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Direito e Complexidade: um olhar integrativo das ciências em favor do ser humano.

Law and Complexity: an integrative view of science in favor of the human being.

Moaci Licarião Neto1

Resumo

O presente trabalho trilha os caminhos da investigação bibliográfica, tendo como eixo


investigativo a relação do Direito com as demais ciências, a partir da Teoria da Complexidade,
de Edgar Morin. Parte-se do pressuposto de que as ciências integram uma complexa estrutura
do saber humano, de modo que uma compreensão multidimensional destas poderia contribuir
para uma melhor aplicação do Direito – enquanto ciência jurídica. Constituem-se objetivos da
pesquisa a busca de elementos que demonstrem (ou não) a possibilidade da integração das
ciências em favor do humano. Ainda, elucidar termos e conceito indispensáveis para esta
compreensão complexa e multidimensional, bem como estabelecer, pelos referenciais adotados,
instrumentos de compreensão desta complexidade e multidimensionalidade. Acredita-se que
esta possível forma de compreensão do Direito pode contribuir para uma releitura dos
fundamentos hermenêuticos e, mais do que isso, uma maneira eficiente de aplicação do Direito,
de modo que contemple o ser humano de forma completa. Neste sentido, revisando a literatura
adotada, pode-se vislumbrar que uma compreensão integrativa (complexa e multidimensional)
fornece elementos que podem contribuir para uma eficiente aplicação do Direito e,
consequentemente, uma maior efetividade das normas jurídicas. Destaca-se que a presente
pesquisa não objetiva o esgotamento da matéria, mas, apenas e tão somente, destacar elementos
iniciais para eventual aperfeiçoamento e complementação dela.

Palavras-Chave: Direito; Fundamentos; Multidimensionalidade; Ser humano; Teoria da


Complexidade.

Abstract

This work follows the paths of bibliographic research, having as its investigative axis the
relationship between Law and other sciences, based on Edgar Morin's Complexity Theory. It
starts with the assumption that the sciences are part of a complex structure of human knowledge,
so that a multidimensional understanding of these could contribute to a better application of
Law – as a legal science. The research objectives are the search for elements that demonstrate
(or not) the possibility of integrating science in favor of the human. Also, to elucidate terms and
concepts that are essential for this complex and multidimensional understanding, as well as to
establish, through the adopted references, instruments for understanding this complexity and
multidimensionality. It is believed that this possible way of understanding the Law can

1 Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Módulo (2014), Mestre em Direito pelo UNISAL/ Lorena
(2018) e Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São
Paulo-SP, Brasil, advogado e professor universitário, e-mail: moaci.netoadv@gmail.com.
contribute to a re-reading of the hermeneutical foundations and, more than that, an efficient
way of applying the Law, in a way that contemplates the human being in a complete way. In
this sense, by reviewing the adopted literature, it can be seen that an integrative understanding
(complex and multidimensional) provides elements that can contribute to an efficient
application of the Law and, consequently, a greater effectiveness of legal norms. It is
noteworthy that the present research does not aim to exhaust the matter, but only and solely to
highlight initial elements for possible improvement and complementation of it.

Keywords: Law; Fundamentals; Multidimensionality; Human being; Complexity Theory.

Introdução

O presente trabalho busca possíveis caminhos para uma reflexão humanizada sobre as
questões do Direito, tendo como referência a complexidade inerente ao mundo da vida,
manifestada através dos variados ramos da Ciência.

A abordagem combina elementos da teoria elaborada por Edgar Morin acerca da


Complexidade – extraída principalmente do compêndio de seis volumes “O Método”, que
constitui a obra prima do autor – com as reflexões de doutrinadores do Direito, buscando-se
uma compreensão integrativa das ciências em favor do ser humano.

O enfoque da pesquisa está fundamentado na necessidade de uma proposta que permita


tornar concreto o que fora estabelecido de maneira abstrata no ordenamento jurídico pátrio.

A inquietação investigativa se deu ao se identificar a aparente crise no que diz respeito


à concretização dos Direitos em favor do homem, de modo a se evidenciar uma compreensão
que pudesse satisfazer a necessidade de se materializar, no seio da sociedade, aquilo que fora
elencado nas diversas leis do país.

A referência do tema proposto indica a estrutura de um pensamento capaz de congregar


de maneira humanizada elementos jurídicos, sem desconsiderar aspectos intrínsecos à
antropologia/sociologia.

Não se pode olvidar que pensar o Direito disjungido do Homem Integral – Identificado
por Morin (2016) como homo complexus (homo sapiens demens), e por Reale (1994) como
valor-fonte do Direito; – implica num distanciamento substancial entre a realidade fática e a
abstração normativa.
Neste sentido, objetivando a construção formal da pesquisa, o trabalho será estruturado
em quatro itens que – interligados – buscarão erigir, sob os fundamentos da complexidade e
multidimensionalidade, a estrutura do tema proposto.

Com esse fim, no primeiro item, identificado como “A humanidade pela lente do
Direito”, buscou-se elementos que introduzissem a reflexão, estabelecendo-se conceitos
indispensáveis para compreensão do tema proposto, em especial, a necessidade de se adotar
uma abordagem integrativa. No segundo item, objetivou-se construir um conceito jurídico de
integralidade da concepção humana, traduzido no princípio da holonomia (holos + nómos).
Para tanto, partiu-se de uma abordagem conceitual e semântica para a construção do conceito.
No terceiro item, procurou-se desenvolver o tema da complexidade com base na teoria
difundida por Edgar Morin, estabelecendo-se um elo entre as ciências na busca pela
concretização do Direito. No derradeiro item, evidenciou-se a questão da
multidimensionalidade, demonstrando-se a complexidade do mundo da vida numa perspectiva
científica, em que o Direito pode/deve ser relacionado a outros ramos da Ciência, objetivando
a efetividade das normas jurídicas em favor do ser humano.

