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SONHOS DE DOM BOSCO: ASPECTOS PEDAGÓGICOS, ESPIRITUAIS E PASTORAIS1

Deusa do Carmo Stippe Sobral2

Brasdorico Merqueades dos Santos3

RESUMO

Os sonhos estão presentes na História da Igreja desde o Antigo Testamento onde são apresentados como
uma forma que Deus pode usar para falar com seu povo. São estudados também pela psicanálise em
livros de Sigmund Freud, Carl Gustav Jung. De acordo com Freud os sonhos são cargas emocionais
armazenadas no inconsciente, que projetam imagens e sons, podemos através deles chegar à raiz ou seja
as emoções que geraram essa imagem ou som. Para os Salesianos eles tem um sentido muito significante,
pois são narrados várias vezes durante a vida nosso Pai e Mestre São João Bosco. O primeiro relato de
um sonho acontece quando Dom Bosco tinha apenas 9 anos. Um sonho rico em conteúdo e cujo
significado muito influenciou na Pedagogia Salesiana e no percurso e caminhada de sua Congregação.
Foram inúmeros sonhos contatos aos jovens durante toda a sua vida sempre com algum significado e
motivo de reflexão. Hoje lendo estes sonhos e como eles foram apresentados podemos concluir que
mesmo sem a intenção eles certamente podem ser uma importante ferramenta pedagógica.O objetivo
desta pesquisa é relacionar a importância e o significado dos sonhos dentro da psicanálise e trazer estes
conceitos no estudo dos de Dom Bosco. Destacar a importância dos mesmos no desenvolvimento de
toda a sua obra e Sistema educativo. Para descrever sobre o assunto realizei uma pesquisa bibliográfica.

PALAVRAS-CHAVE: 1 Sonho. 2 Profético. 3 Educação. 4 Amor.

_________________________

INTRODUÇÃO

O sonho é uma experiência que possui significados distintos se for ampliado em um


debate que envolva religião, ciência e cultura. Para a ciência, é uma experiência de imaginação
do inconsciente durante nosso período de sono. Para Freud, os sonhos noturnos são gerados, na
busca pela realização de um desejo reprimido4. Recentemente, descobriu-se que até os bebês
no útero têm sono REM (movimentos rápidos dos olhos) e sonham, mas não se sabe com o quê.

1
Trabalho de Conclusão de Curso de Pós-graduação Lato Sensu em Salesianidade modalidade Educação à
Distância da Universidade Católica Dom Bosco Virtual
2
Farmacêutica Industrial pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas e Bioquímicas Oswaldo Cruz, pós-graduada
em Homeopatia e Fitoterapia. E-mail: dcssobral@globo.com
3
Prof. De Humanidades I e II e Coordenador da Pós em Salesianidade (UCDB). Me. em Educação, Pós-graduado
em Metodologia do Ensino Superior, em EAD e em Salesianidade. Graduado em Filosofia e Teologia. Orientador
de TCC. bras@ucdb.br.
4
FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos. Rio de Janeiro: Imago, 1999.
2

Em diversas tradições culturais e religiosas, o sonho aparece revestido de poderes premonitórios


ou até mesmo de uma expansão da consciência.
Falar sobre sonho e o que ele significa na vida das pessoas, como elas interpretam,
se acreditam que eles tenham algum significado direto em suas vidas, se podem ser
considerados uma premunição é entrar em uma área que para muitos é extremamente nebulosa.
Alguns têm uma visão causalista, isso é, enxergam que todos os conteúdos dos sonhos são
causados por experiências anteriores, desejos e traumas. Seus sonhos podem estar falando de
desejos. Para Freud, todo sonho tem um significado que se liga a uma realização de um desejo
reprimido pela sua consciência.
O sonho é um mecanismo natural que permite aos seres humanos restaurar a energia
física e reorganizar a vida psíquica. Todos sonhamos embora nem sempre nos lembremos dos
sonhos. Algumas vezes eles carecem de unidade lógica, de clareza em seus conteúdos e
mensagens. Apresentam-se como fenômenos autônomos da intencionalidade daquele que
sonha.
Para a psicanálise, pode revelar desejos e traumas ou outros elementos presentes
em nosso inconsciente. ... Esses desejos ficam, então, recalcados ou reprimidos e vêm à tona
quando sonhamos. Isso porque quando dormimos nossa mente relaxa e que o inconsciente tem
maior autonomia em relação ao nosso consciente. O sonho pode ser o "espaço para realizar
desejos inconscientes reprimidos".
Para Jung, o sonho “não é de modo algum uma mistura confusa de associações
casuais e desprovidas de sentido. [...] é um produto autônomo e muito importante da atividade
psíquica”5. Ele “retrata a situação interna do sonhador, cuja verdade e realidade o consciente
reluta em aceitar ou não aceitar de todo”. O sonho retrata a verdade e a realidade interiores
exatamente “como expressão de um processo inconsciente, alheio à vontade e longe do controle
da consciência, representando “a verdade e a realidade interiores exatamente com elas são [...]
simplesmente porque é assim”
Na Bíblia os sonhos são apresentados como uma forma que Deus pode usar para
falar com seu povo. Nem todos os sonhos têm significado, mas alguns sonhos especiais vêm de
Deus. Várias pessoas na Bíblia tiveram sonhos de Deus.

5
Carl Gustav Jung, “A análise dos sonhos”. In: Freud e a psicanálise. Obras completas de Carl Gustav Jung. Vol.
4. Petrópolis, Vozes, 1989.
3

