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Filosofia e Ciências Humanas - EAD
Filosofia e Ciências Humanas - EAD
HUMANAS
PROF. HENRIQUE ELFES
PROF. ME. GABRIEL DE VITTO
PROF. DR. ANDRÉ FERNANDES
REITORIA:
Dr. Roberto Cezar de Oliveira
PRÓ-REITORIA:
Prof a . Ma. Gisele Colombari Gomes
DIREÇÃO DE GESTÃO EAD:
Prof. Me. Ricardo Dantas Lopes
EQUIPE DE PRODUÇÃO DE MATERIAIS:
Diagramação
Revisão textual
Produção audiovisual
Gestão
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UNIDADE ENSINO A DISTÂNCIA
01
DISCIPLINA:
FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
SUMÁRIO DA UNIDADE
INTRODUÇÃO.............................................................................................................................................................. 4
1. VERDADE, FILOSOFIA E CIÊNCIA......................................................................................................................... 5
1.1 QUAIS AS DIFERENÇAS ENTRE A FILOSOFIA E AS CIÊNCIAS? ...................................................................... 8
1.2 QUANTO AO MÉTODO..........................................................................................................................................11
1.3 CIÊNCIAS E CIÊNCIAS HUMANAS.....................................................................................................................12
1.4 A GÊNESE DAS CIÊNCIAS HUMANAS................................................................................................................13
1.4.1 A “CIÊNCIA DA ALMA”........................................................................................................................................13
1.4.2 AS CIÊNCIAS DA LINGUAGEM.........................................................................................................................16
1.4.3 O DIREITO E A POLÍTICA..................................................................................................................................16
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
INTRODUÇÃO
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
“A verdade, conforme já foi dito, segundo o seu sentido primário está no intelecto. Como
toda coisa é verdadeira na medida em que tem a forma própria da sua natureza, é necessário
que o intelecto, ao conhecer, seja verdadeiro na medida em que tem semelhança com a coisa
conhecida, [semelhança] que é a sua forma enquanto cognoscente. Por isso a verdade se define
pela conformidade do intelecto com a coisa. Donde decorre que conhecer esta conformidade é
conhecer a verdade” 1.
Ou seja, ao contrário dos sentidos, da imaginação e da potência cogitativa, que somente
conhecem as aparências dos entes materiais (cor, forma geométrica, espaço, tempo, peso,
número, sons emitidos, rugosidade, temperatura etc.), o intelecto, e somente ele, conhece a forma
ou “estrutura lógica” desses entes, ou seja, o que eles são – a sua essência que, no momento em
que se faz presente no nosso intelecto, passa a ser denominada conceito. O conhecimento parte
das capacidades ou potências sensíveis, mas não fica nelas; progride para conhecer as essências
dos entes materiais, e a partir delas também para conhecer entes imateriais – como o próprio
intelecto, a verdade, o erro, o belo e o bom, e tantas coisas mais.
Mas os conceitos, por sua vez, não são em si mesmos nem verdadeiros nem falsos. Como
a experiência ensina, podemos enganar-nos ao abstrair a essência de um objeto, e confundir
por exemplo uma coruja pequena com um morcego, se não pudemos observá-los bem – porque
era noite, e só percebemos algo que passou voando perto da nossa cabeça. Ora, nem o conceito
de “morcego” nem o de “coruja” são verdadeiros ou falsos; ambos são o que são, e pronto. Só
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revelam.
Sabemos que os sentidos podem nos enganar: miragens, alucinações, defeitos como
o daltonismo, distrações ou superficialidade na observação etc., são as falhas mais
comumente apontadas. No entanto, o erro dos sentidos é detectado pelos próprios
sentidos, na medida em que retornamos a eles, repetimos as observações ou pedimos
que mais pessoas confirmem o que pudemos observar. Portanto, mesmo que haja falhas,
fundamentalmente a evidência dos sentidos continua a ser sempre um método sólido de
conhecer a realidade.
No entanto, se a afirmação é mais ambiciosa, por exemplo “as rosas podem ser brancas,
amarelas, cor de rosa, arroxeadas ou vermelhas, mas nunca azuis”, só poderemos confirmar
se esse juízo é verdadeiro examinando o maior número de rosas ou ao menos fotos de
rosas que seja possível, e mesmo assim teremos de aceitá-lo apenas provisoriamente,
deixando em aberto a possibilidade de que em algum lugar possa existir uma rosa azul
que não pudemos examinar, porque seria impossível observar literalmente todas as que
existem no mundo: o custo e o tempo empregados seriam impraticáveis. Quanto mais
rosas observarmos, porém, maior será a probabilidade de que a afirmação seja verdadeira.
2. A evidência intrínseca. Esta só se aplica ao conhecimento dos primeiros princípios do
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menor necessidade.
Em suma, para um conhecimento ser aceito por fé, há necessidade: 1. De que a pessoa
ou instituição que o revela demonstre autoridade no que conhece – sabe do que fala (claramente
sabe muito mais do que aquilo que nos revela nesse momento), tem integridade moral (nunca
nos enganou antes, dá sinais de estar interessado no nosso bem, tem boa reputação) e está
apoiado por uma posição social ou instituição que confirmam em certa medida a sua capacidade
de nos ensinar algo (igreja, escola, universidade, às vezes até governo...). 2. De que esse novo
conhecimento adquirido não contradiga ou de alguma forma seja conflitante com o que já
conhecemos como verdadeiro. 3. De que, pelo contrário, confirme ou cristalize uma série de
juízos anteriores que tínhamos, mas que estavam “soltos” ou pareciam desconexos com relação
ao restante do conhecimento que já tínhamos.
Naturalmente, esses quatro modos de chegar a conhecimentos verdadeiros não atuam
separadamente, mas em conjunto, e servem para que tanto os indivíduos quanto qualquer ramo
do conhecimento, escola filosófica ou ciência particular confirme e depure, ao longo do tempo, o
conjunto das ideias, teorias, modelos e modas que apresenta em determinado momento. Nenhum
de nós, e nenhuma filosofia ou ciência detém “toda a verdade”; antes, tudo o que sabemos é uma
acumulação heterogênea de verdades e falsidades, e é necessário um trabalho permanente de
correção do já conhecido, aquisição de novos conhecimentos, harmonização do que já se sabe e
descarte de falsidades para gradativamente nos aproximarmos, pessoal e coletivamente, de um
Na sua origem – entre os filósofos gregos, portanto, e a partir deles na Antiguidade greco-
romana e até a Idade Média –, a palavra ciência significa apenas um “corpo de conhecimentos
verdadeiros e verificados”; neste sentido, a filosofia era considerada uma ciência entre as outras.
No entanto, tinha já um papel unificador e de hierarquização dos outros conhecimentos, como
podemos verificar por este fragmento de uma das obras perdidas de Aristóteles:
“Há [...] umas ciências que produzem cada um dos benefícios da vida e outras
que se servem das primeiras; há algumas subordinadas e outras diretivas; e
é nestas últimas que reside, como têm mais capacidade reitora, aquilo que
realmente é bom. Portanto, se somente a ciência que tem a retidão de juízo, que
usa a razão e que estuda a totalidade do bem, que é a filosofia, pode por natureza
servir-se de todas [as demais ciências] e dirigi-las, é preciso cultivar a filosofia
a qualquer custo, já que somente a filosofia contém em si o reto juízo e uma
sabedoria diretriz infalível” 3.
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pelas contribuições parciais das outras escolas e correntes, capaz de aprender até com os erros
destas. É o que exprime a expressão “filosofia perene”, aplicada até hoje ao pensamento do seu
maior unificador e harmonizador, Tomás de Aquino; e na verdade nada nos impede de continuar
esse esforço unificador apoiado na sabedoria filosófica, talvez nem sempre “infalível”, mas capaz
de se corrigir a si mesmo permanentemente.
Mas, antes de aprofundar nisso, examinemos rapidamente a distinção entre filosofia e
ciência no sentido moderno. Já havia ciências particulares na Antiguidade, como matemática e
geometria, astronomia e gramática, bem como artes, i.e., corpos de conhecimento voltados quase
que inteiramente a finalidades práticas. Muitas, talvez a maioria das coisas que hoje chamamos
“ciências” particulares – ou que merecem cursos universitários próprios, como medicina,
engenharia, direito, economia, política etc. – seriam antes artes nesse sentido clássico.
Fato é que, no sentido moderno, ciência designa um corpo de conhecimento ou conjunto
de conhecimentos acerca de uma parte que se pretende claramente delimitada do real: a medicina
estuda os meios para preservar e melhorar a saúde humana, a biologia estuda os organismos
vivos em geral, a anatomia estuda a estrutura dos organismos e as relações entre as suas diversas
partes, a fisiologia o funcionamento e os “mecanismos” de atuação dessas partes, a histologia os
tecidos que compõem essas partes, a citologia as células que compõem esses tecidos, a bioquímica
os processos químicos que correm dentro das células e tecidos do organismo, a neurociência o
sistema nervoso que controla o organismo, a psicologia a “mente” e o comportamento desses
1. As ciências são delimitadas pelo seu objeto de estudo e conhecimento, ou seja, pela
“parte do real” que estudam; quanto mais uma ciência se desenvolve, mais necessidade
tem de criar “subciências” que estudam objetos cada vez mais restritos;
2. Virtualmente todas as ciências servem a uma ciência maior (ou várias) que é especulativa,
isto é, voltada apenas a aumentar o conhecimento humano sobre a realidade (a biologia
humana abrange anatomia, morfologia, fisiologia, histologia, citologia, bioquímica,
neurociência e psicologia humanas, além de várias outras), e ao mesmo tempo a uma
(ou mais de uma) ciência maior prática (no caso, a biologia humana e as suas subciências
servem à medicina). Podemos dizer, por isso, que há uma espécie de hierarquia das
ciências baseada na abrangência do objeto de cada uma delas.
