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ENSAIO

POLÍTICA INDUSTRIAL E ALTERAÇÕES


CLIMÁTICAS

UMA PERSPETIVA INSTITUCIONALISTA

Unidade Curricular de Política Industrial e


Competitividade

Prof. Ricardo Paes Mamede

André Monteiro Pires


Nº 108739

Nº de Caracteres (s/ espaços): 14 936

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A importância da política industrial nas alterações climáticas

As alterações climáticas são hoje um fenómeno inegável, no âmbito científico,


com consequências desastrosas para o planeta. Trata-se de um problema estrutural e cada
vez mais emergente nos dias que correm que requer soluções eficazes no seu combate. A
política industrial não pode ficar fora da resposta a dar a este problema, pelo que é
necessário estudar de que forma esta política deve ser feita de maneira a que o
desenvolvimento das capacidades produtivas do(s) país(es) não seja contrário ao objetivo
de redução das emissões de CO2 e de poluição para a atmosfera.

Em primeiro lugar, antes de se perceber que política deve ser essa, é necessário
perceber por que razão é necessária uma política industrial virada para as questões
ambientais. No geral, as empresas não têm um interesse natural na implementação de
políticas inovação e processos produtivos ambientalmente sustentáveis, apesar de o nosso
futuro coletivo, a nossa qualidade de vida e a nossa própria sobrevivência disso
dependerem. O seu verdadeiro interesse será o lucro imediato ao menor custo possível,
estando por natureza focadas no curto e médio prazo, para satisfação dos interesses dos
seus acionistas. Falamos de empresas privadas. Se as empresas de facto tivessem interesse
em fazer inovação produtiva para a construção de uma indústria verde, não seriam
necessários incentivos governamentais para que tal aconteça.

No que confere à indústria verde, a inovação no produto é mais facilmente


concretizável pelas empresas do que a inovação do processo produtivo. Enquanto a
inovação de produtos para bens mais amigos do ambiente, recicláveis, reutilizáveis, pode
ser realizada mais facilmente com o livre funcionamento do mercado, uma vez que há
procura de bens sustentáveis por parte de cada vez mais consumidores, e, portanto, as
empresas terão interesse em satisfazer essa procura, criando assim produtos inovadores
sob o ponto de vista da sua sustentabilidade ambiental; ao nível do processo produtivo, o
mesmo poderá não suceder. Os mecanismos de mercado não são suficientes para fazer
com que as empresas adotem métodos produtivos sustentáveis. As mudanças no processo
produtivo são, muitas vezes, dispendiosas e podem requerer algum nível de adaptação,
para além de que não é garantido que nos primeiros investimentos dessa mudança haja
uma melhoria na eficiência e na produtividade.

Apesar das dificuldades iniciais que poderão existir na adaptação da economia a


um novo modelo de desenvolvimento sustentável, tal é absolutamente necessário, não

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apenas sob o ponto de vista ambiental, mas também sob uma perspetiva económica.
Grande parte dos autores do final do séc. XX, início do séc. XXI demonstram através de
estudos quantitativos e modelos econométricos, que o impacto do aquecimento global na
riqueza mundial será negativo e em quase todos os casos, atingiria mais fortemente os
continentes Africano e Asiático, tal como se pode observar pela tabela abaixo. Regiões
como Africa, que são das que menos contribuem para a existência deste problema, são
das mais afetadas pelas suas consequências. Desta forma, começa-se a notar também uma
certa injustiça e desigualdade na distribuição natural dos danos provocados pelas
alterações climáticas, que naturalmente terá, de alguma forma, de ser corrigida e/ou
compensada.

Com uma visão ainda mais enfática, Stern estima que os efeitos do aquecimento
global afetariam em 12% o PIB global, enquanto a sua mitigação teria um efeito
negativo de apenas 1%.

Em 2009 o Banco mundial vem evidenciar o diferente impacto das alterações


climáticas nas diferentes regiões do mundo, nomeadamente no que diz respeito à questão
da agricultura, afirmando que África, o sul da Asia e a América latina seriam fortemente
prejudicados enquanto que países como a Rússia, o Canadá ou os países pertencentes à
Europa de leste ver-se-iam beneficiados pelo aumento da sua produtividade agrícola
(eventualmente devido a melhores condições ao nível do solo e das condições para
trabalhar). O BM chama ainda a atenção para que estas diferenças causais poderão levar
a emigrações em massa dos países mais prejudicados pelas mudanças climáticas. Estas

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migrações em massa poderão gerar mais crises de refugiados, mais crises económicas,
perda de competitividade dos países e conflitos sociais maiores.

