligada à
realidade social de onde essa mesma língua é originária, às
raizes culturais dos seus utentes,

aos seus hábitos, etc. Possuir um paradigma lexical de mais de


cinquenta tennos para a
realidade “neve” (como é o caso dos esquimós) obrigatoriamente
criará da parte do falante uma relação com a neve diferente

daquela que o falante que apenas distingue “neve” de “granizo”,


“saraiva” ou “gelo” poderá ter. O falante cujo paradigma lexical
é mais vasto verá vários tipos de neve. Ver, aqui, significa
distinguir, poder classificar, comparar. O português, por
exemplo, não verá tantos tipos de neve, isto é, não os conhecerá.
O que não quer dizer que eles não existam mas apenas que não
podem ser objectos do seu pensamento. E como poderiam se
desconhecemos as palavras que os nomeiam e tudo o que não

tem nome não existe? Um exemplo talvez ainda mais fulgurante que
o da “neve” é o das cores. Qualquer falante do português, com

maior ou menor grau de daltonismo, adn­úte a

existência das diferentes cores do espectro das cores como sendo


universais e ficaria surpreso ao saber que existem povos na
Zâmbia
ou na Libéria que falam línguas que para

cores como o azul, o verde, o amarelo, cor

de laranja ou o vermelho têm apenas dois termos “hui” e “ziza”


(Bassa, língua da Libéria), o que obrigatoriamente os
impossibilita de ver de forma distinta cada uma dessas cores.
Como fazer­nos, a nós, portugueses, chamar vermelho ao amarelo?

Mas a representação do mundo que a linguagem verbal autoriza não


está apenas ligada à nomeação da realidade mas também

ao modo como a organização das nossas

redes semânticas influi na nossa estruturação do mundo. Todos


sabemos que a tradução exacta de língua para língua não existe.
Não porque não haja lexemas que representem determinada realidade
mas porque as relações que cada lexema estabelece com

os outros possibilita que a cada nome esteja apenso um campo


semântico cujas fronteiras confinam com as do campo semântico do
nome que lhe é mais próximo na rede semântica mental. Isto é,
cada nome representa aquilo que o outro não representa. Palavras
que representam sentimentos associam­se com facilidade a outras
em função da cultura, da idade e das vivências do

sujeito falante. Assim a palavra “paixão”, por exemplo, pode,


dentro de uma determinada língua, ou mesmo dentro de um grupo
(etário, por exemplo), por razões culturais ou

educacionais, assumir valores disfÓricos próximos da loucura e do


desregramento, enquanto noutras línguas (ou noutros grupos)
estará carregada de valores eufóricos, o

que nos leva a pensar que dizendo a mesma

palavra jamais diremos o mesmo mundo.

P. ­ Será que a criança é apenas o objecto passivo da língua que


fala ou será que é capaz de se apropriar, de facto, de uma
estrutura linguística convencional e agir sobre ela,
transformando­a?
O
A. B. ­ A aprendizagem de qualquer língua por parte de uma
criança é basicamente feita através da imitação. Convém não nos

esquecermos de que a imitação não é, porém, exclusiva das


crianças. É frequente vermos os adultos imitarem as criações
linguísticas das suas crianças, apropriarem­se delas e usarem­nas
num universo nem sempre muito restrito. No entanto, a imitação
enquanto processo de aprendizagem permite a partir de uma
determinada idade a

generalização de uma norma e, nessa altura, deixa de ser


suficiente e apenas a criatividade torna possível a produção
ilimitada de que a criança vai sendo capaz. Este tipo de
criatividade vai ser também responsável pela criação de alguns
desvios pessoais à norma­padrão. A normalização escolar
encarregar­se­á de limar todos estes desvios sujeitando­os a uma
norma escolástica onde

o social vence o individual.