Imperioso destacar que a pesquisa não tem a pretensão de esgotar o tema proposto, até
porque seria, quiçá, impossível fazê-lo, quer pela própria natureza do assunto, quer pela
natureza do trabalho. O que se espera, é poder encontrar os fundamentos pretendidos,
contribuindo, assim, para o desenvolvimento da ciência jurídica com toda humildade e amor ao
conhecimento, suplicando ao Supremo Ser a dádiva da Sabedoria.

1. A humanidade pela lente do Direito

Como reflexão inaugural para a elaboração da presente pesquisa, toma-se nota da ideia
sobre a questão humana apresentada por Edgar Morin em sua obra “A cabeça bem-feita:
repensar a reforma, reformar o pensamento”:

Conhecer o humano não é separá-lo do Universo, mas situá-lo nele. Como vimos [...],
todo conhecimento, para ser pertinente, deve contextualizar seu objeto. “Quem somos
nós?” é inseparável de “Onde estamos, de onde viemos, para onde vamos?”. Pascal já
nos havia situado, corretamente, entre dois infinitos, o que foi amplamente
confirmado no século XX pela dupla evolução da Microfísica e da Astrofísica.
Conhecemos hoje nosso duplo enraizamento: no cosmo físico e na esfera viva.
(MORIN, 2014, p. 37)

Compreender quem é o homem e onde está situado parece ser tarefa pertinente também
ao Direito, pois a questão da humanidade, conforme se verá, não pode ser mutilada ou
disjungida de uma percepção do mundo da vida sem as lentes da humanidade.

Sobre isso se manifesta Rampazzo ao lecionar de forma moderna que A “reconstrução”


do mundo passa, obrigatoriamente, por uma nova concepção do homem que aceita apenas
uma civilização a serviço do homem e nunca contra ele. (RAMPAZZO, 2013, p.25) (grifo
nosso)

As assertivas em destaque revelam a necessidade de se conceber o mundo pelo e para o


Homem. Com isso, pode-se dizer que uma cosmovisão disjuntada daquilo que é humano, pode
pôr em risco a noção própria da busca de uma sociedade humanizada e humanizadora.

Neste sentido, algumas ponderações e elucidações devem ser realizadas de modo a


aclarar o roteiro a ser seguido pela presente pesquisa. Para tanto, buscar-se-á, de forma sucinta,
compreender as razões do tema proposto, bem como, à luz da proposta, identificar expressões-
chave essenciais para o desenvolvimento do trabalho.

Partindo das inquietações que deram origem a pesquisa sob o tema, alguns vocábulos e
expressões merecem desdobramentos iniciais para que sejam melhores aplicados e conduzam
à ideia norteadora da pesquisa.

Tais noções de natureza propedêutica podem demonstrar com maior clareza o que se
pretende alcançar com o objeto do presente trabalho, de modo que, ao se elencar certas
terminologias específicas, sem as devidas explicações, ficariam desconexas com a proposta.

Neste sentido, explanar-se-á sobre o que se pode entender por concepção holonômica,
para, posteriormente, incluir definições sobre o estudo da complexidade e do
multidimensionalismo a partir das lições de Morin.

2. O que se entende por concepção holonômica do Direito?


A ideia de concepção holonômica do Direito caminha inextricavelmente às
considerações da complexidade e multidimensionalidade apresentadas por Morin em suas
diversas obras.

Por tal razão, revela-se imprescindível, ao menos em primeiro momento, tecer o pano
de fundo que servirá de base para os desdobramentos formulados neste artigo.

Sem a presunção de esgotamento da temática, quer seja pela natureza do trabalho e pela
inesgotável fonte sobre os assuntos abordados, quer seja pela limitação temporal, ou por
quaisquer outras razões, as reflexões apresentadas se limitarão apenas em fornecer dados
essenciais para a pesquisa.

Deste modo, partindo do trabalho proposto por Morin acerca do pensamento complexo,
tem-se a noção trazida por ele a inspirado pelo pensamento de Pascal, no sentido de que

Como dizia Pascal: “Considero impossível conhecer as partes enquanto partes sem
conhecer o todo, mas não considero menos impossível a possibilidade de conhecer o
todo sem conhecer singularmente as partes”. A frase de Pascal nos envia à necessidade
dos vaivéns que correm o risco de gerar um círculo vicioso, mas que podem constituir
um circuito produtivo como num movimento da naveta que tece o desenvolvimento
do pensamento. (MORIN, 2011, p.103) (grifo do autor)

Conforme se depreende, o argumento trazido por Morin consiste na concepção de que


o todo e suas partes devem se dar de forma integrada, posto que, para ele, é impossível o
conhecimento isolado – seja do todo ou das partes – permitir uma visão ampla daquilo que se
observa. Desta sorte, “o sistema é, ao mesmo tempo, mais, menos que a soma das partes e,
também, diferente dela. As próprias partes são menos, eventualmente mais, de qualquer modo
são diferentes do que elas eram ou seriam fora do sistema”. (MORIN, 2016, p.146, v.1)

Pelo que se observa, a relação entre o todo e suas partes revela uma dinâmica não
estável, todavia em constante (des)estabilização, assim compreendido através do pensamento
complexo por ele defendido.