Organização da política industrial

Vista então a importância e a necessidade de uma política industrial virada para o


desafio das alterações climáticas, é agora importante perceber de que forma se deve
organizar esta política, sob o ponto de vista institucional e territorial. A política industrial
deve ser organizada a nível nacional, internacional ou europeu?

A política industrial deve essencialmente ser decidida e organizada pelos políticos


nacionais, pois pressupõe-se que são quem melhor conhece o país, quem melhor conhece
os seus potenciais e de que forma podem ser usados os recursos do mesmo em favor do
desenvolvimento industrial. A integração de políticas industriais deve, no entanto,
acontecer, por forma a responder ao problema de uma forma global, nomeadamente
mediante a definição de objetivos e metas que os países devem acordar e comprometer-
se a cumprir, mas a forma como se atingem esses objetivos e metas deve ser
responsabilidade e direito dos países, individualmente, devido às razões que já expliquei
e também para que não exista a tentação de países mais poderosos como a Alemanha, a
nível Europeu ou os EUA a nível internacional, se intrometerem na política interna de
cada país, influenciando decisões e políticas para benefício deles próprios, como temos
visto acontecer em várias ocasiões.

Apesar da necessidade de alguma soberania e independência na tomada de


decisão, como é claro, face a um problema global como as alterações climáticas, as
políticas a adotar não podem ser totalmente independentes entre os países. O desafio será,
por isso, encontrar um equilíbrio entre a soberania dos países na tomada de decisão e na
estratégia que pretendem adotar e a necessidade de cooperação entre as diferentes nações,
com diferentes interesses e com diferentes culturas. Neste ponto, a Organização das
Nações Unidas poderá ter, se quiser e se os países lhes derem essa oportunidade, um papel
importante. Apesar de a ONU ser uma organização com pouco poder ao nível do direito
internacional, é certamente um interlocutor importante na tentativa de organizar
consenso, ou pelo menos convergência, que seria importante para a definição de uma
estratégia global de combate às alterações climáticas. Como é óbvio outras instituições
teriam um papel fundamental na resolução da resolução deste problema, como a OMS,
OMC ou a própria OCDE, que sendo uma instituição europeia não deixa de ter alguma,

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mesmo que pouca, influência a nível mundial. Assim, seria não só importante que
houvesse uma mediação por parte das instituições nas diferentes vontades, interesses e
perspetivas dos países no mundo no combate às alterações climáticas, como seria também
muito importante que entre as diferentes instituições internacionais houvesse uma
estratégia comum de organização e mediação, por forma a que eventuais conflitos de
interesses não fossem tratados como meros jogos de poder em que cada país terá um
conjunto de instituições do seu lado e outro terá outro conjunto de instituições do seu.

Existem várias teorias e diferentes modelos no que diz respeito aos valores em que
necessitamos de reduzir as emissões de carbono para a atmosfera. Esses valores não
variam apenas de autor para autor, de organização para organização, mas também ao
longo do tempo. Independentemente de os valores serem mais ou menos elevados, a
principal questão não será tanto saber especificamente e com a maior unanimidade
possível quanto teremos de reduzir as emissões para salvar o planeta, mas sim de que
forma conseguiremos reduzir significativamente essas emissões.

A IEA - Agência Internacional de Energia espera que a maioria das emissões de


CO2 entre 2011 e 2030 sejam provocadas na sua maioria por países desenvolvidos.

O Desenvolvimento da Política Industrial para países com diferentes estágios de


desenvolvimento

Ora, se já sabemos que se espera que seja nos países desenvolvidos e


industrializados que se emitam mais gases com efeito de estufa para a atmosfera e
sabemos também que é em países como os do continente africano, que são menos
desenvolvidos e menos industrializados, onde mais se irão sentir as consequências das
alterações climáticas, como poderá ser organizado, planeado ou promovido o
desenvolvimento dos países à escala global, para um novo paradigma de indústria verde
ou mais amigo do ambiente? Kuznets pode ajudar-nos a responder a esta pergunta, ou
pelo menos a pensar sobre ela.

