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De projetos isolados à alianças de impacto

Investindo para enxugar gelo

Nada é mais frustrante na vida de quem se dedica a alguma causa do que a sensação de enxugar gelo. Por
mais que você trabalhe, invista e gere bons resultados, são grãos de areia perto do tamanho e complexidade
dos problemas e desafios do Brasil em seus mais diversos temas.

Segundo o Censo GIFE (realizado a cada 2 anos), o investimento social privado do Brasil alcançou R$ 2,9
bilhões em 2016, sendo que os principais temas de interesse foram educação (84%), formação de jovens para
trabalho ou cidadania (60%) e cultura e artes (51%).

Apesar de parecer um valor significativo, é pequeno. Apenas a Operação Laja Jato já recuperou R$11,4
bilhões desviados por corrupção, quatro vezes o valor de todo o investimento social privado anual realizado
no país.

O volume também é pequeno quando analisado frente à demanda em quaisquer áreas. Se analisarmos
apenas a demanda por “acesso à água e saneamento”, são necessários R$504 bilhões para universalizá-lo
para os 35 milhões de brasileiros sem acesso, 20 milhões destes em áreas rurais (Plansab).

Investimentos fragmentados, impactos reduzidos

Sabe-se bem que o setor e investimento social não tem a intenção, condição nem capacidade de substituir o
Estado, mas por ser menor e mais flexível, pode contribuir muito ao atuar como um “laboratório” de novos
modelos e soluções para desafios sociais e ambientais.

Por este motivo e tendo em vista a variedade e tamanho dos desafios, a discussão sobre “como” recursos são
investidos e resultados disseminados é tão ou mais importante do que sobre “quanto” é investido.

Hoje no Brasil a maioria os investimentos sociais são aplicados de forma individualizada e pulverizada através
de “projetos” realizados por um vasto número de atores (empresas, institutos, etc) em iniciativas
proprietárias.

O resultado desta fragmentação são projetos com recursos, impacto e prazos limitados, que podem até gerar
bons resultados localmente, mas dificilmente serão adotados e disseminados por outros ou gerar uma
transformação mais ampla e duradoura.

Além de menor impacto, a fragmentação torna o investimento social menos eficiente - ao duplicar custos
com atividades “meio” de gestão, comunicação, avaliação - e menos inteligente – ao duplicar erros e fazer
com que “a roda” seja reinventada repetidas vezes em projetos isolados sem trocas de aprendizados.

Esta duplicidade e fragmentação não é exclusividade do investimento privado, também no setor público
existem dezenas de iniciativas similares que não se conversam e duplicam orçamentos e bases de dados.

Como exemplo, de acordo com o Estudo “Acesso à Água nas Regiões Norte e Nordeste: Desafios e
Perspectivas” feito pelo Instituto Trata Brasil, apenas no governo federal existem 15 programas similares
relacionados ao acesso à água e saneamento em áreas rurais em 6 diferentes ministérios.

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Neste contexto e lógica do “cada um por si”, organizações sociais competem e dedicam muito tempo na
busca por recursos limitados, enquanto que investidores gastam um bom tempo e dinheiro procurando
organizações que gerem o melhor impacto possível para seus limitados orçamentos.

Finalmente, é importante lembrar que a fragmentação não se restringe a recursos financeiros, mas também a
ativos como know how, comunicação e contatos, elementos essenciais para qualquer causa.

Projetos individuais são sim relevantes para contextos locais, mas no Brasil são escassas opções de maior
investimento e impacto tanto para empreendedores e organizações sociais como para investidores.

Como mudar este cenário?

Para termos um setor e iniciativas em torno de causas que sejam opções e estratégias de maior investimento
e impacto gerado, precisamos avançar da lógica de projetos individualizados em direção à alianças e
coalizões de impacto que alinhem visão e congreguem esforços.

