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Testes

Projectivos
TAT

Instituto Superior de Psicologia Aplicada


Índice
O TAT ............................................................................................................................................. 7

Os conceitos psicanalíticos e a sua articulação com a Teoria do TAT ......................................... 10

Tópico ...................................................................................................................................... 10

Dinâmico ................................................................................................................................. 10

Económico ............................................................................................................................... 10

Os Conceitos Freudianos Fundamentais ................................................................................. 11

Representações e Afectos ................................................................................................... 11

O Afecto é Inseparável da Representação .......................................................................... 11

Representação de Coisa – Representação de Palavra ........................................................ 12

Aplicação da Prova ...................................................................................................................... 17

A Metodologia ............................................................................................................................. 19

O Material ............................................................................................................................... 19

Análise do Material ................................................................................................................. 20

Cartão 1 ............................................................................................................................... 20

Cartão 2 ............................................................................................................................... 22

Cartão 3BM ......................................................................................................................... 23

Cartão 4 ............................................................................................................................... 25

Cartão 5 ............................................................................................................................... 26

Cartões 6 e 7............................................................................................................................ 27

Cartão 6BM ......................................................................................................................... 28

Cartão 6GF ........................................................................................................................... 29

Cartão 7BM ......................................................................................................................... 30

Cartão 7GF ........................................................................................................................... 31

Cartão 8BM ......................................................................................................................... 32

Cartão 9GF ........................................................................................................................... 33

Cartão 10 ............................................................................................................................. 34
1
Cartão 11 ............................................................................................................................. 36

Cartão 12BG ........................................................................................................................ 37

Cartão 13B ........................................................................................................................... 38

Cartão 13MF ........................................................................................................................ 39

Cartão 19 ............................................................................................................................. 40

Cartão 16 ............................................................................................................................. 41

Decomposição ............................................................................................................................. 42

A Série A .................................................................................................................................. 44

A11 – História construída próxima do tema banal .............................................................. 45

A12 – Recurso a referências literárias, culturais, ao sonho ................................................. 45

A13 – Integração de referências sociais e do senso comum ............................................... 45

A2 ........................................................................................................................................ 46

A21 – Descrição com apego aos pormenores (alguns raramente evocados), incluindo
expressões e posturas ......................................................................................................... 46

A22 – Justificação das interpretações através desses pormenores .................................... 48

A23 – Precauções verbais .................................................................................................... 48

A24 – Afastamento temporo-espacial ................................................................................. 48

A25 – Precisões numéricas .................................................................................................. 49

A26 – Hesitações entre interpretações diferentes .............................................................. 49

A27 – Oscilação (vai e vem) entre a expressão pulsional e a defesa ................................... 49

A28 – Mastigação, ruminação.............................................................................................. 50

A29 – Anulação .................................................................................................................... 50

A210 – Elementos de tipo formação reactiva (limpeza, ordem, ajuda, dever, economia,
etc.)...................................................................................................................................... 50

A211 – Denegação ................................................................................................................ 50

A212 – Insistência no fictício ................................................................................................ 51

A213 – Intelectualização (abstracção, simbolização, título dado à história em relação com o


conteúdo manifesto) ........................................................................................................... 51

2
A214 – Alteração brusca de direcção no curso da história (acompanhada ou não de pausa
no discurso) ......................................................................................................................... 51

A215 – Isolamento de elementos ou personagens .............................................................. 52

A216 – Grande pormenor (D) e/ou pequeno pormenor (Dd) evocado e não integrado ..... 52

A217 – Acento inscrito nos conflitos interpessoais .............................................................. 52

A218 – Afectos expressos a mínima ..................................................................................... 53

A Série B .................................................................................................................................. 54

B11 – História construída à volta de uma fantasia pessoal ................................................. 54

B12 – Introdução de personagens que não figuram na imagem ......................................... 55

B13 – Expressões flexíveis e difundidas ............................................................................... 55

B14 – Expressões verbalizadas de afectos variados, modulados pelo estímulo ................. 55

B21 – Entrada directa na expressão .................................................................................... 56

B22 – História com ressaltos. Fabulação longe da imagem ................................................. 56

B23 – Acento inscrito nas relações interpessoais. Relato em diálogo ................................. 56

B24 – Expressão verbalizada de afectos fortes ou exagerados ........................................... 57

B25 – Dramatização ............................................................................................................. 57

B26 – Representações contrastadas. Alternância entre estados emocionais opostos ....... 57

B27 – Oscilação (vai e vem) entre desejos contraditórios. Fim com valor de realização
mágica do desejo................................................................................................................. 57

B28 – Exclamações (1), comentários, digressões (2), referências/ apreciações pessoais (3)
............................................................................................................................................. 58

B29 – Erotização das relações, invasão da temática sexual e/ou simbolismo transparente
............................................................................................................................................. 58

B210 – Apego aos pormenores narcísicos com valência relacional ..................................... 59

B211 – Instabilidade nas identificações. Hesitações sobre o sexo e/ou idade das
personagens ........................................................................................................................ 59

B212 – Acento inscrito numa temática do estilo: ir, correr, dizer, fugir, etc., num contexto
dramatizado ........................................................................................................................ 60

B213 – Presença de temas de medo, de catástrofe, de vertigem, etc., num contexto


dramatizado ........................................................................................................................ 60
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A Série C .................................................................................................................................. 62

C/Fo ..................................................................................................................................... 62

C/Fo 1 – Tempo de latência inicial longo e/ou importantes silêncios intra-relato.............. 62

C/Fo 2 – Tendência geral à restrição.................................................................................... 62

C/Fo 3 – Anonimato de personagens................................................................................... 63

C/Fo 4 – Motivos dos conflitos não indicados, relatos banalizados a todo o custo,
impessoais, colagem ........................................................................................................... 63

C/Fo 5 – Necessidade de questionar. Tendência recusa. Recusa ........................................ 64

C/Fo 6 – Evocação de elementos ansiogénicos, seguidos ou precedidos de interrupções do


discurso ............................................................................................................................... 64

C/N....................................................................................................................................... 64

C/N1 – Acento inscrito na vivência subjectiva (não relacional) ........................................... 65

C/N2 – Referências pessoais ou autobiográficas ................................................................. 65

C/N3 – Afecto-título ............................................................................................................. 65

C/N4 – Postura significante de afectos ................................................................................ 66

C/N5 – Acento posto nas qualidades sensoriais .................................................................. 66

C/N6 – Insistência na demarcação dos limites e dos contornos ......................................... 66

C/N7 – Relações especulares ............................................................................................... 67

C/N8 – Pôr em quadro ......................................................................................................... 67

C/N9 – Críticas de si ............................................................................................................. 67

C/N10 – Pormenores narcísicos. Idealização de si ............................................................... 67

C/M...................................................................................................................................... 68

C/M1 – Sobreinvestimento da função de anáclise do objecto ............................................ 68

C/M2 – Idealização do objecto (valência positiva ou negativa) .......................................... 68

C/M3 – Piruetas, viravoltas .................................................................................................. 69

C/C ....................................................................................................................................... 69

C/C1 – Agitação motora. Mímicas e/ou expressões corporais ............................................ 69

C/C2 – Perguntas feitas ao clínico........................................................................................ 69


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C/C3 – Críticas do material e/ou da situação....................................................................... 70

C/C4 – Ironia, escárnio ......................................................................................................... 70

C/C5 – “Piscar de olho” ao clínico ........................................................................................ 70

C/Fa ..................................................................................................................................... 71

C/Fa 1 – Apego ao conteúdo manifesto .............................................................................. 71

C/Fa 2 – Acento inscrito no quotidiano, no factual, no concreto ........................................ 71

C/Fa 3 – Acento inscrito no fazer ......................................................................................... 71

C/Fa 4 – Apelo a normas exteriores ..................................................................................... 72

C/Fa 5 – Afectos de circunstância. ....................................................................................... 72

A Série E................................................................................................................................... 73

E1 – Escotomas de objectos manifestos .............................................................................. 74

E2 – Percepção de pormenores raros e/ou extravagantes ................................................. 74

E3 – Justificações arbitrárias a partir desses pormenores ................................................... 75

E4 – Falsas percepções......................................................................................................... 75

E5 – Percepção sensorial...................................................................................................... 75

E6 – Percepção de objectos fragmentados (e/ou objectos deteriorados ou personagens


doentes, deformadas). Fabulação fora da imagem ............................................................ 75

E7 – Inadequação do tema ao estímulo. Abstracção, simbolismo hermético. .................... 76

E8 – Expressões “cruas” ligadas a uma temática sexual ou agressiva ................................. 77

E9 – Expressão de afectos e/ou representações maciços ligados a qualquer problemática


(daí a incapacidade, o fim, o triunfo megalomaníaco, o medo, a morte, a destruição, a
perseguição, etc.) ................................................................................................................ 77

E10 – Perseveração ............................................................................................................... 77

E11 – Confusão de identidades (“telescopagem de papéis”) ............................................... 78

E12 – Instabilidade de objectos ............................................................................................ 78

E13 – Desorganização das sequências temporais e/ou espaciais ........................................ 79

E14 – Percepção do mau objecto, temas de perseguição. Projecção psicótica maciça.


Identificação projectiva. ...................................................................................................... 79

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E15 – Clivagem do objecto ................................................................................................... 79

E16 – Procura arbitrária de intencionalidade da imagem e/ou das fisionomias ou atitudes


............................................................................................................................................. 80

E17 – Falhas verbais (perturbações da sintaxe) ................................................................... 80

E18 – Associações por contiguidade, por consonância, disparates ..................................... 81

E19 – Associações curtas ...................................................................................................... 81

E20 – Vago, indeterminação, leveza do discurso ................................................................. 81

Síntese ......................................................................................................................................... 83

Agrupamento dos procedimentos de elaboração do discurso na folha de decomposição. ... 83

Legibilidade e problemáticas .................................................................................................. 84

Legibilidade ......................................................................................................................... 84

Problemáticas ...................................................................................................................... 85

Hipóteses relativas à organização psíquica. ............................................................................ 86

Os Tipos de Funcionamento ........................................................................................................ 88

Registo Neurótico .................................................................................................................... 88

Neurose Obsessiva .............................................................................................................. 88

Neurose Histérica ................................................................................................................ 89

Neurose Fóbica (inibição, neurose de angústia) ................................................................. 89

Registo Limite .......................................................................................................................... 90

Estilo Narcísico .................................................................................................................... 90

Estilo Depressivo ................................................................................................................. 92

Registo Psicótico...................................................................................................................... 92

Esquizofrenia ....................................................................................................................... 94

Melancolia ........................................................................................................................... 94

Paranóia .............................................................................................................................. 95

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O TAT
O Teste de Apercepção Temática (TAT) surgiu em 1935 com Murray. O termo
apercepção é de Leopoldo Ballak. É uma percepção especial. Tem a ver com o
sentido que o sujeito dá a cada uma das imagens em função de vários factores,
nomeadamente da memória afectiva de situações semelhantes pelas quais o sujeito já
passou.

Em comum com o Rorschach esta prova é projectiva. Ambas se baseiam numa


hipótese projectiva. A seguir ao Rorschach, o TAT é a prova projectiva mais utilizada.
O que as distingue é o material pois o estímulo é completamente diferente. Aqui o
material é figurativo e organizado.

Na sua forma original, o TAT era composto por 31 imagens administradas em duas
vezes, podendo ser divididas em séries destinadas aos adultos homens e mulheres e
aos rapazes e raparigas com idades superiores a 10 anos. Estas imagens
representam personagens de idades e sexos diferentes, colocadas em situações
relativamente determinadas mas que deixam também lugar a interpretações, ou ainda
paisagens ou ainda paisagens pouco estruturadas. O sujeito era convidado a imaginar
uma história, tão rica e dramática quanto possível, que desse conta do presente,
passado e futuro, bem como dos sentimentos das personagens postas em cena. Os
encorajamentos, questões e apreciações eram autorizados, para que o sujeito
fornecesse o máximo de material significativo dos seus conflitos inconscientes.

Na sua obra Explorations in personality (1938), Murray expõe o seu sistema teórico
centrado na dualidade entre as necessidades (tudo o que o sujeito deseja) e as
pressões (tudo o que se opõe à satisfação desses desejos), onde exprimia as suas
próprias necessidades, representando as outras personagens o meio de vida no qual o
sujeito sentia a pressão.

Segundo Murray, o sujeito que conta a história identifica-se à personagem principal


da história (o herói) e as personagens secundárias estão relacionadas com o meio do
sujeito.

Foi Bellak (1954), da escola americana, quem recolocou o TAT nos eixos da teoria
psicanalítica, ao acentuar a segunda tópica (Id/Ego/Superego), o papel do Ego e as
suas funções, as resistências e as defesas. Bellak iniciou a revisão do TAT.

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Foram levadas a cabo outras tentativas de modificação do método de H. Murray por
Rotter (1940), Rapaport (1946, 1947), Tomkins (1947), Wyatt (1947, 1958), Piotrowski
(1950), Symonds (1951, 1954) e Henry (1956). Estes autores propuseram vias
diferentes: permaneceram ligados ao “herói” mas estabeleceram novas classificações
das necessidades.

Rapaport chamou a atenção para a importância de fazer uma análise do conteúdo


das histórias que nos dá informação sobre a vida inconsciente do sujeito.

Schafer revolucionou a forma de análise do TAT com um artigo cujo título era
“Como é que a história foi contada?”. Entendeu que tão ou mais importante que
analisar o conteúdo é a forma como o sujeito diz as coisas. Considerava que o lado
formal do discurso dava conta do drama pulsional e das defesas usadas pelo sujeito.

Por outro lado, R. R. Holt (1961) introduziu a discussão fundamental sobre a


diferença que existe entre a fantasia espontânea, como a rêverie, e a história dada ao
TAT, produzida sob solicitação de outrem e a partir de um material concreto.
Demonstra que existem diferenças fundamentais entre a fantasia espontânea – que
não se destina à comunicação, submetida ao princípio do prazer e à lei do processo
primário, que se exprime mais em imagens do que em linguagem, independentemente
dos estímulos externos – e as histórias do TAT, que obedecem aos princípios
exactamente contrários.

Os trabalhos americanos culminaram por volta de 1970. Depois deste período, os


escritores sobre o TAT foram-se tornando raros devido às divergências teóricas e
metodológicas entre as escolas. Depararam-se com a ausência de uma teoria
homogénea, susceptível de explicar o que se passa no sujeito quando lhe é pedido
para “imaginar uma história a partir do cartão”.

Relativamente à escola francesa, os trabalhos de Vica Shentoub começaram em


1954. A escola francesa negligenciou as investigações centradas em variáveis
isoladas como a agressividade, as necessidades sexuais, o desejo de afirmação ou de
realização. O TAT só teria interesse nesta perspectiva numa abordagem holística
tendo em conta as noções de estrutura individual, da organização mental e da vida
interior e relacional de cada um. Para isso, era necessário ter em conta tanto a
primeira como a segunda tópica (inconsciente/pré-consciente/consciente;
Id/Ego/Superego) e os três pontos de vista clássicos: dinâmico, económico e tópico,

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sem confundir a situação psicanalítica com a situação TAT, as associações livres
obtidas na cura e as fantasia espontâneas dadas no TAT.

Vica Shentoub, F. Belet-Foulard, R. Debray e C. Chabert fizeram do TAT um


instrumento seguro, sensível para estudar o funcionamento psíquico global do sujeito
e também capaz de diferenciar um funcionamento psíquico normativo de outro com
patologia. Até chegarem a produzir um diagnóstico diferencial, tiveram que estudar as
características do material TAT em profundidade (ex: no cartão 1, a população
normativa utilizava como detalhes a mulher, o homem, a rapariga; os outros detalhes
eram facultativos ou secundários), o tema banal (ex: no cartão 2, a população
normativa interpreta a imagem como uma história triste e depressiva). Para além
disso, tiveram ainda que construir uma metodologia de análise do TAT séria e
científica, de modo a que qualquer pessoa (psicólogo) pudesse utilizar o TAT com
segurança. Para isso, foi preciso uma teoria, A Teoria sobre o TAT.

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Os conceitos psicanalíticos e a sua articulação com a
Teoria do TAT
A metapsicologia freudiana consiste em ver a análise psicológica sob três pontos de
vista:

Tópico
O ponto de vista tópico tem a ver essencialmente com o equilíbrio entre os
processos primários e os secundários, entre os movimentos progrediente e
regrediente. Deste ponto de vista, o fundamento de um relato “bem sucedido” não
reside no predomínio o processo secundário sobre o processo primário. Se a história
deve obedecer à secundarização, ela deve igualmente admitir uma ressonância
fantasmática. Uma história só pode ser criada se estes dois procesos se conjugarem.

O ponto de vista tópico permite perceber qual é a instância em que se dá o conflito:


Id, Ego ou Superego.

Dinâmico
O ponto de vista dinâmico pressupõe o conflito entre uma questão e uma resposta,
entre o princípio do prazer e o princípio da realidade. A instrução apela a uma
representação-alvo consciente e uma representação-alvo inconsciente, reactivada
pelas solicitações latentes do material. Assim, pode dizer-se que um
sobreinvestimento fantasmático maciço do percebido constitui um dos maiores
obstáculos à solução do conflito entre a representação-alvo consciente e a
representação-alvo inconsciente.

O ponto de vista dinâmico permite perceber entre que instâncias é que se dá o


conflito: por exemplo, se o conflito se der entre o Id e o Ego, estamos perante uma
psicose.

Económico
O ponto de vista económico refere-se à distribuição da energia consumida nos
conflitos defensivos contra as ideias e afectos desagradáveis. Deste modo, dever
haver uma boa distância, conveniente par ligar os afectos e as representações e
permitir a criatividade. É preciso perceber se a energia se distribui harmoniosamente,
chegando a uma variedade flexível ou se, pelo contrário, o aparelho defensivo fica
reduzido a uma ou duas modalidades exclusivas, mobilizando, ou mesmo esgotando,
a energia em detrimento da criação.

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Segundo Freud, só pode haver pensamento secundário (de qualidade) com pouca
energia psíquica. Por exemplo, uma pessoa enraivecida não pensa, reage
instintivamente. Assim, só pode haver uma história bem contada com um grau de
secundarização aceitável se houver pouca quantidade de energia. Paralelamente, é
igualmente preocupante se não houver qualquer tipo de energia.

Nenhum destes três pontos de vista pode ser considerado isoladamente. O


protocolo, na sua extensão, constitui um todo indissociável que repousa num jogo
complexo de relações moventes e interdependentes

Os Conceitos Freudianos Fundamentais

Representações e Afectos
As representações e os afectos absorvem tudo o que é da ordem da fantasia
inconsciente reactivada pelo material. Por outro lado, há também a fantasia consciente
induzida que é a história construída pelo sujeito.

A fantasia consciente traduz a forma como as representações e os afectos


inconscientes foram “metabolizados” pelo Ego, pela ajuda dos mecanismos que lhe
são próprios e com a ajuda da linguagem.

Assim sendo, como definir uma representação? Uma representação é aquilo que
forma o conteúdo concreto de um pensamento e a reprodução de uma percepção
anterior. Quando essa representação consiste num reinvestimento de traços mnésicos
mais ou menos ligados a uma coisa, trata-se de uma representação de coisa. A
representação de coisa, que caracteriza o sistema inconsciente, reaviva a inscrição de
um acontecimento.

O Afecto é Inseparável da Representação


A pulsão é a fonte do afecto. Por sua vez, o afecto é a parte energética da
representação. A representação desperta o afecto e o afecto, mobilizado, procura uma
representação.

Assim, tanto o afecto como a pulsão, contêm em si a dualidade e a contradição. A


defesa exerce-se não só contra as representações, mas também contra o afecto que

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as acompanha e cujo retorno pode ser temido. O afecto também é uma forma de
memória.

Os afectos assim religados à fonte pulsional, enquanto ficarem sob o domínio do


inconsciente, têm as características do modo de funcionamento próprio deste sistema:
são maciços, tempestuosos e tendem à descarga directa. Sob esta forma bruta são
ruinosos para a organização psíquica. Tudo vai depender do potencial organizador do
Ego, da organização (esforços para ultrapassar o conflito entre o princípio do prazer e
o desprazer) pelo Ego das representações e dos afectos despertados e reactivados
pelo estímulo do TAT.

