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EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) DOUTOR (A) JUÍZ (A) DE

DIREITO DE UMA DAS VARAS CIVÍL DA COMARCA DE


FRANCA, ESTADO DE SÃO PAULO.

ALINE DE OLIVEIRA BUCK, brasileira, divorciada, autônoma,


portadora do RG de número 46708992 - SSP/SP, inscrita no CPF de
número 334.977.518-71, residente e domiciliada à Rua Caetano Lombardi,
2120, Jardim Alvorada, na cidade de Franca, estado de São Paulo, por seu
advogado, vem, com habitual vênia à presença de Vossa Excelência, propor
a presente

AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS

em face de SANTA CASA DE FRANCA, pessoa jurídica de direito


privado, inscrita no CNPJ sob nº 47.969.134/0001-89, estabelecida na rua
Praça D. Pedro II, 1826. Centro - Franca/SP. CEP: 14400-715 - Fone: (16)
3711-4000

MARIA IZABEL LE GRAZIE, pessoa física, brasileira, médico, inscrito


no CRM 163021, estabelecida na Rua Praça D. Pedro II, 1826. Centro -
Franca/SP. CEP: 14400-715 em razão das justificativas de ordem fática de
direito abaixo delineadas.
I – DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA:

Inicialmente, requer a concessão dos benefícios da Gratuidade da


Justiça, nos termos do artigo 98 e seguintes, da Lei nº 13.105/ 2.015, artigo
5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal e artigo 4º, da Lei nº 1.060/ 50,
por não possuírem condições financeiras para arcar com as despesas e
custas processuais, sem prejuízo do próprio sustento e de seus familiares
(declaração anexa).

II – DOS FATOS

No dia 04 de outubro de 2021, a autora foi internada na Santa Casa


de Franca para um parto cesariano, enfrentando uma gravidez de risco com
idade avançada, pressão alta e diabetes.

A opção pelo parto particular se deu em virtude da carência do


convênio e, sobretudo, devido às recomendações da Dra. Maria Izabel Le
Grazie, que havia acompanhado a gestação da Autora desde o início.

Ademais, desde o início das consultas pré-natais, a autora se sentiu


pressionada a pagar pelo parto, justificado pelos riscos envolvidos e a
pandemia.

Além disso, a Dra. Maria Izabel recomendou a realização da


laqueadura, à qual a autora consentiu prontamente.

Entretanto, em 4 de outubro, após efetuar o pagamento pelo


procedimento, a autora, Sra. Aline, foi encaminhada para a sala de cirurgia,
onde a equipe médica liderada pela Dra. Maria Izabel Le Grazie a
aguardava. Contudo, o início da cirurgia foi marcado por uma série de
incidentes, incluindo a entrada constante de pessoas na sala, a manutenção
das portas abertas (diferentemente de outras experiências anteriores de
cesarianas, que ocorreram com as portas fechadas, proporcionando maior
privacidade à autora) e uma crescente sensação de desrespeito com a
autora, que pagou para um procedimento eficiente e profissional.

Durante o procedimento, a Dra. Maria Izabel demonstrou agitação e


discutiu intensamente com uma enfermeira presente na sala. A enfermeira,
finalmente, saiu da sala, deixando a médica sozinha com a instrumentadora.
Em um momento crucial, a Dra. Maria Izabel declarou que planejava
realizar uma histerectomia, alegando que o útero da Autora não estava em
condições de suportar outra gravidez e que a laqueadura poderia causar
hemorragia. Essa súbita mudança de planos enquanto a Sra. Aline Buck já
estava em procedimento na mesa de cirurgia a deixou em estado de choque.

A despeito do que estava previamente contratada durante o pré-


natal, a laqueadura não foi realizada, resultando em profunda insegurança e
desconforto da autora, Sra. Aline. O médico responsável pela cirurgia
posteriormente adentrou na sala e demonstrou desinteresse, preocupando-se
unicamente se a autora ainda estava viva (imaginável o que estaria
ocorrendo neste parto diante do nível de profissionalismo da médica e
enfermeira demonstrado durante o procedimento).

Não satisfeitos em fazer a autora passar por todo esse


constrangimento, no momento da alta hospitalar, a pediatra informou que o
filho da Autora precisaria de um período adicional de internação devido à
icterícia neonatal, exigindo pagamento por uma diária adicional.

A Reclamante solicitou transferência para a ala do Sistema Único


de Saúde (SUS) devido à impossibilidade financeira, mas a equipe médica
se recusou a conceder a transferência, impondo a assinatura de um termo de
responsabilidade a Sra. Aline Buck.

Essa sequência de eventos constitui uma clara violação da ética e


dos padrões de cuidados médicos, comprometendo a integridade física e
emocional da Autora, além de representar uma experiência desastrosa em
um momento que deveria ser de tranquilidade.

Desse modo, diante da falta de ética e respeito demonstrados


durante o parto e internação, além do não cumprimento de acordos
prévios relacionados à cirurgia de laqueadura e, pior, falta de
assistência médica em virtude da incapacidade financeira da autora, a
Sra. Aline Buck, busca apoio do poder judiciário pleiteando
indenização por danos morais destinando a compensar a dor,
sofrimento e abalos morais experimentados e, reflexamente, valer de
paradigma didático para coibir tais condutas danosas.

