Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Genero Identidade Familia e Previdencia
Genero Identidade Familia e Previdencia
GÊNERO,
IDENTIDADE,
FAMÍLIA E
PREVIDÊNCIA
SOCIAL
Londrina/PR
2023
Dados Internacionais de Catalogação na
Publicação (CIP)
419 p.
Bibliografias: 395 - 419
© Direitos de Publicação Editora Thoth. ISBN: 978-65-5959-549-5
Londrina/PR.
www.editorathoth.com.br 1. Gênero 2. Identidade de Gênero.
contato@editorathoth.com.br 3. Previdência Social. I. Título.
CDD 341.6
Consideramos justa
Toda forma de amor
Lulu Santos (Toda forma de amor)
APRESENTAÇÃO
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu a igualdade de direitos e
deveres entre homens e mulheres, institucionalizou a união estável e pôs fim
à discriminação entre filhos. Além disso, elevou o princípio da dignidade da
pessoa humana ao ápice do sistema jurídico.
As modificações da sociedade em relação a temas como gênero,
identidade e família exercem pressão sobre o sistema jurídico, exigindo dos
poderes públicos medidas concretas necessárias à efetivação dos direitos
fundamentais.
O direito civil passou por grandes transformações e deve ser
analisado sob o crivo dos princípios constitucionais. A constitucionalização
dos institutos de direito privado retirou as amarras interpretativas que os
reduziram à legalidade durante décadas.
As modificações recentes no direito de família, ainda em processo de
consolidação, acarretam consequências para o direito público, especialmente
no âmbito do direito fundamental à previdenciário social.
O Poder Judiciário, chamado a harmonizar as várias situações
novas, decide com fundamento nos valores constitucionais. Em 2011,
o Supremo Tribunal Federal reconheceu o direito à união homoafetiva
(ADI n. 4.277 e ADPF n. 132) e, em 2018, reconheceu aos transgêneros
o direito à substituição de prenome e sexo diretamente no registro civil,
independentemente da cirurgia de transgenitalização ou da realização de
tratamentos hormonais ou patologizantes (ADI n. 4275).
Tais decisões acarretam reflexos previdenciários que ainda não foram
devidamente regulamentadas no âmbito infraconstitucional. Os reflexos
dessas transformações sociais e da jurisprudência na legislação previdenciária
devem ser investigados à luz do envelhecimento da população e das
alterações do mercado de trabalho, que provocam forte pressão sobre o
sistema de seguridade social. A concessão de prestações a um número cada
vez maior de beneficiários demanda recursos essenciais ao financiamento
da previdência social, da assistência social e da saúde, que constituem o
sistema de seguridade social estruturado na Constituição Federal.
Este livro analisa esse cenário de transformações sociais, considerando
a mutação constitucional, com foco sobre o benefício de aposentadoria
programada por idade, a relação de dependência na pensão por morte e o
benefício de salário-maternidade. Sem ignorar a existência de desigualdades
de gênero na sociedade brasileira, mas reconhecendo que devem ser
objeto de soluções no âmbito da cultura e do direito do trabalho, o livro
questiona a manutenção da diferença etária para a concessão do benefício
para mulheres e homens, sob a ótica do equilíbrio financeiro e atuarial do
sistema previdenciário.
Também estuda as consequências da multiplicidade e fluidez de gênero
e identidade, que, em interação com novos arranjos familiares, colocam em
questionamento a relação de dependência na esfera previdenciária.
Por fim, a igualdade de gêneros e as novas identidades e arranjos
familiares revelam pontos de tensão em relação ao salário-maternidade,
benefício antes de titularidade exclusivamente da gestante, que, em um
cenário de múltiplas interações familiares, vem adquirindo importância para
a família, a criança e a própria sociedade.
O livro resulta da adaptação e atualização da tese apresentada à
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como requisito parcial para a
obtenção do título de Doutor em Direito.
Cabe registrar meu agradecimento a Deus, pela força e perseverança na
realização da pesquisa, em tempos difíceis de reformas legislativas sucessivas,
distanciamento social e restrições de acesso ao convívio acadêmico. A
conclusão do trabalho somente foi possível graças à compreensão e apoio
da família e da minha companheira, Odara.
