ANATOMIA FUNCIONAL DO MÚSCULO SERRÁTIL ANTERIOR ASSOCIADO
COM LESÃO DO NERVO TORÁCICO LONGO
Luiz Eduardo de Sousa 1, Laila M. Binato Junqueira 2, José A. S. F. A. Pina
Cabral 3
1- Escola de Reabilitação, Universidade Católica de Petrópolis, Centro - Rua Dezesseis de Março,
365 ap.101 Petrópolis – RJ 25620-040. luiz@powerline.com.br 3 – Escola de Reabilitação, Departamento de Anatomia – Universidade Católica de Petrópolis – Rua Barão do Amazonas, 124 Petrópolis, Centro – 25685-070.
patológico da escápula é imprescindível para O músculo serrátil anterior é encontrado na que haja o correto diagnóstico e parede lateral do tórax, tendo sua origem nas conseqüentemente uma reabilitação efetiva. faces externas das oito costelas superiores e segue a curvatura do tórax para se inserir na margem medial da escápula. Localiza-se em 2- REVISÃO LITERÁRIA torno da caixa torácica, de medial para lateral, de trás para frente. Sua principal ação O músculo serrátil anterior recebe este nome é puxar anteriormente a escápula, rodando-a. devido a forma da borda anterior serrilhada, Este músculo tem importante ação sobre os que está localizada nas faces laterais das movimentos da escápula e costelas. Anteriormente ele é coberto pelo consequentemente sobre o membro superior. músculo peitoral maior e, posteriormente pela Lesões na sua inervação resulta no escápula. Encontra-se num espaço do posicionamento anormal da escápula que é tamanho de uma mão abaixo da axila chamado de escápula alada, complicando os imediatamente abaixo da pele, sendo suas movimentos escapulares e do membro cinco digitações inferiores visíveis quando o superior. braço é elevado contra alguma resistência Este estudo descreve os aspectos (RASH, 1991). O serrátil tem o corpo anatômicos e funcionais do serrátil, e as muscular em forma de lâmina com digitações deficiências adquiridas no caso da lesão do carnudas inseridas nas costelas (HAMILTON, nervo torácico longo. De acordo com o 1982). objetivo proposto, é destacado as Existem diferenças entre os grupos do corpo características morfológicas principais desse muscular. O grupo superior tem obliqüidade músculo, a ação sobre o membro superior e súpero-anterior, no sentido das duas caixa torácica, e as conseqüências primeiras costelas. O grupo médio de patológicas no caso de uma lesão nervosa. posição horizontal tem direção anterior para É de fundamental importância que o costelas 2, 3 e 4. O grupo inferior, o mais fisioterapeuta saiba profundamente a volumoso, tem inclinação ínfero-anterior da anatomia funcional do serrátil anterior para 5a a 10a costela (LATARJET, 1993). Sua que seja feito de forma segura uma terapia inserção escapular ocorre na borda medial e em caso de lesão, principalmente do nervo ângulo inferior deste osso (RASH, 1991). torácico longo. O conhecimento do Alguns autores admitem que a inserção na A porção superior do serrátil pode sustentar primeira costela é inconstante (GRAY, 1979). passivamente a escápula, e agir como uma A inserção menos móvel, ou origem do força binária junto com o músculo trapézio, músculo, é pelas interdigitações das ou seja, duas forças paralelas não costelas. Já a inserção mais móvel está na coincidentes de direções opostas que superfície anterior da margem medial da tendem a rodar a escápula. A porção inferior escápula, do ângulo superior até o ângulo age como uma força binária de rotação para inferior. Sendo a inserção mais forte no cima. Quando há extensão do úmero, há ângulo inferior (GRAY, 1979). maior movimento anterior da escápula sobre Na face medial, o músculo está apoiado na o tórax do que durante a abdução. caixa torácica. Esse plano é perfurado pelos Consequentemente, o serrátil desempenha vasos e nervos perfurantes intercostais um papel maior no movimento da escápula próximos das inserções costais. A face do que o outro componente binário, o medial do serrátil anterior está relacionada trapézio (RASH, 1991). com as costelas e com os músculos O músculo serrátil anterior e o trapézio intercostais. Na face lateral é coberta pelos trabalham juntos como uma dupla de forças, músculos peitorais e subescapular. As criando movimentos laterais, superiores e primeiras interdigitações muscular estão rotadores da escápula. O serrátil também é relacionadas com os fascículos