Você está na página 1de 6

ANO 1, N° 1,

CONEXÕES INTERNACIONAIS JUL-DEZ. 2020 POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA

Os impactos da abertura
comercial na década de 1990 no
setor industrial automobilístico
João Victor da Silva Peixoto¹

RESUMO
Com a instauração de uma nova ordem internacional mais globalizada nos anos 90,
o Brasil, sob o comando do presidente Fenando Collor, encabeçou um dos maiores
planos de abertura comercial da América Latina. A inserção do Brasil no mercado
internacional trouxe diversos avanços para o setor automobilístico, aumentando a
produção e qualidade dos carros no Brasil, contudo, para isso foram necessárias
diversas mudanças na estrutura econômica do país. Além dos impactos na indústria
automobilística, houveram diversos fatores da abertura comercial que
influenciaram a política externa brasileira dali em diante, consagrando o plano de
abertura como um dos marcos da PEB.

Palavras-chave: Abertura comercial; Indústria automobilística; Liberalismo;


Política externa.

23
ANO 1, N° 1,
CONEXÕES INTERNACIONAIS JUL-DEZ. 2020 POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA

Após anos em um governo militar, foram implantados, o impacto inicial


surge o primeiro presidente eleito foi sentido por todos setores industriais
diretamente no Brasil desde a renúncia do país. Porém, o mais afetado entre
de João Figueiredo, último presidente todos foi o automobilístico, que será
militar. Marco da redemocratização, abordado mais adiante.
Fernando Collor de Melo era um A Política Externa Brasileira (PEB)
símbolo democrático para o país e nos governos anteriores, buscava uma
uma esperança de mudança na abertura linear e gradativa, bem como
política brasileira. Sendo assim, o uma integração com a Argentina,
presente artigo busca elucidar os como forma de amenizar o clima
impactos da abertura comercial conflituoso entre os dois países. A
proposta pelo presidente Collor no abertura imediata proporcionada por
setor automobilístico, trazendo uma Collor acabou impactando bastante a
estrutura que busca contextualizar a relação com os argentinos, pois eles
situação brasileira e os principais estavam procurando continuar com o
pontos da política externa do Governo plano de uma abertura linear e não
Collor, depois apresentar os efeitos abrupta, e essa mudança repentina
desses pontos na indústria acabou alterando a linha de relação
automobilística e, por último, sintetizar diplomática entre os dois países.
os principais aspectos da abertura Entretanto, este empecilho foi
comercial e o que ela proporcionou ao contornado pela criação do Mercosul,
mercado. citada por Magnoli (2007, p.49) em seu
A política externa no Governo Collor livro Política Externa, como sendo
tinha como foco a área econômica e primeiramente um instrumento de
industrial, tentando alcançar o estado pacificação e desmilitarização, e
de industrialização dos países mais secundariamente como um acordo de
ricos, e para isso o presidente Collor integração comercial.
buscou realizar uma abertura Em suma, a política externa teve
comercial abrupta no mercado mudanças significativas nas áreas
brasileiro (MAGNOLI, 2007). A comerciais e econômicas, dando
economia brasileira era extremamente espaço para outro fator que foi de
fechada e protegida, as indústrias grande importância para o processo de
necessitavam de auxílios abertura comercial, a globalização. No
governamentais para seus projetos, início da década de 90, o globo se
logo, quando a abertura comercial e os deparava com grandes mudanças,
planos de liberalização da economia devido ao fim da Guerra Fria e a vitória