Meus agradecimentos ao Prof. Dr. Ionas Deda Gonçalves (PUC/SP)
e ao Prof. Dr. Oswaldo de Souza Santos Filho (PUC/SP), pela orientação, e
também aos demais participantes da banca: Prof. Dr. Marco Aurelio Serau
Junior (UFPR), Profa. Dra. Rita de Cássia Curvo Leite (PUC/SP), Prof. Dr.
Miguel Horvath Junior (PUC/SP) e Prof. Dr. Frederico Thales de Araújo
Martos (UEMG/FDF).
Minha gratidão, ademais, aos professores do Programa de Pós-
Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, especialmente
aos Profs. Drs. Paulo de Barros Carvalho, Luiz Alberto David Araújo e
Robson Maia Lins.
Também agradeço à Faculdade de Direito de Franca, à Escola da
Advocacia-Geral da União e à Procuradoria Regional Federal da 3ª Região,
pelo apoio e incentivo na realização da pesquisa que deu origem a este livro.
Agradeço ainda à Editora Thoth pela confiança depositada e por
acreditar na viabilidade editorial do livro.
Por fim, agradeço aos leitores, desejando que recebam este livro
como uma pequena contribuição ao estudo do direito à seguridade social,
especialmente do direito previdenciário, sem a pretensão de que as ideias
aqui lançadas sejam definitivas.
CAPÍTULO 1
MODERNIDADE, LINGUAGEM E GÊNERO ...............................................25
1.1Modernidade, cultura e gênero .............................................................................28
1.2 Linguagem, classificação e direito .......................................................................35
1.3 Classificação e separação em classes ...................................................................37
1.4 Contribuição do feminismo .................................................................................41
1.5 Influência da religião nas relações entre os gêneros .........................................49
1.6 A era das Revoluções e o reconhecimento da igualdade .................................52
1.7 Influência da psicanálise na igualdade sexual ....................................................54
CAPÍTULO 2
GÊNERO, SEXUALIDADE E IDENTIDADE..................................................57
2.1 Sexo e gênero .........................................................................................................57
2.1.1 Diversidade: classificações quanto à sexualidade e ao gênero .....................62
2.1.2 Caracterizações não binárias .............................................................................68
2.2 Sexo e sexualidade ................................................................................................76
2.2.1 Mudança de sexo, gênero e nome social .........................................................80
2.2.2 Proteção ao trabalho da mulher .......................................................................89
2.2.3 Mercado de trabalho e gênero ....................................................................... 101
CAPÍTULO 3
CONCEITO DE FAMÍLIA ................................................................................... 103
3.1 Evolução do conceito de família ...................................................................... 103
3.1.1 Família brasileira .............................................................................................. 108
3.1.2 Código Civil de 1916....................................................................................... 109
3.1.3 Estatuto da Mulher Casada ............................................................................ 111
3.1.4 Divórcio ............................................................................................................ 112
3.1.5 Constituição Federal de 1988......................................................................... 112
3.1.6 Família atual...................................................................................................... 114
3.1.7 Código Civil de 2002....................................................................................... 121
3.2 Proteção constitucional à família e à união estável........................................ 122
3.3 Novos arranjos familiares .................................................................................. 126
3.3.1 Famílias homoafetivas e homoparentalidade .............................................. 128
3.3.2 Evolução da jurisprudência sobre união homoafetiva ............................... 130
3.3.3 Pluriparentalidade e plurimaternidade.......................................................... 134
3.3.4 Famílias monoparentais .................................................................................. 136
3.3.5 Famílias simultâneas ou paralelas .................................................................. 137
3.3.6 Família anaparental .......................................................................................... 140
3.3.7 Família reconstituída, mosaico ou pluriparental ......................................... 141
3.3.8 Famílias poliaftivas e poliamor ...................................................................... 143
CAPÍTULO 4
CONSTITUIÇÃO E DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS .................. 147
4.1 Estado e Poder .................................................................................................... 147
4.2 Constitucionalismo ............................................................................................. 150
4.3 Direitos fundamentais constitucionais ............................................................ 158
4.4 Constitucionalização do direito privado.......................................................... 161
4.4.1 Possibilidade de vinculação dos direitos fundamentais às relações
privadas........................................................................................................................163
4.4.2 Dimensões subjetiva e objetiva ..................................................................... 164
4.4.3 Eficácia vertical e horizontal dos direitos fundamentais ........................... 165
4.4.4 Supremacia da Constituição ........................................................................... 168