No entanto, não se trata de uma hierarquia simples que poderia ser representada por uma
pirâmide única, antes é complexa e abrange diversas “pirâmides”. Para ficar no caso que
estamos examinando: as diversas ciências particulares abrangidas pela biologia também
servem à medicina: teríamos assim duas pirâmides que têm boa parte dos “andares
inferiores” em comum, mas distintas pela sua finalidade (especulativa x prática). Além
disso, em maior ou menor grau, todas elas têm de recorrer também às “pirâmides” das
ciências físicas (anatomia, morfologia e fisiologia, p.ex., têm de usar física mecânica;
neurologia precisa recorrer à física elétrica e eletrônica, etc.), das ciências químicas, das
ecológicas, evolutivas, etc. Todas as ciências particulares estão interconectadas entre si, e
as descobertas e formulações de cada uma delas têm de ser apreciadas ou valoradas à luz
do conjunto. Ou seja, sempre são, na melhor das hipóteses, pequenos “grãos” ou fragmentos
de verdade, cujo sentido geral depende do conjunto dos conhecimentos verdadeiros
acumulados por todas as demais ciências no seu conjunto.
Por isso é perfeitamente legítimo falar em “ciência” para se referir ao conjunto das
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ciências; e ao mesmo tempo, é necessário ter um extremo cuidado para falar de “verdades
científicas”, porque cada afirmação depende de um imenso conjunto de outras afirmações
e pressupostos próprios das diversas ciências particulares. E para que uma afirmação
determinada possa ser aceita como “verdade provada [verificada]”, seria preciso
que todas as outras afirmações em que ela se baseia ou das quais ela depende fossem
também “verdades comprovadas”. O que é raríssimo, já que os conhecimentos aceitos em
uma ciência particular são muito heterogêneos: uns são meras hipóteses, outros estão
comprovados – provisoriamente... –, outros são duvidosos, outros se aplicam em alguns
casos mas não em outros...
3. Na própria delimitação dos objetos das ciências particulares, há necessidade de uma
série de definições que as próprias ciências não são capazes de formular. Para ficar na
enumeração que fizemos acima: que significa saúde?, o que é um organismo e o que
significa vida?, que são estruturas, processos e “mecanismos”? E, pior ainda, que vem a ser
mente?
Em suma, as diversas ciências, e, portanto, “a ciência”, são incapazes até de conhecer e
definir com rigor os seus objetos de estudo. Para isso, ou precisam apoiar-se na filosofia,
ou têm de contentar-se com o conhecimento comum, com o sentido que “todo o mundo
atribui àquela palavra”, ou com o sentido de dicionário. Mas, para ver quão precário é
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teoria passa por uma experimentação contínua para que seja confirmada ou refutada. Esta é a
ciência típica do séc. XIX, modelo para filosofias como o positivismo e o positivismo lógico.
No entanto, com a revolução na física (com as teorias relativista e quântica) e na biologia
(com o evolucionismo e a fundação da genética), o antigo paradigma científico entrou em
colapso. Na física contemporânea, por exemplo, cada vez mais a matematização se torna pura e
teorias são postuladas sucedendo-se umas às outras com base na pura evidência matemática. Tal
panorama levou o filósofo da ciência Karl Popper a formular aquilo que chamou de “princípio da
falseabilidade”, no qual se afirma que qualquer teoria científica só pode ser realmente científica
se for passível de ser desprovada, isto é, refutada. Sendo assim, as ciências não buscariam as
verdades do mundo natural, mas apenas modelos explicativos para o fenômeno X ou Y.
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apenas o estado duma pessoa, ela diz mais sobre a atitude de alguém frente a um objeto do que
a respeito do objeto em si mesmo. Os defensores de regimes totalitários, por exemplo, tinham
plena certeza acerca da legitimidade de seu regime.
Por conta dessa diferenciação percebemos mais claramente o que separa a ciência clássica
da ciência moderna. Enquanto a primeira forma um corpo de conhecimentos orgânicos que
se ordenam à verdade dos primeiros princípios, a segunda busca modelos capazes de fornecer
a interpretação de certos fenômenos a fim de gerar uma certeza essencialmente provisória.
Ademais, vale ressaltar que o assentimento presente na certeza não é puramente racional, como
um leitor de Descartes pode pensar, mas que se sustenta por meio de emoções, valores e decisões.
Não há algo como um cientista puramente racional.
Deste modo, conforme as disciplinas científicas se fecham nas certezas de modo cada vez
mais obstinado e dogmático, surgem interpretações ideológicas dos fenômenos. Talvez um dos
melhores exemplos disso se encontre nas certezas científicas da biologia e da psicologia social do
séc. XIX, que tinham plena convicção de que o conceito de raça - assim como uma hierarquização
social e cultural dele derivada - era o que melhor interpretava uma série de fenômenos. Este
paradigma só entrou em colapso após a Segunda Guerra Mundial, também por fatores extra-
científicos.
Sem dúvida, a mais filosófica dessas ciências é a psicologia, ou “ciência da alma”. Tocada
pelo panpsiquismo dos pré-socráticos, foi explorada com mais sistematicidade por Platão ao longo
de sua obra, ocupando um posto central no diálogo Fédon. Platão é o primeiro filósofo a defender
inequivocamente a existência de uma alma racional e espiritual com base em argumentos racionais,
ainda que fortemente alegóricos. Segundo expõe em Alcibíades I, esta alma é ontologicamente
superior ao corpo que possui e guarda com ele uma relação de domínio. O corpo seria, então, a
tumba da alma, uma pena para os maus espíritos sujeitos ao ciclo metempsicótico.
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Aristóteles, por sua vez, é o primeiro a olhar para o problema da alma desde um ponto
de vista global e científico, e, ao mesmo tempo, metafísico. No De anima, obra fundacional da
psicologia, Aristóteles investiga a alma a partir dos seres animados, isto é, dotados de vida.
Percebendo distintas formas de vida, distingue entre três tipos de alma, a saber, nutritiva
(capacidade de nutrir-se e reproduzir-se), sensitiva (capacidade sensível, afetiva e motora) e
racional (capacidade de inteligir e querer), de modo que os níveis superiores suprassumem as
funções dos inferiores.
Durante o período tardo-antigo e o início do medievo, tanto entre cristãos quanto
entre pagãos, a psicologia platônica foi praticamente exclusiva. As únicas exceções notáveis do
domínio platônico em favor de um aristotelismo estrito foram Alexandre de Afrodísias e João
Filipono, filósofos peripatéticos de grande importância. No meio intelectual do neoplatonismo
tardio, predominantemente pagão, entre o séc. V e o VIII, houve a tentativa de conciliação entre o
modelo platônico e o aristotélico, o que resultou em diversos comentários de inspiração platônica
ao De Anima de Aristóteles, dentre os quais sobressaem os escritos por Temístio e Simplício. Do
lado cristão ocidental, a psicologia platônica foi dominante por meio de sua forma agostiniana,
que, prescindindo do reencarnacionismo platônico, deu à estrutura imaterial e racional da alma
um caráter trinitário baseado na ideia cristã do ser humano como Imago Dei. Na Idade Média,
contudo, o cenário muda convulsivamente.
Os séculos XII e XIII viram a entrada da obra especulativa de Aristóteles no mundo
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superior e razão inferior, isto é, entre intelecto agente e cogitativa. Na verdade, todos os sentidos
internos serão de um modo ou outro diluídos num conceito genérico de imaginação. Ainda que
não o seja de modo definitivo e determinista, esta simplificação coloca o problema da psicologia
nos termos que levarão à discussão subsequente.
No que diz respeito à psicologia, tanto Locke quanto Descartes – assim como Descartes,
Locke também foi profundamente influenciado pela escolástica tardia4 – compartilham
diversas premissas fundamentais: a supracitada diluição dos sentidos internos à imaginação,
o uso polivalente de “ideia” para significar conceitos, imagens e sensações, a afirmação da
substancialidade da alma etc. O que realmente distinguia a ambos era o modo como concebiam a
relação entre alma e corpo. As diferenças entre a psicologia racionalista e a empirista se acentuam
com o passar dos séculos. A tradição empirista radicalizará seu apelo exclusivista em relação
aos sentidos caindo num nominalismo estrito – como o de Hume ou Mill –, e o racionalismo
buscará deduzir a realidade e imortalidade da alma, independente do corpo, a partir de princípios
supostamente evidentes.