24
ANO 1, N° 1,
CONEXÕES INTERNACIONAIS JUL-DEZ. 2020 POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA

do capitalismo, o mundo se via muito Enquanto em outros países, os carros


mais interligado e consequentemente eram produzidos com alta tecnologia e
globalizado, fazendo com que a noção baixas taxas tributárias, o Brasil sofria
de um país que fosse fechado e com problemas de infraestrutura,
intervencionista não fizesse sentido. logística, falta de capacitação dos
Todas essas percepções foram trabalhadores e impostos muito
influenciadas em grande parte pelo complexos e altos. Foi então que o
sucesso que o modelo neoliberal presidente Collor deu início a uma
estava tendo nos países mais ricos e característica muito presente nos
regionalmente no Chile, o que acabou outros governos, a diplomacia
resultando em uma adoção do presidencial, que consiste na
presidente Collor pelo método participação do presidente por meio
neoliberal em sua agenda de política de viagens e intervenção na política
externa (GENNARI, 2001). externa do país. O presidente ficou
insatisfeito com o rendimento do
Toda essa mudança no cenário
mercado automobilístico após ver
internacional proporcionou uma
como eram os carros no exterior, e
mudança paradigmática na política
enviou um decreto revogando a Lei da
externa brasileira, o que acabou
Informática para o Congresso, além de
servindo de base para a ruptura com os
reduzir as alíquotas de 37% para 20%
bloqueios brasileiros ao mercado
(FOLHA DE SÃO PAULO, 2010). Tudo
externo. Um exemplo destes bloqueios
isso cooperou para o amplo
pode ser observado na antiga Lei de
crescimento que a indústria
Informática, que proibia a importação
automobilística teve durante o
de bens de informática sob o pretexto
período, aumentando a venda de
de defender a indústria nacional,
carros no país, além de colaborar com
porém, essa lei acabou prejudicando
outros setores que eram prejudicados
vários setores da indústria que
com a proibição de importações
precisavam de tecnologia para
imposta pela Lei da Informática (SILVA,
continuarem com seus projetos, e a
2002).
indústria automobilística era uma
A agenda internacional do governo
dessas (O GLOBO, 2010). O mercado de
Collor buscava sair do status de país de
carros estava defasado devido à falta
terceiro mundo e aprimorar sua
de recursos de produção e as altas
capacidade de produção e
taxas tributárias impostas sobre seus
industrialização, portanto, as medidas
produtos, o que fez com que houvesse
tomadas por Collor auxiliaram tanto
uma baixa no crescimento percentual
internamente quanto externamente
do setor.

25
ANO 1, N° 1,
CONEXÕES INTERNACIONAIS JUL-DEZ. 2020 POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA

em seu propósito. Outro ponto estados estavam em uma corrida por


almejado pela PEB do presidente era a captação de recursos, pois a taxa de
estabilização dos laços com os Estados desemprego estava caindo como
Unidos, pois a relação com a potência consequência dos investimentos
vinha sendo deteriorada há muitos externos no Brasil. Ocorreu então, a
governos atrás, então o governo chamada territorialização da indústria
buscou aproximar-se novamente por automobilística (SANTOS, 2009), uma
meio de viagens e estreitamento dos vez que os estados procuravam
laços, e a abertura comercial foi um fornecer as melhores condições para a
bom ponto de apoio, pois os EUA instauração das indústrias em seu
aumentaram sua participação no território, oferecendo taxas tributárias
mercado brasileiro, melhorando o menores como atrativo para as
relacionamento entre os países. empresas.
Em suma, a abertura comercial
Internamente, o governo estava
proporcionou um grande avanço
instaurando uma nova política para a
internacional para o país, uma vez que
agenda internacional e de comércio,
o Brasil conseguiu se modernizar mais
chamada de Política Industrial e de
e participar de um segmento de
Comércio Exterior (PICE), esta nova
mercado que era restrito a países com
abordagem buscava abrir o comércio e
condições mais elevadas, fazendo com
liberalizar o mercado. As atitudes
que a intenção de Collor, de deixar o
tomadas dentro desse plano estavam
status de terceiro mundo, fosse em
baseadas na abolição de auxílios ao
partes concretizada. Toda esta situação
mercado interno, eliminação de tarifas,
serviu, também, para aumentar a
diminuição das reservas de mercado
competitividade brasileira em um
de alguns produtos e facilitação na
setor que era muito defasado, pois a
captação de investimento estrangeiro
inserção internacional da indústria
(SANTOS, 2009). Todos esses pontos
cooperou diretamente para a
serviram como base para a adoção de
autonomia e competitividade das
políticas semelhantes que seriam
fábricas brasileiras. Um ponto que vale
adotadas no futuro por FHC, como as
ser ressaltado, o afastamento brasileiro
privatizações e diminuição das taxas,
com o plano linear de abertura
juntamente com a pouca participação
encabeçado pela Argentina, fazendo
do Estado nos assuntos econômicos,
com que a abertura comercial viesse a
dando ao Brasil uma face mais liberal.
ocasionar um atrito diplomático entre
O governo também trabalhava para
os dois países, uma das únicas
harmonizar a política de indústria e
ressalvas em todo o plano.
desenvolvimento, e, paralelo a isto, os