Sob este fundamento, tem-se por objetivo buscar elementos que tornem mais claros o
significado de uma concepção holonômica do Direito, nos termos empregados nesta pesquisa,
evidenciando-se a sincronia das partes no todo, e do todo por suas partes.
Em primeiro momento, deve-se buscar considerar, de início e de forma pontual, que se
pode verificar a partir do termo “Holonômico” a junção de dois vocábulos gregos, a saber: hólos
+ nómos.

Por hólos entende-se o todo constituído. Transmite a ideia de integralidade, uma


totalidade convergente que integra todas as partes de forma harmônica. Segundo Taylor: “[...]
inteiro; [...] todo; tudo [...]”. (TAYLOR, 1991, p.148)

Em complemento, destaca-se a lição de Brown e Coenen, na obra por eles organizada,


de título Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento, V. I. ao lecionarem acerca
dos membros (melos) do corpo:

“Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti; pois te convém que se
perca um dos teus membros (melōn), e não seja todo o teu corpo lançado no inferno
(Geena, Gr. geenan). E se a tua mão direita te faz tropeçar, corta-a e lança-a de ti; pois
te convém que se perca um dos teus membros (melōn) e não vá todo o teu corpo para
o inferno (Geena, Gr. geenan)” (Mt 5:29-30). Jesus claramente não pretendia que os
ditados fossem entendidos literalmente. Aplicam-se às funções malignas para as quais
o olho e a mão podem ser instrumentos. São aquelas que devem cessar. Não é o olho
e a mão, mas o olhar concupiscente e o ato malicioso que têm de ser cortados. Isto
significa que o pecado do homem tem de ser desarraigado, a fim de que seu corpo (i.é,
a totalidade de sua pessoa) seja salvo no juízo. Não há sinal aqui da ideia grega da
perfeição como sendo o número completo dos membros em sua inteireza. Pelo
contrário, a única maneira de se salvar o corpo todo (holon to sōma) do juízo é
desarraigar uma de suas partes. (BROWN, 2000, p. 437, 438) (grifo do autor)

Na acepção teológica do termo, a contraposição das partes (membros) com o todo


(corpo), revela a necessidade de uma sincronia entre as partes em benefício do todo.

Sem olvidar que esta ponderação é carregada de forte significado e valores teológicos
no emprego do termo, tem-se que, ao atribuir às partes do corpo – olhos e mãos –
potencialidades ofensivas ao todo, a solução apresentada por Jesus Cristo é no sentido de que,
em benefício do todo, é melhor que as partes viciadas fossem separadas de todo o conjunto, a
fim de que este pudesse subsistir.

Deve-se ressaltar que não era objetivo de Cristo ensinar a automutilação, ao contrário,
ao ensinar sobre o assunto demonstrou, numa perspectiva espiritual, que o todo que constitui o
corpo deve permanecer em harmonia por suas partes, de modo que o desequilíbrio causado por
qualquer uma destas, deve ser ultrapassado em benefício daquele.

Neste sentido parece ser a lição de Buber ao dizer que


Iríamos, porém, cometer um engano fundamental em relação à unificação da alma
caso entendêssemos por “alma” algo diferente de o homem inteiro, corpo e mente
juntos. A alma não está realmente unificada se não se trata de todas as forças do corpo,
todos os membros do corpo. Para Baal Schem, o versículo da Bíblia “Tudo o que te
vier à mão para fazer, faze-o conforme tuas forças” quer dizer que a tarefa que
fazemos deve ser feita com todos os membros, isto é, todo o ser do homem deve estar
envolvido, nada dele pode ficar de fora. O trabalho de um homem que se torna, desse
modo, uma unidade de corpo e alma é um trabalho coerente. (BUBER, 2011, p.28)

Extrai-se da lição de Buber a importância de “todo o ser do homem” estar envolvido nas
tarefas que lhe são atribuídas, objetivando, assim, uma prática consciente e integral.

Com isto, o referido autor evidencia que o “homem inteiro” não pode ser concebido sem
que seja considerado em todas as dimensões que o integram, pois tal fato tornaria mutilada a
própria natureza humana.

Daí decorreria, quiçá, o maior prejuízo experimentado pela experiência humana, qual
seja, a compreensão cismática das questões humanas, reduzidas às partes isoladas, sem
considerar o todo constituído.

Pelo que se observa através das lições colacionadas, hólos transmite a ideia daquilo que
interage de forma integrativa, não se trata simplesmente de uma totalidade cega, desconexa,
sem sentido. Ao contrário, diz respeito a uma totalidade inteligente, abrangente, complexa.

Esta totalidade inteligente se difere da ideia de “todo” em sua concepção holística em


contraposição ao reducionismo mutilador trazido pelo cientificismo, posto compreender que o
todo é mais do que a junção de suas partes ao considerar simultaneamente as partes isoladas e
integradas num todo complexo.

O que se pode verificar de início é que, o todo, aqui, assume uma característica aberta
que permite a dinamicidade relacional das partes que o constitui, de modo que cada uma destas
partes é modificada ao passo que modificantes no conjunto.

Sobre isto, Morin lança mão de um princípio denominado por ele de unitas multiplex.
Para o autor,

É preciso em primeiro lugar ser capaz de conceber a pluralidade no uno. Concebemos


facilmente que átomos se associam para formar uma molécula, que moléculas
associadas constituem macromoléculas, ao passo que ainda não alcançamos o nível
molecular das ideias, em que conceitos se associam em um macroconceito. (MORIN,
2016, v.1, p. 180)
Pelo que se observa, pode-se dizer que no uno integra-se a soma de suas partes
consideradas isoladamente, em suas particularidades e essência, jungidas no todo de forma
estrutural e integrativa, de modo ajustado e organizado.

