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A Proposição situa-se no canto I, entre as estâncias 1 e 3, onde o Poeta

enuncia o seu propósito ("Cantando, espalharei por toda a parte os Proposição


feitos dos Portugueses"), ou seja, exaltar os feitos dos portugueses. a
Contudo, para esse objetivo ser alcançado, o poeta precisa de talento e 1 As armas e os Barões assinalados
de inspiração: “Se a tanto me ajudar o engenho e a arte”. Os Que da Ocidental praia Lusitana
portugueses são apresentados como um herói coletivo, ao invés de um Por mares nunca de antes navegados
herói individual, como nas epopeias antigas. Neste contexto "cantar" Passaram ainda além da Taprobana,
significa exaltar, celebrar, enaltecer. Assim o Poeta exalta três grandes Em perigos e guerras esforçados
grupos de portugueses: Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
b c
Novo Reino, que tanto sublimaram;
1. ” As armas e os barões assinalados”, são homens ilustres que
2 E também as memórias gloriosas
devido a terem ousado navegar nos mares desconhecidos,
enfrentaram vários perigos e guerras e construírem um novo Daqueles Reis que foram dilatando
império em terras remotas. Trata-se de uma sinédoque, uma figura A Fé, o Império, e as terras viciosas d
e
de retórica que consiste na apresentação de uma parte, "praia", De África e de Ásia andaram devastando,
com o objetivo de designar um todo, "Portugal". E aqueles que por obras valerosas
f
Se vão da lei da Morte libertando,
2. ou seja, todos aqueles homens cheios de coragem que
descobriram, “por mares nunca dantes navegados”, novas terras, Cantando espalharei por toda parte,
g
indo mais longe do que aquilo que alguém podia esperar de seres Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
não divinos, “Mais do que prometia a força humana”, tinham h
3 Cessem do sábio Grego e do Troiano
i
poderes sobre-humanos. E entre gente daquelas terras
As navegações grandes que fizeram;
construíram um império português no Oriente que, depois,
enalteceram. Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
"[...] as memórias gloriosas/ Daqueles Reis” ou seja, os reis que Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
contribuíram para que a fé cristã se espalhasse por terras que j
A quem Neptuno e Marte obedeceram:
foram sendo descobertas, permitiram expandir o território além- Cesse tudo o que a Musa antígua canta,
fronteiras alargando assim o Império Português.
Que outro valor mais alto se alevanta.
Todos os que são dignos de serem recordados pelos feitos
heroicos cometidos em favor da pátria e que, por isso, nem mesmo
a morte os pode votar ao esquecimento, “Se vão da lei da Morte
libertando” foram imortalizados, porque realizaram grandes e a- Homens ilustres;
“valerosas” obras. b- O império português do Oriente;
c- Engrandeceram;
Não é referido um único nome próprio devido ao facto de os feitos d- Não cristãos;
que serão cantados terem sido obra de um povo, o português, e e- Descobrindo;
não de um herói em particular. f- Esquecimento;
Para tal, compara os feitos dos portugueses aos de Ulisses, herói g- Criatividade;
da Odisseia de Homero, e aos de Eneias, o troiano que, h- Deixe de se falar;
na Eneida de Virgílio, chegou ao Lácio e fundou Roma, estes eram i- Ulisses e Eneias;
modelos de bravura, força e qualidades morais. Assim, se o herói j- Deus do mar e da guerra;
d' Os Lusíadas, posto em paralelo com estas figuras míticas, os
supera, há, de forma inequívoca, um enaltecimento do “peito ilustre
Lusitano". Camões afirma inclusivamente que até os próprios
deuses "Neptuno e Marte" se submeteram à vontade do povo A "Proposição" é constituída por três
lusitano. O facto de Marte e Neptuno terem obedecido aos oitavas, isto é, por três estrofes de oito
portugueses também enaltece o herói nacional, dado que o deus versos. Por serem compostos por dez
da guerra, Marte, foi favorável aos portugueses, pois deixou-nos sílabas métricas, os versos são
vencer várias batalhas e o deus do mar, Neptuno permitiu-lhes decassilábicos e o esquema rimático de
navegar nas suas águas e chegar onde nunca nenhum outro povo todas as estrofes é abababcc, o que torna
havia chegado. Repara nas formas verbais da 3.ª estrofe, a rima cruzada nos seis primeiros versos
"Cessem", "Cale-se" e "Cesse", que, apesar de estarem no e emparelhada nos dois últimos.
presente do conjuntivo, transmitem a ideia de ordem (imperativo),
revelando a consciência de que os feitos dos outros heróis até
agora venerados não têm comparação com os dos portugueses,
Início da narração (estância 19): “in medias res”, esta técnica narrativa, é
um traço das antigas epopeias (greco-latinas), ou seja, a narração
é iniciada a meio dos acontecimentos. afinal a ação “Os Lusíadas”, não é
narrada cronologicamente. O início da viagem e os acontecimentos que
ocorreram até ao ponto em que a narração é iniciada na estância 19
serão contados posteriormente, num recuo temporal (analepse), pelo
próprio Vasco da Gama. Plano: Viagem.