Este tema também aparece entre os elementos da vida de Dom Bosco que mais
provocam curiosidade e interesse das pessoas. Padre João Batista Lemoyne6 descreve em
Memórias Bibliográficas de São João Bosco:
A palavra sonho e Dom Bosco são correlativos. É deveras admirável a repetição
desse fenômeno durante setenta anos. [...] A vida de Dom Bosco é uma trama
de sonhos tão maravilhosos, que não se compreende sem a assistência divina
direta. Fica, pois, de todo em todo excluída a ideia de que houvesse sido um
estulto, um iludido, um enganador ou um vaidoso. Os que viveram a seu lado
durante trinta, quarenta anos jamais viram nele o menor sinal de querer
conquistar o apreço dos seus fazendo-se passar por um privilegiado com dotes
sobrenaturais. Dom Bosco era humilde, e a humildade aborrece a mentira. ¹
Dom Bosco por esta marcante humildade nunca demonstrou a pretensão de ser um
favorecido por Deus com dons sobrenaturais. A palavra “sonho” nos seus relatos na maioria
dos casos referia-se à exposição de material onírico. “Outras vezes são apólogos, parábolas,
meios enfim de tornar clara e interessante a apresentação de ensinamentos diversos
“(FERREIRA, 2011, p.7).
O artigo traz à reflexão os sonhos de Dom Bosco. Dois deles são aqui relatados na
sua integridade. De modo geral procura olhar para Dom Bosco como um sonhador que, através
de seus, conseguir perceber a vontade divina a seu respeito, a respeito da sua missão, dos seus
jovens e tantas outras situações.
No item 1 do desenvolvimento procura-se resgatar o relato de sonhos no Antigo
Testamento e evidenciar que os Profetas já mencionavam o aspecto profético dos sonhos. O
entendimento que Deus poderia estar em comunicação com os Homens através deles.
No item 2, o foco está em relacionar os sonhos de Dom Bosco com o
desenvolvimento de sua Congregação e do Sistema Preventivo de Educação.
A justificativa pela qual realizo esta abordagem se deve ao fato da grande
repercussão, importância, destaque e até curiosidade pelo relato dos sonhos de Dom Bosco não
só entre os membros da Família Salesiana, mas por outras pessoas que de alguma forma
conhecem sua obra.

1. DEUS SE REVELA TAMBÉM NOS SONHOS

6
Giovanni Battista Lemoyne, Memorie biografiche [MB] di Don Giovanni Bosco. 20 volumes. Turim, 1898-
1948 (edição extracomercial), vol I, p.254-256
4

Em várias passagens do Antigo Testamento podemos encontrar relatos de sonhos


e a preocupação que principalmente os reis tinham com a interpretação deles. No Livro de
Daniel, capítulo 2 - Versículos de 1 a 49 ele relata o Sonho de Nabucodonosor:
1 No segundo ano de seu reinado, Nabucodonosor teve sonhos; sua mente ficou
tão perturbada que ele não conseguia dormir. 2 Por isso o rei convocou os
magos, os encantadores, os feiticeiros e os astrólogos para que lhe dissessem o
que ele havia sonhado. Quando eles vieram e se apresentaram ao rei, 3 este lhes
disse: “Tive um sonho que me perturba e quero saber o que significa”.4 Então
os astrólogos responderam em aramaico ao rei: “Ó rei, vive para sempre! Conta
o sonho aos teus servos, e nós o interpretaremos”.5 O rei respondeu aos
astrólogos: “Esta é a minha decisão: se vocês não me disserem qual foi o meu
sonho e não o interpretarem, farei que vocês sejam cortados em pedaços e que
as suas casas se tornem montes de entulho.6 Mas, se me revelarem o sonho e o
interpretarem, eu darei a vocês presentes, recompensas e grandes honrarias.
Portanto, revelem-me o sonho e a sua interpretação”.[...]

Em Gn, 42, 1-57 encontramos o relato de outro sonho que teve importante
interpretação. José interpreta os sonhos do Faraó do Egito a respeito das vacas gordas e magras.

1 Ao final de dois anos, o faraó teve um sonho. Ele estava em pé junto ao rio
Nilo, 2 quando saíram do rio sete vacas belas e gordas, que começaram a
pastar entre os juncos. 3 Depois saíram do rio mais sete vacas, feias e magras,
que foram para junto das outras, à beira do Nilo. 4 Então as vacas feias e
magras comeram as sete vacas belas e gordas. Nisso o faraó acordou. [...]

O sonho intrigou o Faraó. Sempre existiu uma preocupação dos reis e faraós com o
significado dos sonhos, se eles poderiam conter uma premunição
[...] 8 Pela manhã, perturbado, mandou chamar todos os magos e sábios do
Egito e lhes contou os sonhos, mas ninguém foi capaz de interpretá-los. [...]14
O faraó mandou chamar José. [...]16 Respondeu-lhe José: “Isso não depende
de mim, mas Deus dará ao faraó uma resposta [...]. “Deus revelou ao faraó o
que ele está para fazer. 26 As sete vacas boas são sete anos, e as sete espigas
boas são também sete anos; trata-se de um único sonho. 27 As sete vacas
magras e feias que surgiram depois das outras, e as sete espigas mirradas,
queimadas pelo vento leste, são sete anos. Serão sete anos de fome. 28 “É
exatamente como eu disse ao faraó: Deus mostrou ao faraó aquilo que ele vai
fazer. 29 Sete anos de muita fartura estão para vir sobre toda a terra do Egito,
30 mas depois virão sete anos de fome. Então todo o tempo de fartura será
esquecido, pois a fome arruinará a terra. [...]34 O faraó também deve
estabelecer supervisores para recolher um quinto da colheita do Egito durante
os sete anos de fartura. 35 Eles deverão recolher o que puderem nos anos bons
que virão e fazer estoques de trigo que, sob o controle do faraó, serão
armazenados nas cidades. 36 Esse estoque servirá de reserva para os sete anos
de fome que virão sobre o Egito, para que a terra não seja arrasada pela fome.”

Ainda em Gênesis 40:8 Eles responderam: "Tivemos sonhos, mas não há quem os
interprete". Disse-lhes José: "Não são de Deus as interpretações? Contem-me os sonhos".
Em Joel 2:20: "E, depois disso, derramarei do meu Espírito sobre todos os povos.
Os seus filhos e as suas filhas profetizarão, os velhos terão sonhos, os jovens terão visões. “
5

7
Padre Ferreira menciona em seu livro: Acima e além uma citação bíblica que
considero de grande importância relacionada ao entendimento dos sonhos no antigo testamento.
Ela é encontrada no Livro dos Números, onde Moises diz:“ Se houver entre vós um profeta do
Senhor, eu me revelarei a ele em visões e lhe falarei em sonhos” (Nm 12,6)