Representação de Coisa – Representação de Palavra


A representação de coisa caracteriza o sistema inconsciente: é o investimento de
um traço mnésico que diz respeito à coisa. Ao lado desta representação
“essencialmente visual que deriva da coisa”, Freud distinguiu uma representação
“essencialmente acústica que deriva da palavra”. Enquanto que a ligação entre a
representação de coisa e a representação da palavra caracteriza o sistema pré-
consciente/consciente, o sistema inconsciente só compreende as representações de
coisa. Assim, a representação de coisa liga a verbalização à consciência.

A intervenção da linguagem faz passar a representação inconsciente para o


domínio do consciente e marca a distinção entre uma representação alucinatória e a
percepção clara do objecto-alvo presente.

No TAT isto significa construir uma história com a ajuda de uma linguagem estável
e coerente. Com efeito, a história contada pelo sujeito atestará o compromisso entre a
representação inconsciente reactivada pelo material e os imperativos conscientes –
contar uma história. Está-se, assim, perante uma fantasia inconsciente: fantasia na
medida em que as raízes mergulham nas representações e afectos inconscientes;
consciente na medida em que os organizadores do Ego possibilitam a secundarização.

O que se pretende no TAT é uma história estruturada com ressonância


fantasmática. O problema coloca-se em termos das representações e dos afectos
inconscientes que podem escapar ao controlo do Ego e à elaboração secundária.
Então, o que acontece ao afecto quando este se depara com a barreira do Ego? O que
acontece é que ele pode ser aceite ou recusado. Quanto mais o afecto for maciço e
tempestuoso, mais ele ficará sob o domínio do sistema inconsciente. Nestes casos, do
ponto de vista económico, não é possível nenhum trabalho do pensamento.

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O dilema no TAT é o de estabelecer uma espécie de compromisso ideal entre os
imperativos conscientes e os imperativos inconscientes.

A compreensão teórica do processo TAT permite a elaboração de um método


objectivo de análise do material recolhido. Apesar do método poder sofrer
modificações pontuais em função dos interesses e das modificações em
psicopatologia, a teoria do processo TAT e os princípios do método são operacionais,
tanto na prática clínica como na reflexão teórica dos funcionamentos mentais e
também como princípio de investigação sobre outros testes temáticos como o CAT.

Por processo TAT entende-se o conjunto de mecanismos mentais comprometidos


nessa situação singular em que é pedido ao sujeito para imaginar uma história a partir
do cartão, ou seja, para forjar uma fantasia a partir de uma certa realidade (fantasia

após uma análise aprofundada da situação que os engendra. Esta situação TAT
compreende três parâmetros:

O Material
O material é constituído por uma série de imagens apresentadas ao sujeito.

Para Murray, as imagens representavam “situações humanas clássicas”.


Actualmente considera-se que se trata de situações que se reportam aos conflitos
universais (ex: amor, ódio, solidão, perda, sexualidade, conflito de gerações,
imaturidade, depressão, agressividade, morte, etc.). Qualquer que seja o cartão, existe
uma referência permanente ao que especifica a condição humana, que é o manejo da
libido e da agressividade, no registo da problemática edipiana, que engloba a
diferença de sexos e de gerações.

No desenrolar da prova o sujeito vai modulando as suas representações, os seus


afectos, as suas defesas e vai elaborando o relato em ressonância com o nível da
problemática sugerida.

A estruturação destas imagens é muitas vezes trivial e relativamente pouco


ambígua. Face a um material objectivamente traçado, existe para cada imagem um
conteúdo manifesto figurado pelos elementos em presença (personagens, o seu sexo,
idade, posições respectivas, objectos, etc.) e as solicitações latentes (susceptíveis de
reactivar um ou outro nível de problemática). A contradição interna entre o conteúdo
manifesto que fixa os limites da fantasia, ao fazer apelo ao princípio da realidade, e as

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solicitações latentes que reactivam os traços mnésicos individuais, em relação com os
fantasmas originários, ao fazer apelo ao princípio do prazer. As situações latentes da
imagem desencadeiam uma regressão e representações inconscientes
acompanhadas de afectos que lhes estão ligados.

O conteúdo latente simbolização e projecção do sujeito. Assim, o conflito reside no


facto do sujeito dar mais ou menos atenção à projecção ou à percepção.

A Instrução
A instrução original era “Imagine uma história rica e dramática com sentimentos e
que tenha em conta o passado, o presente e o futuro”. Actualmente, a instrução é
muito lacódica e próxima do Rorschach. Quanto menos instrução se der, mais o
sujeito está condenado a ser livre.

A instrução é “Imagine uma história a partir do cartão.”. A instrução encerra uma


contradição e é indutora de conflito. Pede-se ao sujeito um funcionamento psíquico
para imaginar e se libertar segundo o princípio do prazer e, ao mesmo tempo, dizer-lhe
que tem que ter como base a imagem. Isto implica um controlo temporal e lógico para
se poder construir a história.

A tónica é posta na necessidade de dar conta do conteúdo manifesto da imagem


como representante do real e de elaborar uma história lógica e coerente que obedeça
aos princípios da secundarização e também na necessidade de baixar o limiar do
controlo para se deixar ir ao sabor da imaginação.

O que há de particular nesta instrução é deixar-se ir pelo imaginário (projecção)


mas controlar-se e ficar preso à imagem, de maneira a transformar as representações
de coisas em representações de palavras para contar a história (percepção); admitir
os afectos tal como o movimento regressivo os desencadeia, mas filtrá-los de maneira
a que possam ficar a cargo do pensamento.

A Presença do Clínico
A neutralidade do clínico é necessária mas é mais um fim a atingir do que um dado
imediato. A neutralidade é posta em causa pelo sujeito devido às reacções
transferenciais da situação. Esta também é posta em causa pelo clínico uma vez que o
seu comportamento consciente e inconsciente inflecte o modo de reacção do sujeito. A
compreensão do clínico passa não só pelo conhecimento mas também pela
disposição a compreender. O clínico deve estar presente de um modo neutro, não

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intervir, não colocar questões, abster-se de qualquer julgamento e de qualquer relação
real mas, ao mesmo tempo, impor o material e a instrução e transcrever as propostas
do sujeito, o que faz dele o representante da fantasia e da realidade.

A presença do examinador é indutora de conflito porque ele representa,


simultaneamente, o princípio do prazer (dá liberdade total à fantasia e ao fantasmático;
aceita tudo o que o sujeito lhe disser) e o princípio da realidade (porque é ele que
representa e dá ao sujeito o material e toma nota de tudo o que é dito pelo sujeito).

Havendo no TAT conflitos, há também angústias e, consequentemente, mobilização


de mecanismos de defesa.

Outro conceito importante é o de Processo de elaboração da resposta TAT.


Assim, há três momentos fundamentais pelos quais o sujeito passa desde que lhe
entregam o cartão até ao momento em que produz a história:

1. O conteúdo manifesto da imagem é percepcionado.


2. O conteúdo latente da imagem e a instrução que foi dada ao sujeito para
imaginar provocam uma regressão (abaixamento do controlo consciente) e
desencadeia, no sujeito, a um nível inconsciente, representações e afectos que estão
ligados a essas representações.
3. Este complexo de representações e afectos que estão desorganizados
(como tudo o que são processos primários) irá ou não aceder a um sistema pré-
consciente/ consciente para ser organizado e simbolizado através da palavra. Esta
ligação a aspectos da vida do sujeito depende de quê para ser aceite pelo Ego? Se o
Ego for sólido, forte e seguro, não sentirá perigo em utilizar estes aspectos na história,
mobilizando mecanismos de defesa de tipo neurótico. Caso contrário, se o Ego não for
suficientemente forte, isso vai ser gerador de muita angústia e vai mobilizar muitos
mecanismos de defesa, maioritariamente de tipo psicótico. Se o Ego for
demasiadamente frágil, pode ser submergido pelo inconsciente expressando-se isso
através de histórias cruas carregadas de afectos fortíssimos.

Os parâmetros da situação do TAT são as situações de conflito por excelência: o


princípio de prazer e o princípio de realidade, a representação de coisa e a
representação de palavra, a identidade de percepção e a identidade de pensamento, o
desejo e a defesa, ou seja, os imperativos conscientes e inconsciente. O mais
importante neste teste não são as “necessidades” ou as “motivações”, no limite

15
anedóticas, mas os modos particulares e sempre singulares do funcionamento do
indivíduo em qualquer situação geradora de conflito.

16
Aplicação da Prova
O TAT é normalmente aplicado a partir dos 9 anos.

A aplicação é feita num único momento e escolhem-se os 10 cartões mais


adequados à problemática do sujeito.

Durante a aplicação da prova, há alguns aspectos fundamentais que devem ser


tidos em consideração.

Deve medir-se o tempo, tanto o tempo de latência como o tempo total por cartão.
As características temporais não podem ser interpretadas em termos de eficiência ou
de realização, mas sim como referências clínicas que mostram a menor ou menor
reactividade do sujeito ou, pelo contrário, a sua tendência para a inibição. É preciso
perceber quais são os efeitos específicos de cada cartão, se o sujeito tem tendência
para reflectir ou para se precipitar no relato.

O tempo de latência e os tempos totais devem ser sempre tomados em


consideração, mas a sua interpretação depende dos elementos clínicos fornecidos
pela análise do conjunto dos relatos.

É desaconselhada a utilização de cronómetro, que pode induzir a aplicação a uma


conotação psicométrica. É preferível recorrer a um relógio de ponteiros, o que é mais
discreto, sem no entanto o esconder.

Quanto às anotações dos relatos, é preciso anotar integralmente o discurso do


sujeito (abreviações, reconstruções e interpretações do clínico devem ser proscritas.
Esta necessidade de transcrever o discurso do sujeito o mais fielmente possível deve-
se ao facto do trabalho sobre o TAT se efectuar a partir da análise formal do relato.

A utilização de um gravador é problemática pois o sujeito pode ter o sentimento de


ser espiado, roubado, ou ainda sentir-se extremamente valorizado. Pode ainda ser um
sinal de falta de confiança na capacidade de escuta do clínico, o que mais uma vez
obriga à transcrição do relato.

Relativamente às intervenções ao longo da aplicação, o clínico intervém pouco


durante a aplicação, o que não significa que não o deva fazer. Cabe ao psicólogo
regular a relação com o sujeito e pode intervir se o entender necessário, sem dar
sugestões ou emitir juízos de valor. No caso de intervir, o psicólogo tem que ter em
conta as suas intervenções e o seu impacto na apreciação da aplicação: se são uma

17
oferta de suporte, de apoio ou se, pelo contrário, são sentidas como inibidoras,
intrusivas ou persecutórias.

Factores como a duração da prova e a atitude do clínico permitem ao clínico


recolher dados que o conduzirão a apreciar o modo de funcionamento psíquico do
sujeito.

Depois de concluída a aplicação, o material recolhido vai ser objecto de análise.


Essa análise baseia-se no estudo dos procedimentos do discurso utilizados na
elaboração das narrativas e da sua articulação com as problemáticas que eles se
esforçam por abordar.

18
A Metodologia
O TAT pode ser proposto em qualquer situação de exame psicológico em que se
pretenda o aprofundamento do funcionamento psíquico de um indivíduo.

Como qualquer situação de teste projectivo, a situação TAT compreende o sujeito,


o teste e o clínico. Tal como os restantes testes temáticos, o TAT é, ao mesmo tempo,
figurativo e ambíguo. Assim, permite simultaneamente uma análise objectiva de tipo
perceptivo (que conduz à descrição do material manifesto) e uma interpretação
subjectiva, que arrasta associações de tipo projectivo (o que traduz as significações
latentes atribuídas ao estímulo).

O TAT solicita condutas perceptivas e projectivas pois o objecto-teste é


compreendido, ao mesmo tempo, como objecto real, tangível, concreto e também
como lugar de investimento de significações subjectivas à semelhança do objecto
transitivo. Isto implica a capacidade do sujeito se deixar ir num devaneio a partir de
uma realidade perceptiva, sem ficar desorganizado por esta actividade associativa, ou
demasiadamente constrangido pelos imperativos da objectividade, referenciado
através das respostas no TAT.

O Material
Da edição original de 31 cartões, só são considerados os mais pertinentes e
significativos: os cartões 1, 2, 3BM, 4, 5, 8BM, 10, 11, 12BG, 13B, 9 e 16 propostos a
rapazes e raparigas, homens e mulheres. Para além disso, os cartões 6BM/7BM são
propostos aos rapazes e homens; os cartões 6GF/7GF e 9GF são propostos a
raparigas e mulheres; e o cartão 13MF é proposto unicamente aos sujeitos adultos,
homens e mulheres.

A ordem de apresentação deve ser respeitada e o cartão 16 deve ser proposto no


fim da aplicação.

Os cartões vão das situações mais estruturadas para as menos estruturadas: os


dez primeiros são mais figurativos e representam personagens sexuadas e os cartões
11, 19 e 16 não reenviam para objectos concretos bem definidos.

O material é aplicado numa única sessão.

19
A instrução dada é “Imagine uma história a partir do cartão”. A instrução é dada no
início e não é repetida. Não há inquérito para cada cartão no final da aplicação mas,
no decurso da aplicação, face a um sujeito muito inibido e/ou com grande mal-estar,
podem colocar-se algumas questões.

Número do Cartão

1 2 3BM 4 5 6BM/7BM 6GF/7GF 8BM 9GF 10 11 12BG 13B 13MF 19 16

S Homem           


e Mulher            
x Rapaz          
o

e
Análise do Material
I Cartão
Rapariga 1          
d
a
d
e

Conteúdo manifesto: Representa um rapaz, com a cabeça entre as mãos, olhando


para um violino colocado diante dele.

Conteúdo latente: o cartão remete para a identificação com um indivíduo jovem


numa situação de imaturidade funcional, que se encontra confrontado com um objecto
que pode ser considerado objecto de adulto, cujas significações simbólicas são
transparentes.

Para que a criança imatura possa ser representada como “capaz de utilizar o
instrumento” é necessário que veja a sua integridade e a do violino: a percepção da
criança deve remeter para uma representação humana inteira, não defeituosa; o
20
violino deve ser identificado como um objecto não atingido na sua identidade, não
partido e não estragado. Isto atesta a capacidade do sujeito se situar inteiro face a
um objecto inteiro.

O sujeito pode reconhecer que o rapazinho, no presente, é incapaz e se servir do


objecto “violino”, interpretação que remete para a impotência actual da criança, mas
impotência que poderá ser ultrapassada no futuro. Isto implica o reconhecimento da
angústia de castração, problemática essencial colocada por este cartão, isto é, o
reconhecimento da imaturidade actual da criança e a possibilidade de dela se
distanciar num projecto identificatório (o que corresponde ao tema banal) com um
jogo possível entre posições activas e/ou passivas.

A problemática de castração não deve ser apenas entendida em termos de


potência/ impotência mas como possibilidade de aceder à fruição e ao prazer: o
objecto “violino” pode ser investido como objecto de desejo, susceptível de aportar
satisfações e, portanto, suficientemente investido.

Quando domina a problemática narcísica e a luta antidepressiva, há um evitamento


da angústia de castração na afirmação de uma posição de omnipotência. O princípio
do prazer afirma-se de um modo megalomaníaco, que nega a imaturidade funcional da
criança e a sua impotência actual. (“É uma criança prodígio, está a ver-se a tocar,
numa sala, aclamado por um público fascinado pelas suas capacidades”). Pode
aparecer a posição inversa a esta, em que há insuficiências do investimento de si com
afectos depressivos (“É uma criança desesperada, nunca conseguirá livrar-se, não
pode, é incapaz de…”).

21
Cartão 2

Conteúdo manifesto: É “uma cena campestre” com três personagens. No primeiro


plano, uma rapariga segura livros, no segundo plano, um homem com um cavalo e
uma mulher encostada a uma árvore, que pode ser percebida como estando grávida.
Não existe diferença de gerações evidente entre as três personagens, mas a diferença
de sexos é claramente representada.

Conteúdo latente: A relação triangular figurada é susceptível de reactivar o


conflito edipiano. Quando a identidade é estável, existe uma diferenciação entre as
três personagens, podendo cada uma delas ser apreendida como munida de qualquer
coisa.

Há casos em que o conflito não se desenrola numa relação triangular mas sim dual,
em que a rapariga está numa situação de dependência em relação ao casal de
camponeses que figuram o casal parental. Quando, pelo contrário, os processos
identitários são pouco estáveis, aparece uma pseudotriangulação que vem substituir-
se à diferença de sexos.

O reconhecimento do laço que une o casal do segundo plano é sustentado por


fantasmas da cena primitiva mais ou menos elaborados: o conflito vai tecer-se entre
desejos e defesas, sendo a rapariga portadora de desejos libidinais em relação ao
homem e de movimentos agressivos em relação à mulher. Isto é acompanhado por
evocações de nostalgia e tristeza em ter de renunciar aos seus objectos de amor.

Quando predomina a problemática narcísica ou antidepressiva, o cartão pode


reavivar outros registos de problemática: numa problemática de perda, a elaboração
do conflito edipiano é particularmente difícil (fragilidade de manejo pulsional,

22
precaridade dos investimentos libidinais e manuseamento da agressividade mal
gerida).

Em contextos psicóticos, os laços entre as personagens são maciçamente


atacados, o que está associado a fantasmas destrutivos e mortíferos da cena primitiva.

Cartão 3BM

Conteúdo manifesto: Representa um indivíduo cujos sexo e idade são


indeterminados, está caído junto de um banco. No canto esquerdo, está um objecto
pequeno, que pode ou não ser percepcionado e que é frequentemente visto como um
revólver ou uma flor.

Conteúdo latente: Reenvia para a problemática de perda de objecto e põe a


questão da elaboração da posição depressiva (depressão). O material, ao pôr à
prova a representação narcísica de si próprio, mobiliza também processos
identificatórios, na medida em que a personagem é representada de modo
relativamente vago quanto à sua identidade sexual.

A elaboração da posição depressiva é possível quando os afectos depressivos são


reconhecidos e associados a uma representação de perda do objecto. Pelo contrário,
há uma recusa da depressão quando há uma defesa maior de tipo maníaco. Deste
modo, é preciso perceber se, num primeiro momento, o sujeito “mergulha” na
depressão e depois se liberta, projectando no futuro um possível trabalho de luto.

Nas organizações neuróticas, os afectos depressivos são reconhecidos e a


representação de perda do objecto é associada à ambivalência face ao objecto. Aqui o

23
conflito posiciona-se entre o desejo e os interditos superegóicos que ameaçam o laço
de amor com as figuras parentais. A depressão é então dominada pelo sentimento de
culpabilidade e pelo medo inconsciente de um castigo.

Nas modalidades de tipo narcísico, o conflito refere-se a um ideal do Ego exigente.


O fantasma narcísico é posto em primeiro plano e a perda é sentida em termos de
ferida narcísica. Aqui, a depressão é dominada por sentimentos de vergonha e de
inferioridade. O objecto não é investido num movimento relacional objectal, mas com
uma procura permanente de ganhos para o narcisismo próprio do sujeito.

Nas organizações de tipo psicótico, os afectos depressivos podem eventualmente


ser evocados. Aqui é a representação unitária da imagem de si que falha, o que se
traduz pela percepção de deformações corporais na personagem. Neste caso, podem
aparecer temas de destruição (a agressividade é maciçamente voltada contra si num
movimento destrutivo, o que não permite a manutenção da identidade na sua
integridade) ou ainda temas paranóicos (há projecções da agressividade para o
exterior, tornando-se o objecto externo persecutório). Os movimentos destrutivos
atacam o pensamento, o discurso fica desorganizado, o relato torna-se caótico, bem
como a representação que o sujeito tem de si e do seu corpo.

24
Cartão 4

Conteúdo manifesto: Representa um casal, uma mulher junto de um homem que se


afasta. A diferença de sexos é claramente representada mas não há diferença de
gerações.