- ondas «inquietas» avançavam (ondulação ligeira - personificação); Consílio dos Deuses no
- os ventos brandos, tranquilos, serenos - personificação: «respiravam» Olimpo
- as velas «inchadas» pelo vento, fazendo movimentar
as naus, que vão cortando as ondas;
- a espuma branca (causada pela ondulação e pela
deslocação das naus). Proas- naus; gado-ondas. 19 Já no largo Oceano navegavam,
Em suma, a viagem dos Portugueses decorre num ambiente calmo, As inquietas ondas apartando;
tranquilo, sereno, com os ventos a «empurrarem» as naus mas Os ventos brandamente respiravam,
tempo ameno. Plano estrutural: viagem. Das naus as velas côncavas inchando;
A ideia introduzida na estrofe 19 não é terminada no último verso. Ela Da branca escuma os mares se mostravam
é continuada na estrofe 20 (v.4). Por isso se utilizou a construção Cobertos, onde as proas vão cortando
"Já... Quando...", transmitindo a ideia de ligação temporal entre as As marítimas águas consagradas,
duas estrofes: os navegadores portugueses já navegavam na Que do gado de Próteo são cortadas,
descoberta do caminho marítimo para a Índia. Não é especificado o
local exato, pois refere-se apenas que estão no "largo Oceano,
quando os deuses se reuniram no Olimpo para decidirem se 20 Quando os Deuses no Olimpo luminoso,
permitiam ou não que os portugueses encontrassem um lugar onde Onde o governo está da humana gente,
pudessem descansar e recuperar novas forças para enfrentar a Se ajuntam em concílio glorioso
viagem no desconhecido.
Sobre as cousas futuras do Oriente.
Ou seja, os dois planos narrativos se desenrolam ao mesmo tempo.
Pisando o cristalino Céu formoso,
Vêm pela Via-Láctea juntamente,
A ligação entre as duas estrofes não é meramente sintática, mas revela que a viagem de
descoberta do caminho marítimo para a Índia depende do parecer favorável dos deuses, da Convocados da parte do Tonante,
sua vontade perante estes humanos tão decididos. Logo, interligam-se também aqui o plano Pelo neto gentil do velho Atlante.
da viagem e o plano mitológico e esta associação está presente em toda a Narração. Os
deuses, ao dificultarem ou facilitarem a viagem dos portugueses, permitem que a ação se
desenvolva. O plano mitológico era fundamental numa epopeia, mas nesta obra os deuses
não têm apenas a função de embelezar a ação, eles são elementos 21 Deixam dos sete Céus o regimento,
geradores (provocadores) da própria ação. Ou seja, este episódio não se insere no plano da Que do poder mais alto lhe foi dado,
Viagem de Vasco da Gama. Muda-se, duma estrofe para a outra, do plano da viagem para o
plano mitológico. Alto poder, que só co pensamento
Governa o Céu, a Terra, e o Mar irado.
1.ª parte (est. 20-23) - Introdução – Início do consílio: convocação dos deuses por Ali se acharam juntos num momento
Júpiter. Plano: Mitológico. Local de realização do consílio: Olimpo. Foi convocada e Os que habitam o Arcturo congelado,
presidida por: Júpiter, e Mercúrio, o mensageiro dos deuses, leva a mensagem de E os que o Austro tem, e as partes onde
Júpiter às divindades perífrase. Os deuses governam/comandam a vida dos homens, A Aurora nasce, e o claro Sol se esconde.
logo, o objetivo do consílio era dar a conhecer a decisão de Júpiter e ouvir a opinião dos
participantes. Essa decisão, previamente tomada que Júpiter tem para anunciar à
assembleia é a de decidir se os deuses vão ajudar os Portugueses ou não na sua 22 Estava o Padre ali sublime e dino,
chegada à Índia («Sobre as cousas futuras do Oriente», e, como tal, determina que
Que vibra os feros raios de Vulcano,
sejam recebidos como amigos, nesse momento, para poderem descansar e
Num assento de estrelas cristalino,
reabastecer-se antes de prosseguirem viagem. facto de os navegantes já terem
passado nas águas um duro inverno, já terem enfrentado perigos imensos e estarem, Com gesto alto, severo e soberano.