Já no séc. XVIII, Christian Wolff buscará resolver o problema da distinção entre o âmbito
racional e o sensível através da oportuna diferenciação entre psicologia racional e psicologia
experimental, que representa um avanço dentro do contexto moderno. Porém, a distinção
wolffiana não durará muito tempo. Kant será um grande crítico da psicologia, argumentando que
a psicologia racional não tem razão de ser fora da razão pura, o que, por sua vez, demonstraria
4 Cendejas Bueno, J. L.; Gómez Díez, F. J.; Prieto López, L. J. Actualidad y proyección de la tradición esco-
lástica: filosofía, justicia y economía. Na. Sem. His. Filos. 39 (1), 2022: 181-191.
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Formalmente, como será exposto mais tarde, a filologia começa no Renascimento Italiano,
por conta da redescoberta das línguas clássicas orientais proporcionada pelo estreitamento dos
laços com vários eruditos bizantinos. Contudo, pode-se identificar que o início da filologia se
mescla com a exegese das Escrituras judaico-cristãs e dos poemas homéricos. O primeiro grande
esforço neste sentido foi, muito provavelmente, a redação da Septuaginta pelos sábios judeus de
Alexandria.
Mas, antes, já havia ali certa tradição filológica pagã iniciada por Aristófanes de Bizâncio
e Aristarco da Samotrácia, este último, autor da primeira edição crítica da Ilíada de Homero.
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Como se vê, Cícero defende uma lei universalmente válida inscrita na natureza humana e
que obriga moralmente cada homem a agir conforme ela. Este ensinamento também será adotado
pelos cristãos, a partir da versão defendida pelo Apóstolo Paulo: “Os pagãos, que não têm a Lei,
fazendo naturalmente as coisas que são da Lei, embora não tenham a lei, a si mesmos servem de
lei; eles mostram que o objeto da lei está gravado nos seus corações, dando-lhes testemunho a sua
consciência, bem como os seus raciocínios, com os quais se acusam ou se escusam mutuamente”
(Rm 2,14-15).
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02
DISCIPLINA:
FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PSICOLOGIA
PROF. HENRIQUE ELFES
PROF. ME. GABRIEL DE VITTO
PROF. DR. ANDRÉ FERNANDES
SUMÁRIO DA UNIDADE
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................. 20
1. PSICOLOGIA RACIONAL E PSICOLOGIA EXPERIMENTAL.................................................................................21
1.1 QUE É PSICOLOGIA?.............................................................................................................................................21
1.2 A PSICOLOGIA ARISTOTÉLICA............................................................................................................................21
1.3 A PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA.................................................................................................................. 22
1.4 A PSICOLOGIA “IDEOLÓGICA”............................................................................................................................ 22
2. KARL JASPERS E A PSICOLOGIA EXISTENCIAL................................................................................................ 23
3. UMA GRANDE QUESTÃO VINCULADA................................................................................................................ 24
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INTRODUÇÃO
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como a principal força motivadora do comportamento humano. Segundo Adler, as pessoas estão
em constante busca de superioridade e sucesso, e é esse desejo de superar nossas limitações
percebidas que molda nossas decisões e ações. Em sua ênfase na “vontade de poder” como a
principal força motriz da ação humana, tanto Adler quanto Nietzsche parecem ignorar outros
aspectos cruciais. Particularmente, eles negligenciam nossa busca insaciável pela transcendência
e seu sentido, que está muito além da mera satisfação imanente. Ambas as teorias carecem de
uma apreciação adequada do telos, o objetivo final ou propósito da vida humana, que estaria
restrito ao âmbito puramente individual.
Carl Gustav Jung, contemporâneo de Freud e Adler, divergiu em sua abordagem, optando
por uma teoria psicológica centrada no que poderíamos denominar “panteísmo simbólico”.
Esta perspectiva postula que a psique humana é fundamentada em arquétipos universais e no
inconsciente coletivo. O panteísmo simbólico de Jung, ao enfatizar a interligação entre o humano
e o cosmos, corre o risco de confundir a linha que separa o Criador e a criação, uma distinção
crucial na filosofia clássica em geral. Por fim, Jung negligenciou a importância fundamental da
razão e do livre-arbítrio humanos.
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4. a existência, percepção do que podemos ser. É um plano que não pode ser empiricamente
compreendido. Nele somos o que verdadeiramente somos e nos apercebemos das
possibilidades do autenticamente humano. A partir daqui é possível abrir-se para a
transcendência, para o outro ou para Deus.
Nesse caminho, o ser humano encontra as situações-limite. Na morte, na luta, no
sofrimento e na culpa, percebe a incapacidade de evitar o fracasso. É somente pela aceitação
dessas situações que atingimos a “autêntica existência”. Por um lado, as situações-limite abrem-
nos para a compreensão do outro, para a amizade, o amor e o perdão – i.e., para a transcendência.
Por outro, em última análise, exigem também, para que haja sentido, a abertura para Deus. Essa
abertura final exige os seguintes passos:
1. Deus é.
2. É possível viver contando com a condução de Deus.
3. Para isso, é preciso exigir absoluta e incondicionalmente uma superação da existência
biológica.
4. O ser humano é incompleto e incompletável.
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seriam impossíveis.
2. Com isso, se criou uma visão completamente cínica do amor, própria do iluminismo, que
poderíamos exprimir com as palavras de Voltaire: “O amor é uma questão de epiderme”.
3. Como reação contra esse cinismo, o romantismo identifica o amor com eros, o que
resulta numa sentimentalização do amor que busca intensidade na paixão de preferência
à perenidade e exclusividade. O amor passa a ser um sentimento intenso, mas temporário.
4. Com a psicologia ideológica freudiana, o amor passa a ser reduzido à libido venérea, a
vênus, e essa, por sua vez, é erigida em motor ou “energia” que move e permeia toda a
personalidade humana e todas as estruturas sociais.
5. A psicanálise freudiana domina todo o panorama cultural e literário da primeira metade
do século XX. Começa a ceder o lugar para a psicologia fenomenológico-existencial após
a segunda guerra, mas ainda gera um ramo lateral na forma dos Relatórios Kinsey, dois
enormes livros de psicologia social (Comportamento sexual do macho humano, de 1948,
e Comportamento sexual da fêmea humana, de 1953) escritos pelo zoólogo Alfred Kinsey
e alguns colaboradores. Ambos apresentam um panorama completamente freudiano do
comportamento sexual humano (altíssimos índices de divórcio, infidelidade matrimonial,
homossexualismo etc.), e advogam indiretamente pelo chamado “sexo livre” (totalmente
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5 John Colapinto, As Nature Made Him: The Boy Who Was Raised as a Girl (2000).
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UNIDADE ENSINO A DISTÂNCIA
03
DISCIPLINA:
FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
SUMÁRIO DA UNIDADE
1. CONTAR O PASSADO............................................................................................................................................. 29
1. 1 HUMANISMO....................................................................................................................................................... 30
1.2 REFORMADORES CATÓLICOS.............................................................................................................................31
1.3 ILUMINISMO........................................................................................................................................................ 32
1.4 ROMANTISMO..................................................................................................................................................... 34
1.5 IDEALISMO ALEMÃO ......................................................................................................................................... 34
1.6 POSITIVISMO....................................................................................................................................................... 36
1.7 HISTORICISMO.................................................................................................................................................... 36
1.8 MARXISMO...........................................................................................................................................................37
1.9 OUTROS FILÓSOFOS DA HISTÓRIA ...................................................................................................................37
2. FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS......................................................................................................................... 38
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1. CONTAR O PASSADO
Desde as primeiras abordagens sistemáticas à filosofia, com Platão e Aristóteles, os
filósofos perceberam a importância de se fazer, pelo menos, um apanhado crítico das opiniões
anteriores enunciadas sobre o tema estudado. Veja-se, por exemplo, o Timeu platônico e a
Metafísica aristotélica. Este movimento do espírito reflexivo, que sente a necessidade racional
de considerar o que veio antes, transcende a atividade filosófica e se mostra presente em todas
as esferas da reflexão humana. No Egito Antigo, ainda nos tempos dos faraós, havia o costume
de erigir estelas comemorativas para se narrar e recordar os grandes eventos, como a vitória
em uma guerra, a construção de um templo, um matrimônio real etc. – o mesmo fenômeno
pode ser visto em outras civilizações do Oriente Próximo. Na Grécia, encontram-se as grandes
Histórias de Heródoto e Tucídides. Em Roma, seguindo o modelo da historiografia grega, tem-se
historiadores como Tácito, Plínio o Velho, Plínio o Jovem e Suetônio. Ao norte, entre os povos
celtas e germânicos, abundam as sagas histórico-míticas que cantam a origem dos povos, das
casas reais etc. De certo modo, pode-se dizer que todas essas manifestações da reflexividade
histórica, ainda que distantes do método historiográfico moderno, apontam para o caráter
essencialmente temporal e finito do ser humano, que busca por uma apreensão da totalidade.
