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Law and Complexity: an integrative view of science in favor of the human being.
Resumo
Abstract
This work follows the paths of bibliographic research, having as its investigative axis the
relationship between Law and other sciences, based on Edgar Morin's Complexity Theory. It
starts with the assumption that the sciences are part of a complex structure of human knowledge,
so that a multidimensional understanding of these could contribute to a better application of
Law – as a legal science. The research objectives are the search for elements that demonstrate
(or not) the possibility of integrating science in favor of the human. Also, to elucidate terms and
concepts that are essential for this complex and multidimensional understanding, as well as to
establish, through the adopted references, instruments for understanding this complexity and
multidimensionality. It is believed that this possible way of understanding the Law can
1 Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Módulo (2014), Mestre em Direito pelo UNISAL/ Lorena
(2018) e Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São
Paulo-SP, Brasil, advogado e professor universitário, e-mail: moaci.netoadv@gmail.com.
contribute to a re-reading of the hermeneutical foundations and, more than that, an efficient
way of applying the Law, in a way that contemplates the human being in a complete way. In
this sense, by reviewing the adopted literature, it can be seen that an integrative understanding
(complex and multidimensional) provides elements that can contribute to an efficient
application of the Law and, consequently, a greater effectiveness of legal norms. It is
noteworthy that the present research does not aim to exhaust the matter, but only and solely to
highlight initial elements for possible improvement and complementation of it.
Introdução
O presente trabalho busca possíveis caminhos para uma reflexão humanizada sobre as
questões do Direito, tendo como referência a complexidade inerente ao mundo da vida,
manifestada através dos variados ramos da Ciência.
Não se pode olvidar que pensar o Direito disjungido do Homem Integral – Identificado
por Morin (2016) como homo complexus (homo sapiens demens), e por Reale (1994) como
valor-fonte do Direito; – implica num distanciamento substancial entre a realidade fática e a
abstração normativa.
Neste sentido, objetivando a construção formal da pesquisa, o trabalho será estruturado
em quatro itens que – interligados – buscarão erigir, sob os fundamentos da complexidade e
multidimensionalidade, a estrutura do tema proposto.
Com esse fim, no primeiro item, identificado como “A humanidade pela lente do
Direito”, buscou-se elementos que introduzissem a reflexão, estabelecendo-se conceitos
indispensáveis para compreensão do tema proposto, em especial, a necessidade de se adotar
uma abordagem integrativa. No segundo item, objetivou-se construir um conceito jurídico de
integralidade da concepção humana, traduzido no princípio da holonomia (holos + nómos).
Para tanto, partiu-se de uma abordagem conceitual e semântica para a construção do conceito.
No terceiro item, procurou-se desenvolver o tema da complexidade com base na teoria
difundida por Edgar Morin, estabelecendo-se um elo entre as ciências na busca pela
concretização do Direito. No derradeiro item, evidenciou-se a questão da
multidimensionalidade, demonstrando-se a complexidade do mundo da vida numa perspectiva
científica, em que o Direito pode/deve ser relacionado a outros ramos da Ciência, objetivando
a efetividade das normas jurídicas em favor do ser humano.
Imperioso destacar que a pesquisa não tem a pretensão de esgotar o tema proposto, até
porque seria, quiçá, impossível fazê-lo, quer pela própria natureza do assunto, quer pela
natureza do trabalho. O que se espera, é poder encontrar os fundamentos pretendidos,
contribuindo, assim, para o desenvolvimento da ciência jurídica com toda humildade e amor ao
conhecimento, suplicando ao Supremo Ser a dádiva da Sabedoria.
Como reflexão inaugural para a elaboração da presente pesquisa, toma-se nota da ideia
sobre a questão humana apresentada por Edgar Morin em sua obra “A cabeça bem-feita:
repensar a reforma, reformar o pensamento”:
Conhecer o humano não é separá-lo do Universo, mas situá-lo nele. Como vimos [...],
todo conhecimento, para ser pertinente, deve contextualizar seu objeto. “Quem somos
nós?” é inseparável de “Onde estamos, de onde viemos, para onde vamos?”. Pascal já
nos havia situado, corretamente, entre dois infinitos, o que foi amplamente
confirmado no século XX pela dupla evolução da Microfísica e da Astrofísica.
Conhecemos hoje nosso duplo enraizamento: no cosmo físico e na esfera viva.
(MORIN, 2014, p. 37)
Compreender quem é o homem e onde está situado parece ser tarefa pertinente também
ao Direito, pois a questão da humanidade, conforme se verá, não pode ser mutilada ou
disjungida de uma percepção do mundo da vida sem as lentes da humanidade.