Do rosto respirava um ar divino,
portanto, exaustos. Esta assembleia era constituída pelos deuses que governam os
Sete Céus. Que governam todo o céu, toda a terra e todo o mar só com o pensamento. Que divino tornara um corpo humano;
Provêm de todo o cosmos, dos diferentes pontos cardeais, mas juntam-se no Olimpo Com uma coroa e cetro rutilante,
num instante. São, em suma, omnipotentes e muito poderosos. Júpiter é o Pai dos De outra pedra mais clara que diamante.
deuses perífrase, é o senhor do raio, está sentado num trono faiscante de estrelas, tem
um gesto alto repetição do adjetivo «alto»; severo e soberano, exala um ar do rosto
sinédoque, que transformaria um corpo humano num ser divino hipérbato, tem um cetro 23 Em luzentes assentos, marchetados
e uma coroa resplandecentes, feitos de uma pedra mais luminosa que o diamante De ouro e de perlas, mais abaixo estavam
hipérbole, possui um tom de voz «grave e horrendo», isto é, que impõe respeito e temor; Os outros Deuses todos assentados,
Símbolos de poder: os raios de Vulcano perífrase para Júpiter, a coroa e o cetro. Ou Como a razão e a ordem concertavam:
seja, tem poder, superioridade, distinção, majestática dignidade e divino, esta descrição Precedem os antíguos mais honrados;
mostra o poder relativamente aos outros deuses. Afinal este ocupa o lugar mais Mais abaixo os menores se assentavam;
elevado, os restantes deuses eram distribuídos hierarquicamente, por ordem de Quando Júpiter alto, assim dizendo,
importância, de acordo com as suas dignidades Júpiter estava num assento de estrelas Cum tom de voz começa, grave e horrendo:
e os restantes deuses estavam sentados num plano inferior. Os lugares mais próximos
de Júpiter, os de honra, eram ocupados pelos deuses mais antigos; os outros iam-se
dispondo em lugares sucessivamente mais baixos de acordo com a sua importância.
Concluindo: a sublime majestade dos deuses olímpicos acaba por se refletir na grandeza
e no caráter sublime dos feitos dos Portugueses.
2.ª parte (est.24 a 29). Exposição – Início do consílio propriamente dito:
Consílio dos Deuses no
Depois de caracterizado o espaço onde se vão reunir os deuses, o
Consílio inicia-se com o discurso de Júpiter (direto) , que, após apresentar Olimpo
alguns feitos heroicos do povo português, se refere concretamente ao novo
feito que os navegadores pretendiam alcançar e que o destino, lhes tinha 24 Eternos moradores do luzente
reservado: destinatário são os deuses. O Poeta indicou a personagem que Estelífero Pólo, e claro assento,
ia falar, utilizando para isso um verbo declarativo "dizendo", os dois pontos e Se do grande valor da forte gente
a mudança de verso para iniciar o discurso de Júpiter: "Eternos moradores De Luso não perdeis o pensamento,
do luzente...". perífrase: deuses que moram no Olimpo. Caracterização dos Deveis de ter sabido claramente,
Portugueses. Profecia dos Fados, destino (decisões a que nem os deuses Como é dos fados grandes certo intento,
podem opor-se e contrariar): os Portugueses tornar se-ão mais famosos do Que por ela se esqueçam os humanos
que os povos da Antiguidade, isto é, os seus feitos farão esquecer os feitos e De Assírios, Persas, Gregos e Romanos.
as glórias desses povos. A sumária alusão aos Portugueses, ao seu valor e
valentia, e a referência à profecia dos Fados permitem antecipar a posição 25 Já lhe foi (bem o vistes) concedido
favorável de Júpiter relativamente à empresa lusitana. Cum poder tão singelo e tão pequeno,
Desenvolvimento - Argumentos de Júpiter: Tomar ao Mouro forte e guarnecido
Os feitos passados: dos Portugueses: o valor, a coragem e a força Toda a terra, que rega o Tejo ameno:
demonstrados na luta e nas grandes vitórias alcançadas contra os Mouros, Pois contra o Castelhano tão temido,
durante a Reconquista, contra os Castelhanos para assegurar a
Sempre alcançou favor do Céu sereno.
independência e nas guerras contra os Romanos, capitaneados por Viriato e
por Sertório, general romano que se uniu aos lusitanos contra o seu próprio Assim que sempre, enfim, com fama e glória,
povo após a morte de Viriato e que fingia ter por conselheira uma corça que o Teve os troféus pendentes da vitória.