Em última instância, as pessoas humanas sempre pensam as coisas eternas e perenes com seu
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
etc. Contudo, como se pode imaginar, este movimento de expansão do interesse pelo passado
nem sempre foi acompanhado de um empenho de esclarecimento das fontes. Em relação a isto,
pontua-se que, ao longo da Idade Média, tornou-se comum que as narrativas históricas incluíssem
elementos fantásticos, lendários, com o objetivo de edificar os leitores. Aqui, surgem obras como
a Legenda Áurea5 e a Chanson de Roland6. No entanto, ao privilegiar o aspecto moral das eventos,
muitas vezes em detrimento da acurácia factual, a historiografia medieval perdeu muito do senso
crítico tão vivo entre os primeiros historiadores do cristianismo. Como mostra Christopher
Celenza7, este processo só começa a ser revertido no século XV, com o Renascimento Italiano.
Destacava-se, neste período, o movimento filológico de retorno às línguas antigas,
agora possibilitado pela massiva imigração de bizantinos à península itálica devido à queda de
Constantinopla, em 1453. A filologia foi, em certo sentido, a primeira impulsionadora das ciências
humanas modernas. Baseada no estudo comparativo das fontes e na busca por manuscritos
originais, os filólogos permitiram o surgimento de critérios fixos para a pesquisa de documentos
e obras antigas. Ao contrário da maioria das ciências textuais anteriores, a filologia prescindia
da especulação para se ater à clarificação e verificação de textos. E, apesar de soar a alguns como
mero pedantismo, o giro filológico do Renascimento realmente mostrou-se fundamental para o
estabelecimento da historiografia moderna, em particular, e das humanidades, no geral. Neste
momento, a revolução da cultura não partia mais do ambiente universitário, como ocorreu no
século XIII, mas se originava da força de livres-pensadores dedicados ao cultivo das letras e das
1. 1 Humanismo
Lorenzo Valla8 foi um dos humanistas mais importantes de seu tempo. Assim como vários
deles, foi sacerdote católico, gramático, filólogo, filósofo e historiador. Valla ficou conhecido
por suas análises da Donatio Constantini, um antigo documento que supostamente atestaria a
concessão da autoridade do Império Romano do Ocidente ao Papa, a partir das quais constatou
que era falsa. Valla também foi um dos primeiros a rever a Vulgata (Bíblia de São Jerônimo)
usando o conhecimento das línguas antigas. Foi, sobretudo, um potente promotor do uso clássico
da língua latina e da leitura crítica da literatura cristã. Deste modo, Valla foi o proto-fundador
do modo moderno de se pensar a história9, isto é, como uma constante revisão crítica de fatos
passados transmitidos através de textos, assim como o ancestral direto de personagens centrais
como Erasmo de Roterdã10, Espinoza11 e a tradição iluminista12. Ainda, agregando a este aspecto,
a crítica de Valla será adorada, endossada e reforçada durante o século XVI pela Reforma
Protestante.
5 DE VARAZZE, Jacopo. Legenda Áurea. São Paulo: Cia. das Letras, 2003.
6 ANÔNIMO, La Chanson de Roland. Paris: Belles Lettres, 2020.
7 CELENZA, Christopher S. The Italian Renaissance and the Origins of the Modern Humanities: An Intel-
lectual History, 1400–1800. Cambridge: Cambridge University Press, 2021.
8 Nauta, Lodi, “Lorenzo Valla”, The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Fall 2021 Edition), Edward N.
Zalta (ed.), URL = <https://plato.stanford.edu/archives/fall2021/entries/lorenzo-valla/>.
9 “Valla foi o primeiro a criar aquela forma de crítica aos dogmas que foi praticada no séc. XVII por Bayle
e até no séc. XVIII por Lessing. Ainda que deixe a decisão para uma outra instância, Valla postula que a investiga-
ção seja conduzida exclusivamente a partir do ponto de vista e com os meios da razão. A razão é o “melhor autor”;
aquele que não pode ser suplantado por nenhum outro testemunho”. CASSIRER, Ernst. Indivíduo e Cosmos na
Filosofia do Renascimento. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p.131.
10 Rummel, Erika and Eric MacPhail, “Desiderius Erasmus”, The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Win-
ter 2021 Edition), Edward N. Zalta (ed.), URL = <https://plato.stanford.edu/archives/win2021/entries/erasmus/>.
11 ESPINOSA, Baruch. Tratado Teológico-Político. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
12 CASSIRER, Ernst. A filosofia do Iluminismo. Campinas: Editora Unicamp, 1992, págs. 267 – 313.
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13 Rummel, Erika and Eric MacPhail, “Desiderius Erasmus”, The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Win-
ter 2021 Edition), Edward N. Zalta (ed.), URL = <https://plato.stanford.edu/archives/win2021/entries/erasmus/>.
14 Cf. FONTÁN, Antonio. Príncipes y humanistas: Nebrija, Erasmo, Maquiavelo, Moro, Vives. Edição Kind-
le: Marcial Pons, 2008.
15 Com a Reforma Protestante, surgiram, na Europa Reformada e Luterana, dezenas de libelos e panfletos
tão fantasiosos quanto – se não mais – as crônicas medievais, versando todo tipo de fábula e sátira a respeito da
História da Igreja, da Antiguidade ao séc. XVI.
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silêncio fatos supostamente gloriosos para ela, mas não comprovados, do que
sustentando fatos inexatos ou falsos”; as suas pesquisas nos arquivos pontifícios
mostraram-se muito adiantadas em relação aos métodos da época”16.
No entanto, depois da convulsão expansiva dos séculos XV e XVI, o avanço das investigações
historiográficas arrefece. Neste período intermediário, porém, ainda há uma elaboração constante
do método histórico-crítico. Baruch de Espinosa, conhecido pelo seu panteísmo à la more
geometrico, contribui com a leitura naturalista e dessacralizada das Sagradas Escrituras, que será
importante para a crítica histórica do séc. XIX; Malebranche, pai do ocasionalismo, também se
dedicou à crítica textual; os mauristas, monges beneditinos, dedicaram-se à edição crítica de
documentos e autores eclesiásticos; os bolandistas, em sua maioria sacerdotes jesuítas, usaram os
aparatos disponíveis até então para devolver às lendas hagiográficas o sabor dos fatos. Percebe-se,
ao longo do desenvolvimento dos processos modernos de investigação histórica, um constante
refinamento hermenêutico proporcionado pela crítica textual que, geralmente, vem acompanhado
de um maior acesso às fontes originais. Em certo sentido, ao interpretar filosoficamente este
processo, chega-se à conclusão de que a racionalidade histórica ganha modos hermenêuticos de
operação. Deste modo, torna-se uma constante assimilação e crítica da tradição.
1.3 Iluminismo
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Vico, apesar de muitas vezes esquecida, é fundamental para a reflexão da filosofia das ciências
humanas, pois, ao contrário dos modos dualistas de se pensar o homem total, por assim dizer,
que ainda estão em voga, Vico o pensa desde um ponto de vista unitário e dinâmico, atribuindo
igual valor às diversas dimensões e formas de expressão humanas, assim como às mais diversas
formas de organização social. Ao mesmo tempo, na contramão das tendências do séc. XVIII,
Vico atribuía profunda importância à dimensão espiritual do ser humano e divisava, através da
noção clássica de “providência”, uma conexão entre a história secular e a sacra. Por estes motivos,
inclusive, o historiador das ideias Isaiah Berlim classifica o italiano como um crítico da visão de
mundo iluminista. Em contrapartida, do outro lado dos Alpes, o desenvolvimento da tradição
historiográfica iniciada por Valla continuava a todo vapor. Como já aludido, pode-se atribuir o
protagonismo dessa abordagem ao inglês Gibbon e ao francês Voltaire19. O caso de Herder, como
se verá, deve ser considerado à parte.
Voltaire, mais conhecido por suas obras satíricas e polêmicas, também deu contribuições
importantes ao desenvolvimento da discussão historiográfica com a publicação de Essai sur les
moeurs et l’esprit des nations, que teve sua edição definitiva publicada em 1778. Nas palavras de
Meinecke (1943, p.73):
“Voltaire interpretou esses desejos no sentido de que o que ele queria era ler a
História como filosofia; conhecendo, não todos os eventos, mas as verdades úteis
que fluem deles; obter uma noção geral dos povos que habitaram e devastaram a
terra, conhecer o espírito, a moral e os costumes das principais nações; tudo isso
Ou seja, Voltaire inaugura formalmente o que chamamos de filosofia da história, que, sob
certo aspecto, pode ser entendida como uma história especulativa do mundo humano. Ainda que
o Essai careça de valor científico, ele marca a virada definitiva, na Modernidade, para a tendência
antropocêntrica sinalizada durante o Renascimento tardio. Seguindo uma abordagem mais
pouco valor. Por que estudar o amálgama caótico de histórias infantis sobre o passado, e menos ainda as paixões
e os crimes de nosso início sombrio, quando a razão pode fornecer respostas verdadeiras e definitivas para os
problemas que intrigaram nossos ancestrais irracionais? O conhecimento válido deve ser obtido somente pelos
métodos das ciências, que Descartes e seus seguidores contrastaram com a miscelânea não científica de percepção
dos sentidos, rumores, mitos, fábulas, contos de viajantes, romances, poesia e especulações ociosas que, na visão
deles, passavam por história e sabedoria mundana, mas não forneciam material passível de tratamento científico,
ou seja, matemático. Assim, a história e os estudos humanísticos em geral foram relegados por Descartes à provín-
cia de informações diversas, com as quais um homem sério poderia passar uma ou duas horas, mas que eram um
objeto indigno de uma vida inteira de estudo e meditação. Vico não estava preparado para aceitar isso. Sua piedade
católica, por si só, era suficiente para afastá-lo de uma abordagem tão positivista, além de sua paixão pela história
jurídica e pelo aprendizado clássico como tal. No entanto, os argumentos que ele usa contra Descartes não são
teológicos, retóricos ou subjetivos. Ele se convenceu de que a noção de verdades atemporais, perfeitas e incorrigí-
veis, revestidas de símbolos universalmente inteligíveis que qualquer pessoa, a qualquer momento e em qualquer
circunstância, poderia ter a sorte de perceber em um lampejo instantâneo de iluminação, era (com a única exceção
das verdades da revelação divina) uma quimera. Contra esse dogma do racionalismo, ele sustentou que a validade
de todo conhecimento verdadeiro, mesmo o da matemática ou da lógica, só pode ser demonstrada por meio da
compreensão de como ele surge, ou seja, de seu desenvolvimento genético ou histórico”. BERLIN, Berlin. Three
Critics of the Enlightenment: Vico, Hamann, Herder. Princeton: Princeton University Press, 2013, págs. 59-60.