Conteúdo latente: Remete para o conflito pulsional no seio de uma relação


heterossexual visto que cada um dos protagonistas pode ser portador de movimentos
pulsionais diferentes, agressividade e/ou libido (o dualismo pulsional está aqui
fortemente representado).

Tal como os cartões 6BM, 6GF e 7BM, este cartão está estruturado pela diferença
de sexos, prestando-se com menos facilidade a associações regressivas.

Encontra-se com muita frequência instabilidade nas identificações, o que se traduz


pelas tomadas de posições alternativas masculinas ou femininas: por vezes é o
homem que é percebido como potente e forte e a mulher frágil e dependente,
enquanto noutros casos a situação inverte-se e é uma mulher dominadora e
castradora que se confronta com um homem fraco e submisso. Este duplo movimento
pulsional é esperado mas é importante que haja uma ligação possível entre a libido e a
agressividade.

O investimento e a presença de uma terceira personagem podem acentuar o


impacto edipiano da fantasmática. O cartão é estruturado no sentido do Édipo positivo:
o homem e a mulher amam-se e o homem deseja ir bater-se com o seu rival para
guardar aquela que ama. A valência feminina da problemática edipiana está também
presente: ao alto à esquerda, num pormenor pouco figurado, há uma personagem
feminina, muitas vezes percebida como parcialmente desnudada, que reactiva a

25
rivalidade das duas mulheres pelo homem. O movimento de saída pelo homem pode
ser, então, interpretado como significativo do desejo de encontrar esta outra mulher.

A dupla conflitualidade da problemática edipiana é a atracção pela personagem do


sexo oposto e a rivalidade com a personagem do mesmo sexo.

Cartão 5

Conteúdo manifesto: Representa uma mulher de meia-idade, com a mão na


maçaneta de uma porta, a olhar para o interior de uma sala. Esta mulher é
representada entre o dentro e o fora. O dentro é figurado pelo interior de uma sala,
que tem uma mesa, um ramo de flores, um candeeiro sobre uma mesa e, ao fundo,
uma espécie de aparador sobre o qual está colocada uma pequena estante com livros.

Conteúdo latente: Reenvia para uma imagem materna que penetra e olha, que
não pré-julga sobre o registo conflitual no qual o sujeito se vai situar, pois as
modalidades de relação à imagem materna são múltiplas.

A mãe pode ser vivenciada como uma instância superegóica que vem surpreender
uma cena transgressiva (o cartão reactiva a curiosidade sexual e os fantasmas da
cena primitiva e a culpabilidade ligada à masturbação).

Por outro lado, podem surgir fantasmas incestuosos ligados a uma imagem
materna sedutora: mulher que mostra a perna nua por entre a racha da saia.

No registo de uma problemática edipiana relativamente elaborada, diferenciam-se


os conflitos expressos em termos de agressividade e de interditos, de desejo e

26
culpabilidade, daqueles que remetem para uma cena de sedução reactivada no aqui e
agora da aplicação.

Num registo mais arcaico, em que não há suficiente interiorização do Superego,


pode haver referência a uma imago materna que penetra e olha de um modo
persecutório. As quantidades de energia pulsional agressiva permitem evocar uma
vivência de intrusão, ou mesmo persecutória, na relação com a imagem materna. O
olhar da mulher não será então integrado num sistema conflitual interno e as moções
pulsionais agressivas, projectadas sobre a personagem figurada, arrastarão uma
irrupção de representações maciças e uma deformação do material (“ela tem um olhar
rancoroso”).

Cartões 6 e 7
Estes cartões reenviam para as relações com as imagens materna e paterna no
seio de uma problemática edipiana.

A sua estruturação de diferença de sexos e gerações facilita pouco as associações


regressivas. A aproximação dual que elas privilegiam pode dar lugar a manifestações
de intensa angústia, quando o sujeito te dificuldade em se situar em relação a uma
imagem parental sentida como perigosa, pela sua potência ou proximidade.

27
Cartão 6BM

Conteúdo manifesto: Representa um casal, um homem visto de frente, com um ar


preocupado, e uma mulher idosa que olha para algures. Este é o primeiro cartão do
TAT em que a diferença de gerações é figurada de um modo tão claro.

Conteúdo latente: Remete para a proximidade mãe-filho num contexto de mal-


estar. A diferença de gerações reenvia para o interdito da aproximação edipiana,
devido ao facto das duas personagens não estarem frente a frente, dado que a mulher
tem as costas viradas para o jovem.

Num contexto edipiano é acentuado o interdito da proximidade: ”o rapaz deve


deixar a mãe”. Os afectos e a tristeza (quando é reconhecida) remetem para um tema
de luto, luto do pai com muita frequência, podendo esta evocação ser sustentada por
um fantasma de parricídio.

Se no cartão 5, no mesmo contexto edipiano, a relação com a imagem materna


pode ser erotizada e interdita, o cartão 6BM é mais estruturado no sentido do interdito:
a diferença de gerações é muito acentuada, a mulher afasta-se do homem e vem
inscrever-se na proximidade mãe e filho uma representação de perda de objecto.

Quando a problemática edipiana é suficientemente estruturante, a evocação de


morte não engendra uma desorganização evidente uma vez que a ligação entre a
agressividade e os afectos ternos é possível. É a tristeza do luto que eles partilham
que aproxima os dois parceiros.

Num registo mais arcaico de relação com a imagem materna, podem observar-se
fantasmas de realização incestuosa que se traduzem pela ausência da percepção da
diferença de geração, por estados de grande excitação ou de desorganização parcial
28
através de temas de destruição ou de morte que dão conta do perigo de aproximação
mãe-filho.

Cartão 6GF

Conteúdo manifesto: Representa um casal heterossexual. Uma jovem sentada no


primeiro plano volta-se para um homem que se inclina para ela e que tem um
cachimbo na boca.

O material manifesto não é simétrico do cartão 6BM: se o interdito do incesto é


fortemente encenado no cartão 6BM, ele é-o menos no cartão 6GF (não há diferença
de gerações e postura das duas personagens; há aqui um movimento de encontro
entre o homem e a mulher: o homem inclina-se para a mulher e ela volta-se para ele).

Conteúdo latente: Este cartão remete para um fantasma de sedução. Põe à prova a
capacidade de integrar a identificação feminina no seio de uma relação de
desejo.

Quando a problemática narcísica domina, há um sobreinvestimento do corpo, do ar


ou da postura das personagens, a sua idealização ou, pelo contrário, a sua
depreciação sem verdadeira possibilidade de elaboração do conflito pulsional.

29
Cartão 7BM

Conteúdo manifesto: Representa duas cabeças de homens, lado a lado. Um,


“velho”, está virado para o outro, “jovem”, que está amuado. A diferença de gerações é
marcada, mas não há aqui noção de imaturidade funcional de um dos parceiros.

Conteúdo latente: Reenvia para a proximidade pai-filho num contexto de


reticência do filho; os corpos estão excluídos. O conflito deverá desenvolver-se em
torno de uma proximidade entre estas duas personagens, em termos de ternura e de
oposição. A energia pulsional é mobilizada tanto no seio de movimentos agressivos
como libidinais (a agressividade e a rivalidade predominam quase sempre). Contudo,
quando uma proximidade mais terna é evocada, ela não remete só para a erotização
da relação, mas pode testemunhar um apoio possível num “bom pai”, o que revela a
resolução do conflito edipiano e do acesso à ambivalência: o pai pode ser um rival
mas o amor de que ele é objecto permite ligar a agressividade sentida por ele. Por
vezes, a ambivalência é difícil de elaborar: ou o confronto conflitual é evitado pelo
recurso a uma relação especular (problemática narcísica dominante) ou então
desencadeia o surgimento de fantasmas destrutivos.

30
Cartão 7GF

Conteúdo manifesto: É uma mulher com um livro na mão, inclinada para uma
menina com expressão sonhadora, que segura um boneco nos braços. A diferença de
gerações é acentuada pela presença da boneca. A imaturidade funcional caracteriza a
posição da menina.

Conteúdo latente: Reactiva a problemática das relações mãe-filha em duas


dimensões: rivalidade e identificação; interacções precoces mãe-filha.

Num contexto edipiano, a imagem pode dar origem a temas de iniciação e da


identificação feminina. Uma das personagens é portadora de desejo: “a mãe inclina-se
para a filha ara lhe contar coisas” e a filha volta-lhe as costas. Trata-se de um cenário
clássico entre o desejo de saber, neste caso “a curiosidade” e a defesa contra esse
desejo “À filha, isso não lhe interessa nada, ela pensa que preferiria ir lá para fora
brincar e divertir-se com os amigos”.

Interessa aqui a qualidade dos laços “mãe-filha”, que se traduz pela forma como
o boneco é agarrado pela criança. A reactivação das relações precoces mãe-filha
arrasta movimentos de projecção e deslocamento sobre a relação “menina-boneco”:
os temas de queda podem ser interpretados em referência ao holding de Winnicott.
Aqui, o que está em jogo é a capacidade de representar uma “mãe
suficientemente boa”.

31
Cartão 8BM

Conteúdo manifesto: No primeiro plano está um rapaz adolescente, sozinho, com


uma espingarda ao lado, de costas voltadas para a cena do segundo plano.

Conteúdo latente: Reactiva as representações susceptíveis de serem


relacionadas com a angústia de castração e/ou agressividade para com a
imagem paterna.

A personagem central possui, simultaneamente, atributos da infância e da idade


adulta: o rapaz parece muito jovem mas está vestido como um homem, o que pode ser
compreendido como uma condensação das identificações na adolescência.

Colocam-se aqui duas questões importantes. Uma é a de perceber se, no registo


dos processos identificatórios, o sujeito vai optar por uma posição activa através
do tema de acidente de caça (utilizar a espingarda é, de facto, numa talvez demasiado
breve síntese, mostrar-se capaz de tomar o lugar do pai por identificação) ou, pelo
contrário, uma posição passiva, homossexual, figurada pela posição do homem
estendido. A outra questão é perceber se no registo da problemática edipiana a
agressividade e o amor permitem ou não a reparação da imagem paterna.

A cena da operação condensa, ao mesmo tempo, os desejos parricidas e os


fantasmas de castração que os engendram, no seio de uma culpabilidade edipiana. No
entanto, pode ser também interpretada como cena de sedução homossexual
(fantasma de penetração).

Num contexto edipiano, é o desejo de tomar o lugar do pai, e o desejo concomitante


de o matar, que domina a cena. Mas para além disso, aparece um outro aspecto da
relação ao pai na dimensão reparadora para com este pai ferido e não morto. É a
32
ambivalência que é fortemente solicitada na relação com a imagem paterna: o manejo
da agressividade e da libido, ligação possível do amor e do ódio.

Cartão 9GF

Conteúdo manifesto: Duas personagens do mesmo sexo e da mesma geração. No


primeiro plano, uma jovem, por trás e uma árvore, com objectos na mão, olha. No
segundo plano, uma outra jovem corre, mais abaixo. Como pano de fundo, uma
paisagem muitas vezes identificada como uma paisagem marítima.

Conteúdo latente: Este cartão solicita fortemente uma problemática identitária,


pela confusão das personagens e a telescopagem de papéis (a confusão de papéis é
indicadora de graves perturbações ao nível da identidade). Para além desta
problemática identitária, é a questão da identificação sexual que é posta em causa.
O acesso a esta identificação feminina atesta as capacidades de conflitualização do
sujeito.

Num contexto edipiano, a problemática reenvia para a rivalidade entre duas


mulheres, com introdução de uma personagem que não figura na imagem, “um
jovem” (há uma rivalidade pelo amor do rapaz). Contudo, a relação de rivalidade
entre duas mulheres remete para a rivalidade da filha com a sua mãe, o que
arrasta uma modificação do conteúdo manifesto do material pela introdução de uma
diferença de gerações. A mãe torna-se o representante superegóico dos interditos.

Uma dimensão mais rara, mas que não deve ser negligenciada, é a que reenvia
para a ambivalência na relação mãe-criança, não como objecto persecutório mas

33
como um objecto que sustém. O olhar desempenha, então, um papel de suporte e de
apoio em relação à segunda personagem que corre.

Por vezes, o confronto com a relação entre as duas mulheres arrasta emergências
agressivas facilitadas pelo material e susceptíveis de introduzir problemáticas mais
arcaicas. A parecença entre as duas mulheres pode arrastar dificuldades para os
sujeitos cuja identidade é vaga e frágil. As duas jovens mulheres, mal diferenciadas,
são tomadas num sistema de identificação narcísica, com um evitamento total do
conflito. Por outro lado, a paisagem marítima pode reactivar fantasmas de relações
arcaicas perigosas ou até mortíferas, onde surgem temas de ameaça vital em primeiro
plano. Os temas de destruição e de morte podem aparecer através da evocação de
afogamento ou de tempestade.

Cartão 10

Conteúdo manifesto: A proximidade num casal, do qual só são representados os


rostos. Não há diferença de gerações mas a imagem é pouco clara quanto à idade e
ao sexo das duas personagens. O carácter vago e sombrio do material e os contrastes
negro/branco devem ser tidos em consideração.

Conteúdo latente: Reenvia para a proximidade e expressão libidinal num casal.

As personagens são representadas com uma parte dos rostos na sombra. Para que
possa haver reconstrução da integridade destes rostos, é necessário que o sujeito seja
capaz de os perceber e que tenha à sua disposição uma representação íntegra da
imagem do corpo. As partes do rosto na sombra não podem ser reconstruídas e
integradas numa representação completa por sujeitos que sofrem de angústia
34
de fragmentação ou de desintegração. A ausência de uma figuração interna de um
objecto total, torna possível a sua reconstrução a partir de um estímulo parcial.

O material é ambíguo para que possa haver diferentes interpretações quanto ao


sexo das personagens, que determina a identificação do sujeito a um casal
heterossexual ou homossexual. A problemática pode remeter para uma aproximação
libidinal numa relação heterossexual, onde pode haver reconhecimento da ligação
sexual entre os dois parceiros ou defesas para lutar contra essa representação. O
conflito pode aparecer na evocação da curiosidade sexual, sustentada por fantasmas
da cena primitiva ou ligada às relações do casal parental. Quando o conflito edipiano
não é estruturante, pode observar-se uma reactivação de fantasmas incestuosos, que
se traduzem pela evocação de uma aproximação entre pai e filho.

Num contexto de problemática narcísica, a diferença de sexos não é tida em conta


e dá lugar a relações especulares: relação homossexual, busca de uma imagem de si
ideal, negação da diferença.

Podem também encontrar-se relações de suporte que evacuam para a dimensão


sexual da proximidade e na qual o outro é investido como apoio indispensável.

No caso das problemáticas psicóticas, há uma incapacidade do sujeito em distinguir


personagens na sua integridade corporal. As qualidades particulares de sombra e de
luz favorecem a confusão e a telescopagem dos papéis nos sujeitos com identidade
frágil.

35
Cartão 11

O cartão é pouco figurativo e mais ambíguo pois as representações humanas estão


ausentes. O cartão é muito vago mas susceptível de oferecer uma estruturação
perceptiva mínima.

Conteúdo manifesto: É uma paisagem caótica, com vivos contrastes de sombras e


de claridade na vertical. Alguns elementos mais estruturados como uma ponte,
estrada, pormenor à esquerda (dragão ou serpente, etc.) permitem uma reorganização
do material.

Conteúdo latente: O cartão é angustiante, a angústia deve ser sentida como tal, e o
seu não reconhecimento constitui um índice patológico em todos os casos. Evoca o
combate contra a natureza, representada nos seus aspectos perigosos, o que remete
para a evocação das relações com a mãe natureza, isto é, com a mãe arcaica. O
cartão reactiva materiais psíquicos de ordem pré-genital, pelo que se espera encontrar
relatos de fantasmas arcaicos, mesmo que as representações que deles dêem conta
possam aparecer em termos elaborados.

O cartão põe à prova a capacidade do sujeito elaborar a angústia pré-genital.


Interessa perceber a capacidade do sujeito “mergulhar no material regressivo”, compor
esse “mergulho regressivo”, emergir e construir uma paisagem relativamente
organizada a partir de um material caótico, ao apegar-se apenas aos elementos mais
estruturantes do material manifesto.

Num contexto de funcionamento neurótico, o sujeito pode situar-se num sistema de


secundarização efectiva dos fantasmas arcaicos: o deslocamento, a condensação e a

36
simbolização permitem a construção de um relato que se assemelha ao relato do
sonho.

Cartão 12BG

Conteúdo manifesto: É uma paisagem com árvores na margem de um riacho, com


uma árvore e uma barcaça em primeiro plano. A vegetação e o plano de fundo são
imprecisos. O grafismo é relativamente leve e claro.

Conteúdo latente: Este cartão constitui um momento de apaziguamento em relação


ao cartão precedente, ao convidar o sujeito a diversificar o leque das suas
reacções sensoriais e afectivas. O aspecto figurativo e familiar do material actualiza
as capacidades elementares de diferenciar o mundo interno do mundo externo e
remete para uma actividade perceptiva conhecida, em referência com as “boas”
experiências pré-genitais.

É necessário que, na ausência de personagem na imagem, o sujeito possa


reconhecer a ausência do objecto sem, todavia, temer a sua perda, ao manusear um
espaço de representação que ocupe a cena mental, o que depende dos modos de
elaboração da posição depressiva (os cartões 3BM, 12BG e 13B são úteis para
estudar a posição depressiva).

Num contexto edipiano, o cartão serve de suporte às representações de relações


descontextualizadas, ternas ou erotizadas.

São raras as imersões regressivas e projectivas (com a presença de objectos


parciais persecutórios), testemunhas de perturbações da identidade, na parte menos
estruturada do cartão. A parte figurativa do desenho oferece, aos sujeitos com
disfuncionamentos psíquicos graves, um mínimo de apego possível ao “conhecido” e
37
ao concreto, para permitir uma desconflitualização das representações e uma
regulação do afecto.

As polarizações depressivas e narcísicas são intensamente solicitadas através da


reactivação de uma problemática de perda e de abandono, ou através da
incapacidade em introduzir uma dimensão objectal. Os adolescentes mais velhos ou
os jovens adultos são desestabilizados nestes modos neste cartão.

Cartão 13B

Conteúdo manifesto: É um rapazinho sentado na ombreira de uma porta, na soleira


de uma cabana de tábuas separadas, figurando num vivo contraste de luz no exterior
e de sombra no interior.

Conteúdo latente: Reenvia para a solidão num contexto de precaridade do


simbolismo materno. Os elementos fundamentais são a solidão pois trata-se de
uma personagem só e a precaridade do simbolismo materno figurada pela casa
feita de tábuas desunidas.

Aqui, o que é posto em questão é a capacidade do sujeito estar só. É preciso


perceber se o sujeito é capaz de subsistir na ausência do objecto e se pode
elaborar a posição depressiva.

A solidão e a imaturidade funcional podem levar a associações de fantasmas da


cena primitiva, mas, é mais a dimensão depressiva e abandónica da relação
mãe/criança que é solicitada de forma intensa.

38
Sendo que esta imagem reactiva angústias de separação e de perda de objecto,
espera-se que os afectos depressivos surjam e que sejam associados a
representações de perda. Contudo, por vezes surgem defesas maníacas através de
relatos organizados à volta da luta antidepressiva.

Num contexto de relações arcaicas com a imagem materna, a precaridade do


simbolismo materno (tábuas mal justapostas) serve de suporte para a projecção de
uma imagem materna enfraquecida ou deteriorada, acompanhada ou não por
mecanismos de reparação. Quando os desejos de reparação não são mobilizados,
podem surgir fantasmas persecutórios ou destrutivos.

Cartão 13MF

Este cartão não é aplicado antes do 14-15 anos, dado o carácter cru do material
manifesto.

Conteúdo manifesto: No primeiro plano está um homem de pé com o braço diante


do rosto. No segundo plano, está uma mulher deitada, com o peito desnudado.

Conteúdo latente: Remete para a expressão da sexualidade e agressividade no


casal. Interessa perceber em que medida a dimensão passional da relação
heterossexual é percebida e pode ser traduzida através de um cenário “legível”. A
sexualidade aparece na evocação da ligação do casal e a agressividade surge na
eventual evocação de um crime passional.