Para contribuir com este processo, listei abaixo alguns dos aprendizados que tive em minha trajetória tanto
como empreendedor social pela Aliança Empreendedora como no Instituto Coca-Cola Brasil e Aliança Água+,
uma coalizão formada por 15 organizações para ampliar o acesso a água em comunidades rurais de todo o
Brasil. Em 2018 a Aliança Água+ vai beneficiar mais de 50.000 pessoas de 100 comunidades em 9 estados.

Visão mobilizadora e convite à construção

Para que qualquer aliança ou iniciativa coletiva exista, ela deve ser atrativa, convidativa e com um norte claro
a perseguir. Sem uma visão mobilizadora, poucos irão aderir. Sem uma postura convidativa e flexível, poucos
irão permanecer.

Esta visão e postura não surgem do nada ou são meras táticas, elas nascem do reconhecimento sincero das
limitações que um ator ou projeto isolado tem para realizar mudanças de maior impacto. Para
transformações mais amplas, cada ator deve somar e combinar o que tem de melhor.

Sendo uma causa comum maior do que um projeto isolado, é crucial que a aliança seja flexível e estimule o
protagonismo de todos para elaborar, adaptar e reconfigurar-se à medida em que o grupo aprende, avança e
novos atores entram para este esforço coletivo. Convidar para algo 100% definido, rígido e centralizado não
gera senso de união para algo maior, é um convite fake.

Importante também lembrar o óbvio. Uma aliança é formada por um conjunto de organizações e indivíduos
alinhados em acordos e sinergias. Se as opiniões e interesses de seus membros não são consideradas e
respeitadas, ela tende a fracassar e afastar. Uma coisa é alinhar, outra é amarrar ou pressionar em maioria.

O caminho é o do equilíbrio gerado pela negociação e diálogo. O que mantém uma aliança coesa e viva não
são suas regras e obrigações, mas a convergência de interesses e esforços dos atores que a integram por livre
e espontânea vontade.

Cultivar confiança para construir cooperação

O “DNA da cultura” de um grupo é formado e evolui por aqueles que o integram, e um dos fatores chave de
sucesso ou fracasso de uma aliança é seu grupo fundador e como este se relaciona.

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Para haver cooperação, antes é necessário confiança, e confiança não se compra ou acelera, ela requer
tempo e é construída a partir de convivência, identidade e princípios comuns. Confiança nasce e floresce à
medida em que experiências, histórias e memórias comuns são criadas entre membros do grupo.

Esta é uma das grandes diferenças entre alianças e redes. Enquanto redes são estruturas mais abertas e
soltas, alianças são frutos de pactos entre atores específicos em torno de objetivos comuns.

Antes de definir qualquer governança ou agenda comum, invista na construção de confiança, na arte do
encontro e na camaradagem em torno de um propósito. Aí sim será possível vislumbrar e estabelecer
agendas verdadeiramente comuns.

Finalmente, lembre-se que, antes de organizações, alianças são formadas por pessoas, são elas que criam
laços, aprendem e amadurecem juntas a partir de suas interações e histórias comuns. Quanto mais
envolvidas e motivadas estiverem, maior será sua contribuição tanto em termos de recursos e trabalho como
em expertise contatos em prol do propósito comum.

Micro e Macro que se reforçam

Mas para uma iniciativa produzir um impacto mais amplo e relevante, basta juntar um grupo de pessoas e
organizações para investir e fazer algo juntos? Não, isso funciona para organizar churrascos.

Para que ocorram mudanças mais sistêmicas é preciso uma estratégia (elaborada e aprimorada a muitas
mãos) com prazo e investimentos consistentes que contemple tanto “ações diretas de impacto” em campo
(com pessoas e/ou comunidades) como em “ações de influência” através de articulação, estudos e
comunicação que atuem e gerem impacto no campo das ideias, opiniões, normas e políticas públicas.

Chamo estes dois tipos de abordagem de ações nos “micro” e “macro” ambientes.

Se uma iniciativa é focada apenas em ações diretas em comunidades, não provocará reflexões ou influencia
na opinião e modelos mentais de formadores de opinião, tomadores de decisão e a sociedade, ficando
restrita aos locais onde foi implementada.