4.5 Princípios constitucionais .................................................................................. 171
4.6 Dignidade da pessoa humana e direito à identidade ..................................... 175
4.7 Direito fundamental à identidade..................................................................... 181
4.8 Direito à liberdade .............................................................................................. 186
4.9 Direito à igualdade .............................................................................................. 191
4.9.1 Igualdade formal e material ........................................................................... 194
4.9.2 Igualdade de gêneros....................................................................................... 197
4.10 Ações afirmativas.............................................................................................. 201
4.11 Mutação constitucional .................................................................................... 206
4.11.1 Natureza e espécies de mutação constitucional ........................................ 213
4.11.2 Limitações à mutação constitucional.......................................................... 214
4.11.3 Mutação constitucional e direitos de identidade, gênero e família ........ 216
CAPÍTULO 5
DIREITO FUNDAMENTAL À PREVIDÊNCIA E À ASSISTÊNCIA
SOCIAL...................................................................................................................... 223
5.1 Direitos fundamentais sociais ........................................................................... 225
5.1.1 Direitos fundamentais sociais como direitos subjetivos ............................ 229
5.1.2 Eficácia jurídica e efetividade social.............................................................. 233
5.2 Sistema de seguridade social ............................................................................. 238
5.3 Previdência social................................................................................................ 241
5.4 Princípios constitucionais da seguridade social.............................................. 247
5.4.1 Solidariedade e justiça social .......................................................................... 249
5.4.2 Universalidade da cobertura e do atendimento .......................................... 254
5.4.3 Seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços ... 257
5.4.4 Equidade na forma de participação no custeio .......................................... 258
5.4.5 Diversidade da base de financiamento ......................................................... 260
5.4.6 Precedência do custeio.................................................................................... 262
5.5 Efetividade versus equilíbrio financeiro e atuarial da previdência social ..... 263
CAPÍTULO 6
RUMOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, A PARTIR DA DIVERSIDADE DE
GÊNEROS E ARRANJOS FAMILIARES......................................................... 269
6.1 Previdência, gênero e família ............................................................................ 270
6.2 Aposentadorias programadas e gênero ........................................................... 275
6.2.1 Igualdade na seguridade social....................................................................... 279
6.2.2 Aposentadorias e o risco idade avançada..................................................... 288
6.2.3 Diferença de idade na aposentadoria............................................................ 290
6.2.3.1 Aposentadoria por idade...............................................................................290
6.2.3.2 Aposentadoria por tempo de serviço e contribuição...............................292
6.2.3.2.1 Aposentadoria do professor......................................................................293
6.2.3.2.2 Aposentadoria especial...............................................................................293
6.2.3.2.3 Aposentadoria proporcional por tempo de contribuição......................294
6.3 Alterações promovidas pela EC n. 103/2019 ................................................ 294
6.3.1 Aposentadorias programáveis ....................................................................... 295
6.3.2 Aposentadoria programada com foco na idade .......................................... 296
6.6.3 Aposentadoria programada com foco no tempo ....................................... 297
6.3.4 Aposentadoria programada em atividade especial ..................................... 298
6.3.5 Aposentadoria programada do professor .................................................... 301
6.3.6 Aposentadoria da pessoa com deficiência ................................................... 302
6.3.7 Aposentadoria do trabalhador rural ............................................................. 303
6.4 Gêneros masculino e feminino e redução da idade e do tempo de
contribuição ............................................................................................................... 305
6.5 Aposentadoria dos transexuais e transgêneros .............................................. 317
6.5.1 Critério biológico ............................................................................................. 318
6.5.2 Critério tempus regit actum ................................................................................. 319
6.5.3 Critério da desequiparação mais favorável................................................... 320
6.5.4 Critério proporcional misto ........................................................................... 321
6.5.5 Critério para aposentadoria do gênero neutro ............................................ 323
6.6 Pensão por morte: novos arranjos familiares e relação de dependência .... 324
6.6.1 Segurados .......................................................................................................... 325
6.6.2 Pensão por morte ............................................................................................ 326