Do ponto de vista económico, são esperadas grandes quantidades de energia


pulsional (representações e afectos maciços). Os temas de culpabilidade e remorso,

39
relacionados com a expressão da sexualidade e da agressividade, mostram a
oscilação entre o desejo, a libertação pulsional e a defesa em termos de interdito e de
culpabilidade.

O material pode ainda suscitar uma reactivação pulsional e fantasmática, que


determina movimentos de inibição maciços e histórias restritivas. Noutros casos ainda,
só a agressividade é desenvolvida, ou só os aspectos sexuais da relação são
privilegiados.

São aqui postas à prova as capacidades de ligação dos movimentos pulsionais


agressivos pelos movimentos libidinais.

Cartão 19

Conteúdo manifesto: Representa uma paisagem som uma casa sob a neve, ou uma
cena marítima com um barco na tempestade, rodeados de formas espectrais e vagas.
Os contornos entre o negro e o branco permitem uma delimitação psíquica entre
dentro e fora.

Conteúdo latente: Tanto o mar como a neve são referências à natureza que
remetem para a imago materna. Reactiva uma problemática pré-genital na
evocação de um continente e de um meio, que permitem a projecção do bom e do
mau objecto. Incita ainda à regressão e à evocação de fantasmas fobogénicos.

Pretende-se aqui perceber se o sujeito é capaz de organizar a separação entre o


dentro e o fora e evocar um continente e um meio que permitam a projecção do bom e
do mau objecto. Se ele consegue evocar as experiências positivas e negativas e

40
assegurar a clivagem entre o bom e o mau objecto: guardar o bom no interior e
expulsar o mau para o exterior.

Quando os limites entre o dentro e o fora não são fiáveis, as representações de


relações põem a tónica na intrusão, no persecutório, na destruição, na morte, o que
remete para modalidades de funcionamento arcaico.

Põem-se aqui à prova as capacidades de delimitação entre dentro e fora, pela


introjecção do bom objecto e expulsão do mau objecto (Freud, 1925).

Cartão 16

Conteúdo manifesto: Este cartão em branco, é completamente diferente dos outros.


O seu carácter insólito obriga a uma nova instrução: “Até ao momento, mostrei-lhe
imagens que representavam personagens ou paisagens, agora proponho-lhe este
cartão que é o último. Pode contar-me a história que quiser.”

Conteúdo latente: Reenvia para a forma como o sujeito estrutura os seus objectos
privilegiados e às relações que com eles estabelece. A sua dimensão transferencial é
intensificada uma vez que o material não é figurativo e se trata do último cartão a ser
proposto. Este cartão é muito importante devido às dificuldades em o interpretar e à
variedade de solicitações que implica.

41
Decomposição
Só depois de estudar tudo sobre o processo TAT é que foi possível criar uma
metodologia séria e correcta. Esta metodologia está sintetizada na chamada folha de
análise do TAT, que é um instrumento precioso para ajudar a identificar os
procedimentos que o sujeito utilizou para construir a história. Mais do que o conteúdo,
interessa analisar a forma das histórias.

O TAT nasce inscrito na procura de identificação dos procedimentos de elaboração


da história (mecanismos de defesa), o que permite codificar e situar o sujeito na
neurose, psicose ou patologia borderline.

A análise dos procedimentos e problemáticas do sujeito, que permite


apreender o trabalho psíquico do sujeito, comporta dois tempos: o primeiro é a análise
cartão a cartão e o segundo é a síntese.

Relativamente à análise cartão a cartão, faz-se a codificação dos procedimentos


de elaboração do discurso com a ajuda da folha de decomposição, que remete para as
modalidades de tratamento dos conflitos reavivados pelo material. Ao fazer isto, vai-se
referenciar quais as problemáticas abordadas pelo sujeito face aos cartões.

O segundo momento, o da síntese das informações obtidas, consiste no


reagrupamento na folha de decomposição dos diferentes procedimentos de
elaboração do discurso utilizados pelo sujeito. Aqui, vai-se apreciar a qualidade do
processo associativo (relações entre representações, afectos e mecanismos de
defesa). Depois disto, há que destacar as modalidades de funcionamento psíquico em
jogo na experiência TAT e propor hipóteses de organização psíquica do sujeito.

A codificação e o agrupamento dos procedimentos de elaboração do discurso são


facilitados pela utilização da folha de decomposição.

Em qualquer organização psíquica, quer ela seja normal ou patológica, existe


sempre a actividade defensiva. Widlöcher define os mecanismos de defesa como “um
conjunto de operações cuja finalidade é reduzir um conflito intrapsíquico ao tornar
inacessível à experiência consciente um dos elementos do conflito. Os mecanismos de
defesa serão os diferentes tipos de operação nos quais se pode especificar a defesa,
isto é, as formas clínicas destas operações defensivas.”

A folha de decomposição surgiu em 1958 e foi sofrendo modificações. É um


instrumento de trabalho que pode ser regularmente modificado, tendo em conta as
42
suas imperfeições e a evolução da clínica e das suas interrogações. A folha de
decomposição serve de grelha para apreciar e considerar as particularidades de
construção de cada uma das histórias. Dividida em quatro grandes categorias de
procedimentos (séries A, B, C e E), ela só é preenchida no final da análise do
protocolo inteiro.

43
PROCEDIMENTOS DA SÉRIE A (Controlo)

A0 Conflitualização intrapessoal

A1

1. História construída próxima do tema banal.


2. Recurso a referências literárias, culturais, ao sonho.
3. Integração de referências sociais e do senso comum.
A2

1. Descrição com apego aos pormenores (alguns raramente evocados), incluindo expressões e posturas.
2. Justificação das interpretações através desses pormenores.
3. Precauções verbais.
4. Afastamento temporo-espacial.
5. Precisões numéricas.
6. Hesitações entre interpretações diferentes.
7. Vai e vem entre a expressão pulsional e a defesa.
8. Mastigação, ruminação.
9. Anulação.
10. Elementos de tipo formação reactiva (limpeza, ordem, ajuda, dever, economia, etc.).
11. Denegação.
12. Insistência no fictício.
A Série A
13. Intelectualização (abstracção, simbolização, título dado à história em relação com o conteúdo
As séries A e B agrupam os procedimentos que remetem para processos de
manifesto).
elaboração do discurso susceptíveis de serem sustentados por mecanismos de defesa
14. Alteração brusca
neuróticos. de direcção no
Testemunham curso
uma da história (acompanhada
conflitualização ou não
intrapsíquica, de pausa
o que no discurso).
dá conta de um
15. Isolamento de elementos
espaço interno ou personagens.
constituído, claramente diferenciado, e que permite o desenrolar e a
16. Grande pormenor
dramatização e/ouconflitos.
dos pequeno pormenor evocado
Isto significa e não
que integrado.
estes procedimentos implicam a
17. Acento inscritodenos
constituição umconflitos
aparelho interpessoais.
psíquico evoluído (Id, Ego e Superego diferenciados) com
capacidade de contenção dos conteúdos.

18. Afectos expressos a minima.


A série A e B dão conta do funcionamento normal e neurótico. Num protocolo
ideal, deveriam encontrar-se funcionamentos de A1 e B1.

A série A inventaria os procedimentos de controlo (dos afectos, da fantasia e do


pensamento). Esta série subdivide-se em duas sub-séries: por um lado, a sub-série A1
tem procedimentos de controlo adaptativos e normativos (de elaboração) que servem
44
para construir a história; por outro lado, os procedimentos da sub-série A2 não
servem para construir a série mas sim para o sujeito se defender (já funcionam como
mecanismos de defesa e alguns deles são mecanismos da neurose obsessiva).

A11 – História construída próxima do tema banal


O sujeito mantém-se a uma grande distância das solicitações latentes do cartão,
isto é, das representações/ afectos que estas poderiam suscitar. No entanto, esta
distância não impede a evocação de um conflito que permanece em ressonância com
o material.

Cartão 1 – Dificuldade do rapaz em tocar o instrumento.

Cartão 3BM – “Um homem triste.”

A12 – Recurso a referências literárias, culturais, ao sonho


É a tendência do sujeito para abordar a situação conflitual ao abrigo de uma
referência literária, cultural ou onírica. Estas referências são formas implícitas do
sujeito falar de si.

Cartão 2 – “A rapariga no campo faz-me lembrar “A Cidade e as Serras”.”

Cartão 3BM – “Um rapaz que acabou de ler um capítulo de um livro de aventuras e
está a imaginar as cenas do livro de Jack London.”

A13 – Integração de referências sociais e do senso comum


O sujeito não fala sendo ele próprio mas utilizando o senso comum. Aborda a
situação conflitual através de estereótipos sociais, ou seja, ao apelar ao senso comum,
tenta encontrar uma solução para o conflito evocado.

Cartão 1 – “Um rapazinho tinha combinado ir andar de bicicleta com os amigos,


mas o pai obrigou-o a ficar em casa a estudar uma partitura. Ele está chateado mas
pensa que quanto mais cedo e mais depressa estudar, mais depressa pode ir brincar.”

45
A2
Os procedimentos A21 e A22 marcam o investimento no quadro perceptivo. Se o
apego à realidade acontecer de vez em quando é natural, mas se as histórias forem
construídas com base nisto, há aqui algo de demasiado perceptivo.

É normal que nesta prova seja necessário algum apego ao conteúdo manifesto,
pois o TAT põe em jogo os mecanismos perceptivos, mas é importante distinguir os
diferentes modos de apreensão entre si, pois é da sua qualidade que depende a
distinção entre campo da neurose e os outros registos de funcionamento. O critério
essencial consiste em saber se a descrição do conteúdo manifesto serve de base para
a conflitualização e dramatização. Assim, considera-se um A2 sempre que a descrição
do material a partir de pequenos pormenores seja retomada num segundo tempo, no
seio de uma conflitualização efectiva entre a defesa e a emergência de
representações e afectos.

A21 – Descrição com apego aos pormenores (alguns raramente


evocados), incluindo expressões e posturas
O apego aos pormenores reenvia para a utilização da realidade externa para lutar
contra as emergências da realidade interna.

Cartão 1 – “O pai ofereceu um violino ao rapaz e agora ele está curvado, com os
olhos semi-cerrados, sentado com as mãos a segurar a cabeça.”

Em cada cartão é possível inventariar os grandes pormenores (D) e os pequenos


pormenores (Dd) mais frequentes que remetem para o conteúdo manifesto do cartão:

Cartão Dd: Uma mesa, um arco e uma


D: Um rapaz, um violino.
1 folha de partitura.

Dd: Livro, charrua, cavalo,


Cartão D: Três personagens: um homem, gravidez da personagem encostada
2 duas mulheres. à árvore e eventualmente a
paisagem de fundo.

Cartão Dd: Uma banqueta, um objecto


D: Uma personagem.
3BM no chão.

Cartão D: Duas personagens em primeiro Dd: Uma personagem no


4 plano: um homem, uma mulher. segundo plano.

46
Dd: Todo o mobiliário, jarra com
Cartão
D: Uma personagem, uma mulher. flores, livros, estante, mesa,
5
candeeiro, aparador.

Dd: O chapéu que o homem


Cartão D: Duas personagens: um homem,
segura, o tecido que a mulher
6BM uma mulher.
segura.

Cartão D: Duas personagens: um homem,


Dd: O cachimbo, uma mesinha.
6GF uma mulher.

Cartão
D: Duas personagens: dois homens. Dd: A indolência do jovem.
7BM

Dd: Uma mesa, um livro, uma


Cartão D: Duas personagens: uma mulher, poltrona, o olhar da menina, a
7GF uma menina e um boneco. posição da boneca nos braços da
menina.

D: Quatro personagens: um jovem em


Cartão primeiro plano, um homem deitado em
Dd: Luminosidade.
8BM segundo plano, dois homens debruçados
sobre ele. Escalpelo, espingarda.

Dd: Objecto que a personagem


Cartão
D: Duas personagens: duas jovens. do primeiro plano segura, a árvore,
9GF
vestidos, as ondas, o mar.

Cartão Dd: Contraste branco e negro, a


D: Duas personagens.
10 mão.

D: Todos os elementos da paisagem,


Cartão precipício, ponte, parede, estrada,
Dd: Não há Dd.
11 rochedos, grupo central, dragão, queda
de água.

Cartão D: Uma árvore, um barco, um curso


Dd: Tonalidade clara.
12BG de água.

Dd: O braço da mulher descaído,


D: Duas personagens: um homem
Cartão os livros, uma mesa de cabeceira,
com o braço diante da cara, uma mulher
13MF um candeeiro, um quadro na
desnudada, uma cama.
parede, uma cadeira.

47
Dd: Pés descalços, obscuridade
Cartão D: Uma personagem: um rapaz e uma
do interior da casa, casa feita com
13B casa.
tábuas desunidas.

Cartão Dd: Janelas iluminadas,


D: Barco, casa, fantasmas, chaminé.
19 sombras, ondas.

Cartão
D: Uma folha branca. Dd: Não há Dd.
16

A22 – Justificação das interpretações através desses pormenores


O A22 vem sempre acompanhado pelo A21.

Estas justificações permitem racionalizar ou recusar uma interpretação.

Cartão 1 – “O rapaz está triste porque está curvado, sentado com as mãos a
segurar a cabeça, …”

Cartão 2 – “A rapariga com uns livros… Provavelmente não é de cá.”

A23 – Precauções verbais


Expressões como “talvez”, “diríamos que”, “podemos imaginar que”, “tenho a
impressão de que” mostram o controlo do sujeito em não se entregar à projecção e à
fantasia.

Cartão 10 – “…Não sei… Diríamos duas personagens idosas… têm ar de se


acalmar… é mais de se consolarem… Poder-se-ia crer que… aconteceu uma
desgraça na família… perderam uma pessoa querida…”

A24 – Afastamento temporo-espacial


Qualquer tendência para situar as personagens ou o relato mais ou menos longe no
tempo e no espaço.

Cartão 2 – “É uma cena que se passa numa quinta nos finais do século XIX. A filha
do dono da quinta passeia-

48
Cartão 3BM – “Um homem está preso. Foi condenado à morte numa prisão do

A25 – Precisões numéricas


As precisões numéricas como datas, idade, etc., tendem para o controlo dos
afectos.

Cartão 1 – “É uma criança com 6 anos.”

Cartão 2 – “É um campo agrícola. O homem já fez 12 regos na terra.”

A26 – Hesitações entre interpretações diferentes


Qualquer indecisão na escolha, desenvolvimento e/ou solução do tema.

A presença deste procedimento, que tem a ver com a dúvida, aparece muito na
neurose obsessiva.

Cartão 1 – “Então é preciso encontrar uma interpretação desta imagem. Pode ser
ou uma criança ajuizada face ao trabalho a realizar, ou aquele que está diante de um
trabalho não acabado, ou a espera de um professor, ou a saída.”

A27 – Oscilação (vai e vem) entre a expressão pulsional e a defesa


Este procedimento é característico da neurose obsessiva e mostra o conflito
neurótico entre a agressividade e a defesa da agressividade através de mecanismos
como o isolamento, a denegação, a anulação, o deslocamento, etc.

Cartão 8BM – “Dir-se-ia que se opera alguém... Dir-se-ia que se opera alguém (tom
um pouco inquieto) … Isto não me inspira nada mais… uma operação. Não se trata,
de qualquer forma, de um pôr no caixão, não é verdade? É mais, na minha opinião,
tratamentos… uma operação… Alguém que está deitado e que está a ser tratado… O
que eu não entendo é este homem vestido de maneira diferente e que não olha,
manifestamente muito triste.”

49
A28 – Mastigação, ruminação
Consiste em voltar continuamente sobre os mesmos elementos do tema, sem que
haja verdadeiramente progressão no relato. Este procedimento pode acompanhar o
precedente e é também característico da neurose obsessiva.

Cartão 5 – “É uma mulher que entra num quarto de dormir de um dos seus filhos…
Ainda que a mesa não seja uma mesa de quarto de dormir… Ou então uma mulher
que vem avisar que o jantar está servido ou que entra no escritório do seu marido, que
recebe uma visita… Ainda que a mesa não seja uma mesa de escritório. O candeeiro
não é um candeeiro de sala, é um candeeiro de quarto… há muito poucos livros nas
estantes para que seja um gabinete de trabalho… Isto pode ser, pelo contrário, alguns
livros que se têm no quarto.

A29 – Anulação
Declarar nulo e não surgido o conflito evocado. A anulação apaga o representante
pulsional.

Cartão 3BM – “É um rapaz muito triste. Não, não é isso! Ele está a jogar às
escondidas.”

A210 – Elementos de tipo formação reactiva (limpeza, ordem, ajuda,


dever, economia, etc.)
Qualquer elemento do discurso que dá conta da reversão da pulsão no seu
contrário: ajudar/ opor-se ou fazer mal, arrumar/ sujar, etc.

Cartão 5 – “a porteira acaba de subir a casa de Madame Durand para a avisar que
o seu rapazinho acaba de cair na rua e magoar-se. Ela aproveita para dar uma
olhadela no apartamento que está limpo e arrumado. A mãe desce, e só será um falso
alarme.”

A211 – Denegação
Ao formular um dos seus desejos, sentimentos ou pensamentos, o sujeito continua
a defender-se deles ao negar que eles lhe pertencem.

50
Cartão 1 – “Este miúdo não está nada chateado com o pai por ele o ter obrigado a
tocar violino.”

Cartão 3BM – “Esta imagem não me provoca nenhuma emoção.”

A212 – Insistência no fictício


Atitude de distanciamento que consiste em avançar o aspecto irreal do material ou
da história, ao transformar qualquer situação conflitual em cena de filme, cartaz, sonho
ou pesadelo, etc.

Cartão 4 – “São actores de um filme. São personagens dramáticas de uma peça de


Shakespeare.”

A213 – Intelectualização (abstracção, simbolização, título dado à


história em relação com o conteúdo manifesto)
Este é um mecanismo que pode secar os afectos e a vida mental do sujeito.

Cartão 1 – “O rapaz está concentradíssimo.”


pensamento racional

Cartão 3BM – “Faz lembrar o suicídio. O filósofo francês dizia que o suicídio...”
Abstracção

Cartão 6BM – “Isto poderia intitular-se… “À cabeceira de alguém” ou “a espera”…


“a espera de alguém”… Vê-se pela expressão da personagem masculina que se
passa qualquer coisa de grave… ele em um chapéu na mão… toda a sua atitude
reflecte um acontecimento dramático.”

A214 – Alteração brusca de direcção no curso da história


(acompanhada ou não de pausa no discurso)
Depois de ter evocado um primeiro tema em relação com as solicitações latentes
do cartão, o sujeito dá uma segunda interpretação sem relação aparente com a
precedente, ao denegar o laço que existe entre os dois temas, embora estes sejam
sustentados pelo mesmo fantasma.

51
Cartão 8BM – “Ali atrás há dois médicos que operam um rapaz que imagina como
é que vai ser a operação. Isto dá mais ar de o assustar, porque o outro tem ar de
sofrer na mesa. Olha, há uma espingarda ali.”

A215 – Isolamento de elementos ou personagens


Consiste em negar ou ignorar a relação entre os elementos e/ou as personagens da
imagem. Frequentemente, o isolamento de personagens serve de recalcamento das
representações edipianas e/ou sexuais que são fortemente induzidas. Este
procedimento é característico da neurose obsessiva.

Cartão 2 – “Não vejo relação entre as personagens… nomeadamente a rapariga


que segura… livros, não sei o que é que ela tem na mão. Ali, está um trabalhador
com, imagino, um cavalo de tracção e uma charrua.”

A216 – Grande pormenor (D) e/ou pequeno pormenor (Dd) evocado e


não integrado
Pormenores percebidos e não utilizados na elaboração da história. Os mais
frequentes são o “revólver” no cartão 3BM e a “espingarda” no cartão 8BM.

Cartão 3BM – “Uma pessoa que tem um ar abatido… ao pé de uma cama, ela
poisa o seu braço direito estendido sobre a cama e pousa a cabeça na concavidade
do cotovelo. É uma mulher. Agora… Há um objecto pequeno à esquerda, mas não
vejo o que é. Não vejo a razão da tristeza, mas a atitude está lá.”