Destacam-se, ainda, as reflexões de Petraglia acerca do pensamento complexo


elaborado por Morin, ao ensinar que “O todo é complexo, como as partes. E essa complexidade
está presente no cosmos, na vida e na ciência... É o que justifica os princípios da ordem,
desordem e da organização dos sistemas”. (PETRAGLIA, 1995, p. 100)

Percebe-se na lição de Petraglia a complexidade do todo em diversas esferas da vida


humana. Ao que parece, para a autora, o todo está presente em todas as dimensões, desde uma
perspectiva micro quanto macro.

Desta maneira, entende-se por hólos: o todo constituído por suas partes, assim
considerado em suas singularidades e, por meio delas, estruturado sistêmica, harmônica e
ordenadamente na construção do Uno.

Soma-se a esta noção preliminar a ideia de que o todo, embora reconhecido como uno,
pode se manifestar de forma múltipla, característica do todo complexo que ao passo em que
constitui sua essência é, também, constituído por elementos diversos, conforme se verá.

De igual modo, resta ainda buscar o significado de nómos em complemento ao hólos,


para que se possa compreender o justo significado de Holonomia nos moldes como fora
proposto para a presente pesquisa, justificando-se, assim, sua identificação nos moldes
estabelecidos.

De acordo com Taylor, nómos pode ser compreendido como:

Lei; (a) o Velho Testamento; (b) o Pentateuco; (c) o decálogo ou qualquer


mandamento do V. T.; (d) um princípio; “o poder de legislar, o sentimento de
legalidade, autoridade legisladora, [...]” (e) ordenança, mandamento; (f) [...] “a parte
ética da lei mosaica”. (TAYLOR, 1999. p. 143)

Em primeira análise verifica-se que o termo nómos, considerado o paradigma bíblico-


judaico, corresponde às leis dada ao Povo por Moisés, a fim de inculcar princípios e valores
essenciais para a vida em sociedade, exercidos pela recém formada “Israel”.

Tal compreensão revela-se importante para a formulação da ideia de lei, conforme se


verá de forma mais exaustiva no item 2 do trabalho. Por ora, resta apenas a tarefa de se definir
o termo nómos para a compreensão holonômica, porque a influência judaico-cristã no mundo
ocidental trouxe contribuições de ordem legislativa na organização e estruturação de diversos
povos.

Segundo Champlin, Poucos povos envolveram-se com a lei como os judeus, e a lei dos
hebreus é a legislação mais completa que tem sido preservada desde os tempos mais antigos.
(CHAMPLIN, 2008. p. 769, v.3)

Neste aspecto imperioso, faz-se a ponderação de que, no mundo organizado, o


paradigma normativo compreende os limites erigidos pelo Homem a fim de regular a vida
comum, determinando e sendo determinado pela ética, religião, sociedade, moral e por
costumes, objetivos e valores de determinado povo.

De início, verifica-se que o nómos não pode ser compreendido apenas pela Lei
positivada, transcrita em qualquer forma. Ao contrário, nómos, aqui, carrega o sentido de
conjunto de valores, princípios, paradigmas, vontades históricas, planejamento, ideias,
ponderações, formulações, teorias, a própria lei positivada, os costumes etc..

Nómos constitui-se num todo complexo que serve de fundamento para a construção da
própria sociedade; como dito, não se resume à expressão final da vontade coletiva ou individual,
por meio do comando escrito, ela vai além, englobando desde o mais íntimo pensamento até
sua concretização na esfera do mundo real.

A noção do nómos é sobretudo abrangente, considerando não apenas o aspecto jurídico


do termo, mas contemplando todas as dimensões da vida humana no construto do mundo real.

Considerando, assim, o caráter abrangente de nómos, tem-se, na esfera de convivência


dos humanos, a dimensão da conduta que, no desenrolar da história, estabelece os limites da
humanidade.

Neste sentido parece ser a lição de Bobbio ao dizer que,

Se nos distanciarmos por um momento do homem singular e considerarmos a


sociedade, ou melhor, as sociedades, dos homens, se deixarmos de nos referir à vida
do indivíduo e contemplarmos aquela vida complexa, tumultuada e sem interrupção
das sociedades humanas, que é a história, o fenômeno da normatividade nos aparecerá
de modo não menos impressionante e ainda mais merecedor da nossa reflexão. A
história pode ser imaginada como uma imensa torrente fluvial represada: as barragens
são as regras de conduta – religiosas, morais, jurídicas, sociais –, que detiveram a
corrente das paixões, dos interesses, dos instintos, dentro de certos limites, e que
permitiram a formação daquelas sociedades estáveis, com as suas instituições e com
os seus ordenamentos, que chamamos de “civilização”. [...] A história apresenta-se,
então, como um complexo de ordenamentos normativos que se sucedem, se
sobrepõem, se contrapõem, se integram. Estudar uma civilização do ponto de vista
normativo significa, afinal, perguntar-se quais ações foram, naquela determinada
sociedade, proibidas, quais ordenadas, quais permitidas; significa, em outras palavras,
descobrir a direção ou as direções fundamentais em que se conduzia a vida de cada
indivíduo. (BOBBIO, 2016. p. 26)

Conforme se extrai da lição supra colacionada, o paradigma da normatividade está


presente em todos os momentos da vida humana, seja ela de forma individual seja coletiva.

Ele se manifesta de forma volátil, em constante modulação, ampliação, redução; firma-


se por meio de princípios e fundamentos universais que permitem a segurança e, ao mesmo
tempo, a instabilidade de um frágil sistema que possui – ou que ao menos deveria possuir –
como fim comum o aperfeiçoamento daquilo que é Humano.

