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Estado de Santa Catarina

Secretaria de Estado da Fazenda


Junta Comercial do Estado de Santa Catarina
Procuradoria Geral

Parecer n.º 02/06.

Processo nº 05/304659-5

Cisão parcial. Versão de patrimônio


líquido nulo, em que o valor dos ativos e dos
passivos se equivalem. Impossibilidade.
“Tira-se do art. 224, II, que a parcela
[vertida] contém ‘elementos ativos e passivos’, e
do art. 226 que os primeiros devem superar os
últimos, i.e., que prejuízos não se transferem de
sociedade para sociedade em operação de cisão,
já que deve ser positivo o valor do ‘patrimônio
líquido’, que para a realização de capital se vai
verter em sociedade beneficiária” (Mauro
Brandão Lopes).
“É lógico que assim aconteça pois, na
efetivação dessas operações, as sociedades não
procurarão obter, para a realização do capital
da empresa que sobreviverá ou que se criará
com a operação, recursos outros que não os
representados pelos patrimônios líquidos, totais
ou parciais, que serão vertidos de uma sociedade
para outra. Daí determinar a lei que, se da
avaliação se verificar que o patrimônio a ser
vertido de uma sociedade para outra tem um
valor inferior ao montante do capital a realizar,
a operação não pode ser efetivada por não haver
equivalência, pelo menos, entre o patrimônio ou
patrimônios a serem vertidos e o capital a
realizar na sociedade sobrevivente. Essa é,
inegavelmente, uma medida que decorre da

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própria natureza da operação, já que não se


trata apenas de unir patrimônios mas de dar à
sociedade que recebe tais patrimônios um capital
correspondente ao valor dos bens incorporados,
o que, se não acontecesse, seria prejudicial aos
credores, que têm no capital social uma garantia
das obrigações assumidas por referidas
sociedades” (Fran Martins).

Trata-se de pedido de reconsideração em que se insurge


contra exigência oposta ao arquivamento da 10a alteração contratual da
empresa CORDIAL DISTRIBUIDORA DE AUTOMÓVEIS LTDA. Tal
exigência questionava o aumento do capital social da empresa por força da
versão de parte do patrimônio da sociedade CORDIAL VEÍCULOS LTDA,
que sofreu cisão parcial. Segundo a assessoria técnica da JUCESC, se o
patrimônio líquido vertido à requerente era negativo, desta versão não
poderia resultar aumento de capital na sociedade beneficiária.
A requerente contesta tal entendimento, sustentando não
haver regra jurídica que impeça a cisão de empresa cujo patrimônio líquido
seja negativo.

De fato, é correta a advertência da assessoria técnica da


JUCESC. Alguns esclarecimentos são necessários a demonstrá-lo.
O laudo de avaliação do patrimônio da sociedade cindida
constatou que seu patrimônio líquido era negativo. Uma vez cindido tal
patrimônio, parte dele restou vertido à sociedade ora requerente. Esta
‘parcela patrimonial’ vertida é composta por elementos do ativo e do passivo
da empresa cindida, cujos valores somados se equivalem. É desta ‘parcela’
específica, que representa exatamente a parte do patrimônio cindido que foi
vertido à sociedade beneficiária, que importa ao deslinde da questão.
A parte do patrimônio vertida à empresa ora requerente
compõe-se, como dito, de elementos do ativo e do passivo da sociedade
cindida, discriminados na cláusula 18a do protocolo de cisão. A soma dos