Cartão 8BM – A pessoa diz “Está ali uma espingarda!” mas, ao contar a história,
não menciona a arma.

A217 – Acento inscrito nos conflitos interpessoais


O conflito incide nas exigências internas contrárias: entre um desejo e uma
exigência moral ou entre dois sentimentos contraditórios em que se confrontam com o
interdito.

Cartão 3BM – “É uma pessoa que está completamente desesperada, que está no
chão, um braço num sofá, que está a chorar… e ao lado dela está uma pistola e ela

52
pergunta-se se se deve matar ou não… ela não sabe o que deve fazer. Eu penso que
ela não se matará, que se vai levantar e retomar coragem.”

Cartão 2 – “É um campo agrícola. O homem já fez 12 regos na terra.”

A218 – Afectos expressos a mínima


Este procedimento surge em histórias onde os afectos estão altamente controlados,
mesmo que se trate de temas que comprometam potencialmente uma carga afectiva
importante (tema de fim, perda, destruição, etc.).

Cartão 1 – “O pai deu-lhe o violino, ele tentou tocar mas não conseguiu. Está
ligeiramente aborrecido.”

Cartão 13MF – “É um homem que encontra a sua mulher morta. Ele está
desgostoso.

PROCEDIMENTOS DA SÉRIE B (Labilidade)

B0 Conflitualização interpessoal

B1

1. História construída à volta de uma fantasia pessoal.


2. Introdução de personagens que não figuram na imagem.
3. Expressões flexíveis e difundidas.
4. Expressões verbalizadas de afectos variados, modulados pelo estímulo.

B2

1. Entrada directa na expressão.


2. História com ressaltos. Fabulação longe da imagem.
3. Acento inscrito nas relações interpessoais. Relato em diálogo.
53
4. Expressão verbalizada de afectos fortes ou exagerados.
5. Dramatização.
6. Representações contrastadas. Alternância entre estados emocionais opostos.
7. Vai e vem entre desejos contraditórios. Fim com valor de realização mágica do
desejo.
8. Exclamações, comentários, digressões, referências/ apreciações pessoais.
9. Erotização das relações, invasão da temática sexual e/ou simbolismo
transparente.
10. Apego aos pormenores narcísicos com valência relacional.
11. Instabilidade nas identificações. Hesitações sobre o sexo e/ou idade das
personagens.
12. Acento inscrito numa temática do estilo: ir, correr, dizer, fugir, etc.
13. Presença de temas de medo, de catástrofe, de vertigem, etc., num contexto
dramatizado.

A Série B
Nos procedimentos da série B, ainda que tendo em conta o conteúdo manifesto e
as solicitações latentes do cartão, o relato elaborado pelo sujeito corresponde a uma
criação mais pessoal, na qual o sujeito introduz elementos originais. Nestes
procedimentos há um abaixamento do controlo, pelo que as histórias são mais
atractivas e coloridas de afectos e representações.

A série B é a série dos procedimentos da labilidade e divide-se em duas sub-


séries: os procedimentos B1 são normativos e os procedimentos B2 são
procedimentos de labilidade mais intensos sendo que alguns deles são mecanismos
que se encontram na neurose histérica.

B11 – História construída à volta de uma fantasia pessoal


Este é um procedimento que remete para a projecção. Aqui o sujeito fantasia mais
do que no procedimento A11.

Cartão 1 – “Esta criança, que sente em si um gosto pela música, tem o pai e o tio
que vêm tocar numa reunião familiar. Esta criança está perturbada. Ele tem dons, é
filho e neto de músicos. Quando toda a gente partiu, ele sentou-se diante do violino
sem ousar tocar-lhe. Pensa e quer tornar-se um grande virtuoso. Diz-se: “Aqui está,

54
encontrei a minha vocação!” Fala disso com os pais e pede-lhes para ter lições. Os
pais ficam comovidos e felizes.”

Cartão 2 – “São universitários fartos da vida que levam. Povoaram uma aldeia na
Beira Baixa e constituíram uma comunidade.”

B12 – Introdução de personagens que não figuram na imagem


Qualquer referência a uma personagem que não esteja representada ao nível do
conteúdo manifesto do cartão. Este procedimento atesta a instalação do conflito
neurótico.

Cartão 1 – “O miúdo está com o violino no quarto. Foi o pai que lho deu.”

Cartão 5 – “É um interior burguês e a criada entra e surpreende-o no salão, não, na


sala de jantar… desculpe… a sua jovem patroa numa conversa com um jovem… é
tudo… ela tem um ar chocado.

B13 – Expressões flexíveis e difundidas


Quando, ao longo de uma narrativa, o sujeito o sujeito é capaz de tomar diversas
posições, diversos papéis, mantendo uma identidade estável. Este procedimento dá
conta da flexibilidade do funcionamento psíquico do sujeito.

Cartão 4 – “Temos aqui uma ruptura. Um homem vem anunciar à sua amante que
a vai deixar e esta, desesperada, agarrando-se a todo o passado em comum, àquilo
que foi a sua felicidade, tenta retê-lo. Mas a resolução do homem está tomada, ele não
se deixará comover com os seus lamentos e deixá-la-á.”

B14 – Expressões verbalizadas de afectos variados, modulados pelo


estímulo
Os afectos expressos estão em relação com as solicitações latentes do cartão e
dão conta da associação possível entre afectos e representações. Há aqui uma
labilidade emocional e afectiva (é o contrário do afecto rígido).

Cartão 1 – “É um rapazinho decepcionado… mas o pai arranja-lhe um professor…


ele fica mais animado...”

55
Cartão 3BM – “É uma mulher que chora porque acaba de perder um ente querido.
Ela encontra-se só com o seu desgosto, só com as suas lembranças e a imaginar
como é que ela vai poder continuar a viver sem aquele ser, ao qual estava tão ligada.
Com a ajuda do tempo, ela conseguirá recompor-se e retomar de novo as suas
ocupações, mas a recordação ficará gravada na sua memória para sempre.”

B21 – Entrada directa na expressão


Este procedimento é marcado pela precipitação. Revela a impulsividade do sujeito
e a grande identificação dele, quer à personagem, quer à situação.

Cartão 2 – “É uma rapariga desejosa de sair do campo. Está farta daquela vida.”

Cartão 4 – “É um casal à beira da separação.”

B22 – História com ressaltos. Fabulação longe da imagem


Consiste em relatos longos, com muitas sequências até ao desenrolar final.
Acontece em situações em que o sujeito tem prazer em contar a história e gosta de
dar nas vistas.

Cartão 4 – “É um casal à beira da separação, até que há um dia em que acaba


mesmo. Ele está farto dos ciúmes dela. Vai ter com um amigo, vão viajar num veleiro
até Espanha, onde se divertem muito.”

B23 – Acento inscrito nas relações interpessoais. Relato em diálogo


Ao contrário do procedimento A217, o conflito não implica o pensamento do sujeito
mas é encenado através da relação entre as personagens (que se falam e mantêm
diálogos). Os sujeitos que recorrem a este procedimento são pessoas que vivem tão
intensamente as situações que as relatam em diálogos.

Cartão 2 – “A rapariga passeia no campo e vê um casal a trabalhar. Vai ter com a


mulher e começa a falar com ela...”

Cartão 4 – “É uma mulher que discute com o marido e diz-lhe: “Suplico-te, não te
vás embora! Peço-te desculpa pelo que te disse há pouco…” Mas ele, maldosamente
diz-lhe: “É tarde demais, está tudo acabado!””

56
B24 – Expressão verbalizada de afectos fortes ou exagerados
O afecto expresso de uma forma um pouco teatral ocupa, por vezes, o lugar e o
espaço da representação e, em qualquer caso, acompanha-a.

Cartão 3BM – “É uma pessoa que está muito aflita, com palpitações. Sente-se tão
mal que até pensa que pode morrer.”

Cartão 4 – “O homem já não aguenta a mulher. Não a suporta!”

B25 – Dramatização
Narrativa onde o sujeito sente prazer em encenar acontecimentos, relações entre
as personagens, de uma forma mais ou menos teatral. Na neurose histérica há
sempre uma dramatização fortíssima.

Cartão 4 – “A mulher está aos gritos a dizer que ele não a pode deixar… Diz-lhe
que há 30 anos que estão juntos, que têm filhos e que não se podem separar…
desfalece...”

B26 – Representações contrastadas. Alternância entre estados


emocionais opostos
Estes procedimentos mostram a passagem, mais ou menos brusca, entre imagens,
temas e/ou afectos, cuja oposição manifesta traduz a labilidade do funcionamento
mental (neurose histérica).

Cartão 4 – “A mulher é rica e gosta dele. Ele, por ser pobre, acha que nunca vai ser
possível terem uma relação socialmente aceite.”

Cartão 6BM – “O filho tenta fazer as pazes com a mãe, mas ela, que é má, não
aceita para o fazer sofrer.”

B27 – Oscilação (vai e vem) entre desejos contraditórios. Fim com valor
de realização mágica do desejo
Consiste na oscilação entre a expressão do desejo e a defesa: a defesa refere-se à
expressão do desejo libidinal (Id) interdito pelo Superego. O desenrolar responderá ao
princípio do prazer – à omnipotência do desejo e não ao princípio da realidade.

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Cartão 1 – “Aqui, é um rapaz que queria muito tocar violino, que deve ter tido um
choque, ficou deprimido e não quis tocar mais. Mas ele tem ainda vontade, não pode,
é mais forte do que ele, mas no fundo ele tem vontade de tocar. No fim, isto conclui-se
que ele vai com certeza tocar e que será feliz.”

Cartão 2 – “A filha do dono da quinta vive na cidade, mas sempre que vai à quinta
tenta ir ver o rapaz de quem sempre gostou. Como todos são contra, há sempre uma
velha criada que anda atrás dela para permitir que eles se envolvam devido à
diferença social entre eles. Mas o rapaz vai-se embora e, um dia, volta rico. Assim, já
poderão ser felizes sem impedimentos.”

B28 – Exclamações (1), comentários, digressões (2), referências/


apreciações pessoais (3)
Enquadra-se aqui (1) qualquer manifestação afectiva (alegria, surpresa, prazer/
desprazer) a propósito do material, ou (2) qualquer observação “ao lado” da prova que
mostra a necessidade do sujeito fugir à ansiedade suscitada pelo exame ou por um
determinado cartão, ou ainda (3) qualquer comparação, explícita e pontual, entre a
situação evocada e a própria experiência do sujeito.

Cartão 5 – “Esta é uma pessoa adulta que entra no quarto de uma criança, por
inquietação, curiosidade. Ela tenta ver rapidamente se tudo vai bem. E depois, ela vai
fechar a porta, após ter reparado neste ramo de flores pessoal, que não lhe era
destinado. É um pouco um segredo entre a criança e ela. Quando a minha avó entra
no meu quarto ela exaspera-me [ri].”
apreciações pessoais

Cartão 11 – “Oh! Meu Deus! Quadro fantástico! É um animal pré-histórico, não sei
qual. Restos de um castelo-forte do outro lado. Há uma batalha com os homens e os
animais monstruosos. Eles acabarão por triunfar.”

B29 – Erotização das relações, invasão da temática sexual e/ou


simbolismo transparente
Na evocação das relações interpessoais, a tónica é posta de modo privilegiado na
sexualidade e no erotismo, mesmo nos cartões que, pela sua construção, não
convidam nada à evocação deste tipo de problemática. No simbolismo transparente o

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sujeito não fala explicitamente na erotização mas dá sinais de que a erotização está
presente.

Um dos sintomas da neurose histérica é a erotização das relações. Cota-se B29 se


a erotização for socializada. Caso contrário, se a linguagem for mais crua, cota-se E.

Cartão 2 – “Curioso como os esquemas de má literatura… É verdade que a


qualidade plástica destas imagens… Podemos imaginar esta jovem de férias, virgem,
perturbada pela virilidade deste homem. O camponês revela-lhe o seu amor, a mulher
ficará muito ciumenta. Felizmente as férias acabaram e tudo entra na ordem.”

Cartão 5 – “É uma mãe que entra no quarto do seu filho, à noite, já muito tarde,
porque ela pensa ter ouvido um barulho no quarto dele e encontra-o a ler um livro em
voz alta. Fica muito surpreendida que o filho fica até tão tarde a ler poesias. O filho
continua a fazer isso durante vários anos, até que ele ultrapassa a idade do
romantismo e torna-se… um professor.”

Cartão 6GF – “O presidente do conselho de administração dá ordens à sua


secretária. Ele é muito bruto e ela não gosta da sua forma rude de dar ordem mas teve
sempre um fascínio pelo seu cachimbo de pau-santo.”

B210 – Apego aos pormenores narcísicos com valência relacional


O sujeito dá uma importância particular às qualidades físicas e estéticas dos
protagonistas, que ele conota positiva ou negativamente: corpo, vestuário, aparência,
etc., num contexto de relações objectais.

Cartão 2 – “É uma rapariga que se passeia no campo e que está a observar as


costas musculadas do rapaz.” 9 e B210

Cartão 8GF – “É uma mulher que está em casa, sozinha e aborrecida. Vestiu uma
camisa nova que comprou e está a ver-se ao espelho para ver se está bonita porque
foi convidada para sair.”

B211 – Instabilidade nas identificações. Hesitações sobre o sexo e/ou


idade das personagens
Consiste na passagem rápida de uma personagem para outra, sem que se possa
determinar a que personagem o sujeito se identifica preferencialmente. O sujeito
59
hesita quanto à identidade sexual ou à idade das personagens. Este procedimento é
característico do funcionamento histérico (labilidade forte das identificações).

Cartão 10 – “Michel e Jeanne são um casal de uns cinquenta anos. Uma grande
afeição e uma grande cumplicidade parece uni-los, mesmo nos momentos difíceis.
Michel parece ser um marido protector e Jeanne está feliz por poder apoiar-se e
repousar-se nele.” -se ao final sem perceber se o sujeito se identifica mais
com o homem ou com a mulher.

B212 – Acento inscrito numa temática do estilo: ir, correr, dizer, fugir,
etc., num contexto dramatizado
Acento posto num “agir corporal”, num movimento um pouco teatral e a maior parte
das vezes erotizado.

Cartão 2 – “É uma rapariga que foi passar férias com as amigas. Depois vai
passear sozinha e vê um homem semi-nu. Excitadíssima vai chamar as amigas para
que elas também o vejam.”

B213 – Presença de temas de medo, de catástrofe, de vertigem, etc.,


num contexto dramatizado
Este procedimento associa, simultaneamente, o item B24 e o item B25. O pôr em
primeiro plano afectos fortes e dramatizados está ao serviço do recalcamento de
representações inconscientes.

Cartão 3BM – “Uma rapariga descobriu que está grávida. Ela está em pânico
porque já sabe que a vão pôr fora de casa.”

Cartão 11 – “Esta cena passa-se numa serra. Um grupo de pessoas foi fazer
montanhismo mas, a certa altura, houve um derrubamento e instalou-se o pânico.
Começam então todos a gritar e a fugir.”

Cartão 11 – “A noite tinha qualquer coisa de impenetrável… de petrificante…Estes


magotes de rochedos… davam uma impressão de terror… estava sombrio, muito
sombrio… e só o ruído das aves de rapina… quebrava esse silêncio implacável.”

60
PROCEDIMENTOS DA SÉRIE C (Evitamento do conflito)

C/Fo

1. Tempo de latência inicial longo e/ou importantes silêncios intra-relato.


2. Tendência geral à restrição.
3. Anonimato de personagens.
4. Motivos dos conflitos não indicados, relatos banalizados a todo o custo, impessoais, colagem.
5. Necessidade de questionar. Tendência recusa. Recusa.
6. Evocação de elementos ansiogénicos, seguidos ou precedidos de interrupções do discurso.
C/N

1. Acento inscrito na vivência subjectiva (não relacional).


2. Referências pessoais ou autobiográficas.
3. Afecto-título.
4. Postura significante de afectos.
5. Acento posto nas qualidades sensoriais.
6. Insistência na demarcação dos limites e dos contornos.
7. Relações especulares.
8. Pôr em quadro.
9. Críticas de si.
10. Pormenores narcísicos. Idealização de si.
C/M

1. Sobreinvestimento da função de anáclise do objecto.


2. Idealização do objecto (valência positiva ou negativa).
3. Piruetas, viravoltas.
C/C

1. Agitação motora. Mímicas e/ou expressões corporais.


2. Perguntas feitas ao clínico.
3. Críticas do material e/ou da situação.
4. Ironia, escárnio.
5. “Piscar de olho” ao clínico.
C/Fa

1. Apego ao conteúdo manifesto.


2. Acento inscrito no quotidiano, no factual, no concreto.
3. Acento inscrito no fazer.
4. Apelo a normas exteriores.
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5. Afectos de circunstância.
A Série C
A série C trata dos mecanismos de evitamento do conflito e tem a ver com os
estados-limite. Divide-se em várias sub-séries: C/Fo (fobia), C/N (centração
narcísica), C/M (depressão vs. mania), C/C (comportamento) e C/Fa (inibição; factual).
Todos os procedimentos da série C podem aparecer em modalidades de
funcionamento psíquico variadas.

C/Fo
Na sub-série C/Fo, os procedimentos revelam arranjos fóbicos, onde dominam o
evitamento e a fuga. A associação com os procedimentos da série A e/ou da série B
assinala a natureza neurótica do conflito. Em pequenas quantidades, estes
procedimentos permitem o prosseguimento do relato (as representações e afectos
vão reaparecer sob a forma de retorno do recalcado). As narrativas elaboradas
mantêm uma certa espessura simbólica, uma certa ressonância fantasmática em
relação com as solicitações latentes do cartão. Contudo, estes procedimentos não têm
significado diagnóstico unívoco e podem dar conta de outras modalidades de
funcionamento para além das neuróticas.

C/Fo 1 – Tempo de latência inicial longo e/ou importantes silêncios


intra-relato
Incluem-se neste procedimento os relatos das histórias que tenham, no mínimo, 30
segundos de tempo de latência inicial ou que tenham silêncios importantes durante o
relato. Aqui, o sujeito recorre à inibição mental para evitar o conflito.

Cartão 1 – [60’’]“Um rapaz diante do seu violino +++. Eu não sei, eu, ele pensa +++
o seu pai é talvez músico e ele quer torna-se músico +++ ou, ao contrário, esta
guitarra fá-lo sonhar +++ produzir concertos +++ não sei +++. Ele tem ar de
nostálgico.”

C/Fo 2 – Tendência geral à restrição


São histórias muito curtas e incompletas, onde o conflito é dificilmente abordado e
não é desenvolvido.

62
Cartão 3BM – “Isto, é uma pessoa que tem, não sei… que tem um sofrimento
qualquer… não sei, é difícil…”

Cartão 5 – “Uma mulher que entra em casa… que descobre qualquer coisa de
inabitual +++. É tudo o que eu vejo.”

C/Fo 3 – Anonimato de personagens


Na encenação, o sujeito não confere identidade social/ profissional/ sexual, etc. às
personagens, mantendo-as no anonimato. O anonimato tem como finalidade evitar a
evocação de representações de relações demasiado precisas e carregadas no plano
pulsional, libidinal e/ou agressivo. O anonimato das personagens realça as
dificuldades de referência identitária.

Cartão 3BM – “Alguém muito triste.”

Cartão 10 – “[…] Eles têm uma posição de recolhimento… Têm ar de duas


personagens… Uma está mais preocupada [designa o homem], a outra calma…
então, claro… Têm ar de pensar no pior.”

C/Fo 4 – Motivos dos conflitos não indicados, relatos banalizados a


todo o custo, impessoais, colagem
O sujeito evoca o conflito mas, no fim da história contada, não se sabe a origem do
conflito.

Cartão 1 – “É um rapaz que recebeu um violino como presente. Pôs-se a tocar e


tornou-se um grande músico. Tornou-se um grande e chefe de orquestra célebre.
Casou-se e teve muitos filhos e ensinou-lhes música e é feliz.”
a todo o custo, impessoais

Cartão 3BM – “[1’25’’] [?] Não vejo nada…[?] [1’42] É um rapaz que acaba de ter
uma disputa, se ele chora, vai parar.”