Da mesma forma, se a iniciativa contempla apenas ações de comunicação e advocacy, a esta lhe faltam a
presença, capilaridade e legitimidade da prática, sem produzir os cases que comprovam suas teses ou a
massa crítica necessária para os pontos de inflexão desejados.

Para transformações mais amplas e sistêmicas, as estratégias de alianças de impacto devem contemplar
tanto ações de impacto direto em microambientes como ações de articulação, comunicação e influência
junto aos atores chave ou macroambientes.

Como em uma espiral de impacto, estas duas abordagens se complementam e reforçam uma à outra
contribuindo para o crescimento e desenvolvimento de todo o ecossistema em torno da agenda comum.

Efetividade, desafios e ativos comuns para impacto coletivo

Para que uma visão mobilizadora vire realidade, as alianças de impacto devem ter objetivos claros a serem
perseguidos e um compromisso de médio a longo prazo acordado entre seus membros.

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Seja para transformar uma região ou setor, é crucial que este esforço coletivo defina uma rotina de encontros
periódicos para integração e aprendizagem coletiva, assim como um método comum de avaliação de
resultados aprimorado ao longo de sua aplicação.

Além da integração e avaliação comum, as alianças também têm a vantagem (em relação a projetos isolados)
de compartilhar cases, soluções e boas práticas com os demais, podendo ainda unificar e otimizar gestão,
comunicação e produzir um conjunto de “ativos comuns” que beneficiam a todos seus aliados.

Por mais atrativo que pareça, agir e investir coletivamente também apresenta uma série de desafios como o
alinhamento e agilidade para tomada de decisões, interesses distintos sobre regiões a serem beneficiadas,
diferentes capacidades de investimento ou dedicação entre aliados, disputas internas por recursos e
visibilidade, decisões sobre entrada ou exclusão de aliados, dentre outros comuns a qualquer grupo humano.

Para lidar com tantos desafios, interesses e garantir que os benefícios e ganhos de escala de uma aliança
virem realidade, é fundamental uma gestão contínua e dedicada ao apoio e “orquestração” destas ações e
aliados, de preferência realizada por organizações com experiência comprovada neste papel de alinhamento
e suporte a múltiplos atores em torno de objetivos comuns.

No Brasil, organizações como a Avina, Artemísia, Instituto de Cidadania Empresarial (ICE), Todos Pela
Educação e o próprio Instituto Coca-Cola Brasil tem desempenhado este papel em iniciativas coletivas
relacionadas a temas como Educação, Negócios de Impacto, Reciclagem Inclusiva e Acesso à Água e
Saneamento.

Além destes, acredito que outros temas hoje pouco apoiados são muito promissores por terem grande
demanda, muitas iniciativas isoladas e um grande potencial de integrar atores em torno de agendas coletivas.

Como exemplos, tanto a área de fomento e apoio à ciência e tecnologia como nos movimentos para
renovação política e melhoria de governos é notório um crescente interesse nos temas e número de novas
organizações sendo criadas como Instituto Serrapilheira, WTT, Emerge, Wylinka e Cientista Beta (em ciência e
tecnologia) ou RenovaBR, Acredito, Agora, Vetor Brasil, Instituto República e Instituto Atuação (na área de
renovação política e melhorias em governos).

Como já foi dito, iniciativas e alianças de impacto coletivo não são a resposta para todos os casos e projetos
locais continuam a ser fundamentais para contextos e problemas locais. O que devemos é ampliar o número
e a variedade de opções de investimento e impacto coletivo no Brasil.

Através de alianças de impacto em torno de visões e estratégias mobilizadoras, tanto empreendedores e


organizações como investidores podem ir além ao somar, aprender, fazer e impactar mais juntos.

Aí sim teremos um setor que mais coopera e transforma do que se repete e enxuga gelo.

Vamos que vamos, juntos!

Rodrigo Brito é Gerente de Acesso à Água do Instituto Coca-Cola Brasil e co-fundador da Aliança
Empreendedora e Emerge.

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