2. OS SONHOS DE DOM BOSCO


Dom Bosco muito sonhou durante sua vida. Seus sonhos se tornaram uma
importante ferramenta para compreender os pilares de sua Obra e até hoje são motivo de grande
curiosidade e interesse por todos que conhecem sua história. Foram vários durante a sua vida.
Padre Ferreira5 menciona que existem cerca de 170 documentados. Os sonhos marcaram a vida
e a grandiosa obra deste nosso querido Pai e Mestre da Juventude.
Com a palavra “sonho”, Dom Bosco exprime vários relatos de diferentes origens.
Na maioria dos casos, trata-se realmente de narrativa cuja origem é material onírico. Outras
vezes são parábolas, narrativas que buscam ilustrar, como uma forma de tornar clara e
interessante a apresentação de diversos ensinamentos através do uso de personagens e
personalidades diversas.
O esforço para endereçar os sonhos para a obra de educação da juventude e dos
salesianos, fez com que vários deles fossem submetidos a um processo redacional. Este fato
criou algumas dificuldades do ponto de vista histórico, mas essa caminhada esclarece melhor
os objetivos que Dom Bosco tinha em mente ao fazer o relato dos seus sonhos.
O sonho considerado como o mais importante para o desenvolvimento da obra
Salesiana foi o sonho que ele teve aos 9 anos, seu primeiro sonho profético. Deste sonho, depois
de alguns anos ele intuiu que deveria se dedicar à educação da juventude. Parte do conteúdo
deste sonho se repetiu outras vezes. Seu conteúdo ficou tão vivo nos pensamentos de Dom
Bosco que ele o narrou em 1858 para o Papa Pio IX trinta anos depois.
Os sonhos de Dom Bosco tinham sempre três grandes cenários: A Igreja Católica,
a Sociedade Salesiana e a vida do Oratório de Valdocco.
Em vários momentos de sua vida relata seus sonhos relacionando-os a
acontecimentos ou diretrizes que deveria seguir. Padre Ferreira analisa os sonhos de Dom Bosco
sobre vários aspectos e os enquadra de acordo com a mensagem central o que facilita muito sua
interpretação e entendimento:

7
Ferreira, Antônio da Silva, Acima e além: os sonhos de Dom Bosco,1 ed. São Paulo: Salesiana, 2010
6

Sonhos sobre a Igreja católica: As duas colunas, O cavalo vermelho, O dever do padre, O
dever da esmola.
As duas colunas é um sonho relatado por Dom Bosco em meados de maio de
1862 e coincide com o período da Unificação da Itália, momento em que a Igreja sofreu
perseguição tendo vários padres presos por terem se manifestado a favor do papa. Posição que
Dom Bosco sempre sustentou. Neste sonho Dom Bosco conta sobre uma batalha. Várias
embarcações estão em combate em meio a um mar agitado. O papa está no timão de uma das
embarcações. Em uma parte de grande destaque do sonho surge no meio do mar duas robustas
colunas. No alto de uma delas encontra-se a estátua da Virgem Imaculada com uma placa “
Auxilium christianorum” e a outra mais alta e grossa com uma hóstia e uma inscrição coma as
palavras “Salvação dos que creem”. A presença de Maria é sempre marcante nos sonhos de
Dom Bosco e junto com o Sacramento da Comunhão compõe dois dos principais pilares na
pedagogia Salesiana.

Sonhos sobre a Congregação Salesiana: Os sonhos normalmente aparecem como uma


resposta a uma ansiedade ou necessidade de Dom Bosco e nestes relacionados à Congregação
Salesiana. Eles propõem uma meta a ser seguida.
O sonho dos 9 anos: corresponde a um momento em que ele busca uma resposta ao
seu problema vocacional.
Tornar-se franciscano? Acontece poucos dias antes do tempo marcado para
decidir sobre ser seu futuro religioso. Os demais sonhos também relataram as preocupações, os
caminhos e principalmente a forma e sobre quais diretrizes a sua congregação seria construída.
Outros sonhos também relacionados: A caminhada do Oratório para Valdocco, O
Caramanchão de rosas, As meninas pedem ajuda, As missões da Patagônia, Visita às casas
salesianas em companhia do padre Cafasso entre outros.

Sonho sobre a pedagogia Salesiana: Carta de Roma de 1884. Uma linda descrição do amor
de Dom Bosco pelos jovens do oratório e sua preocupação com a permanência de sua obra
mesmo sem ele.

Sonhos sobre a ação do demônio: os sonhos assim classificados por FERREIRA são os que
relatam sua preocupação com os males e provações que os jovens estavam sujeitos e sua
preocupação em como orientar a atitude dos padres com estes jovens durante a confissão.
Recomendava-lhes grande caridade e paciência para não perder a confiança deles. São eles: O
7

calar-se na confissão, Jovens vítimas de escândalo sexual, O elefante, A marmotinha, O gato


e as flores, Os animais ferozes, Confissões malfeitas, O demônio no pátio, O touro furioso.

Sonhos sobre monstros: Dom Bosco algumas vezes durante o boa-noite narrava aos jovens
algum sonho que teria tido. Usualmente estavam relacionados com alguma preocupação que o
afligia ou algum acontecimento. Alguns deles:
O banquete: neste sonho Dom Bosco relata um grande banquete, luxuoso e com
grande fartura e com a presença de vários jovens das casas porem eles não comiam. Na sala
também uma corda que pendia do alto e alguns jovens se esforçavam para subir por ela até o
alto sem sucesso... A corda simbolizava a Confissão e aqueles que conseguiam agarrar-se bem
a ela seriam levados certamente ao céu. Dentre os jovens um grupo deles aparecia com uma
serpente agarrada ao pescoço os impedindo de falar em confissão. Somente a misericórdia do
Senhor pode salvar os jovens mais resistentes.
O sapo gigante: durante o boa noite de 30 de abril de 1868 depois das orações Dom
Bosco contou um sonho que teve em Lanzo com um demônio com a aparência de um grande
sapo e que despertou o padre Lemoyne com seus gritos.
Foi buscar frutos e nada achou: relata o aparecimento da antiga videira do Oratório
da casa Pignardi. A vinha crescia rapidamente em todas as direções, os bagos cresciam, caiam
e se transformavam em jovens a principio alegres mas depois tristes e feios.....mudaram de
conduta. “Quem despreza as coisas pequenas, aos poucos irá caindo”. A gula produz a
impureza; o desprezo pelos superiores leva ao desprezo pelos sacerdotes e pela Igreja; e assim
por diante.
Uma visita ao colégio de Lanzo: Dom Bosco conta sobre uma visita surpresa que
fez ao colégio e onde encontra um horrível monstro que se divertia as custas dos jovens, Dom
Bosco tenta impedi-lo e ele diz ter seguidores, alunos que não tinham uma conduta adequada.
Dom Bosco que saber quais os maiores inimigos deste monstro e descobre serem a Comunhão
e a Devoção à Maria.
Invoquemos a misericórdia de Deus: em mais um sonho em que trava uma batalha com um
enorme monstro Dom Bosco invoca a Misericórdia de Deus. Chama os jovens e diz para que
se coloquem logo em paz com Nosso Senhor, provavelmente esteja se referindo à importância
da confissão e comunhão, que parem de abusar ainda mais da Divina Misericórdia.
As dez colinas: este sonho Dom Bosco teve em meados de 1864 e nele ele parecia
estar em um grandíssimo vale onde se encontravam milhares de jovens que deveriam ser
conduzidos por dez colinas. Ao lado se deparava com uma ribanceira. Os que não conseguissem
8