Por Humano, entende-se aquilo que diz respeito ao homem, o que é essencial à sua
subsistência; a natureza que o cerca, seus costumes, princípios, valores, história; tudo o que diz
respeito à sua existência, da forma mais abrangente e complexa existente; o mundo mutável
pela ação do homem.

Logo, chega-se à síntese de que nómos constitui e é constituído pelo paradigma


normativo, no sentido abrangente do termo, envolvendo suas peculiaridades, limitações,
alcance, profundidade, materialização, idealização; composto por suas múltiplas conexões,
interdependente, ao passo que autônomo; Lei em sua natureza ordenativa, que organiza, integra
e serve de estribo para a concretização das virtudes e vícios sociais e individuais.

Feitas essas sintéticas considerações, pode-se, agora, entender o significado do emprego


da expressão “holonômica” (hólos + nómos), a fim de se encontrar caminhos para uma
compreensão integrativa no/pelo/para/por meio do Direito, com o fim último da concretização
do Direito.

Da forma como proposto, estabelece-se que a busca de uma concepção holonômica do


Direito, traz em seu bojo a própria concepção do mundo em todas as suas dimensões, trilhando,
sob a luz da complexidade, um caminho integrativo e de múltiplas possibilidades.

Tem-se, assim, que uma possível concepção holonômica do Direito corresponde a


própria compreensão do Direito como fonte/ferramenta hábil que considera o Todo/Uno (hólos)
integrado por suas singularidades, particularidades, debilidades, virtudes e tudo o que lhe é
inerente; estabelecendo como estribo para as interações e locuções integrativas as Leis (nómos)
em seu sentido abrangente, podendo ser compreendidas aqui como o princípio orientador de
tudo que compreende o humano.

Deste modo, holonômica é a concepção complexa do todo Humano, constituído por suas
relações, individualidades, vícios, virtudes, acertos, erros, certezas, incertezas, clareza,
obscuridade, sucesso, fracasso, descobertas, redescobertas.

Que se materializa no mundo da vida por meio de sua dimensão política,


sistematicamente estruturada por seu conjunto normativo – que aqui tem sua aplicação
abrangente –, modificando significativamente as dimensões individuais e coletivas do Homem.

Tais modificações imprimem nas partes uma reprodução do todo. Neste sentido se
manifesta Morin acerca do princípio hologramático por ele desenvolvido e assim definido:

O princípio hologramático generalizado que formularemos aqui ultrapassa o limite da


imagem física construída por laser. Talvez se trate de um princípio cosmológico
essencial. De toda maneira, ele diz respeito à compexidade da organização viva, à
complexidade da organização cerebral e à complexidade socioantropológica. Pode-se
apresenta-lo assim: o todo está de certa maneira incluído (gravado) na parte que está
incluída no todo. A organização complexa do todo (holos) necessita da inscrição
(gravação) do todo (holograma) em cada uma das suas partes contudo singulares;
assim, a complexidade organizacional do todo necessita da complexidade das partes,
a qual necessita retroativamente da complexidade organizacional do todo. Cada parte
tem a sua singularidade, mas nem por isso representa puros elementos ou fragmentos
do todo; trata-se ao mesmo tempo de microtodos virtuais. (MORIN, 2015b, p. 114)
(grifo do autor)

A ideia do princípio hologramático trazida pelo autor revela a natureza do mundo


complexo que integra o todo. Ao que parece, ao se pensar o todo pelas lentes da complexidade,
revela-se impossível dissociar a parte do todo e, ao mesmo passo, compreender o todo
disjuntado de suas partes.

Este conceito revela a noção de que as partes e o todo se constituem à medida que vão
sendo constituído. Deste modo, o princípio hologramático faz prevalecer a sensação de que,
pela integralidade do todo, se compreendem as partes, e, pelas partes, pode-se ter noção do
todo. , Todavia, não se pode compreender o todo sem suas partes, nem as partes desvinculadas
do seu todo.

Portanto, vinculado ao princípio hologramático ensinado por Morin, tem-se que a


concepção holonômica do Direito corresponde à ideia de suas múltiplas conexões e integração
das partes que o constitui, considerando todos os aspectos intrínsecos e extrínsecos ao Homem
como partes de uma dinâmica integrativa, que visa sempre seu aperfeiçoamento, tendo como
instrumento as leis.

Não obstante, evidencia-se que a construção de uma concepção jurídico-antropológica


holonômica do Direito tem como objetivo compreender os fenômenos antropológicos e
jurídicos como um complexo do mundo da vida, de modo que, ao se contemplar as Leis, possa-
se ver não apenas as proposições jurídicas estabelecidas, mas, também, as origens de tais
proposições e os fins por elas pretendidos.

Vale dizer que a concepção jurídico-antropológica holonômica visa integrar nas


dimensões antropológica, jurídico-normativa e política, uma possível constituição inter-
relacionada de um todo complexo de organização social em favor do humano, permitindo
pensar assim, caminhos de concretização dos direitos.

Neste construto, objetivando o desenvolvimento da pesquisa, soma-se às lições aqui


trazidas, o estudo da complexidade e multidimensionalidade abordadas por Morin, de modo a
se buscar edificar possíveis caminhos consistentes no pensamento sistemático humanizador do
Direito, construído por uma concepção jurídico-antropológica holonômica.

3. O desafio da complexidade

A formulação de um conceito fixo acerca da complexidade, constitui tarefa difícil dada


a própria natureza da questão, conforme bem destacou Morin, expoente do pensamento
complexo.