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ativos vertidos é igual à dos passivos, de forma que o patrimônio líquido (PL
= Ativo - Passivo) vertido é nulo.
Nesta hipótese, portanto, tem aplicação o art. 226 da
LSA:
“As operações de incorporação, fusão e
cisão somente poderão ser efetivadas nas condições aprovadas
se os peritos nomeados determinarem que o valor do
patrimônio ou patrimônios líquidos a serem vertidos para a
formação de capital social é, ao menos, igual ao montante do
capital a realizar”.
No caso, o ‘capital a realizar’ é precisamente aquele
correspondente ao aumento previsto na 10a alteração contratual da sociedade
beneficiária. Ou seja: para a integralização do aumento de capital previsto, é
necessário o aporte de bens cujos valores correspondam a este aumento; se
da cisão realizada resultou a versão de parcela patrimonial cujo saldo é zero,
tal integralização não se perfaz.
Portanto, haverá aumento de capital da sociedade
beneficiária quando o patrimônio vertido for, no confronto entre as colunas
de ativos e passivos, positivo. Do contrário, não haverá acréscimo
patrimonial líquido nesta sociedade – e, assim, não haverá como demonstrar,
a partir desta operação, a necessária integralização do capital aumentado.
Em suma, a lógica por trás das normas que regulam a
cisão empresarial impõe que o aumento do capital da sociedade beneficiária
seja igual, ou inferior, ao valor líquido do patrimônio vertido. Se este saldo
patrimonial for nulo ou mesmo negativo, tal aumento não poderá ser
subscrito.
Mais ainda: como a lei impõe que o capital da sociedade
cindida, no caso de cisão parcial, seja dividido (LSA, art. 229; a IN 88/01,
art. 19, usa o termo reduzido), disto se dessume que o fragmento patrimonial
vertido à sociedade beneficiária deva ter, ao menos, idêntico valor ao da
redução (ou divisão) operada sobre o capital da sociedade cindida.
Isto porque a cisão não é simples operação de sucessão
patrimonial. Mais do que no patrimônio das sociedades envolvidas, a cisão
repercute necessariamente na formação dos respectivos capitais sociais.

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Muito embora parte da doutrina entenda que é possível pensar em


incorporações, fusões e cisões que não impliquem tal efeito, não há quem
negue que, no caso específico das cisões parciais, o capital da sociedade
cindida deverá ser necessariamente reduzido. Logo, tal redução deverá
refletir, necessariamente, no capital da sociedade beneficiária – que será,
portanto, aumentado; e, por força do art. 226 da LSA, tal aumento deverá ser
integralizado com o saldo (PL) do patrimônio vertido.
Donde se alcança a inevitável conclusão: na cisão
parcial, o patrimônio líquido vertido deverá ser necessariamente positivo; e o
aumento de capital na sociedade beneficiária deverá, no máximo, refletir tal
valor.
Neste sentido, Mauro Brandão Lopes:
“Deste quadro geral uma posição emerge de
que não parece possível escapar. Não cuida a lei de indicar
características definidas da ‘parcela de patrimônio’, cuja
transferência de sociedade para sociedade caracteriza a cisão:
refere-se no art. 224, II, a ‘elementos ativos e passivos que
formarão cada parcela do patrimônio, no caso de cisão’, e
estipula no art. 226 que a cisão só se pode efetivar se a perícia
determinar que o valor do ‘patrimônio líquido’, a ser vertido
‘para a formação do capital social’, é ‘ao menos igual ao
montante do capital a realizar’. Nenhuma outra menção faz a
lei à composição ou ao valor tal parcela. E nas duas menções
aludidas tem-se muito pouco, uma completando a outra. Tira-
se do art. 224, II, que a parcela contém ‘elementos ativos e
passivos’, e do art. 226 que os primeiros devem superar os
últimos, i.e., que prejuízos não se transferem de sociedade para
sociedade em operação de cisão, já que deve ser positivo o
valor do ‘patrimônio líquido’, que para realização de capital se
vai verter em sociedade beneficiária” (A Cisão no Direito
Societário, 1980, Ed. Revista dos Tribunais).
Tal conclusão está longe de ser pacífica. Sabe-se, por
exemplo, que uma sociedade com patrimônio líquido negativo poderá ser
incorporada por outra e, neste caso, não haverá aumento do capital desta
última (é este o sentido da expressão “quando for o caso”, no art. 9o, I, da IN