III – DO DIREITO

A) DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA

A violência obstétrica é um problema relevante, apesar da ausência


de legislação específica. Essa forma de violência se manifesta em situações
constrangedoras e, muitas vezes, traumatizantes durante o parto, um
momento que deveria ser o mais especial na vida de uma mulher.

A definição de violência obstétrica é abrangente e não se limita à


violência física. Ela engloba também a violência psicológica, moral e
abusos que ocorrem no pré-natal, parto e pós-parto, frequentemente
perpetrados por profissionais de saúde. De acordo com a definição de
Andrade:

"Entende-se por violência obstétrica


qualquer ato exercido por profissionais da
saúde que afete o corpo e os processos
reprodutivos das mulheres, manifestando-se
através de uma atenção desumanizada,
abuso de intervenções médicas,
medicalização e transformação patológica
dos processos de parto naturais."

A Organização Mundial da Saúde amplia essa definição, incluindo


abusos verbais, restrições à presença de acompanhantes, procedimentos
médicos não consentidos, violações de privacidade e recusas em
administrar analgésicos como exemplos de violência obstétrica.

B) DA VIOLAÇÃO À DIGNIDADE DA PESSOA


HUMANA

Conforme preceitua o inciso III do art. 1º da Constituição Federal, a


dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos garantidos pela nossa
carta magma.
Diante das condutas da parte Ré e da sua equipe médica, imperativo
demonstrar que feriram diversos dispositivos constitucionais, portanto,
imprescindível trazer à tona os incisos III, V e X do art. 5º da Constituição
Federal, que tratam da inviolabilidade da honra das pessoas, a garantia de
que nenhuma pessoa será submetida à tortura ou tratamento desumano ou
degradante, e que assegura o direito de indenização pelo dano moral
decorrente de sua violação.
 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...]
 III – ninguém será submetido a tortura ou a tratamento
desumano ou degradante;
[...]
 V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao
agravo, além da indenização por dano material, moral ou à
imagem;
[...]
 X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização
pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

A violação do dano moral, de fato, ocorreu devido à má prestação do


serviço contratado pela autora. Além disso, houve a violação dos
dispositivos de tratados internacionais que asseguram o respeito à
integridade física, psicológica e moral.

Portanto, é evidente o descumprimento da Constituição Federal, o


desrespeito aos direitos humanos e direitos fundamentais mencionados
acima. Não se pode permitir que tal ilegalidade prospere.

C) DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DO CONSUMIDOR


Além disso, considerando que houve uma contratação de serviço, o
fornecedor de serviços deve respeitar e fazer cumprir as leis elencadas no
Código de Defesa do Consumidor.

Nesse sentido, é pertinente destacar o art. 14 do referido código, que


trata da responsabilidade objetiva dos réus.

 Art. 14. O fornecedor de serviços responde,


independentemente da existência de culpa, pela
reparação dos danos causados aos consumidores por
defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como
por informações insuficientes ou inadequadas sobre
sua fruição e riscos.
 § 1º O serviço é defeituoso quando não fornece a
segurança que o consumidor dele pode esperar,
levando-se em consideração as circunstâncias
relevantes, entre as quais:
I - o modo de seu fornecimento;
II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se
esperam;
III - a época em que foi fornecido.
 § 2º O serviço não é considerado defeituoso pela
adoção de novas técnicas.
 § 3º O fornecedor de serviços só não será
responsabilizado quando provar:
I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
 § 4º A responsabilidade pessoal dos profissionais
liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

Nessa perspectiva, é fundamental destacar a responsabilidade do


fornecedor de serviços, independentemente da culpa, e a necessidade de
reparação dos danos causados aos consumidores.

A má prestação de serviços médicos deve ser tratada com a


seriedade que merece, respeitando os direitos dos pacientes e cumprindo as
leis aplicáveis.
D) DO DANO MORAL E DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA

Considerando o dano moral como afronta ao princípio fundamental


da dignidade da pessoa humana, consagrado no artigo 1º, inciso III da
Constituição Federal, violando, portanto, a integridade física, psicológica e
moral da parturiente, que foi exposta a situações humilhantes e
constrangedoras pelos profissionais de saúde que a acompanharam durante
o trabalho de parto, sua realização e o pós-parto.

A violência obstétrica é o conjunto de atos desrespeitosos,


comissivos e omissivos, abusos e maus-tratos que negligenciam a vida e o
bem-estar da mulher e do bebê. Isso fere direitos básicos de ambos, como a
dignidade, saúde, integridade física e autonomia sobre o próprio corpo,
configurando um ato ilícito passível de indenização por dano moral.

Não se pode afirmar que o sofrimento experimentado pela Aurora


seja um simples dissabor da vida contemporânea, uma vez que ela se
encontrava em estado de extrema vulnerabilidade, apreensão e angústia.

Era dever de a Ré fornecer-lhe a segurança necessária para a chegada


de seu filho.