Seguindo o raciocínio e as contribuições de Morin sobre o assunto, deve-se procurar


entender o que significa o problema da complexidade para ele, e o modo como o autor
compreende o mundo da vida pelas lentes da complexidade.

Para o autor,

[...] A um primeiro olhar, a complexidade é um tecido (complexus: o que é tecido


junto) de constituintes heterogêneas inseparavelmente associadas: ela coloca o
paradoxo do uno e do múltiplo. Num segundo momento, a complexidade é
efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações,
determinações, acasos, que constituem nosso mundo fenomênico. Mas então a
complexidade se apresenta como os traços inquietantes do emaranhado, do
inextricável, da desordem, da ambiguidade, da incerteza... Por isso o conhecimento
necessita ordenar os fenômenos rechaçando a desordem, afastar o incerto, isto é,
selecionar elementos da ordem e da certeza, precisar, clarificar, distinguir,
hierarquizar... Mas tais operações, necessárias à inteligibilidade, correm o risco de
provocar a cegueira, se elas eliminam os outros aspectos do complexus; e
efetivamente, como o indiquei, elas nos deixam cegos. (MORIN, 2011, p.13-14) (grifo
do autor)

Conforme ensina Morin, o desafio da complexidade engloba, em primeiro momento, a


constituição de elementos heterogêneos intrinsecamente interligados; em segundo momento,
compreende os acontecimentos do mundo fenomênico, palco das interações humanas.

Neste sentido, pode-se verificar que a questão da complexidade permite a compreensão


do mundo da vida de forma integrativa, englobando os indivíduos, os fenômenos, os construtos
sociais de seus elementos na organização do todo.

Não obstante, acrescenta que

Antes de mais nada devo dizer que a complexidade, para mim, é o desafio, não a
resposta. Estou em busca de uma possibilidade de pensar através da complicação (ou
seja, as infinitas inter-retroações), através das incertezas e através das contradições.
Eu absolutamente não me reconheço quando se diz que situo a antinomia entre a
simplicidade absoluta e a complexidade perfeita. Porque para mim, primeiramente, a
ideia de complexidade comporta a imperfeição, já que ela comporta a incerteza e o
reconhecimento do irredutível. (MORIN, 2011, p. 102)

Conforme se pode extrair das lições de Morin, a questão da complexidade se revela


como um desafio. Isso porque a ideia de complexidade admite e aceita aquilo que é
desconhecido, incompreensível, como parte de um todo que se organiza e reorganiza pela
constituição de suas partes.

Para Petraglia,

Complexidade é a qualidade do que é complexo. O termo vem do latim: complexus,


que significa o que abrange muitos elementos ou várias partes. É um conjunto de
circunstâncias, ou coisas interdependentes, ou seja, que apresentam ligação entre si.
Trata-se da congregação de elementos que são membros e partícipes do todo. O todo
é uma unidade complexa. E o todo não se reduz a mera soma dos elementos que
constituem as partes. É mais do que isto, pois cada parte apresenta sua especificidade
e, em contato com as outras, modificam-se as partes e também o todo. (PETRAGLIA,
1995, p.48)

Entende-se, da lição transcrita, que é complexa a visão do mundo real que engloba todos
os seus elementos constitutivos, positivos ou negativos, concretos ou abstratos, objetivos ou
subjetivos, individuais ou coletivos, etc., e, de forma paradoxal, permite o aperfeiçoamento do
todo e de suas partes.

Ao que parece, o pensamento complexo admite as inconsistências e obscuridades do


mundo da vida e, por intermédio das incertezas e do desconhecido, abre as portas para a
produção do novo conhecimento, ou ainda, de uma nova forma de pensar, de um sistema
integrativo.

Seguindo o entendimento de Morin, o pensamento complexo permite a compreensão a


partir do todo constituído por suas partes, bem como das partes individualmente consideradas
na construção do todo. Acerca disso, Morin estabelece o princípio da unitas multiplex ao
elucidar que

Não se saberia conferir ao sistema uma identidade substancial, clara, simples. O


sistema se apresenta primeiramente como unitas multiplex (Angyal, 1941), ou seja,
como paradoxo: considerado sob o ângulo do Todo, ele é uno e homogêneo;
considerado sob o ângulo dos constituintes, ele é diverso e heterogêneo. (MORIN,
2016, p. 134)

Pelo que se observa (conforme referido anteriormente) com base no princípio unitas
multiplex, tem-se a noção paradoxal do todo e de suas constituintes, de modo que, ao olhar para
o todo, tem-se a noção de homogeneidade, unicidade; ao olhar para as partes, vê-se que o todo
é também heterogêneo, diverso, em razão de suas partes; deste modo, o desafio da
complexidade comporta mais do que um único olhar, ele comporta o olhar em diversas direções.

Em continuidade, Morin ressalta que

A primeira e fundamental complexidade do sistema é, por um lado, associar nele


mesmo a ideia de unidade e, por outro, a de diversidade ou multiplicidade que, em
princípio, se repelem e se excluem. O que é preciso compreender são as características
da unidade complexa: um sistema é uma unidade global, não elementar, já que ele é
constituído de partes diversas e inter-relacionadas. É uma unidade original, não
original; dispõe de qualidades próprias e irredutíveis, mas deve ser produzido,
construído, organizado. É uma unidade individual, não indivisível: podemos
descompô-lo em elementos separados, mas nesse caso sua existência se decompõe. É
uma unidade hegemônica, não homogênea: é constituído de elementos diversos,
dotados de características próprias que ele detém em seu poder. (MORIN, 2016,
p.135)
Conforme se verifica, a complexidade se revela como um desafio em virtude de sua
natureza, pois, ao passo que engendra uma realidade una, admite também que esta mesma
realidade se manifesta de forma múltipla.