Partindo das inquietações que deram origem a pesquisa sob o tema, alguns vocábulos e
expressões merecem desdobramentos iniciais para que sejam melhores aplicados e conduzam
à ideia norteadora da pesquisa.
Tais noções de natureza propedêutica podem demonstrar com maior clareza o que se
pretende alcançar com o objeto do presente trabalho, de modo que, ao se elencar certas
terminologias específicas, sem as devidas explicações, ficariam desconexas com a proposta.
Neste sentido, explanar-se-á sobre o que se pode entender por concepção holonômica,
para, posteriormente, incluir definições sobre o estudo da complexidade e do
multidimensionalismo a partir das lições de Morin.
Por tal razão, revela-se imprescindível, ao menos em primeiro momento, tecer o pano
de fundo que servirá de base para os desdobramentos formulados neste artigo.
Sem a presunção de esgotamento da temática, quer seja pela natureza do trabalho e pela
inesgotável fonte sobre os assuntos abordados, quer seja pela limitação temporal, ou por
quaisquer outras razões, as reflexões apresentadas se limitarão apenas em fornecer dados
essenciais para a pesquisa.
Deste modo, partindo do trabalho proposto por Morin acerca do pensamento complexo,
tem-se a noção trazida por ele a inspirado pelo pensamento de Pascal, no sentido de que
Como dizia Pascal: “Considero impossível conhecer as partes enquanto partes sem
conhecer o todo, mas não considero menos impossível a possibilidade de conhecer o
todo sem conhecer singularmente as partes”. A frase de Pascal nos envia à necessidade
dos vaivéns que correm o risco de gerar um círculo vicioso, mas que podem constituir
um circuito produtivo como num movimento da naveta que tece o desenvolvimento
do pensamento. (MORIN, 2011, p.103) (grifo do autor)
Pelo que se observa, a relação entre o todo e suas partes revela uma dinâmica não
estável, todavia em constante (des)estabilização, assim compreendido através do pensamento
complexo por ele defendido.
Sob este fundamento, tem-se por objetivo buscar elementos que tornem mais claros o
significado de uma concepção holonômica do Direito, nos termos empregados nesta pesquisa,
evidenciando-se a sincronia das partes no todo, e do todo por suas partes.
Em primeiro momento, deve-se buscar considerar, de início e de forma pontual, que se
pode verificar a partir do termo “Holonômico” a junção de dois vocábulos gregos, a saber: hólos
+ nómos.
“Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti; pois te convém que se
perca um dos teus membros (melōn), e não seja todo o teu corpo lançado no inferno
(Geena, Gr. geenan). E se a tua mão direita te faz tropeçar, corta-a e lança-a de ti; pois
te convém que se perca um dos teus membros (melōn) e não vá todo o teu corpo para
o inferno (Geena, Gr. geenan)” (Mt 5:29-30). Jesus claramente não pretendia que os
ditados fossem entendidos literalmente. Aplicam-se às funções malignas para as quais
o olho e a mão podem ser instrumentos. São aquelas que devem cessar. Não é o olho
e a mão, mas o olhar concupiscente e o ato malicioso que têm de ser cortados. Isto
significa que o pecado do homem tem de ser desarraigado, a fim de que seu corpo (i.é,
a totalidade de sua pessoa) seja salvo no juízo. Não há sinal aqui da ideia grega da
perfeição como sendo o número completo dos membros em sua inteireza. Pelo
contrário, a única maneira de se salvar o corpo todo (holon to sōma) do juízo é
desarraigar uma de suas partes. (BROWN, 2000, p. 437, 438) (grifo do autor)
Sem olvidar que esta ponderação é carregada de forte significado e valores teológicos
no emprego do termo, tem-se que, ao atribuir às partes do corpo – olhos e mãos –
potencialidades ofensivas ao todo, a solução apresentada por Jesus Cristo é no sentido de que,
em benefício do todo, é melhor que as partes viciadas fossem separadas de todo o conjunto, a
fim de que este pudesse subsistir.
Deve-se ressaltar que não era objetivo de Cristo ensinar a automutilação, ao contrário,
ao ensinar sobre o assunto demonstrou, numa perspectiva espiritual, que o todo que constitui o
corpo deve permanecer em harmonia por suas partes, de modo que o desequilíbrio causado por
qualquer uma destas, deve ser ultrapassado em benefício daquele.