com seus próprios pés seriam carregados. Um carro aparece e consegue levar alguns jovens.
Para Dom Boscoo vale é o mundo, a ribanceira os obstáculos para desapegar-se dele. Os grupos
de jovens a pé são os jovens que perderam a inocência e se arrependeram de suas faltas.
Acrescenta ainda que as dez colinas representam os Dez Mandamentos da Lei de Deus, a
observâncias dos quais conduz à vida eterna.
A jangada: no boa-noite de 1 de janeiro de 1866 ele conta o sonho em que uma
grande quantidade de água surge invadindo toda a cidade e obrigando-os entrar em uma Jangada
para se salvarem. A Jangada porem é submetida a ondas agitadas e ventos quando todos se
abraçam, formando um só corpo para não cair (demonstração da solidariedade do bem). Surgem
redemoinhos (representando as tentações e as perseguições). Quando algum jovem caia alguns
corriam para jogar varas para o resgatá-los (salvamento dos que caíram, em sinal de
arrependimento). Em dado momento apareceu no céu um arco-íris onde pode ser lida a palavra
“Medoum”: “Mater et Domina omnis universi Maria” (Maria é a Mãe e a Senhora de todo o
universo)
A vinha do Senhor: Dom Bosco avista um campo com vários trabalhadores com
enxadas, pás. Aravam, semeavam trigo, aplainavam a terra. O sonho exprime sobre a palavra
de Deus (semente) o campo (Reino de Deus), a importância de semear: “Quem não semeia não
colhe. Se não se joga fora a semente e esta não apodrece, o que se colherá depois?”.

Sonhos sobre as virtudes a serem cultivadas:


O lenço: mais um sonho onde Dom Bosco vê alguns de seus jovens terem suas
virtudes simbolizadas por lenços expostas às turbulências e tentações. Uns conseguem resistir,
outros fugiram e outros tiveram seus lenços esburacados e estragados. Alguns foram
remendados e costurados. Perderam a bela virtude, mas remediaram com a Confissão.
Meios para conservar a pureza: ele aparece em um vasto campo coberto de de ervas
verdejantes, flores variadas onde encontra duas lindas meninas.
Confiança em Deus – sonho que Dom Bosco teve após a morte do padre Calosso e
que o abateu muito. Chorava desconsolado. Quando estava acordado, pensava nele, dormindo,
com ele sonhava. As coisas chegaram a tal ponto que Mamãe Margarida, temendo por sua
saúde, mandou-o passar uma temporada com o avô, em Capriglio. Nesse tempo teve um sonho,
no qual foi repreendido por ter posto sua esperança nos homens e não na bondade do Pai do
Céu.
O personagem dos dez diamantes: em setembro de 1881, Dom Bosco teve este
sonho que está relacionado com a Identidade e Espiritualidade Salesiana. O sonho se desenrola
9

em três cenas. Na primeira cena, o personagem encarna o perfil do salesiano. Na parte da frente
do manto há cinco diamantes, três sobre o peito: Fé, Esperança e Caridade. Sobre os ombros há
dois: Trabalho e Temperança. Na parte de trás, outros cinco diamantes: Obediência, Voto de
pobreza, Prêmio, Voto de castidade e Jejum.
Os jovens levam dons a Nossa Senhora: era o mês de maio de 1865. Mês dedicado
a Nossa Senhora. Em frente a um grande altar dedicado a Maria é formada uma procissão dos
jovens do Oratório cantando uns com mais força outros fracamente e levando dons para oferecer
a Maria. Ao lado do altar um Anjo recebia os dons e os colocava sobre o altar. Alguns jovens
porem levavam dons que não eram virtudes e assim recusados pelo Anjo.

Sonhos sobre a morte e a vida eterna:


As 22 luas: Dom Bosco sonha com a possível morte de um dos meninos e com a
revelação que ele ainda teria 22 luas de tempo antes que a morte chegasse e, portanto, deveria
cuidar dele e prepará-lo.
Dom Bosco salva um jovem da morte: sonha que a morte vai em direção a um dos
meninos e ele imediatamente impede mesmo a morte dizendo que o mesmo era indigno de
viver. Dom Bosco ordena que a morte o poupe.
A estreia: na noite de 31 de dezembro de 1867, Dom Bosco reuniu os jovens na
igreja e subindo ao púpito depois das orações, falou sobre a esteia a ser dada para o ano seguinte.
Esta é uma tradição dentro da família salesiana até nossos dias todos os anos os sucessores de
Dom Bosco definem um tema para a Estreia que servirá de estudos para os membros da Família
durante o ano.
Cada um tem seu caminho: depois das orações, Dom Bosco anunciou que no dia
seguinte haveria confissões para os estudantes, por ocasião do exercício da morte. Exortou-os
a fazer bem esse exercício, pois um dos presentes não faria outra vez tal prática.
O purgatório: Dom Bosco em sonho se encontra com um Bispo já falecido que se
apresenta como vivo deixando-o cheio de surpresa e questionamentos em relação em relação A
salvação dos seus meninos.
O jardim salesiano – Domingos Sávio. Dom Bosco e Domingos Sávio são os atores
principais. Seu diálogo trata de argumentos religiosos e morais. O tema ético, introduzindo em
abstrato no simbólico jardim de ramalhete de flores, é traduzido em termos concreto na
revelação final sobre o estado de pecado ou de graça dos jovens que Dom Bosco conhecia. Os
ouvintes são levados da deliciosa contemplação do paraíso à reflexão sobre os meios para
consegui-lo. E Enfim a consternação geral com o estado de pecado que infestava o Oratório.
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Sonhos diversos: O sonhador, Após a morte de Mamãe Margarida, Encontro com São Pedro
e São Paulo, Sermão sobre a Via-sacra, Nicho na Basílica de São Pedro (idem).