6.6.3 Dependentes de primeira classe: casamento e união estável .................... 328
6.6.3.1 União estável e dependência.........................................................................329
6.6.3.2 Cônjuge separado de fato.............................................................................330
6.6.3.3 União homoafetiva.........................................................................................332
6.6.3.4 Prova da união estável...................................................................................335
6.6.3.5 Uniões paralelas..............................................................................................336
6.6.3.6 Poliamor e pensão por morte.......................................................................338
6.6.3.7 Presunção de dependência para a primeira classe.....................................339
6.6.3.8 Período de carência........................................................................................339
6.6.3.9 Valor do benefício..........................................................................................340
6.6.3.10 Acumulação e limitação do valor...............................................................342
6.6.3.11 Duração do benefício para o cônjuge ou companheiro........................343
6.6.4 Dependentes de primeira classe: filiação ..................................................... 344
6.6.4.1 Distinção de maioridade para o direito previdenciário............................344
6.6.4.2 Estudante universitário..................................................................................345
6.6.4.3 Invalidez e dependência (filho maior inválido).........................................346
6.6.4.4 Enteado e menor tutelado e menor sob guarda........................................348
6.6.4.5 Data de início da pensão por morte (para o menor)................................352
6.6.5 Dependentes de segunda e terceira classe (pais e irmãos) ........................ 353
6.6.6 Outros arranjos e questões excluídas da tutela previdenciária ................. 354
6.6.6.1 Rateio entre classes........................................................................................356
6.6.6.2 Relações entre cônjuges no direito empresarial.........................................357
6.7 Salário-maternidade ........................................................................................... 360
6.7.1 Duração do benefício...................................................................................... 365
6.7.2 Direito da mãe adotante ao salário-maternidade ........................................ 366
6.7.3 Salário-maternidade pago ao segurado sobrevivente ................................. 368
6.7.4 Salário-maternidade na união homoafetiva ................................................. 369
6.7.5 (In)acumulabilidade do salário-maternidade ............................................... 371
6.7.6 Salário maternidade na reprodução assistida ............................................... 372
6.7.7 Salário-natalidade ou salário-parental ........................................................... 374
CONCLUSÃO......................................................................................................... 379
REFERÊNCIAS ................................................................................................... 397
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu a igualdade de direitos
e deveres entre homens e mulheres, institucionalizou a união estável e pôs
fim à discriminação entre filhos havidos ou não da união pelo casamento.
Foi instituído no Brasil o Estado Democrático de Direito, fundamentado
na dignidade da pessoa humana, com o objetivo de construir uma sociedade
livre, justa e solidária (CF, art. 3º, inc. I). Para alcançar essa meta, é essencial
a participação das mulheres e a garantia de mecanismos para efetivar o
direito à igualdade, à identidade de gênero, ao nome social e à orientação
sexual, assim como proteger todas as famílias brasileiras, sem distinção.
O princípio da dignidade da pessoa humana ganhou especial
proteção na Constituição de 1988, irradiando sua força normativa a todas as
manifestações jurídicas, dentre elas os direitos de liberdade e personalidade,
os direitos de família e os direitos sociais.
As modificações da sociedade em relação a temas como gênero,
sexualidade e família continuaram pressionando o sistema jurídico, levando
o Poder Judiciário a harmonizar as várias situações novas com os valores
constitucionais, tendo como vetor o princípio da dignidade da pessoa
humana. A Constituição vedou a discriminação de gênero (art. 3º, inc.
IV; art. 5º, caput e incs. I, V, X e XLI; art. 227), mas ela própria limitou
o reconhecimento da união estável à situação existente entre homem e
mulher (art. 226, § 3º).
O direito civil passou por grandes transformações e deve ser
analisado sob o crivo dos princípios constitucionais. A constitucionalização
dos institutos de direito privado retirou as amarras interpretativas que
os reduziram à legalidade durante décadas. A Constituição instituiu
microssistemas, dentre eles o do direito civil, orientando a reforma
legislativa posterior, o que culminou com a edição do Código Civil de 2002,
em relação ao qual, apesar dos avanços, ainda recebe críticas no sentido de
que deveria ter sido mais abrangente em relação a vários aspectos, dentre
eles o direito de família.
A pessoa humana adquire consciência e personalidade no seio da
família; é por meio da família que o indivíduo se identifica como membro da
20 GÊNERO, IDENTIDADE, FAMÍLIA E PREVIDÊNCIA SOCIAL
comunidade; por meio dela é que a pessoa pode concretizar sua dignidade.
No âmbito da família, passaram a ser admitidas várias formas de conexão
entre os seus membros, tais como a família matrimonial, a monoparental,
a família-mosaico, a união estável e a união homoafetiva. As modificações
recentes no direito de família ainda estão em processo de consolidação e,
por isso, merecem o estudo contínuo dos seus efeitos sobre a legislação.
