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A Democracia Na Sociedade Contemporanea
A Democracia Na Sociedade Contemporanea
Resumo
Trata-se de um ensaio acerca da compreensão da democracia na contemporaneidade onde
são apresentados os pontos mais marcantes desta perspectiva em articulação com autores que
contribuem para o entendimento desse fenômeno na modernidade, chegando ao momento atual.
Na atualidade, pensar em democracia, tendo como alicerce o senso comum, é remeter-se a
uma forma de governo onde o povo delega poderes aos seus representantes e dirigentes através das
suas escolhas em tramites eleitorais. O que se torna interessante nesse entendimento é ver que
etimologicamente democracia advém do grego e significa governo do povo. Os gregos pensavam, da
mesma maneira que o próprio Aristóteles, em uma democracia como sinônimo de soberania popular,
numa forma de governo em que o povo exercia o poder legislativo e judiciário pessoalmente e não de
forma representativa. Assim se chega a um impasse conceitual, onde para se entender democracia
na sociedade contemporânea é preciso analisar a evolução desta na modernidade, para por fim
vislumbrar a tendência que se refere à afirmação da democracia participativa enquanto direito
fundamental de toda coletividade no contexto global que se ver presente.
A democracia, na Antiguidade, principalmente na Grécia, era um regime em que o “povo” se
manifestava diretamente de forma participativa para tomar decisões a respeito da cidade. O termo foi
concebido a partir das profundas reformas sociais e políticas de Clístenes, no final do século VI a.C..
Era cidadão verdadeiramente aquele que participava politicamente da vida pública. Hannah Arendt
irá dizer que é na ação politica que o homem grego se torna humano, pois ao sair da esfera privada, o
mundo das necessidades que seria o âmbito doméstico, que é dominada pelo instinto e a
irracionalidade e entrar no espaço público o homem ganha voz. Os homens na polis discutem e
participam da vida politica a defender o coletivo utilizando-se da arte da política e da retórica, em
detrimento de uma defesa a sobrevivência biológica que é defendida na esfera privada.
Uma grande diferença entre a democracia antiga e moderna é que a primeira não havia
isonomia entre as pessoas que moravam no mesmo local ou país. Na verdade, eram considerados
cidadãos uma parcela ínfima da população ativa da cidade, sendo excluídos os estrangeiros, as
mulheres e os escravos. A democracia moderna pressupõe que o povo escolha os seus
representantes e esses os representem.
Democracia, depois da Antiguidade, voltou a ser discutida mais intensamente na modernidade
entre os séculos XVIII e XIX, época de forte caráter absolutista. Nesse período, é que a Revolução
Francesa e Independência dos Estados Unidos despontam no cenário mundial e a democracia liberal
é adotada nessas nações. Intelectuais iluministas questionavam a legitimidade da autoridade do
1- Acadêmico de Direito do 1º semestre da Universidade do Estado da Bahia.
soberano e é nesse clima que soerguerá o ideal do liberalismo. As ideias liberais irão de encontro
com a ordem aristocrática que tinha o monopólio do poder político nas mãos. Bourdieu irá dizer que o
rei absolutista acumulava de forma pessoal funções econômicas, jurídicas e administrativas que o
fazia tomar o seu interesse acima do Estado. Esse pensador discorrerá que com a transição do
Estado dinástico para o Estado Burocrático que o vinculo pessoal que o rei detinha em mãos perde
sua forma em primazia para uma instituição mais autônoma de Estado. Nesse momento,
principalmente com a influência do filosofo John Locke vê um forte tentativa de separação da
dimensão da esfera pública e privada, assim, em outras palavras, o fato de ser nobre não seria mais
pré-requisito de exercer um cargo político.
A concepção liberal de democracia que aí surge colocava o Estado como um aparato de
administração pública que devia abster de interferir na esfera de direitos subjetivos dos cidadãos e na
economia, pois se autorregulavam e obedeciam as leis do mercado. Direitos subjetivos aqui são
entendidos, como trás Habermas, como direitos negativos em cujos limites os particulares são livres
da coação externa, ou seja, direitos e garantias fundamentais que tem a abstenção do Estado ou de
terceiros de violá-los. Os direitos políticos seguem a mesma medida dos subjetivos, conferindo aos
cidadãos a validação de seus interesses particulares, agregando-os a interesses de foro privado
como, por exemplo, a formação das composições do governo. O direito então tem como única função
assegurar e garantir os direitos civis.