Cartão 4 – “Um casal a discutir. Entre marido e mulher não se mete a colher.”
colagens podem aparecer sob a forma de ditos populares

63
C/Fo 5 – Necessidade de questionar. Tendência recusa. Recusa
Este procedimento diz respeito a toda a necessidade, por parte do examinador, de
intervenção para solicitar a continuação ou o final da história, ou mesmo os dois
casos. Também engloba a rejeição do cartão e a recusa em contar uma história. Este
procedimento é claramente fóbico.

Cartão 3BM – “É uma pessoa que está cansada. Não sei o que é preciso dizer…
[?] Não sei, ela parece abatida… +++ Recebeu uma má notícia… +++ [?] Não sei…
+++ Sobre a sua família, a sua situação, não sei… +++ Ela pode recompor-se, se tiver
coragem, ou não.”

C/Fo 6 – Evocação de elementos ansiogénicos, seguidos ou precedidos


de interrupções do discurso
Assinala de um modo mais específico um processo fóbico, que se encontra, de
preferência, nos cartões que remetem para uma vivência mais arcaica e onde os
elementos evocados estão carregados de angústia.

Cartão 3 – “Um homem foi abandonado pela mulher. Tem uma pistola ao lado.”
depois de dizer isto, cala-se como se isso lhe despertasse o fantasma de matar a
mulher

Cartão 11 – “Na serra, um grupo de montanhistas vão ter que atravessar uma
ponte… mas aquela ponte está em ruínas… Não é segura…”

Cartão 11 – “Não vejo o que possa ser… + Um caminho cheio de pedras que
conduz a uma fortaleza, uma tempestade… relâmpagos, ma espécie de monstro. É
tudo.”

C/N
Os procedimentos da sub-série C/N foram destacados por F. Brelet (1981-1983) a
propósito das personalidades com traços narcísicos graves. Esta sub-série reenvia
para modalidades narcísicas do funcionamento psíquico e para o
sobreinvestimento da polaridade narcísica do fantasma. O corpo passa a ser
utilizado para comunicar e produzir sentido.

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Utilizados de modo pontual, estes procedimentos servem para a evocação de um
conflito dramatizado sobre um modo mais secundarizado, onde os movimentos
pulsionais são metabolizados ou se traduzem num retraimento libidinal narcísico.

C/N1 – Acento inscrito na vivência subjectiva (não relacional)


Consiste no facto do sujeito, mais do que dar importância à relação, pôr a tónica em
descrever o sentir ou os traços psicológicos do herói da história com quem ele mais se
identifica. Este procedimento é característico da patologia narcísica.

Cartão 6BM –“Eis um homem que teve demasiadas dificuldades na vida. Sempre
sozinho e a ter de fazer face a tudo, ele não aguenta mais, gostaria que o ajudassem,
que o compreendessem, mas fica sozinho com o seu desgosto.”

C/N2 – Referências pessoais ou autobiográficas


Este procedimento caracteriza-se pela centração narcísica, pelo que o sujeito conta
a história, ou uma parte da história, em seu próprio nome. Este procedimento é
característico da patologia narcísica.

Cartão 3BM – “Para mim, isto representa o cubismo… sim… um quadro… é


alguém abatido, visto de costas, a cabeça numa espécie de banqueta, que chora…
acho que se ocupa demasiado de si próprio, ele é como eu. É tudo. É um quadro,
logo, está imóvel.”

Cartão 16 – “sim, eu podia contar… o meu exame, o meu C.A.P. Certificado de


Aptidão Profissional. Estava em pânico, deixei uma folha completamente em branco.
Era o vazio. Não sabia nada. É tudo.”

C/N3 – Afecto-título
Aqui o sujeito acentua os afectos de tal forma que intitula a história com o afecto.

Cartão 3BM – “Isto representa o desespero.”

Cartão 6BM – “A angústia da espera. Mas a mãe é visivelmente um pouco tola. Ela
espera… O que é que podia ter-lhe acontecido? O rapaz da direita tem qualquer coisa
em mente, de bem definido… Há no fundo um assunto sentimental. Ele tem um

65
namoro. Talvez o pai do jovem da direita e o marido da senhora foi ver a namorada ou
a amiga do jovem. Enfim, tudo se arranjará.”

C/N4 – Postura significante de afectos


É a posição do corpo que traduz o afecto. O afecto é evocado através de uma
atitude corporal que o mostra.

Cartão 3BM – “Que abatimento! Isto, isto lembra-me estados passados em que nos
sentimos de tal modo abatidos que nos perguntamos se poderemos voltar a
levantarmo-nos… está-se abatido, como se não pudéssemos ligar seja ao que for,
escondemo-nos de tudo e de todos.”

Cartão 4 – “Um homem que vive de costas voltadas para a mulher.”


desprezo

C/N5 – Acento posto nas qualidades sensoriais


Neste procedimento a importância é dada aos elementos do cartão que reenviam
ao contacto, ao toque, ao sentir (frio, calor, sombra, etc.).

Cartão 2 – “Uma rapariga que, na Páscoa, se passeia no campo. Ela está a sentir a
brisa de fim de tarde a passar-lhe pelo rosto. Está a apreciar o cheiro das flores.”

C/N6 – Insistência na demarcação dos limites e dos contornos


A insistência é feita sobre tudo o que são “limites” – curvas, pele, véus, superfície,
envelope corporal, etc. É a fronteira dentro/ fora que é invertida.

Este procedimento é característico da patologia narcísica. Estes sujeitos dão muita


importância a tudo o que são limites e contornos.

Cartão 19 – “Umas pessoas foram passar um fim-de-semana prolongado a uma


mata, numa cabana do Canadá. Levantou-se uma tempestade mas as paredes da
cabana são muito fortes. O frio não entra lá. Estão todos descontraidamente a
conversar. Usam camisolas de lã virgem.”

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C/N7 – Relações especulares
As duas personagens estão em relação simétrica, como num espelho. Esta é a
relação claramente narcísica em que o outro não existe.

Cartão 8GF – “Uma mulher a ver-se ao espelho.”

Cartão 9GF – “Uma mulher que saiu da terra onde vivia há muitos anos. Passado
20 anos voltou e está a imaginar-se. Imagina-se, quando era nova, a correr.”

C/N8 – Pôr em quadro


A pessoa trata a imagem como se fosse uma fotografia ou um quadro. Esta defesa
de imobilização do tempo permite-lhe não contar a história.

Cartão 2 – “Faz lembrar um quadro da escola flamenga que representa o fim de


tarde dos trabalhadores.”

C/N9 – Críticas de si
O sujeito conta uma história em que se identifica com a personagem e critica.

Cartão 1 – “Um rapaz que está a tentar tocar violino. Mas não tem muito jeito para
aquilo.”

Cartão 16 – “Não sei, nunca fui dotado para contar histórias. Estou na praia. Vou
andar de barco… há vento, mas o mar está calmo… o barco chega, embarco e o
passeio é agradável. Pronto.”

C/N10 – Pormenores narcísicos. Idealização de si


Os pormenores narcísicos estão relacionados com a insistência nos pormenores
que qualificam as personagens com a função de assegurar as referências identitárias
na relação com o outro. Relativamente à idealização de si, o sujeito conta uma história
em que se identifica com a personagem, idealizando-a (bom, potente, belo, etc., ou o
contrário).

Cartão 1 – “É um menino que toca violino. Ele é um prodígio, vai tocar um recital.

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Cartão 7GF – “A mamã deve ler à sua filha, que deve ser muito nova porque tem
uma boneca. A mamã está num sofá tipo regência. A pequena está sentada num
braço do cadeirão. Isto pode passar-se num salão, acho que se vê o soalho. Uma
mesinha com um naperão. A mamã também está penteada, não actual, por outro lado
ela tem um bonito vestido com um enfeite e um colarinho branco. A menina deve ter
sapatos de verniz e soquetes. Só vemos uma perna, mas ela tem a perna dobrada por
detrás da outra. Penso que a mãe deve ler-lhe qualquer coisa, que a menina não tem
ar de estar a mexer os lábios, uma história para a sua idade, é tudo o que isto me
inspira.” – esta insistência no vestuário e no corpo não
constitui uma intenção de seduzir, mas permitem uma delimitação da identidade de
cada personagem.

C/M
Os procedimentos da sub-série C/M (Brelet, 1986-1988) remetem para
mecanismos de tipo maníaco da luta antidepressiva: uns evacuam as
representações e os afectos depressivos; outros sobreinvestem-nos no apelo ao outro.

C/M1 – Sobreinvestimento da função de anáclise do objecto


Aqui, o objecto define-se, essencialmente, através da função de anáclise e de
suporte.

Cartão 7BM – “o pai é magistrado e o filho está sempre dependente do pai para
tomar decisões.”

Cartão 10 – “É uma mulher que, por todo o apoio que ele lhe dá, pensa o quanto o
marido é importante para ela depois de 30 anos de casamento.”

C/M2 – Idealização do objecto (valência positiva ou negativa)


Qualquer idealização de um “objecto” percebido como idealmente bom, potente,
belo, etc., ou o contrário.

Cartão 8BM – “o pai do rapaz era um grande cirurgião. Teria gostado que o filho
fosse como ele. Manejava maravilhosamente o escalpelo, mas o filho preferia manejar
um arco.”

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C/M3 – Piruetas, viravoltas
Através da troça, a piada e o humor integrado na narrativa, o sujeito tenta escapar
ao afecto depressivo. É a defesa maníaca para o funcionamento depressivo. Se o
sujeito tem muito medo de perder o objecto, subestime-o para o poder controlar e para
poder triunfar sobre ele.

Cartão 16 – “É uma folha branca? Faz-me pensar num postal de desportos de


Inverno. Para mim é um postal e por detrás estaria escrito: olha como nos divertimos,
um grande abraço, um amigo, melhor, uma família.”

C/C
Os procedimentos da sub-série C/C constituem um recurso ao comportamento
durante a aplicação do teste. As condutas agidas podem estar relacionadas com uma
dificuldade momentânea ou durável no trabalho de elaboração psíquica e/ou numa
regulação do processo associativo. Há dois modos particulares de condutas agidas:
um é a expressão de um fantasma subjacente que os processos de pensamento
necessários à elaboração da história não conseguem tomar a cargo; outro é o tender
para a descarga e a diminuição da excitação e da tensão.

C/C1 – Agitação motora. Mímicas e/ou expressões corporais


Inclui-se aqui tudo o que estiver relacionado com a agitação do sujeito (pedir para ir
à casa de banho, fazer caretas, suar, ficar pálido, pedir para fumar um cigarro, etc.).
Interessa não só todo o agir corporal que visa romper o discurso, mas também que o
acompanha (riso, sorriso, mímicas, diferentes posturas, etc.).

Cartão 11 – “Faz-me pensar numa coisa de Gustave Doré. Isto, não vejo nada…
(manipula o cartão em diversos sentidos) Uma coisa de ficção científica… Tem a
certeza que não tem um cigarro? (o sujeito levanta-se para pedir um cigarro no
exterior) Isso não o incomoda?”

C/C2 – Perguntas feitas ao clínico


Normalmente, estas perguntas ao examinador inscrevem-se numa tentativa
infantilizada do sujeito para procurar o apoio do psicólogo. Demonstram também a
dependência do sujeito face a uma situação ansiogénica.
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Cartão 10 – “Não consigo dizer se é uma mulher ou um homem, você não me pode
ajudar? Talvez sejam homossexuais (ri), ou um homem e uma mulher que querem
fazer amor e se contam histórias de amor.”

C/C3 – Críticas do material e/ou da situação


Todo o comentário (positivo ou negativo) sobre o material ou a situação, que
interrompe o curso da narrativa. Normalmente, as críticas são negativas.

Exemplo – Contar histórias muito bonitas mas depois dizer que o material é velho e
que tudo é feio.

Cartão 10 – “Oh, não sei. Você faz-me sofrer com essas coisas. Pode ser ou a mãe
ou o filho ou dois apaixonados, sei lá! Oh, isto dá-me cabo dos nervos. Duas
personagens que se amam, quê! Amam-se… Oh! Não consigo, peço imensa
desculpa.”

C/C4 – Ironia, escárnio


Todo o uso de humor, mais ou menos mordaz que tende a ridicularizar, a diminuir a
importância da situação de teste, ou mesmo do clínico, e a transpor para o exterior a
responsabilidade da modalidade da resposta e do mal-estar que o sujeito sente. O
cinismo é aqui usado como carapaça para a pessoa se defender.

Cartão 3BM – “Aqui? Isto é alguém a quem a vida corre lindamente.”

Cartão 7BM – “ (risos) O que é que você quer que eu lhe diga acerca disto? Você
escreve o meu silêncio? Hum… Quantos anos de estudo teve de fazer para estar
aqui?”

C/C5 – “Piscar de olho” ao clínico


Esta é uma forma de procura de cumplicidade do clínico.

Cartão 1 – “É uma criança a tentar aprender a tocar violino. Aquilo é difícil! Ah, o
doutor sabe… Também já foi criança.”

Cartão 4 – “É um casal a discutir. Ele já não a pode ouvir… (pisca o olho) O doutor,
como é casado, deve saber do que eu estou a falar...”
70
C/Fa
Os procedimentos da sub-série C/Fa (R. Debray, 1978) caracterizam-se pela
inibição que, ao contrário do que acontecia na sub-série anterior, não está associada a
mecanismos de recalcamento. Aqui, a angústia está aparentemente ausente e o
estímulo é investido com objecto real. Deste modo, acentuam-se os elementos da
realidade exterior, o factual, o quotidiano e as ideias recebidas, que vêm substituir-se
a um mundo interno enfraquecido. O recurso ao factual serve de impulso para a
elaboração do conflito pulsional.

Utilizados de forma maioritária, estes procedimentos correspondem a modalidades


de funcionamento que se caracterizam pela ausência de conflito intrapsíquico.

C/Fa 1 – Apego ao conteúdo manifesto


O sujeito fica preso ao conteúdo manifesto. A imagem não lhe suscita nenhuma
ideia, memória. O discurso é marcado pela fuga, evitamento, restrição e ausência de
conflitualização. O sujeito limita-se a descrever.

Cartão 5 – “Vejo um quarto, uma divisão… descrevo-o ou o que é que faço? …


Bom, bem, vejo uma mesa com as asas dobradas, um aparador… por cima do
aparador, uma estante metade cheia de livros… (?) Nada mais.”

C/Fa 2 – Acento inscrito no quotidiano, no factual, no concreto


Os relatos construídos neste registo incidem sobre factos, acontecimentos da vida
quotidiana, que não despertam nos sujeitos nem recordação, nem associação ou
reacção afectiva. Estão desprovidos de ressonância fantasmática.

Cartão 5 – “É noite, a casa parece vazia, mas Maria parece ter visto uma luz ou
ouvido um barulho. Precipita-se para a sala onde viu a luz, mas não vê ninguém. A luz
está acesa, ela vai apagá-la, partir e descer para o salão.”

C/Fa 3 – Acento inscrito no fazer


Acentua-se aqui o fazer e não o sentir, nas emoções, pensamentos e fantasias.

Cartão 13MF – “Vejo um homem em pé, vestido. Está-se a espreguiçar, deve ser
de manhã. A mulher ainda está na cama, deve ser verão.”
71
C/Fa 4 – Apelo a normas exteriores
O sujeito apela a normas exteriores porque não tem normas interiores. Isto
representa, assim, o Ego ideal do sujeito.

Cartão 6BM – “É um homem que foi a casa da mãe anunciar-lhe que se vai casar:
Eu acabei o curso, tenho 32 anos, …, estou a trabalhar e está na altura de me casar.”

C/Fa 5 – Afectos de circunstância.


O sujeito mostra o afecto, não por o sentir mas porque é suposto senti-lo naquela
situação.

Cartão 13MF – “É um homem que volta para a sua casa à noite, que encontra a
sua mulher, pelo gesto dele, ela deve estar morta, ou então foi ele que a matou… é
tudo… (?) Se não foi ele que a matou, porque ele gostava muito dela, pode… ele pode
estar desesperado.”

72
PROCEDIMENTOS DA SÉRIE E (Emergência em processo primário)

1. Escotomas de objectos manifestos.


2. Percepção de pormenores raros e/ou extravagantes.
3. Justificações arbitrárias a partir desses pormenores.
4. Falsas percepções.
5. Percepção sensorial.
6. Percepção de objectos fragmentados (e/ou objectos deteriorados ou
personagens doentes, deformadas). Fabulação fora da imagem.
7. Inadequação do tema ao estímulo. Abstracção, simbolismo hermético.
8. Expressões “cruas” ligadas a uma temática sexual ou agressiva.
9. Expressão de afectos e/ou representações maciços ligados a qualquer
problemática (daí a incapacidade, o fim, o triunfo megalomaníaco, o medo, a morte, a
destruição, a perseguição, etc.).
10. Perseveração.
11. Confusão de identidades (“telescopagem de papéis”).
12. Instabilidade de objectos.
13. Desorganização das sequências temporais e/ou espaciais.
14. Percepção do mau objecto, temas de perseguição. Projecção psicótica maciça.
Identificação projectiva.
15. Clivagem do objecto.
16. Procura arbitrária de intencionalidade da imagem e/ou das fisionomias ou
atitudes.
17. Falhas verbais (perturbações da sintaxe).
18. Associações por contiguidade, por consonância, disparates.
19. Associações curtas.
20. Vago, indeterminação, leveza do discurso.

A Série E
A série E consta da emergência de processos primários e traduz um
sobreinvestimento de fantasmas arcaicos. A presença de mecanismos da série E
em pequenas quantidades é esperada e revela uma certa permeabilidade e
flexibilidade de fantasmas e/ou de afectos mais maciços. Podem também significar
73
uma imensa criatividade. Em grandes quantidades e quando aparecem de forma
dominante, estes procedimentos são mais patológicos.

Os procedimentos desta série podem estar relacionados com falhas das condutas
perceptivas e de ancoragem na realidade externa (E1 a E6), perturbações ligadas À
invasão do fantasma (E7 a E10), perturbações ligadas à relação de objecto ou à
identidade (E11 a E16) ou ainda perturbações ligadas à desorganização do pensamento
e do discurso e dificuldade de comunicação (E17 a E20).

E1 – Escotomas de objectos manifestos


Qualquer personagem ou elemento manifesto e maior do cartão que não é
integrado na narrativa. Não há deformação do real, mas uma “manipulação do
percebido” com fins defensivos.

Cartão 1 – “É um miúdo que tem ar de se aborrecer, pronto, é tudo… É preciso que


eu conte mais? Dir-se-ia que o puseram ali, de penitência. Ele não está com um ar
satisfeito, dir-se-ia que ele tem vontade de ir jogar à bola… (?) Ele não tem um ar
muito enérgico. Não penso que ele passe pela janela para ir jogar à bola com os
amigos, enfim acho que ele não deve estar zangado com as pessoas que o puseram
lá. (escotoma do violino)”

E2 – Percepção de pormenores raros e/ou extravagantes


Pormenores manifestos do cartão pouco utilizados, ou pormenores menores e
dificilmente perceptíveis, quase nunca considerados mas que, para o sujeito, têm
significados particulares.

Cartão 3BM – “Isto, a fadiga… +++ Não sei o que é que está no chão, não vejo se
é uma pistola ou uma flor. O que se passou antes… foi… ++ ou uma fadiga moral ou
física… +++ o que se passa, abatimento, portanto, e depois ela não vai ficar assim
para sempre, espero eu, por ela! Enfim, ela vai ter cãibras, exactamente como eu (ri),
ela vai acabar por fazer outra coisa.”

Cartão 7BM – “Dois jovens homens cujos cabelos são oleosos, um grande nariz,
com olhos pretos, bem pestanudos e com queixo bicudo amavam-se muito. Eles eram
dois amigos. O mais velho dos dois tinha um comboio eléctrico e uma guitarra. O outro
tinha uma motoreta para ir a casa dos amigos.”
74
E3 – Justificações arbitrárias a partir desses pormenores
Utilização de um Dd raro para racionalizar uma interpretação ou para a recusar.

