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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS


DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

FICHAMENTO

O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial


no Brasil- 1870-1930

Emanuel de Santana Magliano

Santa Rita/PB
2023
É abordada a relevância das faculdades de direito no Brasil do século XIX no processo
de formação de uma elite intelectual e política independente, crucial para a construção de uma
identidade nacional após a independência política em 1822. As faculdades de direito
desempenharam um papel fundamental na criação de líderes e pensadores capazes de guiar o
país. No entanto, elas enfrentaram desafios iniciais, como a falta de educadores experientes e a
dificuldade de lidar com alunos pouco habituados ao estudo.

A análise destaca a importância dos periódicos acadêmicos na legitimação e divulgação


de novos grupos intelectuais e explora as particularidades da Faculdade de Direito de Recife
em relação às tradições acadêmicas portuguesas e à influência da Igreja. A mudança para Recife
em 1854 marcou uma transformação significativa, disciplinando o ensino, reformulando o
currículo e adotando uma abordagem mais científica e evolucionista, afastando o direito das
influências religiosas e metafísicas. Essa reforma representou uma guinada teórica importante
na concepção do direito e sua relação com outras disciplinas científicas.

O texto discute-se a evolução do pensamento da Escola de Direito de Recife no século


XIX, com foco na "geração dos 70". Esses intelectuais, majoritariamente de origem da classe
média urbana, compartilhavam a crença de que estavam contribuindo para a construção de uma
nova nação. Distanciaram-se da metafísica e do subjetivismo, abraçando a convicção de que
estavam forjando não apenas novas teorias, mas também uma nova visão da sociedade. A
composição social diversificada da faculdade em Recife, incluindo alunos de diferentes origens,
contribuiu para a sensação de que estavam cumprindo uma missão importante.

A "geração dos 70", liderada por figuras notáveis como Tobias Barreto e Silvio Romero,
defendeu a transição do pensamento religioso para uma visão laica do mundo, rejeitando o
direito natural em favor de uma abordagem secular e temporal. Isso resultou na introdução de
teorias científicas deterministas, como o evolucionismo e o darwinismo social, e na aplicação
dessas teorias à realidade brasileira.

A literatura desempenhou um papel significativo na disseminação dessas ideias


científicas, e os intelectuais da escola de Recife incorporaram conceitos científicos em
romances naturalistas, que se tornaram quase literatura científica. Isso contribuiu para a
propagação do pensamento naturalista no Brasil.
Além disso, a Revista Acadêmica da Faculdade de Direito do Recife refletiu essas
influências, abraçando a abordagem científica e moderna em relação ao crime. A escola criminal
positiva, influenciada por pensadores como Lombroso, Garófalo e Ferri, destacou a importância
da antropologia criminal e da análise do crime a partir de uma perspectiva que considerava o
indivíduo, seu tipo físico e sua raça.

Contudo, a partir dos anos 1920, a revista começou a introduzir um discurso crítico em
relação à antropologia criminal e suas formulações deterministas, focando em temas como
higiene, saúde e educação, questionando a aplicabilidade dessas teorias à realidade brasileira.

Inicialmente, discute-se a ascensão da medicina legal e do higienismo como alternativas


às abordagens deterministas, que enfatizavam fatores étnicos e raciais como explicação para os
problemas nacionais. Os higienistas e peritos em medicina legal argumentavam que o
"problema nacional" estava relacionado a questões de saúde e educação, oferecendo uma visão
mais otimista para a transformação da nação.

Essa mudança de paradigma levou a um debate acirrado entre o direito e a medicina,


com a questão da raça perdendo relevância em favor de dados e teorias higienistas que
enfatizavam a importância da educação e da saúde na melhoria da sociedade brasileira.

A Revista Acadêmica da Faculdade de Direito do Recife refletiu essas mudanças,


introduzindo argumentos originais que destacaram a importância da educação e da saúde na
melhoria da sociedade brasileira.

A questão da transformação da mentalidade dos estudantes da faculdade no início do


século, que passaram a priorizar uma abordagem mais prática e realista em sua busca por cargos
e funções profissionais, em contraste com as gerações anteriores que valorizavam questões
literárias e filosóficas. Essa mudança afetou não apenas a relação dos estudantes com o
conhecimento, mas também a forma como compreendiam a educação como uma profissão.