Em primeiro lugar é necessário ter em conta que os países mais desenvolvidos


terão uma maior capacidade para alterar o seu modelo de desenvolvimento para um que
seja mais ambientalmente sustentável. Se for verdade que serão os países desenvolvidos
a emitir a maioria dos gazes com efeito de estufa, tal poderá ser mais facilmente alterado,
visto que esses países, tendo um maior grau de desenvolvimento da sua economia e da
sua indústria, estarão capacitados com as ferramentas de adaptação necessárias para

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alterar o seu modelo de desenvolvimento, adotando estratégias de desenvolvimento
industrial assentes na inovação de processo produtivo para formas de produção
ambientalmente mais sustentáveis. Essas ferramentas, ou instrumentos, como mencionei,
traduzem-se essencialmente em mecanismos de adaptação da indústria e da economia do
país. Alguns exemplos destas adaptações poderão ser, por exemplo: a substituição de
viaturas de mobilidade coletiva a gasóleo e gasolina para viaturas movidas a gás (numa
solução transitória)1 e movidas a eletricidade e a hidrogénio (numa solução mais
definitiva); a instalação massiva de painéis solares, que seria bastante importante num
país como Portugal, que é o país da Europa com mais horas de sol e o que,
simultaneamente, menos as aproveita para a produção de energia; ou a promoção, por
parte do estado, da construção ou atração de empresas que produzam maquinaria
industrial que funcione à base de energias renováveis. Estes exemplos têm consequências
positivas não apenas para o ambiente como para a própria economia, dado o grau de
inovação e eficiência que poderá ser possível criar com estes processos.

Portanto, como vimos, apesar de não ser algo que possa ser feito num curto-médio
prazo, é perfeitamente possível, com alguma vontade política, estratégia e investimento,
alterar de forma estruturada o modelo de desenvolvimento industrial de um país por forma
a torná-lo ambientalmente sustentável, numa economia já ela desenvolvida. Mais
complexo e trabalhoso será fazê-lo numa economia não desenvolvida ou muito pouco
desenvolvida.

Segundo Kuznets, o desenvolvimento dos países pode ser representado da


seguinte forma:

Segundo Kuznets, os países que se encontram num estágio de desenvolvimento


inicial, encontrar-se-ão também numa fase inicial da sua industrialização, o que por
norma implica a utilização de métodos de produção mais poluentes e insustentáveis, dado

1 Tratar-se-ia de uma solução transitória uma vez que o gás natural não é considerado uma energia
ambientalmente sustentável, no entanto, a sua emissão na atmosfera tem impactos negativos
significativamente inferiores relativamente aos gazes emitidos por combustíveis derivados do petróleo

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o menor custo que estes apresentam. Desta forma, até que seja atingido o ponto de
inflexão da relação Poluição-Crescimento, a utilização de métodos de produção deste tipo
continuará a existir e o país continuará a crescer economicamente. No entanto, a partir de
determinado momento, o país entrará numa fase de desenvolvimento diferente, na qual o
seu crescimento económico se formará com base em indústrias mais inovadoras, com
métodos de produção mais sustentáveis e com uma maior terciarização da economia.

Portanto, a teoria de Kuznets pressupõe que na fase inicial a indústria tem de ser
poluente e só depois pode ter processos de inovação para formas de produção menos
degradadoras do ambiente. Mas e se não tiver de ser assim? E se um país com uma
economia assente na agricultura, para se desenvolver (naturalmente precisa de
desenvolver indústria de raiz) não precisar de tecnologia obsoleta e ultrapassada que
polua? Se a tecnologia que já está a ser desenvolvida permite produzir de forma eficiente
e simultaneamente sustentável sob o ponto de vista ambiental, seria preferível adquiri à
priori essa tecnologia. Ora, para tal, seria necessário que esses países, que não estando
numa fase avançada de desenvolvimento poderão não ter os recursos necessários para
adquirir esses equipamentos, fossem auxiliados por países que já se encontram nesta fase.
Se essa tecnologia menos poluente for mais cara, os países desenvolvidos poderiam
auxiliar os menos desenvolvidos a adquirir essa tecnologia. Mas nem todos os países
desenvolvidos estarão disponíveis para fazer isso, portanto, entramos num impasse. Se
por um lado “deixamos” esse país adquirir tecnologia poluente para a sua industrialização,
estamos a regredir na questão ambiental, se por outro lado confiarmos na bondade dos
países desenvolvidos em ajudar esse país podemos estar a ser ingénuos. Neste ponto as
instituições internacionais teriam um papel importante a desemprenhar.