Essas transformações no direito civil em relação à dignidade humana,
ao gênero e à família vêm sendo investigadas por diversos pesquisadores
tendo como enfoque o direito privado. No entanto, é necessário investigar
as consequências para o direito público dessas situações jurídicas já tuteladas
pelo direito civil, especialmente o alcance dos princípios, dos conceitos e
dos institutos do direito privado para a efetivação de direitos nos âmbitos
previdenciário e assistencial.
A harmonização dos institutos de direito privado com a ordem jurídica
constitucional tem sido objeto de decisões judiciais de diversos tribunais e,
inclusive, do Supremo Tribunal Federal, que, em 05.05.2011, enfrentou o
tema da união homoafetiva no julgamento da ADI n. 4.277 e na ADPF n.
132, ocasião em que reconheceu a união de casais homoafetivos (do mesmo
sexo) como casamento.
Além disso, a Corte Máxima, no julgamento da ADI n. 4275, realizado
em 1º de março de 2018, deu interpretação conforme a Constituição e o
Pacto de São José da Costa Rica ao art. 58 da Lei 6.015/73, para reconhecer
aos transgêneros o direito à substituição de prenome e sexo diretamente no
registro civil, independentemente da cirurgia de transgenitalização ou da
realização de tratamentos hormonais ou patologizantes.
Tais decisões acarretam reflexos previdenciários que ainda não foram
objeto de tratamento legislativo no âmbito infraconstitucional. Dessa
forma, o estudo das consequências da mutação constitucional, conforme
reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mostra-se relevante
para a efetivação do direito fundamental à seguridade social.
Diversas notícias têm despertado a atenção para a proteção individual
quanto ao gênero e as novas formas de composição familiar. Em 21.09.2016,
no julgamento do RE 898.060-SC, com repercussão geral (Tema 622), o
STF fixou a tese de que “[a] paternidade socioafetiva, declarada ou não
em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação
concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos
próprios.” A tese consagra a primazia da socioafetividade sobre o vínculo
da origem biológica e atrai diversas questões relacionadas ao direito civil e
também a outros ramos do direito, como o previdenciário.
O problema da identidade de gênero também tem provocado diversas
discussões, inclusive no que diz respeito às relações familiares. Novas
SILVIO MARQUES GARCIA 21
1. DELPHY, Christine. Rethinking sex and gender. Women’s Studies International Forum, v. 16, n.
1, p. 1-9, jan.-fev., 1993. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/
pii/027753959390076L#bBIB1. Acesso em 24 out. 2020. p. 3.
2. MEAD, Margaret. Male and female. New York: William Morrow and Co., 1949. passim.
3. Joan Scott chama a atenção para a existência da categoria neutra de gênero em muitas línguas
indo-europeias: “a conexão com a gramática é explícita e também cheia de possibilidades não
examinadas. Explícita porque o uso da gramática envolve regras formais que decorrem da
designação masculina ou feminina; cheia de possibilidades não examinadas porque em muitas
26 GÊNERO, IDENTIDADE, FAMÍLIA E PREVIDÊNCIA SOCIAL
10. MESQUITA, Marylúcia; RAMOS, Sâmya Rodrigues; SANTOS, Silvana Mara Morais dos
Contribuições à crítica do preconceito no debate do serviço social. Presença Ética, Recife,
Unipress, v. 1, n. 1, 2001. Disponível em: https://presenetica.wordpress.com/2012/05/12/
presenca-etica-2001-ano1-vol-1/ Acesso em: 15.03.2020. p. 67.
11. MESQUITA, Marylúcia; RAMOS, Sâmya Rodrigues; SANTOS, Silvana Mara Morais dos
Contribuições à crítica do preconceito no debate do serviço social. Presença Ética, Recife,
Unipress, v. 1, n. 1, 2001. Disponível em: https://presenetica.wordpress.com/2012/05/12/
presenca-etica-2001-ano1-vol-1/ Acesso em: 15.03.2020. p. 83.
SILVIO MARQUES GARCIA 29
12. BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar,
2004. p. 8-13.
13. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto comunista. São Paulo: Boitempo, 2005. p. 43.
14. GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Editora Unesp, 1991. p. 26-27.
15. BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar,
2004. 13.
16. GIDDENS, Anthony; LASH, Scott; BECK, Ulrich. Modernização reflexiva. 2. ed. São Paulo:
Editora Unesp, 2012. p. 13-15.
17. BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar,
2004. p. 13.