19 Como feito por Meinecke, pode-se atribuir importância similar a Hume, por suas História da Inglaterra e
História da Religião, e a Montesquieu, pela sua sequência de estudos históricos e sociais iniciados com Considéra-
tions sur la grandeur et la décadence des romains. No entanto, por razões extrínsecas de brevidade, nos ateremos
apenas a Gibbon e Voltaire.
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
científica, que serviu de modelo durante algum tempo, Gibbon fez sua fama como historiador
com a publicação de A História do Declínio e Queda do Império Romano, em 1776. A seu respeito,
diz Meinecke (1943, p.202):
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Aplicando esta lógica ao mundo humano, em seus aspectos sociais, culturais e históricos,
Hegel verá que ele é a máxima expressão do Espírito em constante progressão20. Neste momento,
Hegel estabelece uma distinção entre dois modos de manifestação do Espírito. A saber, o subjetivo
(relacionado à estrutura do espírito humano) e o objetivo (relacionado à vida civil, social, cultural
e histórica). Em sua grande Enciclopédia das ciências filosóficas em compêndio, publicada 1830,
considera - depois de se livrar da acusação de apriorismo e defender que sua visão apenas leva em
conta a Providência do Espírito - a História e a historiografia nos seguintes termos:
“O Espírito é aquilo que não só paira sobre a história como sobre as águas, mas
que também tece a sua própria trama na história e constitui o seu único motor.
Pois bem, no caminho do Espírito o elemento determinante é a Liberdade,
ou seja, o desenvolvimento determinado pelo seu Conceito, e a meta última é
apenas esse Conceito, isto é, a Verdade, porque o Espírito é consciência, ou seja:
a racionalidade na história. Ora, se tudo isso pode ser ao menos em parte objeto
de uma fé plausível, por outro lado, é um conhecimento filosófico”. (2021, p.875)
20 “Este movimento é o caminho da liberação da Substância espiritual, é o ato pelo qual a meta última
absoluta do mundo ocorre no próprio mundo. O Espírito, que inicialmente é apenas sendo-em-si, traz-se à cons-
ciência e à autoconsciência, e então chega à revelação e à realidade de sua própria Essência sendo-em-si-e-para-si:
então ele também se torna em seus próprios olhos exteriormente Espírito universal, ele se torna Espírito do mundo.
Como esse desenvolvimento ocorre no tempo e na existência e, portanto, ocorre como história, seus momentos e
estágios individuais são os espíritos nacionais. Cada um desses espíritos, como singular e natural em uma determi-
nação qualitativa, está destinado a ocupar apenas uma única etapa e realizar apenas uma única tarefa do ato total”.
HEGEL, G. W. F. Enciclopedia delle scienze filosofiche in compendio. Testo tedesco a fronte. Milão: Bompiani,
2021, p.869.
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Como reação à filosofia da história hegeliana, surgem, ao longo do século XIX, três escolas
que serão determinantes para as subsequentes discussões a respeito da filosofia da história e do
método histórico, a saber: o positivismo, o historicismo e o marxismo. Em paralelo a isto, em
Berlim, história tornou-se, pela primeira vez, uma faculdade independente, separada tanto da
teologia quanto do direito. O primeiro professor de história foi Barthold Georg Niebuhr (1776-
1831), que deu seu primeiro curso no semestre de inverno de 1810. Sob todos os aspectos as aulas
de Niebuhr, sobre história romana, foram um sucesso. Em 1825, Leopold von Ranke (1795-1886),
cujo estudo sobre o início da era moderna tinha o trabalho de Niebuhr sobre história romana
como paradigma, juntou-se a Niebuhr. Juntos, Niebuhr e Ranke formaram a assim chamada
“escola crítica de história”, cujo ideal era aplicar padrões de exatidão crítica à pesquisa histórica.
Os frutos de seus trabalhos foram a Römische Geschichte, de Niebuhr, publicada em 1811-12, e
a Geschichte der germanischen und romanischen Völker, publicada pela primeira vez em 1824.
Os prefácios de Niebuhr à primeira e à segunda edições, bem como o apêndice de Ranke a seu
livro, lançaram as bases para o pensamento e os ideais por trás dos novos métodos críticos. O
historiador deveria, sempre que possível, consultar as fontes originais, e todas as fontes teriam de
ser avaliadas em sua autenticidade e acurácia. Nenhuma fonte deveria ser aceita simplesmente
porque ela havia sido preservada e respeitada pela tradição. (BEISER, 2017, p.149) A partir de
então, Hegel e Ranke iniciam uma batalha campal sobre o sentido da História e os métodos
adequados ao seu estudo. Segundo Beiser (2017, p.151), a vitória de Ranke foi certa, de modo que
1.6 Positivismo
A filosofia positivista, iniciada na França por Auguste Comte e seu Cours de Philosophie
Positive (publicado na Alemanha em 1840), pretendia reduzir todo o saber humano às experiências
quantificáveis, isto é, ao método das ciências exatas. Para eles, como defendeu o historiador
positivista inglês Henry Buckle, a História era regida por leis causais análogas às leis físicas, o
que permitiria uma historiografia totalmente nomotética, ou seja, totalmente expressa em leis
universalmente válidas e mensuráveis. Esta visão rígida e cientificista foi de encontro à tendência
historicista que se formava sob a liderança de Gustav Droysen, que, na esteira do romantismo
alemão, pretendia ressaltar a espontaneidade de cada momento histórico, chegando ao ponto
de adotar certo relativismo epistemológico. Como se pode imaginar, a crítica relativizante de
Droysen não surtiu muito efeito sobre os positivistas.
1.7 Historicismo
Foi preciso que Wilhelm Dilthey, em sua grande Introdução às Ciências do Espírito,
publicada em 1883, resolvesse a questão estabelecendo a diferença fundamental entre as
ciências do espírito e as ciências naturais. Segundo Dilthey, as ciências do espírito dedicam-se a
compreender fenômenos em sua individualidade e singularidade, enquanto as ciências naturais
pretendem explicá-los em sua generalidade. Com esta distinção conceitual, Dilthey dá um
passo fundamental no sentido de refinar a intuição de Herder sobre o conhecimento empático
das ciências do espírito, explicitando o modo hermenêutico com o qual essa compreensão se
dá. Epistemologicamente, Dilthey fundamentará o processo compreensivo das ciências do
espírito na psicologia descritiva21, entendida como investigação experimental e especulativa da
afetividade, da racionalidade e da volição do homem. Dilthey marcou uma virada fundamental
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
no modo como se concebe a filosofia da história e da historiografia, apesar de ser ele mesmo um
historiador medíocre. Entre seus sucessores intelectuais mais prestigiosos encontram-se Ortega y
Gasset, Martin Heidegger e Hans Georg Gadamer. Aliás, sua presença ainda é sentida em muitos
campos da discussão contemporânea. Para citar apenas um exemplo, deve-se atribuir a ele a
popularização do conceito de cosmovisão (Weltanschauung).
1.8 Marxismo
Por fim, antes que a sequência dos acontecimentos entre de vez no séc. XX, deve-se
discutir o aporte marxista ao problema da História. Marx, como discípulo desgarrado de Hegel,
substitui a ideia do Espírito absoluto como propulsor da História Universal pela luta de classes.
Conforme expõe Kolakowski, na descrição feita em O Capital:
22 Cf. BOCHENSKI, I. M. El materialismo dialectico. Madrid: Rialp, 1966. Como caso paradigmático, ainda
que voltado à discussão das ciências naturais, veja-se o lysenkoismo.