Essa transformação não foi exclusiva da Faculdade de Direito do Recife, mas também
ocorreu em outras instituições acadêmicas, como a Academia de Direito de São Paulo. Esta
academia enfrentou desafios semelhantes, como a busca por professores qualificados e
infraestrutura adequada. A rivalidade entre diferentes regiões também influenciou a escolha de
São Paulo como sede da academia.

Com relação às mudanças na academia jurídica, com a transição de uma abordagem


mais determinista baseada em raça para uma ênfase em questões de saúde e educação como
elementos essenciais para a transformação da sociedade brasileira, que também influenciou a
mentalidade e prioridades dos estudantes, impactando a forma de ensino e a vida acadêmica.

A evolução da Faculdade de Direito de São Paulo e a criação da Revista da Faculdade


de Direito de São Paulo (RFDSP), destacou seu papel como um centro intelectual no Brasil. O
texto se divide em várias seções, que fornecem insights sobre a transformação da faculdade,
sua localização estratégica, e a natureza da RFDSP. Inicialmente, destaca-se a superação dos
desafios iniciais pela Faculdade de Direito de São Paulo, que se tornou um centro de ensino e
reflexão. A instituição atraiu estudantes autodidatas e profissionais ecléticos, envolvendo-se em
campos além da formação jurídica, como militância política, jornalismo, literatura e advocacia.
A fusão entre o mundo acadêmico e o mundo político é evidenciada, conforme observado por
Rui Barbosa.

Além disso, a localização estratégica da faculdade entre 1870 e 1930 é enfatizada, à


medida que São Paulo ascendia como um centro de poder econômico e político. Isso influenciou
a cultura intelectual da região e a ascensão da elite cafeeira paulista. A criação da RFDSP é
examinada como uma resposta à reforma de Benjamin Constant, que estabeleceu a publicação
anual de periódicos em escolas superiores. A revista começou com metas modestas, servindo
principalmente como um órgão interno da faculdade, fornecendo resumos das decisões da
Congregação e memórias relacionadas ao currículo da escola.

A RFDSP é caracterizada por seu tom didático e teórico, assemelhando-se a aulas


magistrais. A revista promove um modelo evolucionista do direito, considerando-o sujeito a
determinações evolutivas, além de enfatizar a função social do direito na transformação da
sociedade. A revista também aborda o tema do direito criminal, expressando interesse e críticas
ao determinismo racial presente na escola italiana de direito criminal. Em resumo, a RFDSP é
apontada como uma publicação eclética e instrutiva, refletindo o compromisso da faculdade
com a disseminação do conhecimento jurídico e seu papel na formação de uma elite intelectual
no contexto político brasileiro.

A Faculdade de Direito de São Paulo passou a ser um centro de pensamento e


contribuição para a intelectualidade do Brasil, destacando a natureza didática e teórica da
Revista da Faculdade de Direito de São Paulo e seu papel na promoção do conhecimento
jurídico e das discussões intelectuais.

Em relação ao determinismo racial, a FDSP demonstrou uma abordagem cautelosa, com


críticas aos modelos deterministas que surgiam no campo acadêmico. Ao contrário de Recife,
onde esses modelos eram vistos como inovadores, em São Paulo eram recebidos com
desconfiança. A ênfase estava na prevenção do crime, baseada no livre-arbítrio individual, em
oposição a abordagens deterministas.

A perspectiva médico-sanitarista, que estava se desenvolvendo na época, não era vista


como uma ameaça à jurisdição do jurista na FDSP. A medicina pública era considerada uma
auxiliar para a prática do direito, e a autonomia e a primazia do jurista eram mantidas. Médicos
desempenhavam um papel relevante, mas não eram responsáveis pela tomada final de decisões.
Havia cooperação entre a medicina e o direito para prevenir e resolver crimes.

A FDSP também demonstrou ceticismo em relação às teorias deterministas raciais


presentes na antropologia criminal e na medicina legal. Os juristas em São Paulo eram céticos
em relação a explicações exclusivamente baseadas na raça, mantendo um compromisso com
outras tradições teóricas e uma visão mais liberal da justiça.