Segundo Lemoyne em Memórias Biográficas de São João Bosco8 “A palavra sonho


e Dom Bosco são correlativos. É deveras admirável a repetição desse fenômeno durante setenta
anos [...]. A bondade do Senhor serviu-se dos sonhos no Antigo e no Novo Testamento, bem
como na vida de muitos santos, para confortar, aconselhar e mandar; por meio deles fez ouvir
sua voz profética, ora de ameaça, ora de esperança, ora de prêmio para os indivíduos ou para as
nações [...]. A vida de Dom Bosco é uma trama de sonhos tão maravilhosos que não se
compreende sem a assistência divina direta. Fica, pois, de todo em todo excluída a ideia de que
houvesse sido um estulto, um iludido, um enganador ou um vaidoso. Os que viveram a seu lado
durante trinta, quarenta anos, jamais viram nele o menor sinal de querer conquistar o apreço
dos seus, fazendo-se passar por um privilegiado com dotes sobrenaturais. Dom Bosco era
humilde, e a humildade aborrece a mentira”.
Os sonhos de Dom estão sempre ligados a situações significativas da sua vida.
Dentre eles dois servem de guia para o estudo da Pedagogia Salesiana e do carisma de toda a
sua obra: o Sonho dos 9 anos e a Carta de Roma de 1884.

2.1. O SONHO DOS 9 ANOS:

João teve um sonho que encheu sua alma de inquietação e que, sem dúvida, foi
um permanente norteador de suas escolhas futuras, principalmente no campo pastoral e
educativo. Um sonho que se repetirá em outras ocasiões durante a sua vida. Um sonho que
pode ser chamado de “Profético”.
Este sonho corresponde a um momento em que João Bosco está buscando uma
resposta ao seu problema vocacional. O sonho lhe garante, segundo a interpretação de sua
mãe, que será padre e também que cuidará de jovens.
Ele mesmo narra este sonho nas Memórias do Oratório:
Naquela idade tive um sonho, que me ficou profundamente gravado na mente
por toda a vida. Parecia-me estar ao pé de casa num pátio bastante espaçoso,
onde se encontrava uma multidão de rapazes, que se divertiam. Alguns riam,
outros jogavam, outros blasfemavam. Ao ouvir aquelas blasfêmias, lancei-me
imediatamente no meio deles dando murros e dizendo palavras para os fazer
calar. Naquele momento apareceu um homem venerando, em idade viril,
nobremente vestido. Um manto branco cobria-o por completo; mas a sua face
era tão luminosa, que eu não conseguia fixá-lo com os olhos. Chamou-me pelo

8
Lemoyne, João Batista, Memórias Biográficas de São João Bosco, volume I, Brasília: Edebê, 2018.
11

nome e mandou-me pôr-me à frente daqueles rapazes acrescentando estas


palavras: "Não com pancadas, mas com a mansidão e com a caridade é que
deverás conquistar estes teus amigos. Por isso começa imediatamente a
instruí-los sobre a fealdade do pecado e sobre a beleza da virtude". Confuso e
assustado, disse que eu era um pobre e ignorante rapaz, incapaz de falar de
religião àqueles jovenzinhos. Naquele momento, aqueles rapazes cessando
rixas, alaridos e blasfêmias, reuniram-se todos à volta d'Aquele que falava.
Quase sem saber o que dizia, "Quem sois vós, – perguntei –, que me ordenais
coisas impossíveis?". "Exatamente por te parecerem impossíveis, deves torná-
las possíveis com a obediência e com a aquisição da ciência". "Onde, com que
meios poderei adquirir a ciência?". "Dar-te-ei a mestra sob cuja guia podes
tornar-te sábio, e sem a qual toda a sabedoria se torna estultícia".
− Mas quem sois vós, que falais deste modo?
− Eu sou o filho d'Aquela que a tua mãe te ensinou a saudar três vezes ao dia.
− A minha mãe diz-me que não ande com pessoas que não conheço, sem
licença sua; por isso dizei-me o vosso nome.
− O meu nome pergunta-o à minha mãe.
Naquele momento vi a seu lado uma senhora de majestoso aspecto, vestindo
um manto todo resplandecente, como se cada ponto seu fosse uma estrela
fulgidíssima. Vendo-me cada vez mais confuso nas minhas perguntas e
respostas, fez-me sinal para me aproximar dela e, tomando-me com bondade
pela mão, disse-me: "olha". Olhando dei-me conta que os rapazes tinham
fugido todos e, em vez deles, vi uma multidão de cabritos, cães, gatos, ursos
e vários outros animais. "Eis o teu campo, eis onde deves trabalhar. Torna-te
humilde, forte e robusto; e aquilo que neste momento vês suceder com estes
animais, deverás fazê-lo com os meus filhos".
Voltei então o olhar e eis que, em vez de animais ferozes, apareceram outros
tantos mansos cordeiros que, todos a saltitar, corriam ao redor como para fazer
festa àquele homem e àquela senhora. Naquele momento, sempre em sonho,
comecei a chorar, e supliquei àquela personagem que falasse de modo que eu
compreendesse, dado que eu não sabia o significado daquilo. Então ela
colocou a mão na minha cabeça, dizendo-me: "A seu tempo, tudo
compreenderás". Após essas palavras, um ruído qualquer me acordou. E tudo
desapareceu.
Fiquei transtornado. Parecia-me ter as mãos doloridas pelos socos dados e me
queimasse o rosto pelos tapas recebidos; além disso, aquele personagem, a
senhora, as coisas ditas e ouvidas de tal modo me encheram a cabeça que
naquela noite não pude mais conciliar o sono.
Logo cedo, contei o sonho aos meus irmãos que se puseram a rir. Contei-o
depois a mamãe. E a vovó. Todos deram seu palpite. “Vai ser pastor de
ovelhas”, disse meu mano José. Antônio, maldosamente: “Um chefe de
bandidos”. Minha mãe: “Quem sabe se um dia não será sacerdote”. Vovó deu
a sentença definitiva. “Não se deve ligar para sonhos”.
Eu era do parecer da vovó. Mas nunca pude tirar o sonho da cabeça.”
Todos os anos que se seguiram ficaram profundamente marcados pelo sonho.
Mamãe Margarida havia entendido (e logo depois o entendera também João):
o sonho indicava um caminho. BOSCO, 1999, p.16-18)9.

Com este sonho Dom Bosco sentiu aumentar nele o desejo de estudar para ser útil
aos meninos e tornar-se Sacerdote. Ele retornou muitas vezes em sua mente por vários anos.

