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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2012.0000388634

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0164592-


72.2011.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes RMN COMÉRCIO
E PARTICIPAÇÕES LTDA e RAFAEL MAURO NETO, são apelados
CONSTRUTORA PAULO MAURO LTDA, ALPAN COMÉRCIO E
PARTICIPAÇÕES LTDA, PRIMARCA VEÍCULOS LTDA, PAULO MAURO e
FÁBIO DI MAURO.

ACORDAM, em 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de


Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso. V. U.",
de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores JOSÉ


REYNALDO (Presidente sem voto), LIGIA ARAÚJO BISOGNI E TASSO DUARTE
DE MELO.

São Paulo, 7 de agosto de 2012.

Ricardo Negrão
RELATOR
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

VOTO Nº : 19.684
APEL. Nº : 0164592-72.2011.8.26.0001
COMARCA : SÃO PAULO
APTE. : RMN COMÉRCIO E PARTICIPAÇÕES LTDA. E
OUTRO
APDO. : CONSTRUTORA PAULO MAURO LTDA. E OUTROS

PETIÇÃO INICIAL Ação cautelar de exibição de documentos


Objetivo de apurar valor real das transações (sucessivas cisões
e incorporações) e do valor das cotas cedidas pela corré Ação
de natureza satisfativa (CPC, art. 844, II e III) Direito de
exibição de documentos comuns ou de escrituração comercial
não obstado pelo arquivamento dos atos de constituição e
alterações societárias pela Junta Comercial, desde que
demonstrada a pertinência do pedido Hipótese em que cotas
sociais de pessoa jurídica do qual o autor era sócio (RMN)
foram alienadas integralmente a terceira empresa da qual o
autor também era sócio (Primarca), cujo patrimônio foi
parcialmente adquirido pela primeira empresa (RMN)
Inverossimilhança da alegação de trespasse de sociedade sem
conhecimento de seus sócios Entrelaçamento de operações,
porém, que merecem atenção do Juízo, especialmente porque
uma das pessoas envolvidas possuia idade avançada, não sendo
improvável que tenha ocorrido dificuldades ou irregularidades
nas relações entabuladas entre os parentes-empresários
Situação em que suspeita de uso do processo para fins ilícitos
não obsta o prosseguimento da ação cautelar Exordial
recebida Apelação provida para esse fim

PETIÇÃO INICIAL Ação cautelar de exibição de documentos


Objetivo de apurar valor real das transações (sucessivas cisões
e incorporações) e do valor das cotas cedidas pela corré Ação
de natureza satisfativa (CPC, art. 844, II e III) Direito de
exibição de documentos comuns ou de escrituração comercial
não obstado pelo arquivamento dos atos de constituição e
alterações societárias pela Junta Comercial, desde que
demonstrada a pertinência do pedido Documento comum
equivalente àquele de interesse dos que o subscreveram e ainda
de terceiros que, no plano do direito material, se teriam
vinculado à relação jurídica nele contida Interesse de agir
presente - Exordial recebida Apelação provida para esse fim

PETIÇÃO INICIAL Ação cautelar de exibição de documentos


de natureza satisfativa Livros comerciais Exame parcial de
seu conteúdo Possibilidade (CC, art. 1.191, § 2º, e CPC, arts.
381, III, e 382) Exibição requerida como medida preventiva,
em ação judicial, mas limitada às transações entre os litigantes
(Súmulas ns. 260 e 390 do STF) Possibilidade jurídica do
pedido reconhecida Exordial recebida Apelação provida para