Para os liberais, todo poder coercitivo deve ser legitimado, sendo a liberdade humana uma
presunção universal. O Estado é um instrumento legitimado que coordena o equilíbrio dessas
liberdades particulares e de seus interesses. O Estado aqui é justificado pela proteção que dá aos
interesses pré-políticos. O individuo no liberalismo é visto muito acima do coletivo e o que interessa
realmente é a garantia do seu direito e liberdade. Sendo assim, ser cidadão na concepção liberal é
ser o portador de direitos subjetivos e reivindicar as liberdades negativas como pessoa particular,
como aponta Habermas. Assim, determina-se o status dos cidadãos conforme a medida dos direitos
individuais de que eles dispõem em face do Estado e dos demais cidadãos. “O centro do modelo
liberal não é a autodeterminação democrática de cidadãos deliberantes, mas sim a normatização
jurídico-estatal de uma sociedade econômica cuja tarefa é garantir um bem comum entendido de
forma apolítica, pela satisfação das expectativas de felicidade dos cidadãos produtivamente ativos.
(HABERMAS, p. 279)”.
A concepção liberal de democracia é marcada por uma falta de solidariedade social. Os
indivíduos são regidos a se reunir pelo forte poder coercitivo estatal. A politica nessa concepção fica
estática, sendo somente um espaço de aproximação de interesses privados. Os particulares, na vida
pública, adotam estratégias de mercado movidos por seus interesse particulares. O que realmente
acontece é choque de interesses opostos em busca da manutenção do poder. O voto aí não diz
respeito a objetivos comuns, de interesse de todos, mas sim a adequação de um sistema político que
assegure a sustentação do poder.
Por outro lado a perspectiva republicana que emerge com modernidade traz outra perspectiva
de democracia. Democracia seria auto-organização política da sociedade. O indivíduo nessa
concepção se reconhece como pertence a uma comunidade e participante da vida pública. Tem-se
nele uma autonomia pública, um verdadeiro exercício da soberania popular, onde enfim o mesmo
torna-se sujeito de direito. Habermas esclarece que o status do cidadão agora não é determinado
mais pelo modelo das liberdades negativas, como no caso da democracia liberal, cidadão aí é aquele
que garante sua autonomia na formação da opinião e da vontade política. Os direitos subjetivos na
concepção republicana não são mais vistos como negativos e sim positivos, não tendo como fim
último à garantia de preservação da liberdade do agir conforme as regras.
O direito, na concepção republicana, serve para assegurar os direitos políticos. É por meio dos
direitos políticos que o exercício dos cidadãos na vida pública se efetiva e se conquistam os direitos
civis. Com o direito político assegurado o cidadão tornasse sujeito responsável por uma comunidade
de iguais. Habermas dirá que o Estado não tem com função existencial a justificação da defesa dos
direitos subjetivos e sim na promoção da inclusão dos cidadãos na formação opinião e vontade do
interesse comum. Assim o aparato estatal legitima-se por defender e garantir essa práxis, ao garanti a
institucionalização da liberdade pública. A política, nessa perspectiva, aí não desponta como um
elemento mediador dos interesses do povo para com o Estado, mas sim como o espaço próprio onde
se busca através acordo mútuo, não negociado, entre os sujeitos de direito o interesse comum. No
espaço político republicano muda-se a dinâmica do mercado e o que prevalece é a interlocução.
“Segundo a concepção ‘republicana’, a política não se confunde com essa função
mediadora; mais do que isso, ela é constitutiva do processo de coletivização social como um
todo. Concebe-se a política como forma de reflexão sobre um contexto de vida ético. Ela
constitui o medium em que os integrantes de comunidades solidárias surgidas de forma natural
se conscientizam de sua interdependência mútua e, como cidadãos, dão forma e
prosseguimento às relações preexistentes de reconhecimento mútuo, transformando-as de forma
voluntária e consciente em uma associação de jurisconsortes livres e iguais. Com isso, a
arquitetônica liberal do Estado e da sociedade sofre uma mudança importante. Ao lado da
instância hierárquica reguladora do poder soberano estatal e da instância reguladora
descentralizada do mercado, surge também a solidariedade como terceira fonte de integração
social.” (HABERMAS, p.283).