9
Bosco, Terésio, Bom Bosco, Uma biografia nova, Tradução de Hilário Passero, sdb, 5ªed,. São Paulo, Editora
Salesiana Dom Bosco, 1999.
12

Cada vez que o sonho se repetia era acompanhado de uma grande variedade de cenas acessórias,
sempre novas. No decorrer do tempo e com as repetições do sonho compreendia que no sonho
estava a fundação do Oratório e toda a dimensão da sua missão. Via também os obstáculos que
poderiam surgir durante a execução.
Provavelmente, o sonho dos nove anos aconteceu perto da festa da Anunciação em
25 de março. Algumas imagens que aparecem no sonho podem ter sido influencias pela
pregação do Jubileu proclamado pela Igreja naquele ano. O papa Leão XII havia convidado a
todos para uma reflexão sobre o serviço pastoral do Papa, dos Bispos e dos sacerdotes.

2.1.1. ASPECTOS PEDAGÓGICOS, ESPIRITUAIS E PASTORAIS

No sonho, aparecem para Joãozinho um “homem venerando, nobremente vestido”


e uma “senhora de aspecto majestoso, vestida de um manto todo resplandecente como o Sol”.
Estes personagens indicam o caminho que Dom Bosco deveria seguir iluminado por Jesus e
orientado por uma Mestra (A Virgem Nossa Senhora, sua Mãe e Mestra). A orientação
espiritual do seu projeto de vida. Ressalta a importante formação religiosa de Dom Bosco dada
por Mamãe Margarida, que embora analfabeta, foi sua primeira catequista. Podemos destacar
o campo de ação educativa e pastoral: (...) num pátio bastante espaçoso, onde se encontrava
uma multidão de rapazes, que se divertiam (...). Este pátio será materializado no Oratório.
O sonho dos 9 anos sempre permaneceu vivo nos pensamentos de Dom Bosco e
tudo começa a fazer sentido quando ele se depara com a situação dos jovens em Turim no início
da década de 40 (1841). Era uma situação de pobreza e abandono provocada pelo aumento
significativo da população juvenil que entre 1841 e 1848 eram quase 60% dos habitantes. Estes
jovens vinham atraídos e cheios de esperança pelas “oportunidades” que a Revolução Industrial
acenava com a grande demanda de mão de obra principalmente para a construção civil e
também nas indústrias de fios e tecidos, ou em fundições de metal, em fabricas de armas e
munições, ou ainda em curtumes. Toda esta esperança era perdida quando acabavam se
encontrando com a dura realidade imposta pelo sistema capitalista onde a exploração acima dos
cuidados e do valor com a vida humana predominava.
Esta situação onde os jovens trabalhavam até 16 horas por dia, alimento era escasso,
baixo salário, alojamentos insalubres fez com que a mendicância aumentasse. Aqueles que não
conseguiam trabalho viviam no ócio, em situação de abandono, solidão e anonimato. A grande
maioria sem pai e sem mãe. Ficavam expostos num meio social moralmente contaminado
(promiscuidade, brigas, delinquência). A situação destes jovens em tudo era parecida com os
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jovens do sonho de Dom Bosco. Presenciando toda esta situação e orientado pelo Pe. José
Cafasso, ficou claro para Dom Bosco que seu apostolado deveria ter como objetivo os
JOVENS. A prioridade eram os jovens pobres, os marginalizados e saídos da prisão.
Dom Bosco “precisava cuidar deles”. Diante destes jovens lembrava da sua
situação que ficou órfão de pai, passou fome e teve muitas dificuldades para estudar. Tinha uma
grande compaixão por eles. Queria que eles descobrissem sua dignidade humana. Já aplicava o
“Sistema Preventivo”: evitar que voltassem para as prisões; evitar a morte, encontrar um abrigo,
fugir da exploração, promiscuidade e do ócio e enfim poder estudar.
Sabia que toda aquela situação exigia uma resposta concreta, rápida e segura e como
um homem prático tratou de agir com as condições que dispunha. Primeiro sem um local fixo
chamado “oratório itinerante”, mas por fim conseguiu fixar-se na Casa Pinardi, no. bairro
Valdocco. Conseguiu lá concretizar seu projeto.
No oratório de Valdocco podia ser visto a síntese das experiências e do sonho de
Dom Bosco. Era um pátio para conviver em liberdade, segurança e alegria; uma casa para
relações de afeto, uma escola e uma paróquia para entenderem-se como filhos de Deus. Como
conquista-los? Qual o método educativo?......” não com pancadas, mas com mansidão, com paciência e
caridade”.
Dentre as características do oratório acima mencionadas embora todas de extrema
importância e relevância a que para mim é fundamental é a relação de amizade, compaixão,
presença, afeto..... “Amorevolezza”. Sem ela os ensinamentos não frutificariam, só com a
comida seria apenas uma casa assistencialista até mesmo os ensinamentos dos valores cristãos
poderiam ter sido perdidos.
A figura de Dom Bosco como “O Bom Pastor” foi fundamental para o
desenvolvimento do oratório. Para alcançar os objetivos desejados: a mudança integral da pessoa,
de feras em mansos e felizes cordeiros Dom Bosco, educador deverá ser humilde, forte e robusto.

2.2. A CARTA DE ROMA DE 1884

Uma carta escrita em duas versões: uma dirigida aos jovens do Oratório de Turim-
Valdoco e outra aos Salesianos deste mesmo oratório e que foi inspirada por um sonho de Dom
Bosco nos relata alguns dos principais pontos da Pedagogia Salesiana. Dom Bosco ficou
durante um tempo afastado do contato direto com a realidade do Oratório de Turim, ora por
algumas viagens para tratar dos interesses da congregação ou por alguns incômodos de saúde
pelos quais vinha sendo acometido. Esta distância o afligia e preocupava e provavelmente esta
preocupação o levou a este sonho ocorrido na primavera de 1884. Recorreu à ajuda do Padre
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Lemoyne para escreve-las. Durante a leitura da carta conseguimos evidenciar várias


características da pedagogia de Dom Bosco. Nas primeiras frases já percebemos o Afeto.
[...] Meus caríssimos filhos em Jesus Cristo. Perto ou longe, eu penso em
vocês. Meu único desejo é ver vocês felizes.....são palavras de quem os ama
ternamente em Jesus Cristo e tem obrigação de falar-lhes com a liberdade de
um pai....
Com estas palavras inicia o relato do sonho. Na primeira parte do sonho já nos
deparamos com outras características do Oratório Salesiano. A visão da Alegria e da
movimentação. Atividades físicas, corrida, brincadeiras de bola de barra comprida. Cantava-
se, ria-se... A Presença dos salesianos...num lugar da roda um padre lhes contava uma estória,
noutro, um clérigo no meio de outros meninos brincava de burro voa. Reinava a Cordialidade
e a maior Confiança.
[...] Veja, a familiaridade gera o afeto e o afeto e o afeto produz confiança.
Isso é que abre os corações, e o jovens manifestam tudo sem temor aos
mestres, assistentes e superiores. Tornam-se sinceros na confissão e fora da
confissão se prestam docilmente a tudo o que porventura lhes mandar aquele
de quem tem certeza de serem amados.

