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º 63007
2022/2023
COMENTÁRIO AO ACÓRDÃO N.º 268/2019
Enquadramento
Com efeito, com este trabalho pretendo seguir esta declaração de voto, começando
por inferir se os dados previstos no artigo 4.º se incluem, efetivamente no artigo 34.º,
números 1 e 4 da Constituição e, em caso afirmativo, se a conservação destes por parte
dos fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas pelo período de um ano
respeita o princípio da proibição do excesso ou princípio da proporcionalidade em sentido
lato.
Tal como referido no Acórdão em análise, o artigo 4.º abrange ambas as categorias
de metadados, o n.º 1 diz respeito aos dados de tráfego, que se produzem pelo
1
Acórdão 268/2019 do Tribunal Constitucional, “Declaração de voto conjunta”.
estabelecimento ou tentativa de uma comunicação. Já o n.º 2 estabelece dados de base, os
quais não pressupõem qualquer comunicação.
Este artigo foi alterado na Quarta Revisão Constitucional, pela Lei Constitucional
n.º 1/97, de 20 de setembro, onde se acrescentou “e nos demais meios de comunicação”.
Esta atualização teve em vista “as modernas formas de comunicação à distância que não
correspondem aos sentidos tradicionais de correspondência ou de telecomunicações”4,
como a Internet. Verificou-se assim, uma abertura da proteção constitucional em relação
aos novos meios de comunicação, que poderá incluir os dados de tráfego.
2
Acórdão do TC n.º 268/20190, proc. n.º 828/2019, “Declaração de voto conjunta”.
3
Acórdão do TC n.º 241/2002, de 29/05/2002.
4
Miranda, Jorge e Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I”, Coimbra Editora, 2005.
em que não expõem qualquer indício, sequer perfunctório, sobre o teor ou o conteúdo
desse processo comunicacional”5
5
Machado, Mariana Gomes, “O acesso aos metadados pelos Serviços de Informações da República
Portuguesa à luz da lei e da Constituição”, Almedina, 2019.
6
Nunes, Duarte Rodrigues, “Da admissibilidade da obtenção de dados de localização celular ou de dados
de tráfego de todos os telemóveis/cartões que acionaram um determinado conjunto de antenas7
células de telecomunicações no lapso de tempo em que o crime sob investigação terá sido praticado,
para posterior identificação dos seus autores”.
pressupostos da proporcionalidade7. Afirmou o Tribunal da Relação de Lisboa8, “não
identificando o recorrente o suspeito, nem concretizando os alvos geradores dos dados
que pretende obter, não pode ordenar-se às operadoras de telecomunicações o
fornecimento dos dados produzidos pelos cartões SIM e IMEIS de todas as pessoas que
tiveram o seu telefone ligado em determinado tempo e local”.
comunicação privada são invioláveis”, aqui, o legislador não tomou logo todas as
caso concreto para futuras ponderações. Já no número 4, prevê-se os únicos casos em que
esta ingerência não é proibida, podemos considerar que está em causa uma regra, uma
vez se enuncia um comando e diz-se qual a exceção a este, não há espaço para grandes
interpretações.
7
Nunes, Duarte Rodrigues, “Da admissibilidade da obtenção de dados de localização celular ou de dados
de tráfego de todos os telemóveis/cartões que acionaram um determinado conjunto de antenas7
células de telecomunicações no lapso de tempo em que o crime sob investigação terá sido praticado,
para posterior identificação dos seus autores”.
8
Acórdão do TRL de 3 de maio de 2016, proc. 73/16.4PFCSC-A.L1-5, (relator Vieira Lamim)
9
Acórdão do TC de 29 de setembro de 2015, proc. n.º 432/2015.
10
Abrantes, António Manuel: “O acesso a dados de tráfego pelos Serviços de Informações à luz do
direito fundamental à inviolabilidade das comunicações”, Revista do Ministério Público 156, 2018, pp
157 a 208.
Nesta medida, como incluímos neste artigo os dados de tráfego, os serviços não
poderão ter acesso aos mesmos quando não esteja aberto processo criminal.
Princípio da proporcionalidade
Uma vez considerado que os dados de tráfego compreendidos no artigo 4.º da Lei
n.º 32/2008, de 17 de julho, são meios de comunicação, logo podem ser incluídos no
artigo 34.º/1 e 4, cumpre agora verificar se a conservação generalizada destes dados
respeita o princípio da proibição do excesso, também conhecido como princípio da
proporcionalidade.
Para esta ponderação, irei seguir o método proposto pelo Professor Reis Novais
de fazer uma análise parcelada dos subprincípios enquadrados no princípio da proibição
do excesso12. Deste modo, consideram-se subprincípios o princípio da aptidão ou da
idoneidade, o princípio da necessidade, indispensabilidade ou do meio menos restritivo e
o princípio da proporcionalidade em sentido estrito.
11
Novais, Jorge Reis, “Direitos Fundamentais e Justiça Constitucional”, AAFDL Editora, 2017.
12
Novais, Jorge Reis, “Princípios Estruturantes de Estado de Direito”, Almedina, 2019.
13
Ibidem.
14
Diretiva n.º 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março.
Europeia dos Direitos do Homem, as autoridades públicas só podem interferir no direito
ao respeito da vida privada e da correspondência, nos termos previstos na lei e quando
esta ingerência seja necessária para a segurança nacional ou segurança pública, defesa da
ordem, prevenção de infrações ou proteção dos direitos e liberdades. Torna-se lógico que
o armazenamento deste tipo de dados facilita a investigação e deteção de infrações
criminais. Tomando como exemplo o crime organizado, estes dados permitem a
identificação de vários envolvidos, bem como os locais de onde decorre a atividade
criminosa. Entende-se, então, que esta é de facto uma restrição apta a atingir o fim de
proteção e facilitação da investigação criminal.
Opinião crítica
Deste modo, embora o Acórdão em análise tenha tomado outros argumentos para
sustentar a inconstitucionalidade dos artigos da Lei em questão, o objetivo deste trabalho
era analisar o direito à inviolabilidade das comunicações e o respeito pelo princípio da
proporcionalidade. Com efeito, os artigos 4.º e 6.º são inconstitucionais por violarem o
princípio da proporcionalidade.
Bibliografia
Abranhão, Marcela Rosa, “As restrições aos Direitos Fundamentais por Ato Normativo
do Poder Executivo”, Almedina, 2017.
Gouveia, Jorge Bacelar: “Os Direitos Fundamentais à proteção dos dados pessoais
informatizados”, Separata da Revista a Ordem dos Advogados Ano 51, III- Lisboa,
dezembro 1991.
Miranda, Jorge e Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I”, Coimbra
Editora, 2005.
Novais, Jorge Reis: Direitos Sociais. 2.ª edição, Lisboa, AAFDL, 2016.
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/22, proc. n.º 828/2019, relator: Conselheiro
Afonso Patrão.
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 403/2015, proc. n.º 773/15, relator: Conselheiro
Lino Rodrigues Ribeiro (Conselheiro Teles Pereira).
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 241/02, proc. n.º 444/01, relator: Artur Maurício.
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/2005, proc. n.º 487/05, relator: Conselheiro
Mário Torres.