Daí se tem que o pensamento complexo pressupõe a diversidade. “O sistema é uma


unidade que decorre da diversidade, que liga a diversidade, que contém a diversidade, que a
organiza e que a produz”. (MORIN, 2016, p. 181)

De acordo com Araújo, verifica-se que “o tema complexidade e multidimensionalidade


são dois vocábulos que se permitem o jogo relacional, a saber: a complexidade é
multidimensional e a multidimensionalidade é complexa”. (ARAÚJO, 2000, p. 18,19)

Nesta seara, tem-se que a complexidade abrange múltiplas dimensões da existência


humana, de modo que não apenas como teoria ou conceito, mas como forma de compreensão
da realidade, admite o inexplicável e o inadmissível como novos caminhos.

Conforme ensina Morin,

Complexidade não é complicação. O que é complicado pode se reduzir a um princípio


simples como um emaranhado ou um nó cego. Certamente o mundo é muito
complicado, mas se fosse apenas complicado, ou seja, emaranhado, multidependente
etc., bastaria operar as reduções bem conhecidas: jogo entre alguns tipos de partículas
nos átomos, jogo entre 92 tipos de átomos nas moléculas, jogo entre quatro bases no
“código genético”, jogo entre alguns fenômenos na linguagem. Creio ter demonstrado
que esse tipo de redução, inteiramente necessária, torna-se cretinizante assim que se
torna suficiente, ou seja, pretende explicar tudo. O verdadeiro problema, portanto, não
é reduzir a complicação dos desenvolvimentos a regras básicas simples. A
complexidade está na base de tudo. (MORIN, 2016, p. 451-452) (grifo do autor)

Como se verifica na lição elencada, a questão da complexidade não pode ser resumida
ao status de complicação, pois o pensamento complexo não tem por fundamento a explicação
de tudo, mas, ao contrário, compreende até mesmo o inexplicável como inexplicável,
reconhecendo seu significado e importância na construção do todo complexo. (MORIN, 2011,
p. 103)

Neste sentido, as reflexões acerca da complexidade nos moldes estabelecidos por Morin,
revelam uma nova perspectiva que pode ser aplicada em todas as dimensões da vida humana.
Não obstante, soma-se a compreensão da complexidade à ideia de
multidimensionalidade. O pensamento complexo é também multidimensional, conforme se
verá no item subsequente. (MORIN, 2011, p. 77)

4. A questão da multidimensionalidade

Conforme o que se verificou no tópico antecedente, o pensamento complexo e a questão


da multidimensionalidade parecem se manifestar de forma consequente e vinculada uma a
outra, de modo que o pensamento complexo se revela multidimensional e a
multidimensionalidade se revela complexa.2

Sobre a questão se manifesta Morin ao asseverar que

O pensamento complexo visa à multidimensionalidade. Reconhece no vivo não só um


combinado de interações moleculares, uma rede informacional, um polianel
recorrente, uma máquina térmica, um sistema aberto, um autônomo dotado de um
computador, um aspecto e um momento de um processo auto(geno-feno-
ego)ecorreorganizador, mas também um ser, um indivíduo e um sujeito. (MORIN,
2015a, p. 401-402)

Vê-se na abordagem elaborada por Morin que o pensamento complexo comporta a


multidimensionalidade de suas constituintes, de modo que o olhar do todo por suas partes e das
partes em seu todo revela algo mais dinâmico e complexo do que a simples visão do todo ou de
suas partes.

Soma-se a esta compreensão, à título exemplificativo, a noção bíblica – o que se faz sem
fins de proselitismo – de igreja como corpo, conforme o apóstolo Paulo ensina à igreja que
existia na cidade de Corinto (1 Co 12.12).

No texto mencionado, tem-se a síntese da unidade pela multiplicidade dos membros do


corpo, que, no conjunto, constitui algo maior do que as próprias partes, sem, contudo, destituí-
las de suas singularidades.

Utilizando o exemplo do corpo humano, verifica-se que, na constituição do ser humano,


os diversos membros interligados por suas juntas, órgãos e sistemas, dão funcionalidade à
máquina biológica.

2
Conforme destacou Alan Ricardo de Souza Araújo, em sua Dissertação para obtenção do título de
Mestre em Educação, pode-se verificar que o pensamento complexo é também multidimensional, e a
multidimensionalidade é, também, complexa. (ARAÚJO, 2000, p.18,19)
Acrescenta-se a esta percepção, a ideia de que o humano não é apenas físico (dimensão
corporal), mas é também sentimento, alma, espírito, (dimensão espiritual); ao passo que se
identifica como ser individual, também se identifica na família e nas composições sociais
(dimensão social).

Não se pode disjuntar desta compreensão a ideia do múltiplo no uno; das partes
constituintes no todo constituído, numa dinâmica de constante troca de informações e
identificações do todo nas partes e vice-versa.

Deste modo, ao pensar o direito sob o prisma da holonomia, intrínseca à complexidade,


inevitavelmente o sujeito se depara com a questão da multidimensionalidade, o que, conforme
se verá, pode gerar relevantes avanços na busca da concretização dos direitos.