Na segunda parte do sonho a Alegria já não está presente, os cantos e toda


movimentação usual aparecer apenas em algumas partes. A desconfiança, o desinteresse, a
frieza de tantos meninos na frequência dos santos sacramentos os levam aos segredinhos,
murmurações, com todas as demais deploráveis consequências.
Dom Bosco fica extremamente preocupado com esta visão e em como reanimar a
Alegria. O Amor: é ele que pode resgatar a confiança. É necessário que os jovens não somente
sejam amados, mas que eles próprios saibam que são amados. Esse amor ajudará os superiores
suportarem canseiras, aborrecimentos, ingratidões, desordens, faltas e negligências dos
meninos.
A Presença que já não é tão efetiva onde os superiores não são mais a lama do
recreio, a maioria deles passeava conversando entre si sem se importar com o que os jovens
faziam. Alguns vigiavam, mas de longe, sem poder perceber se os jovens cometiam alguma
falta. Dom Bosco sempre foi presença marcante entre os jovens no oratório.
A Familiaridade com os jovens especialmente no recreio. Sem familiaridade não
se demonstra afeto e sem essa demonstração não pode haver confiança. Quem quer ser amado
deve demonstrar que ama. A confiança estabelece uma corrente elétrica entre jovens e
superiores. Os corações se abrem e dão a conhecer suas necessidades.
“...Por que se quer substituir à caridade a frieza de um regulamento? Por que
se afastam os superiores da maneira de educar que Dom Bosco ensinou? Por
que ao sistema de prevenir com a vigilância e amorosamente as desordens, se
vai substituindo pouco a pouco o sistema, menos pesado e mais cômodo para
quem manda, de impor leis que se mantêm com castigos, acendem ódios e
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geram desgostos, e se não se cuida de as fazer observar, geram desprezo aos


superiores e causam gravíssimas desordens? É o que acontece
necessariamente se faltar a familiaridade...”
— Qual é o meio mais indicado para que reine essa familiaridade, esse amor
e confiança? — A observância exata das regras da casa. — E nada mais? —
O melhor prato de um jantar é o bom humor

A presença e a valorização de Maria Auxiliadora também são claras na Carta de


Roma. A importância sempre revelada por Dom Bosco daquela que aprendeu a confiar desde a
infância.
— Pregue a todos, grandes e pequenos, que se lembrem sempre de Maria SS.
Auxiliadora. Que ela os reuniu aqui para tirá-los dos perigos do mundo, para
que se amassem como irmãos, e para que dessem glória a Deus e a ela, com o
bom procedimento; que é Nossa Senhora que lhes providencia pão e meios
para estudar mediante graças e portentos. Lembrem-se de que estão na vigília
da festa de sua Mãe S., e com sua ajuda deve cair a barreira da desconfiança
que o demônio soube erguer entre jovens e superiores, e da qual se aproveita
para ruína de certas almas.

Vou concluir. Sabeis o que deseja de vós este pobre velho, que gastou toda a
vida por seus caros jovens? Nada mais do que, feitas as devidas proporções,
retornem os dias felizes do Oratório primitivo. Os dias do afeto e da confiança
cristã entre jovens e superiores; os dias do espírito de condescendência e
tolerância por amor de Jesus Cristo de uns para com outros; os dias dos
corações abertos com toda a simplicidade e candura; os dias da caridade e da
verdadeira alegria para todos. Tenho necessidade de que me consoleis, dando-
me a esperança e a promessa de que fareis tudo o que desejo para o bem de
vossas almas. Não conheceis suficientemente que felicidade é a vossa de
haverdes sido recebidos no Oratório. Diante de Deus declaro: Basta que um
jovem entre numa casa salesiana, para que a Virgem SS. o tome
imediatamente debaixo de sua especial proteção, Ponhamo-nos, pois, todos de
acordo. A caridade dos que mandam, a caridade dos que devem obedecer faça
reinar entre nós o espírito de S. Francisco de Sales. Ó meus caros filhinhos,
aproxima-se o tempo em que me deverei separar de vós e partir para a minha
eternidade. (Nota do secretário: Neste ponto Dom Bosco suspendeu o ditado;
os olhos se lhe encheram de lágrimas, não por desgosto, mas por inefável
ternura que ressumava de seu olhar e do tom de sua voz; depois de alguns
instantes continuou). Desejo, portanto, deixar-vos a todos, padres, clérigos,
jovens caríssimos, no caminho do Senhor, em que Ele próprio vos deseja. Para
tal fim, o Santo Padre, que vi sexta-feira, 9 de maio, vos manda de todo o
coração sua bênção. No dia da festa de Nossa Senhora Auxiliadora estarei
convosco ante a imagem de nossa amorosíssima Mãe. Quero que essa grande
festa se celebre com toda a solenidade, e o Pe. Lazzero e o Pe. Marchisio
providenciem para que estejamos todos alegres também no refeitório. A festa
de Maria Auxiliadora deve ser o prelúdio da festa eterna que deveremos
celebrar um dia, todos juntos, no paraíso.
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Vosso amigo em J. C
João Bosco
Dom Bosco demonstra claramente na aberturada Carta de Roma que quer ver seus
jovens felizes no tempo e na eternidade. Que a alegria deve prevalecer no ambiente como um
todo, deve ser sentida e emanada de todos os jovens como demonstração de cordialidade, de
bem-estar e de comum união.
Na carta começa a ser claramente traçado o método e estilo educativo de Dom
Bosco. No nível de “filosofia” educacional o método é uma síntese pessoal e original de
humanismo e fé cristã, adquirida por Dom Bosco a partir de algumas tradições educativas, da
sua experiência cultural e da experiência pessoal com os jovens ao longo de muitos anos.
Esta filosofia educacional baseava-se num conjunto de princípios resumidos no
trinômio Razão, Religião e Carinho [amorevolezza]. Com base neste trinômio ele construiu um
ambiente espiritual e educativo caracterizado pela familiaridade, espontaneidade, confiança e
alegria.
A principal ferramenta é a proteção-prevenção e a assistência pela presença
contínua e efetiva do educador. No sonho relatado na Carta de Roma ele relata que na segunda
fase raro já não se viam entre os jovens os clérigos e os padres. O sucesso do seu método
educativo tem como uma das principais bases a relação afetiva, de proximidade e de confiança
entre o educador e o jovem. Uma relação de familiaridade, oposto à relação de superior para
inferior. Dom Bosco deu grande importância a esse modo de fazer as coisas, porque acreditava
que, somente através dele, era possível que o educador estabelecesse uma relação pessoal com
os jovens.
Por espírito de família Dom Bosco entendia que a casa salesiana (oratório, internato
ou escola, mesmo grande) fosse como um lar, e todas as pessoas que formavam a comunidade
educativa vivessem em comunhão como numa família. O conceito de família-lar funciona aqui
como modelo do qual aproximar-se o mais possível Dom Bosco aconselhava frequentemente:
“Procura fazer-te amar mais do que fazer-te temer”.
Em muitas outras ocasiões, Dom Bosco explicou o tipo de amor que tinha em
mente. Amor espiritualmente maduro, imparcial, generoso, desinteressado, sacrificado. É o
amor imposto por Jesus. Mais simplesmente Dom Bosco diria que o educador deve amar os
jovens do mesmo modo que os bons pais cristãos amam seus filhos.
Um amor, um carinho que quase sem possibilidade de tradução é conhecido como
“Amorevolezza”. Dom Bosco disse que “os jovens não só devem ser amados, mas devem saber
que são amados. Dom Bosco, com frequência, chamava a atenção sobre a necessidade da
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presença contínua do educador entre os jovens. Em sua “Carta de Roma” direcionada aos
salesianos do Oratório de Turim-Valdocco, ele insiste na importância dessa presença
principalmente durante os recreios dos jovens.
Como a educação se baseia numa relação afetiva, é insuficiente estar em contato
com o jovem apenas na aula ou em outras situações formais. O educador deve criar uma relação
permanente com os jovens, estar com eles em todas as situações, dentro e fora da jornada
escolar, especialmente nos divertimentos. Pausas, recreios, diversões e esportes em geral são
atividades que permitem ao educador se associar aos jovens, não simplesmente como
professores, mas como irmãos e amigos.
Ou seja, é necessário habitar um terreno comum, em sintonia, e viver
profundamente a assistência e convivência com os jovens; foi sobre isso que Dom Bosco
escreveu na carta de Roma, de 1884: urgência não só de presença física, mas também de
proximidade espiritual, cultural, afetiva, propositiva; não paternalista, mas ciente do que é
vivido pelo jovem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estudar o significado dos sonhos dentro da Espiritualidade Salesiana resgatando a