Cartão 6BM – “Isto, é manifestamente o filho culpado. Ele aliás tem as mãos juntas
como se estivesse com algemas. Quanto à mãe, que está à esquerda, ela perdeu
qualquer esperança. O seu rosto está entorpecido no desmoronamento de tudo o que
tinha previsto. Ele deve ter feito qualquer coisa de muito grave aos seus olhos. Acho
que ele assassinou. Mas não veio contar à sua mãe. Ela soube-o. Ele não poderá
remir-se.”

E4 – Falsas percepções
Qualquer alteração dos elementos maiores e manifestos do cartão que levam à
deformação do real.

Cartão 12BG – “Há cãezinhos na barcaça? É a história de uma cadela que acaba
de pôr cãezinhos no mundo, e eles estão todos lá a brincar na barcaça.”

E5 – Percepção sensorial
A realidade, sentida e vivenciada como perigosa, e mesmo persecutória, manifesta-
se por um ataque ao nível dos sentidos, o que provoca um verdadeiro mal-estar, num
movimento em que a “realidade interna” e a “realidade externa” se encontram
confundidas.

Cartão 3BM – “Este senhor está fechado numa célula de hospital. Não verá nunca
mais isso… Matou três pessoas importantes. É a Cruz Azul, mais severa que a Cruz
Vermelha. Ele está fechado, não trabalhará nunca mais e viverá mais do que os
outros. Ele será condenado a mais de 85 anos, e será morto com murros na cabeça, é
assim que se mata nos hospitais psiquiátricos. (O que é que ele faz?) Chora, tem
dores, ouvimo-lo chorar.”

E6 – Percepção de objectos fragmentados (e/ou objectos deteriorados


ou personagens doentes, deformadas). Fabulação fora da imagem
Qualquer anomalia ou doença percebida na(s) personagem(s), bem como qualquer
evocação de objectos deteriorados, partidos, estragados ou mal fabricados.

75
Cartão 1 – “Eis um rapaz que queria ter um violino… Não distingo bem, ou ele está
partido ao meio, ou ele não sabe como fazer. A expressão da sua cara… Vejo um
inhaço na pálpebra direita. Fisiologicamente mal apresentado. Figura inexpressiva.”

E7 – Inadequação do tema ao estímulo. Abstracção, simbolismo


hermético.
Longo relato que só tem uma manifestação longínqua com o conteúdo manifesto do
cartão, ou qualquer consideração metafísica sobre Deus, a alma, o bem ou o mal.

Cartão 1 – “Acho que o pai é ferreiro, está a dormir, é tudo, a peça ali vai saltar, ele
põe os dedos nas orelhas para não ouvir, vai explodir, ele vai ser morto. Talvez ele
queira matar-se, porque não gosta da sua família, ele fez asneiras, roubou um carro.
Vai ser morto, não vai mais existir, (e a sua família?) Ela chorará.”
da imagem

Cartão 16 – “ (Sorri) Não é nada! Uma superfície plana, branca. Tudo não passa de
um mistério, interrogação que procura exprimir esta folha de papel. Natural ou o
objecto de uma imagem inventada, mas uma luz vai brilhar e tudo será belo. Um
universo de gente feliz, casas brancas, florestas brancas e móveis brancos. Apesar da
sua felicidade, subsistirá uma espécie de porta fechada entre três pessoas, como
Sartre bem o exprimiu, a interrogação perpétua do homem sobre a sua existência e a
sua proveniência o que é? Para onde vai? Porque vive? Uma interrogação sobre a
vida, a realidade e o sonho, uma ideia que flutua e não encontra nunca soluções, só
os rumores de uma imaginação demasiado rebuscada. Tudo não passa de invenção,
falsidade e imaginação, mas aquele que conseguir ver um aspecto desta folha terá
encontrado o caminho que o conduzirá direito a essas questões, essas interrogações,
essas respostas e ao seu destino já traçado, que lhe ocupa todo o seu tempo. Fim.”
Abstracção

Cartão 4 – “É um casal que me faz lembrar os casais de faraós egípcios em que o


homem e a mulher formam uma unidade. Ela está no aqui e ele no além. A mulher
apoia o marido, recebe-o no seu coração e, ao mesmo tempo que ela o recebe no seu
coração, aquece-o e acalenta-o, empurra-o para o futuro. Eles estão completamente
unidos, estes dois aqui. Mas eles não formam um casal fechado, porque sendo
completamente unidos, preparam uma acção para o futuro. Ela está em atitude de
receber… na cara da mulher lê-se o dom de si, a atenção constante; na sua mão o
constante suporte, no seu coração a recepção e a pressão constantes. No homem, há
76
fidelidade e afeição, ele está completamente colado a ela e a visão… é uma visão do
Divino. Para a mulher, o homem encarna Deus..”

E8 – Expressões “cruas” ligadas a uma temática sexual ou agressiva


Qualquer evocação brutal de assassínio, violação, incesto, dada com pouco ou
nenhum afecto.

Cartão 8BM – “Então há ainda um jovem. Atrás dele, há dois homens que estão a
trespassar um quarto homem, a matá-lo, e eles tinham-no ferido com uma espingarda,
agarraram-no, deitado sobre a mesa para acabarem com ele. Ou, então, o contrário,
não, não. + O jovem, o que é que faz aqui. Ele poderia pensar, não, ele poderia ser
uma testemunha do que se passou.”

E9 – Expressão de afectos e/ou representações maciços ligados a


qualquer problemática (daí a incapacidade, o fim, o triunfo
megalomaníaco, o medo, a morte, a destruição, a perseguição, etc.)
Expressão de afectos e/ou representações maciças que atestam uma perda de
distância, que obedece às leis da projecção, mesmo da identificação projectiva.

Cartão 4 – “Um tremor, um tremor e… ele tenta… um tremor que retém a sua
atenção, um tremor (Bis +++) e uma mulher que tenta retê-lo. Ah! Sim… mas já é
muito para a fotografia.”

Cartão 9BM – “Há uma mulher que corre pela praia para se ir… para ir afogar-se. E
há uma outra mulher que está escondida atrás de uma árvore e que a olha. E eu acho
que esta mulher está ciumenta e a vai deixar afogar-se, que não a vai deter. ++ Vê-se
que há uma tempestade terrível, com ondas e tudo isso, que há muito vento.”
representações maciças.

E10 – Perseveração
Qualquer retoma do tempo, ou de um elemento maior do tema, que se impõe
apesar das variações do estímulo. A problemática que inspira a encenação pode ser:
da ordem da culpabilidade, da castração e remeter para um registo neurótico; da
ordem da perda e reenviar ao registo narcísico; da ordem da destruição e remeter para
o registo da psicose.
77
Cartão 4 – “São imagens um bocado tristes! Diríamos uma mulher que tem ar de
reconfortar o seu marido, que tem um ar desesperado. A mulher parece levar isto
menos mal que o marido. Digamos que seja uma declaração de guerra, uma
requisição, então o marido tem de partir para a guerra, então a mulher reconforta-o.
Ele parte, claro, é obrigado + (?) Não sei, não vejo outra coisa, que ele vai partir, é
obrigado (?) Não sei mais, ou será morto ou voltará com uma perna e um braço. Pode
haver uma explosão e será morto.”

Ele parece encolerizado, podemos supor que vai bater-se com um vizinho e que a
sua mulher o impede. No final, ou ele acaba por se libertar e faz o que quer… ou ela o
impede. É difícil dizer quem vai ganhar… uma coisa de nada, que passará e acabou-
se. Acaba-se por chamar um polícia se houver uma briga, há sempre um polícia nas
proximidades de um local.”
vem entre a expressão da agressividade e a defesa

E11 – Confusão de identidades (“telescopagem de papéis”)


Quando este procedimento é usado de forma maciça, as personagens do relato
ficam confundidas. Este procedimento pode manifestar-se por um uso de pronomes
pessoais do tipo “ele” ou “ela”, de tal modo que se torna difícil saber “quem é quem” e
“quem faz o quê”.

Cartão 2 – “Isto representa o campo. Está ali um senhor que puxa um cavalo. E ali
é quando ela era jovem, ela aprende no campo porque espera um bebé.”

E12 – Instabilidade de objectos


O sujeito investe moderadamente todos os objectos, sem uma preferência particular
por um deles, como se todos tivessem o mesmo valor, como se todos fossem
intermutáveis. Este mecanismo demonstra a incapacidade do sujeito em interiorizar a
“permanência dos objectos” privilegiados.

Cartão 13B – “Temos um miúdo diante de uma cabana em madeira, à frente da


porta. Ele parece esperar alguém ou um animal ou qualquer coisa. Um cão (?) Está
com um ar bastante contrariado.”

78
E13 – Desorganização das sequências temporais e/ou espaciais
Manifesta-se pela confusão no desenrolar da história entre presente, passado e
futuro.

Cartão 11 – “O que é isto? Isto representa pássaros. Uma montanha com


pássaros. Ali!... Os pássaros… tinham encontrado um abrigo para dormir. Levantaram
voo, procura, e após uns momentos encontraram uma gruta na montanha. Podem aí
dormir calmamente..”

Cartão 13MF – “Agora esta, é um homem e uma mulher após fazerem amor. Então
o senhor vestiu-se e deixa dormir a mulher e depois procura os cigarros, então coça a
cabeça atrásda testa, e pergunta-se onde pôs os cigarros e a mulher dorme
profundamente, está-se marimbando, enfim ela dorme.”

E14 – Percepção do mau objecto, temas de perseguição. Projecção


psicótica maciça. Identificação projectiva.
A percepção do mau objecto, ou projecção segundo Freud, refere-se a qualquer
atribuição de um carácter maléfico a uma das personagens do cartão. Por outro lado,
nos temas de perseguição, o mau objecto pode surgir, por vezes, independentemente
de um tema de perseguição, mas ele pode também aparecer de modo explícito como
“atacante”.

Cartão 2 – “Aqui, são os pais que trabalham no campo e a sua filha vai para o liceu,
ou o quê. Passa-se há muito tempo, em 1925. Dir-se-ia que a mãe está muito
cansada, ela trabalha muito. Diríamos que a mãe troça da filha e diríamos também que
a mãe está grávida, um pouco. (?) A história e a imagem é infinita. A mãe terá uma
criança e a vida continuará sempre assim.”

Cartão 11 – “… ++ … Vejo mal o que é… assemelha-se… + … ao inferno


(murmura, muito perturbado). Um animal maléfico que vem do céu, que vai atacar um
homem em terra. É tudo..”

E15 – Clivagem do objecto


Oscilação extrema e repetida entre representações de objectos totalmente “bons” e
totalmente “maus”.

79
Cartão 5 – “Esta mulher deve ter ouvido barulho num quarto e precipitou-se. Na
aparência, pela sua expressão, esse barulho fez-lhe medo. Senhora de idade, de uns
cinquenta anos. Diria que isto se passa em Inglaterra. O quarto tem um ar atafulhado,
há pouco espaço entre a mesa e o aparador. Deve ser muito sombrio. Velha casa
sólida, pouca luz, húmida… Ela é provavelmente a governanta da casa. Vemos alguns
livros nas estantes, mas é duvidoso que ela leia muito. Aliás, para confirmar isso: os
dois segura-livros tocam-se. Ela é cuidadosa com a sua casa, as flores estão frescas,
não tem um aspecto sujo. É tudo.”

E16 – Procura arbitrária de intencionalidade da imagem e/ou das


fisionomias ou atitudes
O sujeito está mais ou menos convencido que a imagem possui um sentido oculto,
que ele deve desvendar e/ou que ela está destinada a dizer-lhe qualquer coisa de
preciso, sendo o estímulo responsável pela modalidade da resposta.

Cartão 5 – “É muito feio, é tudo medonho, com certeza que foi de propósito. Os
livrinhos comprimidos entre duas peanhas, esta mesa, tudo isto é horroroso. Uma falta
de ar que é incómoda. Isto dá a impressão de opressão, de miséria, de extrema
pobreza. A mulher também dá a impressão de fadiga, de decepção. Os livros são sem
dúvida romances policiais e os três mais pequeninos que estão lá em baixo, que
provavelmente nunca foram lidos, que estão estupidamentelá para parecer bem. Um
estúpido clarão, a mulher que parece mostrar uma coxa como a Marlene. É estúpido
este ar de mãe de família cansada. Podemos supor que ela abre a porta e diz: “Ele
não voltou.” O “ele” é para o seu filho, que pode ser um doidivanas de uns vinte anos,
pouco educado e que vadia.”

E17 – Falhas verbais (perturbações da sintaxe)


Qualquer perturbação ao nível do discurso – momentânea ou durável – que
assinala uma falha da secundarização sob o impacto do fantasma.

Cartão 4 – “Um marido que parece atraído por um espectáculo… ou uma outra
mulher. A sua mulher procura retê-la. O homem parece bastante decidido. A mulher
torna-se suplicante. Espero que ele se deixará convencer pela sua mulher e entrará na
via mais moral.”

80
E18 – Associações por contiguidade, por consonância, disparates
As associações por contiguidade estão relacionadas com o discurso dominado por
associações de ideias, sem ligação aparente entre elas. Por outro lado, as
associações por consonância dizem respeito à evocação de termos escolhidos pela
semelhança fonética. Por último, os disparates consistem numa sequência de
proposições que passam bruscamente de um tema para outro e que podem arrastar
contracções do discurso.

Cartão 2 – “Esta aqui vai ter sucesso, ela é bela, muito engraçada, a mãe manda-a
para a escola para que não seja uma camponesa mas uma senhora. O homem é belo,
de costas não se vê nada, mas ela, ela não vai ficar satisfeita, é absolutamente
necessário que ela abandone a quinta e que parta, mas apesar disso é bonito ali onde
ela está, é muito bonito. Há a mãe, mas haverá outros mares, a sua mãe nada
conheceu, mas ela está talvez muito contente, há muitas pessoas que nunca se
mexem, mas ela é bela, tem uns olhos bonitos, eu tenho vontade de vestir essa coisa
que ela tem, é muito bonita..”

Cartão 6BM – “O jovem e a sua avó contam-se uma história de motoreta avariada.
A avó escutava as suas histórias. O jovem compra um casaco preto para ele e uma
camisa de dormir para a avó. Esta ficou muito contente e o jovem também. O jovem
servia café num restaurante há vários anos. À noite, quando estava livre, telefonava à
avó e aos seus amigos. O rapaz ficou radiante por ir a casa da avó e dos amigos.”
associações em contiguidade

E19 – Associações curtas


Todo o discurso composto de duas ou mais ideias, desprovidas de ligações lógicas
entre elas, como se faltassem as cadeias associativas explícitas.

Cartão 3BM – “Um arlequim embrenhou-se numa estepe gelada, cheia de


vicissitudes infernais, com os membros gelados, a morte na alma e a alma na mão,
com o coração a gerar dúvidas infernais e construindo sobre o nada..”

E20 – Vago, indeterminação, leveza do discurso


Infiltração no curso do pensamento pelos processos primários, sem ter em
consideração os princípios lógicos do pensamento consciente.

81
Cartão 4 – “Não vejo nada de nada… Uma mamã conta… lê histórias à sua filhinha
e isso fá-la pensar nas dificuldades que as crianças dão aos pais… e nas dificuldades
também… a vigilância que dão os bebés às jovens mamãs… porque ela segura a
boneca nos braços… Pronto.”

82
Síntese
Esta nova etapa consiste em preencher a folha de decomposição na íntegra, a fim
de determinar os procedimentos de elaboração do discurso característicos do
conjunto do protocolo. A folha de decomposição deve permitir dar conta da
diversidade de arranjos defensivos e colocar hipóteses quanto às modalidades
de funcionamento psíquico do sujeito.

Agrupamento dos procedimentos de elaboração do discurso na


folha de decomposição.
O agrupamento dos procedimentos facilita a apreciação da organização defensiva
privilegiada no seio do funcionamento psíquico. Na prática, o agrupamento dos
procedimentos referenciados no protocolo consiste na sua anotação na folha de
decomposição tendo em conta a frequência com que surgem e/ ou o seu peso no
processo associativo. Isto porque alguns procedimentos pouco presentes nos relatos
podem dar conta, na sua macicez pontual, da existência de mecanismos de defesa
essenciais pela sua especificidade psicopatológica.

Assim, preencher a folha de decomposição requer um procedimento, ao mesmo


tempo, quantitativo e qualitativo. Relativamente à abordagem quantitativa, a
ponderação relativa de cada item deve ser efectuada com grande rigor. De acordo
com a sua importância, cada um será cotado da seguinte forma: + (presente), ++
(frequente) ou +++ (utilização maciça). Obtemos assim uma avaliação que permite
perceber o predomínio de certos procedimentos, as suas distribuições no seio de cada
categoria e as circulações entre os diferentes registos de funcionamento. Contudo, um
simples trabalho de avaliação quantitativa não é suficiente e é também necessária
uma abordagem qualitativa. O lugar ocupado por diferentes procedimentos de
elaboração do discurso não é idêntico. Ele depende muito do tipo de operação
psíquica que lhe subjaz. Será, então, necessário apreciar o conjunto de procedimentos
utilizados pelo sujeito, a sua natureza, bem como a sua articulação com os
procedimentos da mesma série ou de uma outra série.

83
Exemplo: A113 A227

B15 B213
Predomina o controlo e o
C/Fo27 C/N10 C/M3 C/C2 C/Fa 4 evitamento do tipo fóbico.

E7

Legibilidade e problemáticas

Legibilidade
No TAT, a legibilidade permite apreciar a qualidade e os efeitos dos procedimentos
do discurso utilizados na construção das histórias, permitindo que o arranjo e a
expressão das representações e dos afectos mobilizados pelo material.

Em certos casos, estes procedimentos asseguram a ligação entre os imperativos


conscientes e a fantasmatização, participam na elaboração do relato e possuem um
certo valor de desimpedimento A legibilidade mostra, então, uma relação de
comunicabilidade entre o sujeito e o seu mundo interno e entre o sujeito e o outro.
Noutros casos, podemos observar a sobrecarga mais ou menos importante de certos
procedimentos, sobrecarga que demonstra uma luta entre a irrupção fantasmática não
elaborável e as modalidades defensivas.

A redução da recolha de procedimentos, ou o seu grande debulhar, associados a


uma inibição importante, traduzem perturbações na construção da resposta e
assinalam os riscos de invasão pelos processos primários, ou então, a sua contenção
extrema por um sobreinvestimento da realidade. A legibilidade mostrará então
perturbações eventualmente graves na relação de comunicabilidade do sujeito consigo
próprio e com o outro.

Tendo em conta as particularidades do material apresentado, que reactiva


diferentes problemáticas, a legibilidade pode oscilar ao longo de todo o protocolo.

Tipos de legibilidade

 Tipo 1 (Legibilidade +)
Este tipo de legibilidade corresponde ao funcionamento mental do tipo normativo ou
normal-neurótico. Aqui, os procedimentos são flexíveis e variados. Os afectos são

84
variados, as histórias estruturadas e há uma ressonância fantasmática. Caracteriza-se
pela presença de factores A1 e A2.

 Tipo 2 (legibilidade ±)
Este tipo de legibilidade corresponde ao funcionamento mental do tipo neurótico.
Aqui, a produção é alterada pelos mecanismos em acção, permitindo um
desimpedimento parcial (impacto fantasmático subjacente: os afectos e fantasmas
levam o Ego a mobilizar mecanismos de defesa). Há um predomínio de factores C,
bem como de factores A2 e/ ou B2.

 Tipo 3 (Legibilidade - ou + )_
Este tipo de legibilidade corresponde ao funcionamento mental do tipo limite para a
legibilidade + e um funcionamento_ de tipo psicótico para a legibilidade -. Aqui, as
defesas e os afectos são maciços (invasão dos fantasmas subjacentes) e há um
predomínio dos factores C e E.

 Tipo 3 + _

As histórias são pouco estruturadas e há invasão fantasmática. Há uma presença


forte de procedimentos E apesar de predominarem os procedimentos de tipo C.