do plexo responsável por manter a escápula fixa braquial, artéria e veia axilar. Um tecido contra o tórax e impedir o movimento alar da linfonodal recobre o músculo antes de se borda medial (HAMIL, 1999). tornar superficial (GRAY, 1979). De acordo com os possíveis movimentos A margem superior do serrátil delimita a realizados pelo serrátil, duas situações fossa axilar junto com a margem inferior do devem ser consideradas. Primeiro se o ponto músculo subclávio. E a margem inferior do fixo do movimento são as costelas, sendo serrátil cruza o músculo grande dorsal assim, a borda medial da escápula é fixada formando um ângulo de noventa graus firmemente contra o tórax, a escápula é (GRAY, 1979). abduzida e basculada lateralmente, ou seja, O serrátil anterior está separado do músculo o ângulo inferior da escápula se movimenta subescapular e da caixa torácica por lateralmente e superiormente devido à ação camadas celuloadiposas, indispensáveis das fibras musculares inferiores. Bons para o deslizamento da escápula exemplos são os movimentos de impulsão (BLANDINE, 1992). Esse espaço entre a para frente com o braço e o exercício de escápula e o tórax é denominado de flexão do braço (com as mãos no chão). A articulação escapulotorácica, onde ocorre segunda situação é se o ponto fixo é a uma grande quantidade de movimentos entre escápula, sendo assim as costelas mediais a fáscia do músculo serrátil anterior e a são elevadas pelas porções inferiores do fáscia do tórax. Essas superfícies são serrátil, sendo considerado uma ação denominadas de falsas articulações ou inspiratória (BLANDINE, 1992). O apoio funcionais, por não existir articulações sendo na escápula, observa-se uma ação ósseas. A função normal dessa articulação é acessória na inspiração forçada (LATARJET, fundamental para o movimento e estabilidade 1993). Pessoas que sofrem de asma tem do membro superior (SMITH, 1997). dificuldade de inspirar e soltar o ar, fixando A ação do serrátil é de empurrar a escápula seus membros superiores e o cíngulo do para frente e lateralmente (protusão), membro é tirado melhor proveito dos fazendo com que esse osso siga a curvatura músculos acessórios da inspiração, os do tórax, e tende a fixar fortemente a peitorais e o serrátil anterior (SNELL, 1999). margem medial escapular contra a parede do O principal movimento produzido pela ação tórax. Durante o movimento de empurrar a do serrátil é a protusão da escápula junto escápula para frente e lateralmente o serrátil com os peitorais, movimento importante para puxa o ângulo inferior para a diante mais empurrar objetos, ou impulsionar (GRAY, rápido que o resto de sua borda medial, 1979). Os movimentos da escápula ocorrem fazendo a escápula rodar para cima (GRAY, nas articulações esternoclavicular, 1979). acrômioclavicular e escapulotorácica está adiante dele na parte superior do tórax, (SMITH, 1997). e a artéria toracodorsal acompanha o nervo As fibras musculares do serrátil são quase na sua parte inferior (GRAY, 1979). paralelas às costelas, exercendo uma tração Traumas do nervo torácico longo pode levar para move-las, a menos que a escápula ao problema da escápula alada. O nervo esteja elevada. As fibras superiores estão em pode ser lesionado por golpes ou pressão na posição adequada para realizar abdução da região lateral ou durante o procedimento escápula anteriormente, sem rotação. As cirúrgico da mastectomia radical (SNELL, fibras inferiores formam um componente 1999). fundamental para a rotação escapular. A As conseqüências da lesão do nervo torácico porção inferior só começa a entrar em ação longo, ou de um nervo periférico qualquer, quando os braços são elevados, em torno de depende do tipo da lesão, intensidade e do vinte graus ou, as vezes quarenta e cinco local afetado. Particularmente existe três graus. Isto é comprovado quando se coloca tipos de lesão nervosa: neuropraxia, os dedos no ângulo inferior da escapula, axonotmese e neurotmese (FERREIRA, percebendo que este começa e rodar para 2001). frente (RASH, 1991). A porção inferior está Na neuropraxia não existe perda de relacionada com os movimentos de oscilação continuidade axonal, ocorre apenas uma e circundação do braço (BULL, 1989). interrupção do impulso nervoso ou uma A rotação da escápula, de modo que a