presença deste elemento na linguagem bíblica, na psicanálise e na história do nosso pai e mestre
muito ajuda na compreensão da vida e obra de Dom Bosco. O Sistema Educativo por ele
desenvolvido foi construído pela “inspiração” provinda dos seus sonhos junto com a observação
da realidade e necessidades dos jovens do seu tempo.
O Sistema Preventivo, evidenciado fartamente nos elementos de seus sonhos,
pretende promover o bem, e impedir o mal. Não é, portanto, ignorada a densidade de conteúdo
do prevenir. Este significa, fora de qualquer dúvida, “guardar”, “corrigir”, “afastar”, “frear”,
“proteger contra os perigos presentes. Auxiliar na formação de “bons cristãos e honestos
cidadãos”.
Para atingir tais finalidades, são indispensáveis o conhecimento individualizado das
inclinações dos jovens e o uso correto da autoridade. Não basta, porém, a autoridade material,
que “se adquire com a firmeza da vontade e com a severidade dos modos”, pela qual “se faz
temer e obedecer a todo custo”. A relação que deve existir entre o educador e o educando é a
de confiança, cordialidade, familiaridade.
Dom Bosco deixa claro na sua pedagogia o aprendizado que ele trouxe do Sonho dos
9 anos. [...] não é com pancadas, mas com a mansidão e a caridade que deverás ganhar esses teus
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amigos. [...]. Quem quiser tomar posse do coração dos jovens deve procurar antes de tudo fazer-
se amar. Quem é amado, é de boa vontade ouvido e obedecido. Quem, porém, quiser fazer-se
amar pelos educandos deverá amá-los de coração verdadeiro, com afeto, de modo que eles
sintam que são amados.
Em vários sonhos podemos identificar sua dimensão pedagógica-pastoral hoje
traduzida e estudada como Sistema Preventivo. Nessa proposta é possível individuar “núcleos
doutrinais” de notável “eficácia prática”. Elencamos os mais relevantes e característicos: 1)
atenção preventiva: “prevenir, não reprimir”; 2) otimismo pedagógico: confiança na juventude,
sobre a qual “se funda a esperança de um futuro feliz”; 3) “razão, religião e bondade”: três
colunas do Sistema Preventivo; 4) assistência: presença positiva e estimuladora entre os jovens;
5) ambiente educativo: acolhedor, familiar, alegre.

REFERÊNCIAS

BOSCO, São João. Memórias do Oratório de São Francisco de Sales. Tradução de


Fausto Santa Catarina, Edição revista e ampliada, aos cuidados de Antônio da Silva
Ferreira. Brasília: EDEBÊ, 2018.

BRAIDO, Pietro. Dom Bosco, padre dos jovens no século da liberdade; tradução de
Geraldo /Lopes e José Antenor Velho – Primeiro Volume. São Paulo: Editora Salesiana,
2008.

BROCARDO, Pietro. Dom Bosco profundamente homem, profundamente santo.


2.Ed. São Paulo: Editora Salesiana, 2005.

CASTRO, Afonso de. Magistério Salesiano. Campo Grande: UCDB, 2019.

FERREIRA, Antonio da Silva. Acima e além, Os Sonhos de Dom Bosco, 1 ed. São
Paulo: SALESIANA, 2010

FREUD, Sigmund. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de


Sigmund Freud. A Interpretação dos Sonhos. Volume IV. Rio de Janeiro: Imago
Editora, 2006.

LEMOYNE, João Batista. Memórias Biográficas de São João Bosco, Volume 1, 1 ed.
Brasília: EDEBÊ, 2018.

MENDES, Gildásio. Salesianidade e Contemporaneidade. Apostila do Curso de Pós-


graduação a Distância sobre Salesianidade. Campo Grande: UCDB, 2019.

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