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esse fim

Recurso de apelação interposto por RMN Comércio e


Participações Ltda. e Sr. Rafael Mauro Neto dirigido à r. sentença proferida
pela Dra. Claudia Sarmento Monteleone, MMª. Juíza de Direito da E. 5ª
Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo que indeferiu
liminarmente a petição inicial de ação cautelar de exibição de documentos
por falta de interesse de agir, na modalidade necessidade (fl. 102-104).
Em razões recursais os suplicantes descrevem a teia de
cessões de cotas sociais e cisões parciais das sociedades demandadas,
alegando que a falecida Sra. Mietta Allegrini Mauro ex-sócia da
Construtora Paulo Mauro cedera à Alpan Comércio e Participações Ltda.
cotas sociais da Primarca Veículos Ltda., por valor superior ao de mercado,
gerando em desfavor da Alpan desequilíbrio na “apuração de haveres
referente a cessão e transferência de quotas da sociedade Co-apelada
Construtora Paulo Mauro. Este desequilíbrio foi absorvido pela Co-apelante
RMN ao suceder a Co-apelada Alpan, nas ações da Co-apelada Primarca,
pelo mesmo valor do negócio anterior” (fl. 126).
Com o objetivo de apurar o alegado prejuízo, os
suplicantes defendem a possibilidade jurídica da exibição dos documentos
indicados, a maioria deles guardados sob sigilo ou de posse exclusiva das rés
(fl. 112-133).
Preparo e porte de remessa e retorno às fl. 134-136.
É o relatório.
A r. sentença foi disponibilizada em 15 de julho de 2011
(fl. 105), interrompendo-se o prazo recursal pela oposição tempestiva de
embargos de declaração (fl. 106-109) rejeitados por decisão publicada aos 10
de agosto (fl. 111). Iniciada a quinzena legal no dia seguinte (11/08/2011), os
embargantes protocolizaram o recurso cinco dias depois (fl. 112).
Tempestivo, pois, o recurso.
I DOS FATOS
A Sra. Mietta Allegrini Mauro genitora do coapelante
Rafael era sócia da Construtora Paulo Mauro Ltda.
Em 30 de janeiro de 1992 a Sra. Mietta cedeu parte de
suas cotas aos Srs. Paulo Mauro e Fábio de Mauro, permanecendo com Cr$
6.987.512,00 do capital social (fl. 54-55). No mesmo instrumento de alteração
contratual deliberou-se pela cisão parcial da sociedade Simauro
Participações Ltda., cujo patrimônio foi parcialmente absorvido pela

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construtora, representado por inúmeros imóveis avaliados em Cr$


219.667.413,02 (fl. 55-56). Em seguida deliberou-se pela cisão parcial da
Construtora Paulo Mauro Ltda., distribuindo-se as parcelas cindidas do
patrimônio entre Alpan Comércio e Participações Ltda., Maurício
Intermediações S/C Ltda. e Sueli Intermediações S/C Ltda. A tais pessoas
jurídicas foram distribuídos diversos imóveis, dentre eles os recebidos da
cindida Simauro (fl. 55-60).
Em decorrência da cisão parcial o capital social da
construtora foi reduzido, extinguindo-se 10.292.866 cotas sociais, dentre elas
as pertencentes à Sra. Mietta, correspondente a 6,032132% do capital social,
“substituídas por 620.971.308 das quotas da ALPAN COMÉRCIO E
PARTICIPAÇÕES LTDA., de valor patrimonial equivalente” (fl. 61).
Conforme protocolo de cisão, em decorrência do aumento
de capital social da Alpan, foram atribuídas a Renato Mauro, Rafael Mauro
Neto e Rosa Maria Mauro uma cota social a cada um, detendo a Sra. Mietta
620.972.305 cotas (fl. 65-79).
Em 19 de maio de 1993 a Sra. Mietta retirou-se do
quadro societário da Alpan (fl. 91), redistribuindo-se as cotas sociais entre os
demais sócios, seus filhos (fl. 92). Dois anos depois a Alpan foi cindida
parcialmente, reduzindo-se seu capital social para R$ 352.377,00 com a
retirada do sócio Rafael (fl. 92).
Estes são os fatos extraídos dos documentos juntados com
a exordial.
Acrescenta o apelante que no ato de cisão parcial da
Construtora foram incluídos bens relacionados no denominado “Pacote A.M.”
(fl. 95), onde se lê o item “Primarca” no valor de seis milhões de dólares.
Sustenta que a totalidade das cotas sociais da sociedade
Primarca (dos quais os apelantes eram alguns dos sócios) foi cedida à Alpan
como parte de pagamento das cotas sociais remanescentes da Sra. Mietta
junto à Construtora Paulo Mauro (19%) pelo valor de seis milhões de dólares
(ou Cr$ 7.074.300,00), configurando superfaturamento do negócio.
As cotas sociais da Primarca cedidas à Alpan foram, por
sua vez, adquiridas pela apelante RMN sócia da Primarca pelo valor de
seis milhões de dólares.
Com a exibição dos documentos os suplicantes pretendem
apurar o valor real das transações e o valor das cotas cedidas pela corré
Construtora Paulo Mauro (fl. 21).
Os documentos que, segundo a inicial, devem ser
apresentados: escriturações comerciais, balanços, declarações de imposto de
renda, escritura dos imóveis, atos societários, atos societários da cisão e

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incorporação, laudos de avaliação, protocolos de cisão e incorporação, livro


registro de ações, livro registro de transferência de ações, documentos de
transferência de ações e livro presença de acionistas entre os anos de 1991 e
1996 (fl. 21).
A i. Magistrada singular entendeu que tais documentos
podem ser obtidos pela via extrajudicial, carecendo o recorrente de interesse
de agir.