Neste contexto, a autora relata ter passado por momentos


extremamente constrangedores. No que deveria ser um momento perfeito
para o nascimento de seu filho, o parto não transcorreu como esperado,
devido à falta de profissionalismo, que se traduziu em imprudência e
negligência médica. Alega a autora que a sala permaneceu completamente
aberta, com entrada e saída de pessoas constantes, além de uma intensa
discussão entre a médica e a enfermeira. O que ocasionou no tratamento
totalmente fora dos padrões de excelência médica.
O trauma vivenciado pela autora deturpou completamente sua moral.
Ela se sentiu violada ao se encontrar no meio de uma cirurgia, exposta com
a sala aberta, diante de outros pacientes, familiares e demais profissionais
presentes no plantão. Isso resultou em uma prestação de serviço deficiente
e inadequada por parte da ré.

O dano moral experimentado pela autora é inquestionável, in re ipsa,


o que significa que independe de comprovação do grande abalo psicológico
sofrido pela vítima. Neste caso, inclusive, não se faz necessária a
demonstração, visto que o abalo moral está presumivelmente evidente.

Portanto, é relevante mencionar os artigos 186, 927 e 932, inc. III,


além do art. 949 e seguintes do Código Civil, que são pertinentes a esta
situação, a fim de que a justiça seja feita.

 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária,


negligência ou imprudência, violar direito e causar
dano a outrem, ainda que exclusivamente moral,
comete ato ilícito.
[...]
 Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187),
causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
 Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados
em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua
natureza, risco para os direitos de outrem.
[...]
 Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o
ofensor indenizará o ofendido das despesas do
tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da
convalescença, além de algum outro prejuízo que o
ofendido prove haver sofrido.
 Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplicam-
se ainda no caso de indenização devida por aquele que,
no exercício de atividade profissional, por negligência,
imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente,
agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para
o trabalho.
A negligência é caracterizada quando se pode demonstrar que o
médico, enfermeiros ou qualquer profissional da saúde não segue os
protocolos e normas técnicas aplicáveis à situação. Na realidade, pode ser
vista como uma espécie de preguiça psicológica, pela qual o agente deixa
de antecipar o resultado que poderia e deveria ter sido previsto.

No caso em questão, a Autora foi submetida a constrangimentos


diante de outros pacientes, familiares e demais profissionais que estavam
presentes no plantão. Além de ser surpreendida com mudanças na prestação
de serviço após brigas reiteradas entre a enfermeira e médica.

Além disso, a entidade hospitalar é, em decorrência, responsável


pelas ações de seus prepostos (médicos, enfermeiros, funcionários em
geral, etc.), bem como pelos eventos que ocorrem em suas dependências
(conforme o artigo 37, § 6° da Constituição Federal e a Súmula nº 341 do
STF), estabelecendo, assim, a responsabilidade objetiva.

 "Procede a ação de indenização contra esta


instituição hospitalar por erro profissional de sua
equipe médica. Uma vez que o médico é
considerado preposto, no exercício de sua
profissão, configura-se culpa presumida do
empregador" (RT 559/193).

Isso ressalta o que está prescrito na Constituição Federal de 1988 e


súmulas do STF.

Além disso, a autora busca explicações sobre o fato de não ter


realizado a laqueadura conforme o contratado, pois, analisando o laudo
médico, nem sequer abordam sobre o tema, ou sequer justificaram o não
cumprimento do serviço contratado.
E) DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

Quanto à inversão do ônus da prova, esta deve ser deferida desde


que satisfeitos os requisitos legais elencados no art. 6º, VIII, do CDC: a
hipossuficiência dos Autores e a verossimilhança das alegações.

Considerando as desigualdades econômicas, jurídicas e sociais, e o


fato de o Código de Defesa do Consumidor prever a medida da inversão do
ônus da prova como um meio de promover maior igualdade no processo,
cujo objetivo principal é facilitar a defesa dos consumidores, que
geralmente possuem menos recursos financeiros e até jurídicos para provar
suas alegações.

Na doutrina e jurisprudência, é consenso que o consumidor é a parte


mais fraca na relação processual, sendo, na maioria das vezes, inferior ao
fornecedor. Portanto, a lei busca restaurar o equilíbrio entre as partes.

No caso em análise, é evidente que a autora, é hipossuficiente em


relação à Ré, não apenas economicamente, mas também tecnicamente, dada
a disparidade óbvia entre um profissional médico e leigo em medicina,
especialmente no que diz respeito à apresentação de provas relacionadas a
técnicas médicas.
IV - DOS REQUERIMENTOS:

Ante o exposto, respeitosamente REQUER a Vossa Excelência se digne


em:

Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em Direito


admitidas, requerendo, desde já, a juntada da documentação anexa.

Atribui-se à causa o valor de R$10.704,95 (dez mil e setecentos e quatro


reais e noventa e cinco centavos).

Termos em que, pede deferimento.

Franca – São Paulo, 15 de setembro de 2023.

p. Carlos Alberto Fernandes


OAB/SP 61.447 e MG 762A

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