redução na velocidade de condução, por uma cavidade glenóide volta-se para cima, lesão apenas na bainha de mielina. O começa após cinqüenta graus de abdução do bloqueio ou redução da velocidade de úmero na articulação gleno-umeral, e condução pode ser apenas um processo coincide com este último movimento do transitório, sem nenhuma alteração úmero (HAMILTON, 1982). histológica. A principal característica é uma O serrátil assiste na elevação do braço no possível reversibilidade (FERREIRA, 2001). plano anterior através de sua ação abdutora A axonotmese caracteriza-se pela lesão e rotadora. Protrai o braço através de sua apenas no axônio e bainha de mielina, o ação de abdução. Através do movimento de endoneuro fica preservado. Esse processo levantamento do corpo através de extensão e ocorre em duas fases, a primeira envolve a flexão do cotovelo (ação reversa) com as desintegração do axônio e bainha de mielina, mãos apoiadas, ele auxilia a mover a parte o que é chamado de degeneração walleriana. superior do tronco em direção posterior. As A segunda fase da reação à lesão é a escápulas abduzem enquanto o corpo é regeneração da continuidade entre o axônio empurrado para cima (KENDAL, 1995). e seu órgão terminal. Essa segunda fase Quando algo anormal ocorre na biomecânica depende fortemente da condição do do membro superior devido à problemas no endoneuro que recobre cada axônio. Quando músculo serrátil, toda uma desordem é o endoneuro é preservado, a regeneração produzida nos movimentos do braço. Quando pode processar-se completamente, uma vez o movimento é descoordenado é bem que o axônio vai crescendo confinado no provável que o músculo esteja fraco ou com tubo antes ocupado por ele (FERREIRA, alguma lesão nervosa importante (DANIELS, 2001). 1996). A neurotmese compromete todo tronco Todo o suprimento nervoso no músculo nervoso. Todas as alterações decorrentes de serrátil anterior é feito pelo nervo torácico uma lesão axonal anteriormente descritas longo, proveniente dos ramos anteriores, do também ocorrem na neurotmese. A quinto, sexto e sétimo nervos cervicais, antes recuperação é muito difícil devido às deles entrarem no plexo braquial (RASH, alterações neurais retrógradas, além disso, o 1991). Entretanto este nervo pode ter fibras espaço entre ambos os cotos nervosos pode de C8, ou nenhuma de C7 ou de C5, a raiz ser preenchido por um tecido composto de de C6 é geralmente maior e mais constante. fibroblastos (FERREIRA, 2001). O nervo torácico longo desce na face exterior A etiologia das lesões do nervo torácico do músculo para supri-lo. A artéria torácica longo podem variar enormemente. As lesões lateral é quase paralela a esse nervo, mas deste nervo, em geral, devem-se a trauma ou tração, traumatismo direto ou ferimentos 3- METODOLOGIA contusos na região do triângulo posterior do pescoço (FERREIRA, 2001). O presente estudo se trata de uma O quadro clínico que caracteriza uma lesão investigação de natureza teórica, sendo do nervo torácico longo é o alamento da essencialmente do tipo de pesquisa escápula, que se torna proeminente bibliográfica com consultas em textos especialmente durante a flexão do braço rigorosamente selecionados a partir de (FERREIRA, 2001). Essa patologia recebe assuntos definidos de acordo com o contexto esse nome devido a posição adotada pela necessário ao desenvolvimento do objetivo escápula quando realizado determinados do estudo. movimentos com o membro superior afetado Sobre a pesquisa bibliográfica, Noscozici (DANIELS, 1996). Quando o braço é fletido (1972), observa que: ou abduzido a borda medial e o ângulo Com a leitura em vários livros ou, pelo inferior tornam-se salientes. Nota-se menos, em um livro poderá o pesquisador especialmente quando se faz esforço para não só ampliar os conteúdos, como também elevar o braço para adiante e ao nível do aprofundar os conhecimentos pela ombro (HAMILTON, 1982). riqueza de exemplos gráficos, tabelas, Havendo paralisia do serrátil anterior, devido ilustrações, relatos de experimentos, a uma lesão nervosa, não é possível levantar comparações, citações de outros autores. o braço diretamente para frente (flexão), e A pesquisa bibliográfica também permite não há abdução nem rotação completa. O comparar diferentes abordagens teóricas.