Se os países desenvolvidos são de facto dos mais afetados pelas alterações


climáticas, para além de África, como é dito neste artigo, seria de esperar que tivessem
interesse em ajudar os países que se estão a desenvolver, a desenvolver métodos de
produção “amigos do ambiente”, não só através da partilha de conhecimento e know how,
como de componentes industriais. No entanto, para que tal se suceda seria necessária a
existência de uma maior abertura de informação, não havendo uma proteção tão reforçada
desta. As empresas tendem a proteger a informação que produzem para adquirir vantagem
relativamente às outras, mesmo quando essa proteção pode estar a condenar a
humanidade, através da inacessibilidade dos países em desenvolvimento industrial a
poderem usar essa informação, não apenas para desenvolverem a sua indústria de forma

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mais sustentável, como para contribuírem assim para a redução das emissões. Estamos
perante uma falha de mercado. Desta forma, e como seria de esperar face a uma falha de
mercado, o Estado terá de intervir. Mas neste caso não se trata apenas de um Estado.
Trata-se de um conjunto de organizações internacionais com legitimidade, reconhecidas
pela esmagadora maioria dos países, que poderia intervir por forma definir regras e
estratégias comuns, organizar essa partilha de recursos, como é o caso da informação, e
definir objetivos claros e coletivos relativamente ao desenvolvimento desses países e às
metas climáticas a atingir.

O Problema não se coloca apenas nos países em desenvolvimento, que apesar de


tudo, são os mais vulneráveis e com menor capacidade para, ao criar uma indústria, o
fazerem diretamente a partir de energias renováveis. O problema coloca-se também em
países como os EUA. Segundo Brandt and Svendsen, e de acordo com o artigo "Climate
Changes and Industrial Policy" (Naudé, W), países como os EUA que poderão não ter um
conjunto de vantagens climatéricas, territoriais ou de outras naturezas e que não têm
apresentado a sensibilidade adequada para o tema em questão, poderão continuar sem
interesse em reforçar e cumprir os acordos internacionalmente estabelecidos. Desta
forma, a estratégia aqui apresentada corre o risco de não ser suficientemente eficaz, uma
vez que países como os EUA e a China, que contribuem de forma esmagadora para a
poluição, poderão não estar disponíveis para fazer as alterações necessárias para o atingir
dos objetivos comuns.

Ou seja, tal como se esperaria, todo um projeto de cooperação e desenvolvimento


de uma indústria menos poluidora estará sempre relativamente dependente de países
desenvolvidos como os EUA que pela defesa dos seus interesses internos, poderão
colocar em causa os acordos entre países, como aliás têm feito algumas vezes,
prejudicando assim fortemente o desenvolvimento dessa indústria.

Diversificação Energética

Quanto às energias renováveis, no caso português podemos pensar que, tendo


sempre presente a importância da diversificação energética mesmo no seio das próprias
energias renováveis, há uma forma de produção de energia em que Portugal facilmente
se poderia especializar, tirando vantagem das suas condições climatéricas, que se trata da
produção de energia fotovoltaica. Para que possamos fazer um diagnóstico mais objetivo:
Portugal é um dos países europeus com maios horas de sol por ano, no entanto é dos

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países com menos capacidade solar instalada, apresentando-se em 19º lugar,
comparativamente com outros países Europeus com menos horas de sol. Estes dados 2
revelam um enorme desperdício de uma fonte renovável - o sol, que poderia estar a ser
utilizada para abastecer o mercado interno da energia e até para a exportar.

Conclusão
Em suma, a política industrial deverá ter um papel fundamental no combate às
alterações climáticas. Mas esse papel só poderá ser desempenhado de forma eficaz se essa
política for definida com acordos e tratados internacionais. Não é possível fazer face a
um problema que a todos diz respeito e que a todos irá influenciar, mesmo que de
diferentes formas e a diferentes escalas, sem uma união de esforços em torno de objetivos
comuns definidos conjuntamente.

As instituições internacionais e os governos dos países têm, assim, um papel


fundamental a desempenhar no desenvolvimento da economia dos países mais pobres e
que mais sofrem com as alterações climáticas e na definição de acordos e compromissos
internacionais que promovam um esforço comum de reforma global do panorama
industrial e comercial para um modelo mais ambientalmente sustentável.

2 (Statistical Review of Wolrd Energy; BP; Solargis)


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Bibliografia

Naudé, W. (2011). Climate change and industrial policy. Sustainability, 3(7), 1003-1021;
Pianta, M., & Lucchese, M. (2020). Rethinking the European Green Deal: An industrial
policy for a just transition in Europe. Review of Radical Political Economics, 52(4), 633-
641;

Anzolin, G., & Lebdioui, A. (2021). Three dimensions of green industrial policy in the
context of climate change and sustainable development. The European Journal of
Development Research, 33(2), 371-405;
Statistical Review of Wolrd Energy; BP; Solargis;
https://unric.org/pt/Objetivos-de-Desenvolvimento-Sustentavel/

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