A autonomia dos "homens de direito" de São Paulo era uma característica marcante.
Eles afirmavam sua supremacia na análise das sociedades e defendiam um modelo liberal do
Estado, onde a democracia e a evolução se combinavam. A raça era vista como apenas um dos
elementos em uma análise mais ampla que incluía fatores culturais e políticos.

Além disso, a FDSP via o Estado como um resultado natural e evolutivo que surgia para
organizar e harmonizar uma sociedade anteriormente caótica. O poder soberano era considerado
a força que equilibrava, unificava, disciplinava e direcionava as forças sociais e indivíduos. O
liberalismo na escola de São Paulo era caracterizado por uma abordagem conservadora, onde a
liberdade era condicionada à necessidade de manter a ordem. A FDSP reconhecia a
desigualdade natural entre os seres humanos, mas acreditava na capacidade de evolução e
progresso.

Nas décadas de 1930, a FDSP começou a defender a democracia como um resultado


natural da evolução humana, considerando-a a forma de governo que melhor correspondia aos
sentimentos humanos e às necessidades de uma sociedade culta. A academia legitimava a
autoridade estatal e camuflava interesses regionais e conflitos de classe, refletindo a influência
de São Paulo durante a República Velha.

A FDSP adotava uma abordagem cautelosa em relação ao determinismo racial,


promovia a autonomia do jurista e valorizava a cooperação entre medicina pública e direito. As
discussões na escola reconheciam a complexidade da relação entre raça, cultura e política e
defendiam um modelo liberal de Estado que combinava democracia e evolução. Essas ideias
eram influenciadas pelo contexto regional e político do Brasil da época.

As notáveis diferenças entre as faculdades de direito de Recife e São Paulo no Brasil,


com foco em suas abordagens teóricas, objetivos e atitudes em relação à imigração de
trabalhadores orientais e africanos. Desde o início de sua fundação, as faculdades de direito de
Recife e São Paulo apresentavam divergências significativas, apesar de compartilharem uma
linguagem evolucionista até a década de 1930. Os requisitos de admissão já revelavam essas
diferenças, com Recife enfatizando a "Antropologia Criminal" e a necessidade de
conhecimentos em línguas estrangeiras, enquanto São Paulo se concentrava em "psicologia e
lógica" e se afastava das ciências biológicas.

Além disso, os objetivos das duas instituições eram distintos. Recife buscava formar
doutrinadores e "homens de ciência" que produzissem ideias autônomas, enquanto São Paulo
se dedicava à formação de políticos e burocratas de Estado, com o objetivo de exercer influência
política na nação. Recife enfatizava a teoria, enquanto São Paulo buscava traduzir práticas
políticas em leis e medidas efetivas. Essas divergências também se estendiam à política de
imigração. São Paulo demonstrou uma visão paradoxal e, por vezes, racista em relação à
imigração de trabalhadores orientais e africanos. Embora fosse uma província considerada
avançada e modernizante, adotava políticas restritivas com base em teorias eugenistas que
enfatizavam a intervenção no processo de seleção natural. Isso resultou em restrições
significativas à entrada de trabalhadores orientais e africanos.

Manifestações de racismo eram evidentes em São Paulo, com argumentos depreciativos


direcionados aos chineses. Além disso, hierarquias entre países europeus eram aceitas,
justificando a proibição de entrada de trabalhadores de certos países europeus. A revista servia
como um espaço para discussão teórica, onde teorias e modelos eram debatidos, mas a teoria
racial também estava presente, influenciando a abordagem de São Paulo em relação à
imigração.

Em resumo, as faculdades de direito de Recife e São Paulo eram caracterizadas por


diferenças significativas em abordagens teóricas, objetivos educacionais e atitudes em relação
à imigração. Essas divergências refletiam a complexidade das relações sociais e intelectuais no
Brasil no final do século XIX e início do século XX.
Palavras-chave: Faculdades de direito, elite intelectual, identidade nacional, periódicos
acadêmicos, reforma acadêmica, abordagem científica, Brasil do século XIX, Escola de Direito
de Recife, "geração dos 70", pensamento laico, evolucionismo, darwinismo social, literatura
naturalista, antropologia criminal, Revista Acadêmica, crítica às teorias deterministas.

REFERÊNCIA:

LILIA MORITZ SCHWARCZ. O espetáculo das raças. [s.l.] Editora Companhia das
Letras, 1993. (capítulo 5)

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