II DO INTERESSE DE AGIR
A pretensão deduzida, de caráter satisfativo, tem lastro
no art. 844, II e III, do Código de Processo Civil.
O arquivamento dos atos de constituição e alteração
societária pela Junta Comercial não obsta o direito de exibição de
documentos comum ou de escrituração comercial, desde que demonstrada a
pertinência do pedido.
A jurisprudência desta Corte pacificou-se no sentido de que o
correntista possui interesse na exibição de documentos - no
caso, extratos bancários -, objetivando discutir a relação
jurídica deles originada, independentemente de sua prévia
remessa ou solicitação no âmbito administrativo, haja vista
tratar-se de documento comum às partes.
(AgRg no REsp 1214582/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO,
QUARTA TURMA, julgado em 17/11/2011, DJe 01/02/2012)
No caso dos autos, a RMN e o Sr. Rafael eram sócios de
pessoa jurídica (Primarca) cujas cotas sociais teriam sido alienadas
integralmente a terceira empresa Alpan, da qual o apelante Sr. Rafael
também era sócio , cujo patrimônio foi parcialmente adquirido pela RMN.
As operações narradas na petição inicial e nas razões de
apelação são confusas e obscuras. Embora seja inverossímil que houvesse
trespasse da Primarca sem conhecimento de seus sócios, o entrelaçamento
das operações narradas merecem atenção do Juízo.
Ainda que o ajuizamento da presente ação cautelar tenha
fins escusos como sugeriu a i. Juíza sentenciante , também é certo que
uma das pessoas envolvidas nas operações (Sra. Mietta, ora falecida) possuía
idade avançada, não sendo improvável tenha ocorrido dificuldades ou
irregularidades nas relações entabuladas entre os parentes-empresários.
Assim, suspeita de uso do processo “com fins diversos dos
que encontram-se previstos na legislação processual” não serve como óbice ao
prosseguimento da ação cautelar.
A propósito da abrangência da tutela pleiteada, anota-se

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que embora os suplicantes não tenham participado da elaboração de alguns


dos documentos, entende-se que “a locução documento comum não equivale a
documento de interesse apenas dos que o subscreveram, senão que
compreende também terceiros que, no plano do direito material, se teriam
vinculado à relação jurídica nele contida” (RT, 622/71).
A respeito dos livros comerciais, é possível o exame
parcial de seu conteúdo (CC, art. 1.191, § 2º, e CPC, arts. 381, III, e 382),
ressalvando o Supremo Tribunal Federal que sua exibição pode ser
requerida como medida preventiva, em ação judicial, mas fica limitada às
transações entre os litigantes (Súmulas ns. 260 e 390).
Conforme o escólio de Luiz Orione Neto, “o sentido que
emerge dessa ementa é o de que o exame de livros comerciais deve restringir-
se à matéria que tenha pertinência com o litígio. Trata-se de entendimento
jurisprudencial que compõe dois direitos: o de garantir o sigilo a que se
referia o art. 17 do Código Comercial de 1850 e o de permitir o exame
previsto no art. 19 do mesmo Código” (Processo Cautelar, São Paulo,
Saraiva, 2004, p. 331).
Juridicamente possível, portanto, o pedido. Nesse
sentido:
1. A possibilidade jurídica do pedido se traduz em apurar se a
pretensão deduzida pela parte mostra-se compatível com a
possibilidade de eventual entrega de tutela jurisdicional, seja
em face da existência de regulação normativa que, em tese,
possa amparar o pedido, seja em razão da inexistência de
vedação legal ou de incompatibilidade com o ordenamento
jurídico.
2. Nos termos do art. 18 do Código Comercial, norma
reproduzida no art. 1.191 do Código Civil atual, a exibição
judicial dos livros do empresário pode ser ordenada em favor
do interessado em questões de sucessão. Na hipótese, o ajuste
firmado entre as partes cuida justamente de acerto de
questões ligadas à sucessão dos bens deixados pelo pai
falecido, o que, em tese, autoriza seja ordenada a exibição.
(...)
5. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.
(REsp 270.169/MG, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA
TURMA, julgado em 17/11/2011, DJe 24/11/2011)
Destarte, reconhecido o interesse de agir e a possibilidade
jurídica do pedido, imperioso o recebimento da petição inicial.

Em razão do exposto, dá-se provimento ao recurso para


receber a petição inicial, determinando o processamento da ação cautelar.

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RICARDO NEGRÃO
RELATOR

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