Extrai-se da lição de Buber a importância de “todo o ser do homem” estar envolvido nas
tarefas que lhe são atribuídas, objetivando, assim, uma prática consciente e integral.
Com isto, o referido autor evidencia que o “homem inteiro” não pode ser concebido sem
que seja considerado em todas as dimensões que o integram, pois tal fato tornaria mutilada a
própria natureza humana.
Daí decorreria, quiçá, o maior prejuízo experimentado pela experiência humana, qual
seja, a compreensão cismática das questões humanas, reduzidas às partes isoladas, sem
considerar o todo constituído.
Pelo que se observa através das lições colacionadas, hólos transmite a ideia daquilo que
interage de forma integrativa, não se trata simplesmente de uma totalidade cega, desconexa,
sem sentido. Ao contrário, diz respeito a uma totalidade inteligente, abrangente, complexa.
O que se pode verificar de início é que, o todo, aqui, assume uma característica aberta
que permite a dinamicidade relacional das partes que o constitui, de modo que cada uma destas
partes é modificada ao passo que modificantes no conjunto.
Sobre isto, Morin lança mão de um princípio denominado por ele de unitas multiplex.
Para o autor,
Desta maneira, entende-se por hólos: o todo constituído por suas partes, assim
considerado em suas singularidades e, por meio delas, estruturado sistêmica, harmônica e
ordenadamente na construção do Uno.
Soma-se a esta noção preliminar a ideia de que o todo, embora reconhecido como uno,
pode se manifestar de forma múltipla, característica do todo complexo que ao passo em que
constitui sua essência é, também, constituído por elementos diversos, conforme se verá.
Segundo Champlin, Poucos povos envolveram-se com a lei como os judeus, e a lei dos
hebreus é a legislação mais completa que tem sido preservada desde os tempos mais antigos.
(CHAMPLIN, 2008. p. 769, v.3)
De início, verifica-se que o nómos não pode ser compreendido apenas pela Lei
positivada, transcrita em qualquer forma. Ao contrário, nómos, aqui, carrega o sentido de
conjunto de valores, princípios, paradigmas, vontades históricas, planejamento, ideias,
ponderações, formulações, teorias, a própria lei positivada, os costumes etc..
Nómos constitui-se num todo complexo que serve de fundamento para a construção da
própria sociedade; como dito, não se resume à expressão final da vontade coletiva ou individual,
por meio do comando escrito, ela vai além, englobando desde o mais íntimo pensamento até
sua concretização na esfera do mundo real.
Por Humano, entende-se aquilo que diz respeito ao homem, o que é essencial à sua
subsistência; a natureza que o cerca, seus costumes, princípios, valores, história; tudo o que diz
respeito à sua existência, da forma mais abrangente e complexa existente; o mundo mutável
pela ação do homem.
Deste modo, holonômica é a concepção complexa do todo Humano, constituído por suas
relações, individualidades, vícios, virtudes, acertos, erros, certezas, incertezas, clareza,
obscuridade, sucesso, fracasso, descobertas, redescobertas.
Tais modificações imprimem nas partes uma reprodução do todo. Neste sentido se
manifesta Morin acerca do princípio hologramático por ele desenvolvido e assim definido:
Este conceito revela a noção de que as partes e o todo se constituem à medida que vão
sendo constituído. Deste modo, o princípio hologramático faz prevalecer a sensação de que,
pela integralidade do todo, se compreendem as partes, e, pelas partes, pode-se ter noção do
todo. , Todavia, não se pode compreender o todo sem suas partes, nem as partes desvinculadas
do seu todo.
3. O desafio da complexidade
Para o autor,
Antes de mais nada devo dizer que a complexidade, para mim, é o desafio, não a
resposta. Estou em busca de uma possibilidade de pensar através da complicação (ou
seja, as infinitas inter-retroações), através das incertezas e através das contradições.
Eu absolutamente não me reconheço quando se diz que situo a antinomia entre a
simplicidade absoluta e a complexidade perfeita. Porque para mim, primeiramente, a
ideia de complexidade comporta a imperfeição, já que ela comporta a incerteza e o
reconhecimento do irredutível. (MORIN, 2011, p. 102)
Para Petraglia,
Entende-se, da lição transcrita, que é complexa a visão do mundo real que engloba todos
os seus elementos constitutivos, positivos ou negativos, concretos ou abstratos, objetivos ou
subjetivos, individuais ou coletivos, etc., e, de forma paradoxal, permite o aperfeiçoamento do
todo e de suas partes.