As estruturas morfossintácticas de qualquer sistema linguístico,


pela sua rigidez, não adn­útem grandes variações, mas o que é
certo é que as línguas evoluem no sentido da

simplificação devido frequentemente à lei do menor esforço e no


sentido da multiplicação devido à acção da criatividade. Ora, são
talvez as crianças e os adolescentes os que estão menos dominados
e temerosos da nori­na linguística e que possuem a dose de
preguiça, irreverência e criatividade que lhes permite mexer na
língua com a força da mudança. No caso das crianças, algum
desconhecimento linguístico pode também ser

factor de criatividade. A questão é criar a

moda, depois outros canais encarregar­se­ao de a


institucionalizar despenalizando o erro, aceitando­o como desvio
criativo, ou pura e simplesmente fechando os olhos a um
estrangeirismo. Quando o adulto foge à norma linguística, esse
seu acto ou é um acto consciente, corajoso e criativo, como no
caso dos
publicitários, ou é pura e simplesmente um

acto inconsciente, o que não quer dizer que peste caso a moda
também não possa surgir. Na confluência do consciente e do
inconsciente, do herdado e do trabalhado em termos pessoais estão
os idiolectos, forma específica que cada falante (criança ou
adulto) tem para actualizar o sistema linguístico a

que pertence. Quer isto dizer que numa certa

margem falamos todos a mesma língua diferentemente, apropriamo­


nos dela. Temos débitos linguísticos diferentes, fazemos pausas
em sítios diferentes da frase, “carregamos” mais certas palavras,
usamos mais ou menos calão, preferimos mais frases curtas ou
desdobramo­nos em subordinadas, enchemos as

pausas de longos ehhhh ou... E se todos

estes tiques podem ser herdados no seio familiar, eles também


podem ser adoptados por oposição ou imitados a um amigo por
empatia. Somos, assim, muito capazes de agir sobre o sistema
linguístico que apenas enquanto falantes fazemos evoluir.

P. ­ Quando falamos hoje em comunicação e em transmissão da


informação, não podemos esquecer os meios de comunicação social
em que vivemos mergulhados. Qual a influência destes meios na
estruturação da linguagem e do pensamento?

A. B. ­ Quando falamos em comunicação social, discutimos um


fenômeno sociocultural que joga com um público sedento de
informação, com meios técnicos capazes de uma enorme facilidade
na transmissão veloz da informação e com um horizonte de

expectativas criado através da transformação sempre um pouco


perversa do acontecimento em notícia. Criar a notícia é criar o
verosímil e não o verdadeiro, criar no público a

expectativa exactamente daquilo que vai receber,


descontextualizar o acontecimento e
O
recontextualizá­lo num contexto mais oportuno à recepção, Se bem
que a comunicação social já não privilegie exclusivamente a
linguagem verbal, o certo é que esta é dos meios mais eficazes
para a construção da ficção mesmo que o ficcionável seja a
realidade. E o público é sempre receptivo às especificidades das
estruturas narrativas da ficção. Estas desenvolvem sempre o
discurso do convencimento usando estratégias capazes de aliciar o
receptor pela espectacularidade da linguagem e/ou do narrado. A
ficção que a comunicação social veicula é o que aceitamos como
informação. As palavras criam imagens ou acompanham imagens.
Vemos o que nos dizem e pensamos as imagens com os rótulos
verbais que a

comunicação social lhes apôs. É certamente

um círculo vicioso. A comunicação social manipula todas as


estratégias de veridicção do discurso. Faz crer. Enuncia a grande
novidade sem questionar nunca as fontes.
O público é o que não sabe, aquele a quem se desvendam as
verdades, pela palavra, pela imagem. A comunicação social é uma
espécie de visão do mundo, uma profecia que se

pretende não do futuro mas do presente, da simultaneidade.


Acontecer é igual a contar.

Habituamo­nos, assim, a pensar as notícias de um modo distante da


neutralidade e da objectividade tidas como apanágio da ética
informativa. Corremos o risco de nos desapontarmos com a
realidade quando esta não corresponde àquilo que os mass media
nos oferecem. Isto é, é bem provável que a

comunicação social não só condicione a

nossa forma de pensar como também condicione a nossa forma de ver


o mundo, instaurando entre os acontecimentos e a notícia valores
de espectacularidade dramática que fazem com que a nossa postura
seja a do espectador de um ecrã do mundo e não a do sujeito desse
mesmo mundo.
­36

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