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88/01). Entretanto, quanto às cisões parece ser outra a solução. Como


apontado por Mauro Brandão Lopes, não há regras a disciplinar a
composição do patrimônio – geralmente integrado por ativos e passivos – a
ser vertido. Se admitirmos que o patrimônio vertido contenha mais passivos
que ativos, tendo assim saldo negativo, seríamos forçados a admitir que a
sociedade cindida obteria vantagens econômicas com a operação, enquanto a
sociedade beneficiária seria paradoxalmente prejudicada; nesta hipótese,
chegaríamos à esdrúxula conclusão de que o capital da sociedade cindida
deveria ser aumentado (com a transferência dos passivos, seu PL se tornaria
maior) e o da “beneficiária”, diminuído.
Por isso, a interpretação sistêmica das normas legais
conduz à conclusão de que o patrimônio líquido vertido deverá ser
necessariamente positivo. Não é à toa que a legislação regente impõe a
redução do capital da sociedade cindida (LSA, art. 129), assim como a
transferência suficiente de valores para a integralização do “capital a
realizar” na sociedade beneficiária (LSA, art. 126).
Veja-se a doutrina de Fran Martins:
“A lei, contudo, estabelece, neste artigo, que
as operações só poderão ser realizadas se os peritos nomeados,
na forma dos dispositivos específicos de cada operação, para
fazer avaliação dos patrimônios líquidos que serão transferidos
de umas para outras sociedades, determinarem que o valor do
patrimônio ou dos patrimônios líquidos que devem ser vertidos
para a formação do capital social é, ao menos, igual ao
montante do capital a realizar. É lógico que assim aconteça
pois, na efetivação dessas operações, as sociedades não
procurarão obter, para a realização do capital da empresa que
sobreviverá ou que se criará com a operação, recursos outros
que não os representados pelos patrimônios líquidos, totais ou
parciais, que serão vertidos de uma sociedade para outra. Daí
determinar a lei que, se da avaliação se verificar que o
patrimônio a ser vertido de uma sociedade para outra tem um
valor inferior ao montante do capital a realizar, a operação
não pode ser efetivada por não haver equivalência, pelo menos,
entre o patrimônio ou patrimônios a serem vertidos e o capital
a realizar na sociedade sobrevivente. Essa é, inegavelmente,
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uma medida que decorre da própria natureza da operação, já


que não se trata apenas de unir patrimônios mas de dar à
sociedade que recebe tais patrimônios um capital
correspondente ao valor dos bens incorporados, o que, se não
acontecesse, seria prejudicial aos credores, que têm no capital
social uma garantia das obrigações assumidas por referidas
sociedades” (Comentários à LSA, vol. III, 1979, Forense, p. 126-
127).
Finalmente, se o patrimônio líquido vertido for nulo
(ativo = passivo), não poderia haver nem aumento de capital na sociedade
beneficiária, nem redução na cindida. Neste caso, portanto, sequer haveria
cisão: haveria simples sucessão patrimonial. Reitere-se: a operação de cisão
impõe a transferência de patrimônio líquido positivo, cujo valor deve
corresponder, no mínimo, ao do capital reduzido na sociedade cindida e ao
do conseqüente aumento de capital na beneficiária.
Diante de tudo isso, não se pode aceitar o ato ora em
exame. A cisão parcial resultou na versão de parcela patrimonial composta
de ativos e passivos, cujos valores se equivalem. Noutras palavras, o
patrimônio líquido vertido à “sociedade beneficiária” é nulo. Disto decorrem
duas conclusões. Primeira: não havendo ‘saldo positivo’ no patrimônio
vertido, não poderia haver aumento de capital decorrente desta versão
patrimonial. E segunda: tratando-se de cisão parcial, o patrimônio líquido
vertido deveria ser necessariamente positivo, donde a infringência aos
ditames legais, sobretudo ao art. 126 da LSA.

Ante o exposto, opina-se pelo indeferimento do pedido.

Florianópolis, 5 de janeiro de 2006.

Victor Emendörfer Neto


Procurador da JUCESC

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