Acerca do tema, na perspectiva do conhecimento, leciona Morin que

Se a noção de conhecimento diversifica-se e multiplica-se quando a consideramos,


podemos legitimamente supor que comporta diversidade e multiplicidade. Desde
então, o conhecimento não seria mais passível de redução a uma única noção, como
informação, ou percepção, ou descrição, ou ideia, ou teoria; deve-se antes concebê-lo
com vários modos ou níveis, aos quais corresponde cada um desses termos. (MORIN,
2015b, p. 18)

Partindo do pressuposto da complexidade, Morin parece ensinar que o conhecimento se


diversifica e se multiplica, resultando num complexo múltiplo e diversificado, que incorpora de
forma abrangente as reflexões que permeiam a temática.

Soma-se a essa reflexão, o entendimento de que, sob a ótica da complexidade, (seja


acerca do conhecimento, acerca das noções antropológicas, ou de qualquer outra referência) as
reduções dão lugar à multiplicação de ideias.

Em complemento ao já encartado, ensina Morin que

Assim, todo acontecimento cognitivo necessita de conjunção de processos


energéticos, elétricos, químicos, fisiológicos, cerebrais, existenciais, psicológicos,
culturais, linguísticos, lógicos, ideais, individuais, coletivos, pessoais, transpessoais e
impessoais, que se encaixam um nos outros. O conhecimento é, portanto, um
fenômeno multidimensional, de maneira inseparável, simultaneamente físico,
biológico, cerebral, mental, psicológico, cultural, social. (MORIN, 2015b, p. 18)
Sob este prisma, considerando o conhecimento um fenômeno multidimensional, pode-
se inferir que, de igual modo, acerca do Direito, também é permitido refletir através da lente da
complexidade e multidimensionalidade.

Nessa seara, retoma-se a ideia de que uma compreensão integrativa do Direito e as


demais Ciências – traduzido aqui no princípio da holonomia – pode contribuir para uma melhor
e mais adequada compreensão e aplicação do Direito em favor do ser humano, de modo a se
buscar uma compreensão do Direito que permite a integração dos fenômenos humanos, os
conflitos sociais e suas resoluções, por meio de um sistema normativo que considera diversas
nuances do mundo da vida.

Nesse sentido, a busca de uma concepção holonômica do direito interliga-se


intimamente às noções da complexidade e multidimensionalidade do mundo da vida, de modo
a conduzir uma (nova) forma de pensar o próprio direito.

Considerações Finais

Diante das reflexões abordadas, pode-se verificar que as inquietações iniciais que deram
origem à presente pesquisa permitem construir uma estrutura de pensamento que contemple, de
forma complexa e multidimensional, os variados ramos da Ciência em combinação com a
Ciência do Direito.

Tal pensamento, opera por meio de uma concepção integrativa assim definida pelo
princípio holonômico, congregando em si peculiaridades complexas numa abordagem jurídico-
antropológica na formação do Estado Democrático de Direito.

Por esse prisma, procurou-se fundamentar a estrutura do pensamento construído nas


lições de Edgar Morin acerca de sua teoria da complexidade, com elementos variados do
Direito.

O modelo identificado exprime a necessidade de se compreender a dinâmica existencial


do que é humano, por um paradigma de (re)tomada de consciência capaz de
empreender/estimular uma metamorfose das bases existenciais da humanidade.

A abordagem reflete a busca pela compreensão do humano de forma individualizada,


pela identificação do homem integral (homo complexus); simultaneamente de forma coletiva,
pela autoafirmação do indivíduo e(m) sociedade; e, de igual modo, as estruturas de um modelo
de gestão que integra o individual e o coletivo como de existência interdependente.

Vislumbrou-se, ainda, a existência de múltiplas conexões que exprimem as mais


variadas manifestações humanas projetadas de modo multidimensional e complexo.

Considerou-se, em primeiro lugar, o emaranhado de situações e singularidades


constituintes da experiência humana no mundo da vida, de forma a se erigir um caminho
emancipador da humanidade através de um paradigma humanizado/humanizador do Direito.

É certo que as sociedades humanas, com suas características constituintes, em suas


diferenças e singularidades, caminham para uma ordem definida além dos limites nacionais,
culminando numa sociedade mundial de respeito e garantia dos direitos humanos fundamentais.

Se este parece ser o destino apontado por Edgar Morin – dentre outros pensadores como:
Miguel Reale, Jurgüen Habermas, Peter Härbele, Norberto Bobbio, Paulo Bonavides, José
Afonso da Silva, Ingo W. Sarlet, etc. –, tem-se que o primeiro passo para que esta “profecia”
se convalide seja a garantia da concretização dos direitos fundamentais em favor do Homem.

Por tais razões, verifica-se que as hipóteses suscitadas inicialmente foram confirmadas
de modo a tornar possível a concretização dos direitos através do pensamento que possibilite a
compreensão do Direito numa perspectiva complexa e multidimensional.

Tal concepção, quiçá, pode contribuir para o estabelecimento de novos paradigmas que
congregam em si elementos constituintes das variadas áreas do conhecimento e experiência
humana, nos moldes apresentados no trabalho.

Vale reiterar que a presente pesquisa não buscou esgotar as vias investigativas acerca
da temática perscrutada; ao contrário, verificou-se que tal abordagem apenas aponta o início de
uma reflexão mais ampla e, quiçá, inovadora no modo de se compreender o Direito,
evidenciando-se, a cada momento, uma nova descoberta que remete para o desconhecido.

Deste modo, pode-se definir que a estrutura do pensamento apresentado identifica a


necessidade de se contemplar o mundo da vida em suas múltiplas conexões, tendo como
paradigma axiológico o fator humano como causa e efeito de uma abordagem
humanizada/humanizadora do Direito, sob a égide da Dignidade da Pessoa Humana como
princípio norteador da plenificação da humanidade universal.
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