 Tipo 3 -
As histórias são desestruturadas e há uma forte invasão fantasmática
(alucinações). Predominam os procedimentos C e E, ambos muito fortes.

A legibilidade pode oscilar ao longo de todo o protocolo - o que interessa, face a


movimentos de inibição, é saber se eles podem ou não ser ultrapassados e seguidos
de uma retoma associativa. A legibilidade pode modificar-se consoante a história,
sendo que o importante é perceber a legibilidade dominante.

Exemplo: O sujeito tem todas as histórias com legibilidade +, excepto o 3BM (com
legibilidade -) e o 13B (com legibilidade + ). Então, o
_ sujeito tem um funcionamento
mental normativo, mas parece haver dificuldades a nível da depressão, da solidão e
do abandono.

Problemáticas
No fim da análise de cada cartão, convém apreender como é que o sujeito trata as
solicitações latentes do material, a que registos conflituais é remetido. O que interessa

85
não é tanto a presença desta ou daquela problemática, mas sim o modo como tal
problemática se elabora.

*0 O sujeito evoca o conflito?


*1 A quem se reporta o conflito evocado?
*2 O sujeito apresenta uma solução para o conflito evocado?
*3 Que tipo de solução?
 Solução adequada ou adaptada.
 Solução por compromisso viável.
 Solução dependente da ajuda exterior.
 Solução moralizante.
 Solução auto-punitiva ou de falhanço.
 Solução por enquistamento ou retracção narcísica.
 Solução por satisfação directa das pulsões.
 Solução incoerente ou esquizofrénica.
 Solução ausente.
 Solução por submissão ou passividade.

Mais do que o seu conteúdo, são as modalidades de elaboração de um tema que


interessam, para apreciar o lugar que uma ou outra problemática tem na vida psíquica
do sujeito. Se as histórias surgirem integradas numa rede de associatividade que
permita a criação de uma pequena obra original, em que se conjugam os fantasmas e
a realidade do cartão, pode-se então emitir a hipótese de que o sujeito é capaz de
tratar diferentes problemáticas sem se desorganizar. De facto, o que interessa não é
tanto a presença desta ou daquela problemática aos cartões onde ela foi reactivada,
mas sim o modo como tal problemática se elabora no discurso transmitido ao clínico.

Hipóteses relativas à organização psíquica.


Esta última fase consiste em formular uma hipótese relativa à organização psíquica
e a diversas modalidades de funcionamento de que o sujeito dispõe. Esta hipótese
resulta da análise dos elementos considerados na folha, da apreciação da legibilidade
do conjunto do protocolo e da integração dos conteúdos dos sucessivos relatos face à
qualidade dos processos associativos, à repartição dos investimentos narcísicos e
objectais e à capacidade de elaboração dos conflitos.

86
O TAT permite formular a hipótese de uma organização neurótica, obsessiva ou
histérica, de uma organização psicótica (esquizofrenia, melancolia e paranóia) ou
ainda de um funcionamento limite.

A complexidade das organizações psíquicas permite, por exemplo, que os


mecanismos e a problemática de tipo psicótico possam ter um valor preponderante,
ou, que possam surgir esporadicamente, cedendo, logo a seguir, lugar a modalidades
neuróticas. O mesmo se passa com o narcisismo, que sabemos ser “normal” se estiver
inscrito numa economia mais alargada, e que é patológico se invadir todo o campo de
funcionamento psíquico.

A apreciação destes arranjos permite não só afinar o diagnóstico, mas também


encarar o prognóstico, as modalidades terapêuticas, bem como as suas aberturas e os
seus bloqueios.

Para se proceder a umaaAnálise estrutural há que ter em conta:

- A Natureza do Conflito Dominante durante o protocolo;


- A Natureza da Angústia (morte; separação; fragmentação; perda do amor do
objecto; perda do objecto de amor; castração);
- Qualidade ou Tipo de Relação de Objecto (anaclítica; total; narcísica; etc.);
- Tipo de Solução que o sujeito dá às suas histórias ou conflitos. É um índice de
adaptação ou desadaptação muito importante;
- Estádios de fixação – regressões e modalidades defensivas dominantes;
- Qualidade dos processos associativos.

87
Os Tipos de Funcionamento

Há três grandes registos de funcionamento mental:

Registo Neurótico

Neurose Obsessiva
A neurose obsessiva caracteriza-se por um estilo rígido de conflito intrapsíquico
(série A). Predominam o controlo, a supressão do afecto, a rigidez e o conflito entre
agressividade e defesa. O objectivo e a representação calcam o subjectivo e o afecto
(secura e tristeza).

Na neurose obsessiva pretende-se controlar a hostilidade e a agressividade. A


obsessão visa recobrir o medo de ser descoberto e o distanciamento visa evitar
agredir e ser agredido (superego sádico e paranóia). Há assim uma formação
substitutiva do pensamento. O sujeito recorre à racionalidade, à dúvida, à ruminação,
escrúpulos, às hesitações, ao dogmatismo e ao pensamento mágico. Há também
uma firmeza das ideias persistentes e dos rituais: se há luta contra alguns
pensamentos há inibição e restrição do pensamento e da acção

As condutas adoptadas por estes sujeitos são a rigidez nas posturas, a exigência,
o pavor face ao imprevisto, a compulsão (sistematizar, ordenar, excluir a surpresa,
falsificar e denegar). Os temas dominantes são o trabalho, a moral, a religião e os
conflitos (com a autoridade, agredir/ ser agredido, submeter/ ser submisso, crueldade/
generosidade, obscenidade/ pureza, ordem/ desordem, amor/ ódio, bissexualidade/
homossexualidade).

Quanto à linguagem, predominam a sobriedade, precisão, neutralidade, rigor,


lógica, recusa afectiva, poucos verbos, poucos adjectivos, precauções verbais, e o uso
do condicional.

No que se refere às defesas e tendo em conta que o recalcamento é insuficiente,


são muitas as defesas a que o obsessivo recorre. São elas o isolamento (realidade,
objectivo, mudança de tema), a intelectualização (conhecimento, distanciamento), a
racionalização (afastamento do afecto), a ruminação (dizer, redizer e nada dizer), o

88
deslocamento (reduzir a intensidade emocional), a anulação (substituir por contrários),
a denegação (dizer e dizer que não disse) e as formações reactivas (banalização ou
irritabilidade ou obediência ou cortesia).

Neurose Histérica
A neurose histérica é caracterizada por um estilo lábil de conflito inter-psíquico
(série B). Há aqui um acto de deixar ir, de invasão do afecto através da dramatização
e adjectivação excessiva e ainda um conflito entre o desejo e a defesa. Têm um
desejo (incestuoso) impossível (de querer e não poder), o que leva a fixações fálicas
e a regressões à oralidade. Há uma expressão edipiana clara com abaixamento do
reconhecimento dos interditos – sedução e avidez afectiva.

Na neurose histérica, os temas são essencialmente edipianos, com fantasmas


sexuais e teatralizações como necessidade de ser amado, protegido e de desespero
pelo facto do objecto de amor estar afastado.

As condutas adoptadas podem ser, ou de precipitação e encurtamento de


distância, ou de alheamento e distractibilidade.

Quanto aos modos de pensamento e linguagem, pode haver ou um fraco


investimento e vago das expressões, ou uma qualificação excessiva com adjectivos,
comentários, dramatização (intensa expressão emocional, labilidade, introdução de
múltiplas personagens com labilidade identificatória).

Relativamente às defesas, o recalcamento destaca-se. Outras das defesas a que o


histérico pode recorrer são a amnésia (ou falso esquecimento), a fuga (acção ou
imobilidade) a retirada histérica (desinteresse, silêncios, vivência subjectiva e
experiencial

Neurose Fóbica (inibição, neurose de angústia)


A fobia caracteriza-se por um evitamento de um objecto ansiogénico (fóbico), que
substitui o objecto original (ex: do pai para o cavalo do Hans). As inquietações e
angústias são transpostas para o concreto, o factual ou corporal.

A neurose fóbica está relacionada com a restrição, com a redução na participação


do sujeito, com as recusas, bloqueios e rupturas associadas.

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Registo Limite
No registo limite a tónica é posta na dificuldade da relação eu/ outro ou interno/
externo. Há uma precariedade do sentimento do eu. As condutas agidas e a procura
do outro que nunca aparece como suficientemente gratificante são as principais
características. As lógicas são dominantemente aconflituais visto que não existe a
constituição do outro diferente.

Há duas expressões para uma mesma problemática. Por um lado, há uma retirada
pulsional. O sujeito fecha-se a qualquer contacto (esta é uma retirada narcísica que
nada tem a ver com o autismo) e tem um sentimento de perda inultrapassável. Tem
um sentimento de vazio, onde domina a cor branca. Se, pelo contrário, dominar o
negro, isso significa que o sofrimento é muito maior. Esta lógica narcísica sustenta-se
face à iminência da invasão do objecto. Por outro lado, a segunda lógica é a da
exposição depressiva. Neste caso, os sujeitos são excessivamente apegados ao
objecto mas também são sempre muito modificados por qualquer movimentação do
objecto que é vivida com muito sofrimento. Há, simultaneamente, uma impossibilidade
de se largar do objecto e uma impossibilidade de obter uma gratificação deste.

No estilo narcísico há riscos de invasão, dissolução, ruptura dos limites, porosidade


dos envelopes sobre investimento dos limites, retorno a si, isolamento, desprezo ou
imobilização do outro.

No estilo depressivo, de perda do objecto, o outro é recusado, há uma deformação


e deturpação do real e o reforço das barreiras é feito por adesão, apoio e
dependência.

Estilo Narcísico
No estilo narcísico há referências directas e claras a perdas importantes e
precoces. Estes são sujeitos com uma imensa solidão devido ao sofrimento e mal-
estar com que falam do outro. O máximo da manifestação de dor face à relação com o
outro é a raiva narcísica e a aproximação ao outro é sempre vivida com um sofrimento
imenso.

Uma das características é a falha profunda do mundo psíquico que impõe uma
construção de funcionamento de prótese. O outro funciona na lógica de prótese. Estes
sujeitos necessitam de se sentir elogiados pelos outros. Dão-se a ver para serem
admirados e não amados. Já desistiram de ser amados.
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Oscilam entre dentro e fora. Fora falta sempre qualquer coisa, pelo que voltam para
dentro, voltam a procurar…

São sujeitos com falhas na elaboração psíquica. Há aqui dois tipos de expressão:
uns não conseguem fantasiar e para eles tudo é aterrador e outros partem para o agir.
Estes sujeitos apresentam também perturbações identitárias e identificatórias (eu –
um – único; outro (raiva, ódio, inveja).

A sua expressão dominante é uma ferida intolerável que leva à retirada, à


centração e ao desprezo. Em última instância, quando a ferida é muito grande e as
defesas são poucas, há imobilização e morte psíquica. Não há encenações mas sim
pôr em quadro. Pelo temor do sofrimento há retirada libidinal (polaridade narcísica da
vida pulsional). Não há sexualidade nem desejo (isto insere-se na lógica da
imobilidade).

O Eu do sujeito é vacilante – inflação do Eu (Dd narcísicos, referências pessoais e


autobiográficas). Pode haver idealização ou desidealização com sobreinvestimento na
aparência e omnipotência do pensamento contra perda intolerável (na lógica da
racionalidade).

Na construção das narrativas há um vai e vem entre o investimento do objecto e


retraimento pela angústia que suscita. A fragilidade identitária e identificatória
levam a uma vigilância face ao externo e centração no Eu, na identidade e na
unicidade; o branco e o vazio levam ao recurso à realidade externa para assegurar as
fronteiras entre o dentro e o fora.

Há uma centração no Eu com exclusão do outro através do pôr em quadro, da


vivência subjectiva, das referências pessoais e autobiográficas e dos afectos intensos.
Contudo, há uma incapacidade do sujeito se diferenciar face ao outro, o que se
expressa pelas personagens vagas, indistintas ou grandiosas.

Os temas dominantes operam à volta do verbo olhar (ver e ser visto), tocar (calor
e frio), limites (contorno, sombreado, luzes, espaço) – investimento sensual e sensorial
da realidade. Há uma valorização dos contornos e envelopes e uma procura de pele
delimitante (Dd narcísicos, sensorialidade). Quanto aos afectos, o corpo é visto como
uma máquina a significar, sem desejo e sem sedução. Há uma postura significante de
afectos com afectos título, sem qualquer cenário ou âmbito relacional) há também um
apelo ao olhar e espelho (onde nos vemos e perdemos).

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Estilo Depressivo
O estilo depressivo caracteriza-se por abandono, rejeição, ausência de prazer,
extenso e interno sofrimento, incapacidade e impotência e mundo em perigo.

Os temas abordados são de perda, suporte, anáclise, ausência do outro (ou


salvador, ou perseguidor, ou rejeitante), nostalgia, desespero, doença, fraqueza,
abandono, insucesso, infelicidade, suicídio, morte (ou a excessiva felicidade e amor e
finais felizes), chamadas à paz e à calma, mania. Estes protocolos caracterizam-se
pela restrição com clichés, personagens tristes, passivas, dependentes, com
empobrecimento, conformismo e miséria.

Há aqui uma instabilidade e precariedade. Amor e ódio são indissociáveis, há


angústias de aniquilamento, de desabamento mortífero, de vazio (negro), fantasmas
destrutivos, pulsões de morte sem para-excitação. A depressão e a mania estão
também presentes pela impotência, inferioridade, humor, recusa do mal e sofrimento,
ilusão da falta, procura de cumplicidade, sobrecarga megalomaníaca e idealizações
(“tudo bem no melhor dos mundos”).

O estilo depressivo está relacionado com perturbações do pensamento, embora


haja comunicação e até mesmo linguagem poética (telescopagem, perturbações da
sintaxe).

As modalidades defensivas são as mais arcaicas: clivagem, idealização primitiva.

Registo Psicótico
A psicose expressa-se no TAT pelo predomínio de procedimentos de tipo E. as
psicoses implicam alterações na relação com o real (percepção) e nas modalidades do
discurso. As perturbações na relação com o real manifestam-se através dos Dd
raros e bizarros, das falsas percepções, percepções sensoriais, percepções de
objectos fragmentados e mal formados e da escotomia de objectos manifestos. As
perturbações nas modalidades do discurso expressam-se por falhas verbais,
discurso vago e indeterminado (fragilidades identificatórias e perturbações maciças do
real, associações curtas, rupturas e falhas das ligações, abstracções e simbolismo +/-
hermético.

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Estes sujeitos têm falhas maciças da identidade: falhas da integridade, confusão
de identidade e instabilidade do objecto (o objecto não é captável porque não há
apego à realidade). Apresentam também confusões espaço-temporais.

As temáticas psicóticas giram à volta das representações e afectos crus e maciços


(sexuais ou agressivos). Há a preserveração dos temas, inadequação dos temas aos
estímulos e também arbitrariedade dos temas.

Uma das características fundamentais nas psicoses é a incompletude do Eu numa


problemática da identidade. Trata-se de limitações e frustrações muito importante que
ocorreram precocemente, impostas ao Eu e que ocorrem devido a regressões e
fixações arcaicas.

O conflito é com a realidade, onde há alterações profundas pela projecção e


sobrecarga fantasmática. Há uma desagregação corporal, perda da identidade e
apagamento dos limites (corporais, espaço-temporais, eu-outro e dentro-fora).

Os afectos e as representações têm um carácter de massividade, crueldade,


omnipotência, sem interditos, com incoerências e paradoxos. A angústia pode ser
muito intensa (angústia de fragmentação, destruição e morte), o que é sinal de
desrealização e depersonalização. As defesas são sádicas, com comprometimento do
reconhecimento de si e do outro, com recusa da separação, das diferenças e da
alteridade. Implicam desligação, desertificação e, em última instância, morte psíquica.
As defesas típicas são a projecção, a recusa da realidade e a clivagem do Eu.

O pensamento é marcado pelas rupturas, descontinuidade, dissociação e


separação. A factura pode ser mais expansiva ou mais inibida, mais paranóide (com
apego, vigilância e arbitrariedade face ao exterior) ou mais retirada da realidade. Há
uma impossível objectivação ou impossível subjectivação.

Há dois tipos de expressão na psicose: as manifestações exuberantes e as


temáticas.

As psicoses são as estruturas de funcionamento mais arcaicas (oral e anal), onde


se pode verificar fixação ou regressão. As defesas são arcaicas: projecção (arbitrário),
recusa (ódio) da realidade. O ego é organizado devido a falhas primitivas na relação
com o objecto materno. O Eu – outro e o dentro – fora não estão separados nem
ligados. No modelo relacional privilegia-se a relação eu/ outro e dentro/ fora, onde o

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sujeito está confundido com o objecto porque a separação é impossível. Também é
impossível uma ligação de boa qualidade.

Em termos estruturais, há três formas de expressão das psicoses:

Esquizofrenia
Esta é a estrutura com fixação e/ ou regressão mais arcaicas, dominância oral
receptiva e passiva.

Há uma recusa primária da realidade, retirada da realidade, com


sobrecompensação eventual através da actividade delirante (sempre mal
sistematizada). Quando se aproxima da realidade surge a confusão e quando se
afastam há uma recusa do sentido e da alteridade.

Há impossibilidade de figurar, com falhas do continente e conteúdos bizarros.


As palavras são as coisas. As palavras e as ideias são insólitas, o discurso
incompreensível e o julgamento deficiente.

Melancolia
Nesta estrutura há uma fixação e/ ou regressão oral sádica (morder, devorar,
incorporação, introjecção). Há o primado da agressividade, que não é anal mas sim
oral, de destruição não só do objecto mas também do próprio sujeito.

A problemática melancólica é a introjecção dos aspectos frustrantes do materno. O


mau objecto é interiorizado. Há uma ausência do impulso vital, fragilidade e
dependência trágica face ao objecto.

Na melancolia há uma fusão com o mau objecto na morte. Por outro lado, na
mania há uma recusa desse mal e sofrimento, uma recompensa face à angústia dos
fantasmas sádicos destruidores que ameaçam o sujeito (sentimentos e descargas
muito intensas).

Recorre-se ao arbitrário para preencher o vazio, os objectos não se fixam e há uma


pulverização e perda de sentido.

Especificamente no TAT, a melancolia manifesta-se pela confusão entre o


narrador e as personagens dos cartões (confusão do tempo e do espaço). Os afectos

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e as representações são massivos, com temas de sobrevivência, de falta de
recursos, de pobreza e miséria. As imagens são muito contrastadas num universo
desertificado, onde há pouco investimento da realidade e onde predomina a perda. A
relação com a realidade e a percepção caracteriza-se pela sensorialidade,
separação de planos, confusão identitária e a não procura de limites. Quanto à
linguagem, as frases são infinitas, sem verbos nem acção. Há o recurso a piruetas
maciças, com ironia e desprezo, que visa recusar o vazio.

Paranóia
Esta é a estrutura psicótica mais evoluída.

Há aqui uma fixação e/ ou regressão anal (retenção – expulsão – rejeição). É o


pensamento mágico que ordena estas lógicas violentas de retenção/ expulsão.

O Eu é mais distinto do Outro (apesar de haver uma maior distinção, esta é


sempre deficiente) e há uma dependência agressiva do outro.

A ameaça de penetração sádica e anal revela-se através da angústia de


fragmentação. As defesas usadas são a recusa (mais parcial) da realidade, ser
destruído pelo objecto, a vigilância e a intencionalidade projectiva. (omnipotência,
megalomania).

O sujeito tem uma atitude crítica, vigilante, um estilo rebuscado, pretensioso com
afirmação de autonomia, não se deixa dominar e evita a inferioridade.

A relação de objecto é marcada pelo medo persecutório, daí a desconfiança, a


necessidade de controlo, o recurso a leis e lógicas aberrantes, o ódio à realidade e a
convicção inabalável. Há uma centração no perceptivo, embora arbitrário e temático
(recurso a Dd raros e insólitos, intencionalidade e arbitrário do pensamento, vigilância
e desconfiança). Os temas são crus: influência, poder e magia (espionagem, suspeita,
ciúme, homossexualidade, ataque ao próprio). As personagens são poderosas e com
força e os objectos são destrutivos.

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