23 KOLAKOWSKI, Leszek. Principais correntes do marxismo: O colapso. Campinas: Vide Editorial, 2022.
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“Não é apenas uma ciência entre as outras, como se houvesse a ciência da sociedade
assim como existe a ciência dos seres vivos. Em vez disso, a sociologia é a ciência
que vem depois de todas as outras; e como ciência final, deve assumir a tarefa
de coordenar o desenvolvimento de todo o conhecimento. Com a sociologia,
a positividade se apodera do último domínio que até então lhe escapava e
lhe fora considerado para sempre inacessível. Muitas pessoas pensaram que
os fenômenos sociais são tão complexos que não pode haver ciência deles. A
ideia de Geisteswissenschaft de Dilthey, por exemplo, é explicitamente dirigida
contra o positivismo e mantém a diferença entre filosofia natural e filosofia
moral. Pelo contrário, de acordo com Comte, esta distinção, introduzida pelos
gregos, é abolida pela existência da sociologia, e a unidade que foi perdida com
o nascimento da metafísica restaurada (1830 (58), v. 2, 713-715). A fundação
da ciência social constitui, portanto, uma virada na história da humanidade.
Até então, o espírito positivo era caracterizado pelo método objetivo, que vai
do mundo ao homem; mas como esta meta já foi alcançada, torna-se possível
inverter essa direção e ir do homem ao mundo, para adotar, em outras palavras,
o método subjetivo, que até então estava associado ao antropomorfismo da
teologia. Para legitimar esse método, basta substituir a teologia pela sociologia
— o que equivale a substituir o absoluto pelo relativo”. (BOURDEAU, 2022)
“considera o indivíduo e seu ato como a unidade básica, como seu “átomo”
— se nos permitirem pelo menos uma vez a comparação discutível. Nessa
abordagem, o indivíduo é também o limite superior e o único portador de
conduta significativa... Em geral, para a Sociologia, conceitos como “Estado”,
“associação”, “feudalismo” e outros semelhantes designam certas categorias de
interação humana. Daí ser tarefa da Sociologia reduzir esses conceitos à ação
“compreensível”, isto é, sem exceção, aos atos dos indivíduos participantes”.
(1982, p. 74)
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que determina sua existência, mas sua existência social que determina sua
consciência”.
Aliás, este será o motivo da atenção dada pelos marxistas, desde sua origem, à cultura.
O meio cultural, como se pode constatar facilmente através do estudo das humanidades,
é o campo no qual as mudanças são mais essenciais. Por fim, a partir da sociologia marxista
também nascerão os diversos métodos críticos que culminarão, entre os marxistas heterodoxos,
no Institut für Sozialforschung, berço da chamada Escola de Frankfurt. Atualmente, a tradição
sociológica fundada no materialismo histórico encontra expressão, além da Escola de Frankfurt,
nas sociologias feminista, decolonial, queer etc. Em relação ao frankfurtianos, cabe ressaltar dois
pontos: 1) não havia um consenso entre os pensadores da Escola, havendo alguns culturalmente
conservadores como Adorno, assim como culturalmente muito progressistas, como Marcuse;
2) dentro do âmbito social, a principal influência da Escola de Frankfurt se deu na promoção
ou fundamentação epistemológica da Revolução Sexual dos anos 1960, principalmente a partir
de Eros e Civilização: Uma Interpretação Filosófica do Pensamento de Freud, obra de Marcuse
publicada em 1955, na qual propunha uma fusão entre marxismo e psicanálise. Pode-se dizer,
inclusive, que esta fusão foi a causa da maior influência do pensamento social marxista para a
cultura ocidental, haja vista que a influência soviética se restringiu ao lado oriental da Cortina
de Ferro.
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imperialismo britânico, que estendia sua influência sobre todo o orbe. São dessa época as famosas
viagens de exploração e as sociedades de exploradores. Destacam-se, nesse período, as viagens
de Darwin, dos irmãos Von Humboldt e Edward Burnett Tylor. Cada um deles exerceu um papel
central no modo como a cultura foi entendida, apesar de suas diferenças. Darwin, como é sabido,
“descobre” a teoria da evolução das espécies, que causará uma revolução no ambiente intelectual
europeu; suas ideias darão origem, no plano da análise social, ao darwinismo social – juntamente
com Herbert Spencer, Thomas Malthus e Francis Galton. Os irmãos Von Humboldt, por sua vez,
serão responsáveis pela última disseminação do mecanicismo Iluminista, o qual dará sustento à
ideia de que há uma progressão causal no desenvolvimento das culturas. E, por fim, Tylor será
o responsável pela concepção do evolucionismo cultural por meio da obra Primitive Culture,
publicada em 1871. Em contraposição ao movimento evolucionista, surge o funcionalismo
cultural, virtualmente iniciado pela obra Aqui, concretamente, é comum que haja uma certo
cruzamento entre antropologia cultural e etnologia. Muitos desses pesquisadores não se limitaram
a descrever as tradições investigadas, mas propuseram teorias abrangentes sobre o processo de
formação das culturas em geral. A este respeito, já no séc. XX, são importantes os trabalhos de
Claude Lévi-Strauss.
Lévi-Strauss pode ser considerado o fundador do estruturalismo, uma teoria da cultura
que pretende explicar relações sociais em termos de estruturas relacionais abstratas, isto é,
lógico-simbólicas, calcada na análise da linguagem. Para Strauss não importavam muito os
2.8.1 “Unitaristas”
Dentro da metodologia unitarista podemos distinguir entre os autores com uma inclinação
materialista e os que propõem algum tipo de sabedoria originária, como os perenialistas. Ademais,
dentro da conceopção materialista há, também, a tendência ao relativismo religioso. De modo
geral, com o processo secularista propugnado pelo Iluminismo, a religião passou a ser vista como
sendo uma mera manifestação cultural – muitas vezes, deve-se dizer, de culturas mais atrasadas
e retrógradas.
Os materialistas, como já aludido anteriormente, se originam da tradição iluminista.
Neste sentido, são protagonistas, sobretudo, os iluminismos francês e inglês. Contudo, ao longo
do séc. XIX, após as guerras napoleônicas, tal tendência se espalhou para outros países, como
a Alemanha. Num primeiro momento, a crítica da religião e sua subsequente relativização se
centrou nas Sagradas Escrituras. Iniciado por Espinosa, o costume dominante entre as classes
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
letradas européias era conceber as narrativas bíblicas como sendo uma colcha de retalhos,
na qual todo o conteúdo se reduzia ao mito e à fantasia – aliás, foi justamente neste período
que “mito” e “fantasia” ganharam a carga semântica que ainda possuem, isto é, algo falso ou
desprovido de fundamentação racional. Do ponto de vista sistemático, pode-se localizar o inicio
da ciência secular da religião na tentativa de explicar a vivência religiosa dos povos sem recorrer
ao problema da existência ou verdade de Deus, como faz Hume em The Natural History of
Religion (1757). Tal tendência se formalizou de forma mais plena na obra de Max Müller, alemão
naturalizado britânico, filólogo, orientalista e historiador da religião. Fundamentalmente, Müller,
em suas Giford Lectures, defende a tese de uma origem comum e sócio-linguística para a religião
natural. Não haveria, portanto, qualquer margem para uma ação verdadeiramente sobrenatural
ou metafísica, apenas a transmissão de uma tradição originária preservada na estrutura dos
mitos e da linguagem. Em sua opinião, a origem da religião ocidental poderia ser localizada na
raiz comum dos povos indo-arianos; na tradição do hinduísmo vedântico, mais completamente.
Parte dessa tradição interpretativa, também, pode-se identificar o trabalho de James George
Frazer (The Golden Bough, de 1890) e de Andrew Lang (Myth, Ritual and Religion, de 1887).
Por outro lado, entre o final do séc. XIX e início do XX, surge, entre alguns intelectuais
europeus influenciados pelo sufismo, isto é, pelo misticismo islâmico, uma compreensão que de
certo modo se move dentro do mesmo marco daquela de Müller, pois também busca explicar
a história das religiões a partir de um princípio ou origem comum a todas elas. Neste caso –
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2.8.2 “Autonomistas”
Por fim, temos a concepção autonomista, que busca entender a gênese e a natureza próprias
de cada religião em relação à totalidade do fenômeno religioso. Aqui, por exemplo, se encontram
os trabalhos de religião comparada realizados pelos missionários católicos já mencionados. Há,
na doutrina católica, uma postura em princípio aberta em relação às outras religiões, pois, ainda
que marcando claramente as diferenças, os missionários católicos são estimulados a inculturar o
cristianismo na cultura e nos costumes dos diversos povos. Foi neste espírito que Matteo Ricci
compôs seu catecismo chinês, chamado de O verdadeiro significado de “Senhor do Céu”, publicado
em Pequim no ano de 1603, no qual propunha uma análise comparativa entre o catolicismo e o
confucionismo praticado na China. Já na Modernidade, tal tradição continua viva tanto dentro
do catolicismo como fora dele. Entre os católicos, chama a atenção o trabalho de Henri de Lubac,
teólogo e fundador da primeira cátedra francesa de história da religião, sobre o budismo. Fora
deste âmbito, tem-se o volumoso trabalho da “escola romena”, especialmente o desempenhado
por Mircea Eliade em inúmeros livros dedicados ao tema geral da evolução das religiões e a
temas particulares, como a investigação sobre o Mito do Eterno Retorno ou a natureza do espaço
sagrado. Também, mais próximo à sociologia da religião, pode-se mencionar a obra de Rodney
Stark, que se dedicou especialmente à evolução sócio-histórica do cristianismo, mas que também
buscou uma compreensão global do fenômeno religioso por meio da religião comparada.
