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POEMA 1 – SONETO LXV – William Shakespeare

SONETO LXV
Se a morte predomina na bravura - A
Do bronze, pedra, terra e imenso mar, - B
Pode sobreviver a formosura, - A
Tendo da flor a força a devastar? – B
Como pode o aroma do verão - C
Deter o forte assédio destes dias, - D
Se portas de aço e duras rochas não – C
Podem vencer do Tempo a tirania? – D
Onde ocultar - meditação atroz - - E
O ouro que o Tempo quer em sua arca? – F
Que mão pode deter seu pé veloz, - E
Ou que beleza o Tempo não demarca? - F
Nenhuma! A menos que este meu amor - G
Em negra tinta guarde o seu fulgor.- G

POEMA 2 – FLOR DA MORTE – Henriqueta Lisboa

De madrugada escuto: há um estalo de brotos,


De luz atingindo caules.
Difere do rumor da chuva nas lisas pedras,
Difere do suspiro dos ventos nas grades.
É como se a alma se desprendesse da matéria.
Borboleta que deixa o casulo e se debate
Contra finas hastes de ferro.

Nos dédalos da noite se encontra


Em atmosfera tíbia de reposteiros
e caçoulas com vacilantes chamas azuis,
teu momento de êxtase e holocausto, ó libélula!
Mãos que se procuram com desespero, pacto
Entre o vivo e o morto, misterioso e rápido
Signo de tempestade no espelho.

Nos caminhos sobre a lua, ao ar livre, sinuosa


Insinuação de víbora na relva,
Há uma proximidade de flor e abismo,
Com vertigem cerceando espessa os sentidos.
Flor desejada e temida, promessa do eterno
De que alguém desvenda o segredo – a estas horas.
Ambos os poemas têm como tema a “morte”. No primeiro poema, um
soneto, escrito por Shakespeare, o eu-lírico se questiona se, caso a morte
premine na bravura do bronze, da pedra, da terra e do imenso mar, como
sobrevive a formosura, se ela devasta a força que a flor tem. O eu-lírico se
questiona novamente: como o verão, detém o conjunto de sinais que a morte
tem, como o verão afasta da gente o pensamento de morte, se nem as portas
de aço e as duras rochas não vencem a tirania do tempo? Que mão poderia
deter o tempo? Qual beleza o tempo não desmarca? Nenhuma, ou seja, para o
eu-lírico, o tempo acaba com tudo, mas a negra tinta é capaz de guardar o
fulgor de quem o eu-lírico ama, no caso, apenas as palavras escritas poderão
sobreviver sobre o tempo.
No concerne ao segundo poema, Flor da Morte, de Henrique Lisboa, o
eu-lírico escuta, de madrugada, um estalo de brotos (um leve estalo de flores
nascendo), de luz atingindo os caules (parte subterrânea das plantas). É um
barulho diferente do som da chuva nas pedras lisas e do leve suspiro dos
ventos nas grades. Como se a alma se desprendesse da matéria, borboleta
que deixa o casulo e se debate contra finas hastes de ferro. – Pode-se notar
nessa primeira estrofe que algo muito delicado e imperceptível está sendo
narrado pelo eu-lírico. Na segunda estrofe podemos ler que nas confusões
da noite, em atmosfera tensa de cortinados e velas com chamas azuis que
vacilam (ou seja, não se firmam), o momento de êxtase e sacrifício, libélula – é
utilizado um vocativo para algo que está acontecendo. O motivo da escolha da
libélula pode ser devido à sua simbologia, inseto que indica felicidade e
coragem. Mãos que se procuram com desespero pacto entre o vivo e o morto,
misterioso e rápido, ou seja, há alguém vivendo um dualismo: a vida e a morte.
Já na terceira estrofe, a alma percorre caminhos sobre a
lua, ao ar livre, como uma víbora na relva, à procura de algo, livre, dona de si.
No verso “uma proximidade entre flor e abismo”, pode-se ler como a morte
pode ser delicada e agressiva ao mesmo tempo. Com sensação de movimento
oscilatório ou giratório do próprio corpo cerceando os sentidos da pessoa. Por
fim, em “Flor desejada e temida, promessa do eterno”, pode-se perceber que o
eu-lírico declara que a morte é desejada e também temida e promessa do
eterno – a única promessa que todos os seres vivos têm do eterno é a morte. E
em “De que alguém desvenda o segredo – a estas horas”, o eu-lírico supõe
que quem morreu ou está morrendo, está desvendando o segredo da morte, de
como é a vida após a morte.
Podemos notar que o primeiro eu-lírico se sente inferior e
sensível à morte e que ele percebe a força da morte, visto que nada é capaz de
impedi-la. Já o segundo eu-lírico se sente em uma situação misteriosa no que
tange à morte. No concerne às estratégias estéticas pelas quais os
poemas se desenvolvem podemos perceber uma diferença entre eles. No
primeiro, o eu-lírico tece imagens no leitor por meio de perguntas e sugestiona
imagens como em:

“Se a morte predomina na bravura


Do bronze, pedra, terra e imenso mar,
Pode sobreviver a formosura,”

Podemos perceber que o poeta se vale de muitos substantivos e adjetivos


para criar essas cenas no leitor. Há a presença de rimas intercaladas (coloquei
as marcações ao lado de cada verso no poema).
No segundo poema, podemos perceber, inclusive devido ao fato de ser
um poema Simbolista, a presença de símbolos como a noite, a borboleta, a
libélula, a flor, a noite e o espelho, criando a situação tensa e misteriosa do
poema, assim como a morte é. Ademais, podemos perceber como a autora se
vale de imagens noturnas e misteriosas para criar a tensão do poema. Não há
a presença de rimas, mas muita de antíteses.
Nesse sentido, podemos concluir que os dois poemas retratam a
morte como algo inevitável que é, no primeiro como algo delicada, capaz de
tirar a beleza da mais bela flor e vencer qualquer força, pois ela é mais forte
que tudo. Já no segundo, a morte é tida como algo delicado, também
inevitável, uma promessa que todos os seres têm do Eterno, ou seja, a morte é
uma promessa divina. Podemos perecber um aspecto que se coincide nos dois
textos que é a presença do símbolo da flor, no primeiro, simbolizando a beleza,
e no segundo, em dois momentos: no primeiro momento a delicadeza e no
segundo, a própria morte, a morte é tida como um desabrochar da flor, um
desabrochar da vida na morte.

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