[...] músculo trapézio compensa de alguma Ao mesmo tempo em que compara pontos de forma. Se o paciente já tiver o trapézio fraco, vista diferentes , o pesquisador é levado a de natureza postural ou ocupacional, e sofrer conhecer a terminologia científica nos textos de paralisia do serrátil, ele não será capaz de que consulta.[...] O objeto fundamental da fletir o braço acima da cabeça. Quando há pesquisa bibliográfica consiste em formar paralisia do trapézio e do serrátil a o hábito de consultar em livros ao invés extremidade acromial da escápula estará de utilizar apenas notas de aula e abduzida e deprimida, o ângulo inferior apostilas, com a conseqüente atitude de estará rodado medialmente e elevado valorização de fontes originais. A pesquisa (KENDAL, 1995). A borda medial da bibliográfica representa esforço intelectual e escápula se afasta da caixa torácica físico, consome tempo e energia do (GARDNER, 1978). pesquisador e, por isso todo seus resultados A tentativa de abdução do braço não produz devem ser preservados (p. 188-190, grifo alamento tão importante da escápula, o que nosso). é um dado importante no diagnóstico diferencial para paralisia do trapézio por lesão do nervo acessório (FERREIRA, 2001). 4- CONCLUSÃO A posição fisiológica da escápula na parte posterior da caixa torácica é sustentada pelo É fundamental que o fisioterapeuta conheça tônus e equilíbrio dos músculos nela a anatomia funcional das estruturas do corpo inseridos. Se houver paralisia em um desses, humano, principalmente do aparelho acontece um desequilíbrio, como ocorre na locomotor, que inclui todas as estruturas paralisia do serrátil anterior (SNELL, 1999). ósseas, ligamentos, nervos, músculos É importante o conhecimento da posição e esqueléticos, entre outros de tamanha simetria das escápulas em repouso para importância, para que a terapia evolua de determinar o posicionamento normal desse forma adequada e satisfatória no caso de osso. A escápula está localizada próximo do uma lesão. gradil costal com a margem medial quase Pode-se concluir, de acordo com o objetivo paralela aos processos espinhosos da coluna proposto neste estudo, a importância do e a uma distância de 2,5 a 7,5cm por fora músculo serrátil anterior, sua inervação e (DANIELS, 1996). ação nos movimentos do membro superior, e como uma lesão nervosa periférica provoca uma desequilíbrio estrutural importante nesta região anatômica. 7- HAMIL, J., KNUTZEN, K. M. Bases Desta forma, cabe ao fisioterapeuta saber profundamente de todas as condições Biomecânicas do Movimento Humano. fisiológicas do músculo serrátil anterior, bem São Paulo: Ed.Manole. 1999. como conhecer os tipos de lesões nervosas e todas as deficiências adotadas no caso de um trauma. O conhecimento das 8- HAMILTON, W. J. Tratado de Anatomia características patológicas da escápula alada é primordial para que a terapia seja Humana. ed.2. São Paulo. conduzida de forma correta e para que haja Interamericana. 1982. uma reabilitação, total ou parcial, coerente com o tipo de lesão. 9- KENDAL, F. P., KENDAL, E. M. 5- BIBLIOGRAFIA Músculos Provas e Funções. ed.4. São Paulo: Ed.Manole. 1995. 1- BULL, M. L., FREITAS, V. Estudos Eletromiográficos dos Músculos 10- LATARJET, R. L. Anatomia Humana Trapézio (...) e Serrátil Anterior Vol. 1. ed.2. São Paulo: (porção inferior) nos Movimentos de Ed.Panamericana. 1993. Oscilação e Circundação do Braço. Rev, Bras. Ciênc. Morfol. 6(1): 47-52, 11- NOSCOZICI, F. E. L. A. Estudo jan-jun. 1989. Dirigido: Principais Técnicas in: Bonow, Ivawaisberg. Psicologia 2- CALAIS, B. G. Anatomia para o Educacional e Desenvolvimento Movimento Vol. 1. São Paulo: Humano. 5. ed. São Paulo: Ed.Medici, Ed.Manole. 1992. 1972.
3- DANIELS, W. Provas e Função
12- RASH, P. J. Cinesiologia e Anatomia Muscular. ed.6. Rio de Janeiro: Aplicada. ed.7. Rio de Janeiro: Ed.Guanabara Koogan. 1996. Ed.Guanabara Koogan. 1991.
4- FERREIRA, A. S. Lesões Nervosas
13- SMITH, L. K., WEISS, E. Cinesiologia Periféricas. ed.2. São Paulo: Ed.Santos. Clínica de Brunnstrom. ed.5. São 2001. Paulo: Ed.Manole. 1997.
5- GARDNER, E. Anatomia. ed.4. Rio de
14- SNELL, R. S. Anatomia Clínica. ed.5. Janeiro: Ed.Guanabara Koogan. 1978. Rio de Janeiro: Ed.Guanabara Koogan. 1999. 6- GRAY, H. Anatomia. ed.29. Rio de Janeiro: Ed.Guanabara Koogan. 1979.