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UNIDADE ENSINO A DISTÂNCIA
04
DISCIPLINA:
FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DIREITO E ECONOMIA
PROF. HENRIQUE ELFES
PROF. ME. GABRIEL DE VITTO
PROF. DR. ANDRÉ FERNANDES
SUMÁRIO DA UNIDADE
1. DIREITO: JUSTIÇA.................................................................................................................................................. 47
1.1 DIREITO: LEI.......................................................................................................................................................... 52
2. ECONOMIA: DADO ECONÔMICO, SEUS SENTIDOS E CREMATÍSTICA........................................................... 56
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
1. DIREITO: JUSTIÇA
A justiça e a lei são os bens do direito. Comecemos pela justiça, por sua maior abrangência
em termos de bem jurídico. Dentre os vários problemas que as sociedades enfrentam, boa parte
deles prende-se com a questão da justiça: direitos humanos, direitos sociais, intervenções militares
da ONU, criminalidade, desobediência civil, cotas raciais, aborto, eutanásia, feminismo, direitos
das minorias, proteção ao meio ambiente, educação e saúde entre outros temas candentes.
O bem do Direito ou bem jurídico tem uma íntima ligação com a justiça. Está relacionado
a um saber ser justo, pois, muito embora não deva realizar sozinho a obra da justiça, o titular
deste bem deve ser pessoalmente justo, no sentido de amante da justiça. Do contrário, dará
ouvido à injustiça e terá se corrompido. Tomás de Aquino (1976:74) dizia que “a corrupção da
justiça tem duas causas: a falsa prudência do sábio e a violência do poderoso1”.
A missão dos titulares dos bens está em discernir e assinalar o “seu” de cada um.
Considerar essa peculiar e típica relação do Direito com a antropologia filosófica é importante
para perceber que, ao lado da virtude justiça, o homem deve fomentar a virtude da prudência,
porque seu agir social está, antes, em discernir e assinalar, atitudes próprias da órbita prudencial,
para depois dar ao seu titular.
No seio da arena social, os profissionais do direito gozam de um destaque especial na
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
3 Existem dois tipos de leis humanas: a escrita e a não escrita. Esta corresponde àquela que o homem tem dentro de si
como premissa de sua ação. É chamada de lei moral e está expressa em diversos textos religiosos e laicos (como o Decálogo e
a Declaração Universal dos Direitos do Homem) e, principalmente, no coração e na consciência do homem, como ressaltaram
expoentes tão diversos como São Paulo e Rousseau. Refere-se aos critérios mais elementares de ação e de justiça, como não
matar, não roubar, falar a verdade, respeitar a dignidade da pessoa humana, respeitar os pactos e, principalmente, fazer o bem e
evitar o mal (Suma Teológica, I-II, q 94, a 2).
4 Política, L. I, 1253 a 37.
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
a. Para Aristóteles, a justiça é uma virtude e, como tal, trata-se de uma disposição ou
hábito de praticar o justo;
b. Para Aristóteles, existem duas classes de justiça: a justiça total e a justiça parcial. A
justiça total é a virtude de cumprir as leis, chamada, séculos mais tarde, de justiça legal.
Dado que as leis comandam todas as virtudes (mais ou menos perfeitamente, conforme
as leis sejam boas ou ruins), a justiça total equivaleria à soma das virtudes, enquanto se
refere ao outro, isto é, não ao bem próprio, mas ao bem alheio, de sorte que, analisada
absolutamente, é virtude e, vista sob o ângulo do outro, é justiça. No seio da justiça total,
emerge, pois, um atributo caro à noção de justiça, a saber, a alteridade, intersubjetividade
ou bilateralidade;
c. A justiça parcial (ou justiça particular) não corresponde à virtude total, mas a uma
parcela desta. Consiste na justa distribuição dos bens e no correto regulamento dos tipos
contratuais (como os contratos do direito privado e os acordos entre os particulares) e
dos delitos (tipos penais). Essa justiça é justiça em sentido próprio e estrito, a justiça dos
juízes, e corresponde uma das quatro virtudes cardeais;
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
d. Aristóteles distingue com clareza a justiça (dikaiosyne) de o justo (tò dikaion), sem
confundi-los. Nesse sentido, a justiça (dikaiosyne) é a virtude ou o hábito, enquanto o
justo (tò dikaion) é aquilo que se realiza ou pratica pelo homem em função da virtude, ou
seja, o objeto da justiça ou o justo concreto. O justo (tò dikaion) é o que os jurisconsultos
romanos chamarão mais tarde de ius – o direito – ao descrever a justiça. O justo não tem,
então, um sentido vago ou lacônico, intercambiável com a justiça, mas um sentido preciso,
isto é, o próprio de cada um, ou seja, o “seu”. É aquela coisa que a justiça dá ou atribui a
um sujeito (ou a um conjunto de sujeitos), aquilo que lhe deve ser proporcionado.
e. Aristóteles (2008:81), na obra Retórica, define a justiça, em sentido estrito, como sendo
“a virtude pela qual todos possuem o que lhes pertence de acordo com a lei; seu oposto é
a injustiça, por meio da qual as pessoas possuem o que pertence a outros, contrariamente
à lei5”. Essa definição, embora imperfeita (porque a conceitua pelo seu efeito e não pelo
seu ato), é extremamente expressiva. O “que lhes pertence” é o equivalente ao “seu” – o de
si mesmo – e, por isso, o efeito da justiça é entendido como ter cada um o seu.
Ao relacionar essa definição com as primeiras linhas6 do livro V de Ética a Nicômaco, nas
quais ele denomina de justiça a realização do justo – tò dikaion –, o que corresponde ao Direito,
a definição aristotélica vem a ser um cristalino precedente da definição romana, o de ter cada um
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Contudo, ocorreu um fenômeno que chegou até Tomás de Aquino. Embora tais padres da
Igreja falem de justiça particular, definida no contexto das virtudes cardeais, neles se enfraquece a
nota de juridicidade – relações entre os homens – para se reforçar as relações de amor com Deus
e inclusive consigo mesmo, algo muito útil para fins de trato da filiação divina, mas de pouca
serventia para a análise da justiça como bem do Direito.
A justiça, na ótica patrística e na Alta Idade Média, adquire um sentido lato que lembra
a justiça geral, retirando sua nota juridicizante e provocando sua moralização. Em suma, deixa
de ser a justiça suposta para o mundo da sociedade e resta vincada à dimensão religiosa. A volta
à justiça, como bem do Direito ou afeta ao labor dos profissionais do direito, é obra de Tomás de
Aquino. Esse resgate representa um retorno aos jurisconsultos romanos, cuja definição abre seu
tratado da justiça, e a Aristóteles, o qual segue fielmente ao longo do citado tratado.
Para Tomás de Aquino, a justiça é uma virtude essencialmente ad alterum, isto é, refere-
se sempre ao outro, visto que a justiça encerra igualdade e nada é igual a si mesmo, mas a outro.
Portanto, (AQUINO, 2019:546) “a ordem interior do homem – a justiça segundo Platão – só
pode ser chamada justiça por metáfora10”. Tomás de Aquino distingue entre justiça geral e justiça
particular. A primeira orienta-se para o bem comum, bem da Política, e, como orientação ao
bem comum, naturalmente pertence à lei, bem do Direito que estudaremos logo adiante,
denominando-a de justiça legal.
Essa justiça, que conduz ao bem comum os atos das demais virtudes, é conforme sua
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tal lei lhe impor uma obrigação. Da mesma forma, se em qualquer circunstância específica o
cumprimento de uma lei que, em geral, fosse prejudicial ao bem comum – grau anterior à lei
iníqua – não seria obrigatório obedecê-la de acordo com sua letra ou conteúdo expresso, mas
apenas de acordo com o espírito ou intenção que se possa assumir.
A lei é um ato da razão, mas também procede da vontade do legislador. A lei é também
um ato da vontade porque, com respeito a qualquer lei concreta, sua existência como tal, além de
seu conteúdo preciso, depende de um ato volitivo do legislador. Por mais racional que seja, a lei
não é um padrão de conduta que se deduz necessária e inequivocamente do bem comum. O fato
de a lei ser racional não significa que seja uma questão de racionalidade pura – uma conclusão
puramente lógica e apodítica – o fato de que a lei é o que é.
A lei também procede da vontade do legislador, porque é essa vontade que escolhe um
assunto ou um aspecto da vida em comum e resolve normatizá-lo, a fim de que haja um padrão
de conduta obrigatório para todos em prol do bem geral da comunidade. Dito de outra forma, é
uma determinação de querer esse bem que prescritivamente determina o caminho de se almejar
o bem da comunidade por parte dos cidadãos sujeitos à lei.
Certamente, é uma determinação racional, ou seja, motivada por razões, mas, quanto aos
meios, é objeto da prudência e não da ciência, ainda que existam ciências – a filosofia política,
a sociologia ou a história das instituições políticas – que estudem o fenômeno da política e da
sociedade. Em outras palavras, a razão da lei é fundada na razão prática e não na razão teórica e
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comunitária excelente e para a vida plenamente humana, boa e feliz18. Por isso, a lei é necessária
não só para nos moldar, mas também para nos mover à ação.