26
ANO 1, N° 1,
CONEXÕES INTERNACIONAIS JUL-DEZ. 2020 POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA

O plano de abertura encabeçado pelo acelerando as agendas de


governo Collor, acabou dando uma desenvolvimento. Porém, como o país
receita liberal para que governos realizou essa abertura de forma muito
futuros pudessem seguir. Sendo o mais acelerada e com pouco controle do
emblemático deles, o de Fernando que era cedido ao mercado
Henrique Cardoso, que protagonizou estrangeiro, consequentemente houve
uma das maiores ondas de uma onda de preocupação nos
privatização e diminuição de tarifas da nacionalistas (GENNARI, 2001).
política brasileira. Todo este Por fim, a abertura comercial
movimento acabou atraindo um proporcionou uma base para
capital estrangeiro histórico, com planejamentos econômicos futuros,
alíquotas expressivamente menores do dando uma noção de como a agenda
que eram na década anterior e uma liberal poderia ser tocada no Brasil. A
participação muito mais ativa no abertura dos portos, a diminuição de
comércio internacional, o Brasil tarifas e o desbloqueio das
conseguiu captar muito recurso importações, foram passos
estrangeiro, o que acabou importantes para a consolidação da
aumentando drasticamente o indústria brasileira como é conhecida
chamado Investimento Direto atualmente. Caso esta atitude não
Estrangeiro (IDE) (GENNARI, 2001). tivesse sido tomada, talvez o país não
Houve quem se preocupasse com houvesse se estabelecido e fortalecido
tamanho aporte estrangeiro, com sua competitividade, pois a era da
medo de uma desnacionalização da globalização pedia isso aos países, uma
indústria e da economia nacional, maior capacidade de lidar com
levantando um acalorado debate nos mercados externos e fazer seus
campos políticos e econômicos. produtos e serviços mais competitivos,
ou seja, o Brasil precisava ter passado
A herança desta abertura comercial
por este choque com a realidade
nos anos 90 para as agendas de
internacional, para dar mais
política externa de governos
experiência e capacitar as empresas e
posteriores foi essencial, pois inseriu o
até mesmo o Estado.
país no setor industrial em uma
dimensão ainda não explorada até Notas
então. Com essa aproximação das 1. Discente em Relações Internacionais
agendas econômicas internacionais na Universidade Católica de Brasília
mais liberais, o país conseguiu se Email: peixoto.jvs@gmail.com
inserir em um círculo internacional
mais desenvolvido, atraindo recursos e

27
ANO 1, N° 1,
CONEXÕES INTERNACIONAIS JUL-DEZ. 2020 POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA

Referências SANTOS, Arthur Tranzola. Abertura


comercial na década de 1990 e os
impactos na indústria
ESTADÃO. Abertura comercial e
automobilística. Fronteira, Belo
indústria. Disponível em:
Horizonte, v. 8, n. 16, p. 107 - 129. 2°
https://economia.estadao.com.br/notici
semana. 2009.
as/geral,abertura-comercial-e-
industria-imp-,1 089857. Acesso em:
SILVA, Reinaldo da. Indústria
01/11/2019.
automobilística brasileira nos anos
90: uma nova territorialização.
FOLHA DE SÃO PAULO. ANÁLISE 20
Boletim Goiano de Geografia, v. 23, n. 1,
ANOS A MIL: Collor tinha razão; o carro
p. 59-81, 2002.
brasileiro era uma carroça. Disponível
em:
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/veic
ulos/cv2908201002.htm. Acesso em:
01/11/2019.

GENNARI, Adilson Marques.


Globalização, neoliberalismo e
abertura econômica no Brasil nos
anos 90. Revista Pesquisa & Debate, v.
13, n. 1, p. 30-45, 2001.

MAGNOLI, Demétrio. Política Externa.


In: PINSKY, Jaime (Eng.). O Brasil no
Contexto: 1987 - 2007. São Paulo:
Contexto, 2007, p. 47 - 61.

O GLOBO. Há 20 anos, o Brasil reabria


os portos aos carros importados.
Começava uma revolução. Disponível
em:
https://oglobo.globo.com/economia/ha
-20-anos-brasil-reabria-os-portos-aos-
carros-importados-comecava-uma-
revolucao-3031668. Acesso em:
01/11/2019.

28

Você também pode gostar