Pelo que se observa (conforme referido anteriormente) com base no princípio unitas
multiplex, tem-se a noção paradoxal do todo e de suas constituintes, de modo que, ao olhar para
o todo, tem-se a noção de homogeneidade, unicidade; ao olhar para as partes, vê-se que o todo
é também heterogêneo, diverso, em razão de suas partes; deste modo, o desafio da
complexidade comporta mais do que um único olhar, ele comporta o olhar em diversas direções.
Como se verifica na lição elencada, a questão da complexidade não pode ser resumida
ao status de complicação, pois o pensamento complexo não tem por fundamento a explicação
de tudo, mas, ao contrário, compreende até mesmo o inexplicável como inexplicável,
reconhecendo seu significado e importância na construção do todo complexo. (MORIN, 2011,
p. 103)
Neste sentido, as reflexões acerca da complexidade nos moldes estabelecidos por Morin,
revelam uma nova perspectiva que pode ser aplicada em todas as dimensões da vida humana.
Não obstante, soma-se a compreensão da complexidade à ideia de
multidimensionalidade. O pensamento complexo é também multidimensional, conforme se
verá no item subsequente. (MORIN, 2011, p. 77)
4. A questão da multidimensionalidade
Soma-se a esta compreensão, à título exemplificativo, a noção bíblica – o que se faz sem
fins de proselitismo – de igreja como corpo, conforme o apóstolo Paulo ensina à igreja que
existia na cidade de Corinto (1 Co 12.12).
2
Conforme destacou Alan Ricardo de Souza Araújo, em sua Dissertação para obtenção do título de
Mestre em Educação, pode-se verificar que o pensamento complexo é também multidimensional, e a
multidimensionalidade é, também, complexa. (ARAÚJO, 2000, p.18,19)
Acrescenta-se a esta percepção, a ideia de que o humano não é apenas físico (dimensão
corporal), mas é também sentimento, alma, espírito, (dimensão espiritual); ao passo que se
identifica como ser individual, também se identifica na família e nas composições sociais
(dimensão social).
Não se pode disjuntar desta compreensão a ideia do múltiplo no uno; das partes
constituintes no todo constituído, numa dinâmica de constante troca de informações e
identificações do todo nas partes e vice-versa.
Considerações Finais
Diante das reflexões abordadas, pode-se verificar que as inquietações iniciais que deram
origem à presente pesquisa permitem construir uma estrutura de pensamento que contemple, de
forma complexa e multidimensional, os variados ramos da Ciência em combinação com a
Ciência do Direito.
Tal pensamento, opera por meio de uma concepção integrativa assim definida pelo
princípio holonômico, congregando em si peculiaridades complexas numa abordagem jurídico-
antropológica na formação do Estado Democrático de Direito.
Se este parece ser o destino apontado por Edgar Morin – dentre outros pensadores como:
Miguel Reale, Jurgüen Habermas, Peter Härbele, Norberto Bobbio, Paulo Bonavides, José
Afonso da Silva, Ingo W. Sarlet, etc. –, tem-se que o primeiro passo para que esta “profecia”
se convalide seja a garantia da concretização dos direitos fundamentais em favor do Homem.
Por tais razões, verifica-se que as hipóteses suscitadas inicialmente foram confirmadas
de modo a tornar possível a concretização dos direitos através do pensamento que possibilite a
compreensão do Direito numa perspectiva complexa e multidimensional.
Tal concepção, quiçá, pode contribuir para o estabelecimento de novos paradigmas que
congregam em si elementos constituintes das variadas áreas do conhecimento e experiência
humana, nos moldes apresentados no trabalho.
Vale reiterar que a presente pesquisa não buscou esgotar as vias investigativas acerca
da temática perscrutada; ao contrário, verificou-se que tal abordagem apenas aponta o início de
uma reflexão mais ampla e, quiçá, inovadora no modo de se compreender o Direito,
evidenciando-se, a cada momento, uma nova descoberta que remete para o desconhecido.
BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. 6.ed. São Paulo: Edipro, 2016.
CHAMPLIN, Russell Norman. Enciclopédia de bíblia, teologia e filosofia. 9.ed. 6v. São
Paulo: Hagnos, 2008.
______. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 21ª ed. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2014.
RAMPAZZO, Lino. Antropologia: religiões e valores cristãos. São Paulo: Paulus, 2014.
REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1994.
TAYLOR, William Carey. Dicionário do Novo Testamento grego. Rio de Janeiro: JUERP,
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