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Filosofia do Direito e Metodologia Jurídica I. 1º Ano, 2023-2024, I SEM.

Sobre o
Conceito de Filosofia do Direito.
Texto I. “O objecto de toda a filosofia é a interpretação da existência humana, e a sua tarefa consiste propriamente em mostrar ao
homem, qual é e onde está o sentido da sua vida. Como se compreenderá, os pontos de partida dos distintos filósofos para a realização
dessa tarefa têm sido diversos: pode ser a consideração da estrutura da natureza ou da sua evolução como em muitos sistemas
filosóficos da Antiguidade ou na filosofia vitalista de Henri Bergson (1859-1941); pode ser a pessoa humana e a sua aspiração à
felicidade, como na moral antiga, ou seus laços morais como no sistema de Kant (1724-1804); pode ser também o processo histórico,
como ocorre em Hegel (1770-1831), em Marx (1818-1883), e na filosofia positivista de Augusto Comte (1798-1857), mas o objetivo
final é sempre o mesmo. Há todavia, um outro elemento, que liga os diversos sistemas filosóficos, a saber, o ponto de partida da sua
interpretação do mundo, que é o saber e o conhecimento (...) O fundamento da interpretação filosófica é o autoconhecimento do
homem e do mundo que o rodeia (neste caso, o conhecimento e a interpretação da vida em sociedade).
Texto II. A filosofia do direito tem em comum com a filosofia geral, a natureza fundamental da sua problemática; ela pretende
também, em última instância, proceder a uma interpretação e obter desta fins para a ação. Mas, diferentemente da filosofia geral, a
filosofia do direito abarca somente uma secção muito reduzida do mundo do homem. Seu objecto não é todo o ser humano, mas
somente as ordens sociais, que o homem dá a si mesmo (...); à filosofia do direito só interesse o macrocosmos da vida social... É
inimaginável uma filosofia do direito que careça do fundamento de uma filosofia geral; em última instância, a filosofia do direito e
filosofia tem que coincidir. A tarefa específica da filosofia do direito não pode consistir senão em estabelecer uma ligação entre
o seu especial objecto - a ordem jurídica – e a filosofia. Tem que analisar os seus problemas especiais a partir de um
determinado âmbito da vida e levá-los até ao ponto em que esses problemas adquirem uma dimensão filosófica. Seu papel é,
pois, o de mediação entre um determinado sector da atividade humana e a interpretação geral da vida do homem. Nesse
sentido, assemelha-se à filosofia da arte, à filosofia da técnica, e a outros âmbitos análogos da reflexão humana, dotados de funções
mediadoras. Esta mediação é necessária, porque a vida jurídica mostra possuir uma legalidade própria, característica e exclusiva, e
dá lugar a uma problemática especial (questões filosóficas da vida jurídica - justiça, lei, direito – ordem obrigatória nas relações
sociais, normas, validade, jurisprudência - ciência do conhecimento do direito como fenómeno da vida social humana com as suas
normas e seus respetivos significados, ordenamento jurídico, forma temporal), e as interações entre a filosofia e o direito, que não
pode ser alcançada por simples deduções a partir de premissas filosóficas (...) Subjectivamente falando, essa disciplina deve levar o
jurista desde o seu trabalho profissional até ao ponto em que se encontra perante as questões básicas da vida e sobre as quais deve
tomar decisões espirituais (conhecer, interpretar, avaliar...), e deve descobrir para o filósofo a problemática do objecto, que espera a
interpretação filosófica. Com isso fica também indicado o especial valor educativo da filosofia do direito (...) Uma disciplina como
esta pode ser acolhida a partir de dois pontos de vistas: 1º - pode-se considerar os problemas do direito partindo de uma determinada
interpretação filosófica...; 2º - Mas pode também obter o seu ponto de partida na contemplação mesma do direito, pondo-se em
marcha até às questões filosóficas. Para cumprir a sua tarefa procedendo dessa segunda maneira, tem que conseguir duas coisas: antes
de mais, compreender o fenómeno do direito nos seus traços essenciais e permanentes, e mostrar logo em que momento esse fenómeno
vital, entra em contacto com outros fenómenos capitais da vida humana, e de que modo o faz. Procedendo assim, a filosofia do
direito (considerações filosófico-jurídicas sobre os fenómenos primitivos e originários da coexistência humana) acabará por deparar
com as questões fundamentais sucitadas pelo ser humano, questões que sempre constituem o tema do pensamento filosófico”.
COING, Helmut (2000). Fundamentos de Filosofia Del Derecho, Cap. 1: Filosofia y Filosofia del Derecho, pp. 7-13.
Texto III. “O exemplo dos conceitos “forma (fator de um objeto que produz sua unidade e sua ordem) e matéria (aquilo que resta
quando subtraímos, intelectualmente, a forma de um objeto de conhecimento)” já demonstra, porém, a importância do esclarecimento
quanto à perspectiva a partir da qual observamos um objeto. Esse é o motivo porque o pensar sobre o Direito precisa, primeiramente,
entender-se consigo mesmo: esta é a tarefa do primeiro capítulo “Conceito de Filosofia do Direito”. Ao final, será sugerido um
conceito de Filosofia do Direito. Ela compreende a teoria da Ciência do Direito, a Teoria do Direito e a Ética do Direito.
Correlativamente, examinaremos, no segundo capítulo, se e em que medida a Ciência do Direito é uma ciência. Será demonstrado
que, para tanto, o seu procedimento metodológico é decisivo. Apenas quando as especificidades metodológicas do Direito se tornam
claras, podemos nos dedicar a este objeto com a pergunta: o que é, realmente, o Direito? Este é o tema da Teoria do Direito, que
compõe o terceiro capítulo. No final do capítulo “Teoria do Direito”, encontra-se um conceito de Direito. Determinante para ele é,
em primeiro lugar, que o Direito é constituído por normas; em segundo lugar, que essas normas não são formuladas por meio de
quaisquer processos, mas em processos ordenados; finalmente, em terceiro lugar, que a aplicação compulsória dessas normas,
quando alguém que está obrigado a observá-las não basear sua conduta nelas, tem lugar em um processo igualmente ordenado. E a
justiça? Por mais legítima que seja essa questão, deve ser esclarecido se ela é uma questão moral ou jurídica. Em outras palavras, o
Direito injusto deixa de ser Direito, ou ele é apenas um Direito ruim, mas ainda assim Direito, o qual, de acordo com a situação,
também deve ser observado e pode ser aplicado compulsoriamente em caso de não-observância? Também esta questão só pode ser
respondida com base no conceito de Direito. O Direito moderno preenche, de fato, diversas exigências da justiça. Revelar os
princípios fundamentais dessa justiça, do modo como eles estão contidos no Direito positivo, é a tarefa da Ética do Direito, que será
trabalhada no último capítulo. Somente quando o conteúdo do Direito – como o filósofo idealista Georg Wilhelm Friedrich Hegel
(1770-1831) o denomina – também houver sido trazido ao conceito, teremos cumprido a tarefa da Filosofia do Direito, que consiste
em compreender o que é o Direito”. KIRSTE, Stephan (2018). Introdução à Filosofia do Direito, tradução de Paula Maria Nasser
Cury – Belo Horizonte: Editora D’Plácido, pp. 31-32.

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