A lei move os homens extrinsecamente – superando a falta de predisposição da maioria
deles – para a prática de boas ações, para que, pela experiência inicial e repetição dessas ações,
os homens se habituem a praticá-las, tornem-se familiarizados com elas e, assim, progridam
para a aquisição da virtude. Ao mover o homem a agir bem, a lei proporciona ao mesmo homem
uma experiência moral que ele não obteria a partir de suas próprias predisposições e que pode,
esperançosamente, despertar nele o apreço por essa forma de agir e pela consciência de sua
viabilidade na práxis. Desse modo, o homem torna-se apto para avançar na virtude por meio do
ensino e da exortação.
Ao recorrer a sanções premiais (recompensas) e a sanções penais (punições), a lei
incentiva o homem a agir bem, com motivos externos alheios ao seu ato, mas que são os motivos
que valem para uma vontade insuficientemente disposta, ou seja, incapaz de ser movida pelo bem
que este ato constitui. Mas esta espécie de motivação corresponde à uma intenção provisória. Seu
significado é mover o homem à ação correta, por motivações externas e impróprias, para que ele
se acostume a agir assim, desenvolva o hábito correspondente e passe a realizar essa ação com
plena voluntariedade, isto é, movido pelo bem intrínseco a ela.
Portanto, a lei normatiza algo que, por ela, torne-se, mais cedo ou mais tarde, num
costume, concitando os cidadãos a se envolver nessa forma de agir, passem a ter afeição por ela
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caráter compulsório e tais condições não são outra coisa que a virtude de seus cidadãos. A mesma
lei dirige-se ao fato de que o motivo adicional por ela apresentado é provisório e acaba sendo
substituído por outro mais perfeito e adequado: a própria bondade da ação por ele ditada.
É a virtude que torna o cidadão capaz de captar, como simplesmente bom, aquilo que é
legal, obrigatório ou imposto pela lei, e de o realizar por puro amor ao bem comum, vendo no
conteúdo da lei um meio, uma concreção legítima da realização deste bem. Em última análise,
queremos dizer que, cabe à lei, ser transcendida por ela mesma. Para adquirir virtude, temos que
começar fazendo atos de virtude, sem contar, é claro, com a virtude correspondente para fazê-lo.
Aprendemos a fazer algo, fazendo, como nos recorda Aristóteles.
Podemos realizar atos de virtude sem ainda ser virtuosos. Podemos fazer algo que
devemos aprender a fazer, sem ainda saber fazer, se tivermos um guia externo, como uma espécie
de padrão instituído e objetivado, ao qual nossas ações possam se conformar. Em qualquer
atividade – técnica, artística ou moral – a primeira prática dela, aquela que realizamos para
adquirir a excelência ou a virtude correspondente, é uma prática segundo um padrão objetivo e
institucional e que ainda não foi internalizado por nosso ser.
A lei, como padrão de agir, é o cânone ou medida externa, objetiva e institucional que
nossos atos devem reproduzir para serem atos de virtude antes de sermos virtuosos. Por isso, com
a lei, conseguimos que nossos atos sejam o tipo de ato cuja repetição seja apta a gerar a respectiva
virtude em cada um de nós. A virtude é o padrão interno e subjetivo de nossos atos – o caráter
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cidadãos será um reflexo, em grande medida, das leis nela em vigor. Uma lei é moralmente positiva
quando seu cumprimento aprimora ou facilita nos cidadãos um desenvolvimento virtuoso de
si. Ao contrário, uma lei é moralmente negativa quando o acostumar dos cidadãos ao que a lei
dita piora-os como cidadãos, indispõe-os e os incapacita para o bem comum. Esta espécie de
lei é tanto mais prejudicial para a sociedade quanto mais cidadãos a cumprem e quanto mais o
conteúdo desta lei se torna habitual entre eles.
Por suposto, a lei deve somente e tão somente regular os atos dos cidadãos que afetam
mais clara e diretamente o bem comum e que a maioria dos cidadãos está em condições de
cumprir ou de se omitir. A lei não pode marcar, para a vida política, um nível de excelência que
supõe, como condição, um grau de virtude, disposição e capacidade moral dos cidadãos que, na
verdade, só se verifica nuns poucos.
Fazer isso seria contraproducente e, ao se tentar criar uma espécie de paraíso terrestre,
transformaria a vida num inferno social, pois a vida política se tornaria impossível ou insuportável
para a maioria dos cidadãos. A lei deve veicular o mínimo ético necessário e prudente para se
exigir publicamente dos cidadãos.
Até aqui, desenvolvemos o primeiro estrato, ou seja, do homem como um animal econômico,
enquanto ser indigente ou necessitado. No segundo estrato, as necessidades dão origem a um agir
19 Ética a Eudemo, VII, 10.
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No sentido próprio amplo, falamos de demandas humanas, expressão que, hoje, vai além
de necessidades humanas e, por isso, abrange não só as necessidades elementares – ligadas à
subsistência – como aquelas que se originam de necessidades supérfluas – desligadas desta
subsistência. Aqui, entra em cena o conceito de utilidade, consistente na aptidão de um bem para
satisfazer uma demanda humana. Esse sentido próprio amplo é um tipo de ação humana, dotada
de certa racionalidade, livre e que visa a dispor bens e serviços que atendam a algo que o homem
demande.
Para Aristóteles, a economia é o uso do necessário para a vida boa ou a vida virtuosa e para
ele ainda há um elemento essencial que conecta a realidade econômica do nível antropológico
com o nível social, a saber, o fim da vida boa, uma vida de virtudes na polis. Para ele, a economia
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pela escolha dos fins: o livre, muitas vezes, não está na necessidade – de comer, por exemplo –,
mas na especificação desta – cardápio de cozinha mineira, italiana ou francesa.
A liberdade inserida no econômico e o fato de que boa parte do econômico acontece
no futuro dá origem a outra característica do econômico, a saber, a incerteza. Não poderia ser
diferente, pois a economia lida com eventos futuros e livres, sempre suscetíveis de implemento ou
não. O dado econômico também é social, porque se cuida daquele campo ou zona da vida social
para a troca de bens e serviços e a própria forma da economia reside na atividade de troca ou de
intercâmbio. O econômico é o que é apto à troca e a justiça é a virtude que o regula. Finalmente,
as decisões e ações econômicas não são violentas, porque são decisões e ações de alocação de
recursos para determinados objetivos.
No sentido próprio estrito, o dado econômico é um modo concreto de satisfazer as
demandas humanas, isto é, quando é feito do melhor modo possível, a fim de se conseguir o
melhor rendimento factível. Dito de outra maneira, esse modo é atendido quando a relação entre
os insumos, os meios ou os recursos e os resultados ou objetivos é a máxima ou a ótima. O agir
econômico que não estiver em conformidade com essas condições normativas de otimização será
qualificado como ruim do ponto de vista econômico, porque é preciso obter o melhor resultado
possível dos recursos. Em suma, trata-se de otimizar a relação custo-benefício.
No cotejo entre os sentidos próprios (amplo e estrito), emerge uma diferença patente e
invencível. O motivo ou racionalidade que orienta a ação no caso do sentido estrito é apenas o
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da polis. A política e a ética aristotélicas estabelecem o critério de distinção entre uma crematística
econômica – subordinada à ética e à política –, e outra não-econômica.
Aristóteles descreve suas características na obra Política (1256 a – 1258 a). Em primeiro
lugar, a crematística econômica é natural e a crematística não-econômica não é. Em segundo
lugar, a crematística econômica é necessária e a crematística não-econômica é desnecessária e
esta característica provém de uma terceira, a mais importante: a crematística econômica busca
seu fim de modo limitado e a crematística não-econômica o faz de maneira ilimitada, porque,
nesse caso, (ARISTÓTELES, 2006:13) “parece não haver limite para a riqueza e a propriedade.
Essa crematística comercial parece ter o dinheiro como objeto, pois o dinheiro é o elemento e o
fim da troca e a riqueza resultante desta crematística é ilimitada. (...) A economia doméstica tem
um limite, pois sua missão não é a de desde aquisição ilimitada de dinheiro, mas a de ter à mão
os recursos armazenáveis necessários à vida. Ambos utilizam a propriedade, mas não da mesma
maneira, porque uma persegue um fim externo e a outra tão somente seu próprio aumento20”.
Toda arte busca seu fim de maneira ilimitada, mas os meios são necessariamente limitados
a esse fim. Sendo o fim da crematística não-econômica a busca das riquezas e posses materiais, se
não estiver satisfeita, ela as buscará de forma ilimitada. Aristóteles (2006:14) afirma que “o limite
da riqueza é o necessário para viver bem. Uma certa medida de riqueza é necessária para viver
moderadamente bem e alcançar a felicidade21”. Para Aristóteles (2006:111), “com efeito, os bens
externos têm um limite, como qualquer instrumento, e todas as coisas são de tal natureza que seu
20 Política, 1257 b.
21 Política, 1258 a
22 Política, 1324 a.
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