acompanhava e que teria poderes de adivinhação. Todos estes sucessos
26 Deixo, Deuses, atrás a fama antiga,
foram obtidos em inferioridade numérica e desproporção de forças,
Que co a gente de Rómulo alcançaram,
(antítese), apenas com a ajuda divina. Os feitos
Quando com Viriato, na inimiga
do presente: a coragem e a ousadia de navegar por mares incertos,
Guerra romana tanto se afamaram;
desconhecidos em frágeis embarcações sem temer a força dos ventos, a
Também deixo a memória, que os obriga
persistência dos Portugueses, apesar do tempo de viagem já decorrido do
cansaço e do sofrimento e das dificuldades e perigos enfrentados durante a A grande nome, quando alevantaram
Um por seu capitão, que peregrino
viagem. Os feitos
do futuro: profecia, o Fado já havia determinado que detivessem, por longo Fingiu na cerva espírito divino.
tempo, o domínio do Oriente perífrase e nada nem ninguém o pode
27 Agora vedes bem que, cometendo
contrariar. Conclusão -
O duvidoso mar num lenho leve,
Decisão de Júpiter: por estes motivos e como prémio de terem já vencido
Por vias nunca usadas, não temendo
tantos perigos, Júpiter determina que os marinheiros lusos sejam
«agasalhados» (metáfora- protegidos) na costa africana, para seguirem o seu De Áf rico e Noto a força, a mais se atreve:
caminho até à Índia, isto é, que os Portugueses sejam recebidos Que havendo tanto já que as partes vendo
como amigos e ajudados na costa africana, no restabelecimento das forças e Onde o dia é comprido e onde breve,
das naus, para que a viagem possa prosseguir. Inclinam seu propósito e porfia
A ver os berços onde nasce o dia.
28 Prometido lhe está do Fado eterno,
Resumindo:
Cuja alta Lei não pode ser quebrada,
Que tenham longos tempos o governo
• Discurso de Júpiter
Do mar, que vê do Sol a roxa entrada.
◦ Defende os portugueses, afirmando que estes são um povo
de grande valor, como já fora demonstrado em triunfos Nas águas têm passado o duro inverno;
anteriores face aos mouros, romanos e castelhanos. A gente vem perdida e trabalhada;
◦ Afirma que o destino determinava que os seus feitos e Já parece bem feito que lhe seja
valentia levariam ao esquecimento dos impérios Mostrada a nova terra, que deseja.
anteriores.
29 E porque, como vistes, têm passados
◦ Comprova a coragem dos portugueses em navegar em
Na viagem tão ásperos perigos,
mares desconhecidos, em frágeis embarcações,
Tantos climas e céus experimentados,
enfrentando os perigos da natureza (ex.: ventos,
tempestades). Apesar das condições adversas, Tanto furor de ventos inimigos,
conseguiram sempre ultrapassar as dificuldades. Que sejam, determino, agasalhados
Nesta costa africana, como amigos.
E tendo guarnecida a lassa frota,
Tornarão a seguir sua longa rota.
3.ª parte (est. 30 a 40) – Conflito: reação dos deuses ao discurso de Júpiter. 1) Divisão de opiniões entre os deuses:
uns opõem-se à atitude favorável de Júpiter, outros defendem a posição do pai dos deuses. A forma como os deuses se
envolvem na discussão revela a importância que atribuem ao assunto, isto é, o sucesso ou insucesso da empresa dos
Portugueses, o que lhes confere um estatuto especial. 2) Posição de Baco oposição à decisão de Júpiter, isto é,
à empresa dos Portugueses. a) Argumentos de Baco (discurso direto): o receio de que os seus feitos no Oriente sejam
esquecidos caso os Portugueses aí cheguem; o receio de que a chegada dos Portugueses perífrase e as suas «novas Consílio dos Deuses
vitórias» façam desaparecer o seu renome, a sua glória e a sua fama, conforme profecia dos Fados; o deus dominou a
Índia e foi, por isso, cantado pelos poetas, os que «bebem a água de Parnaso» perífrase com a chegada dos no Olimpo
Portugueses, receia que o seu nome glorioso, cantado pelos poetas, caia no esquecimento. b) Simbolismo de Baco: as
dificuldades e obstáculos enfrentados pelos Portugueses durante a sua navegação; os interesses prejudicados de 30 Estas palavras Júpiter dizia,
mouros e outros indígenas e mesmo de Portugueses cuja posição social poderia ser afetada. 3) Posição de Vénus: Quando os Deuses por ordem respondendo,
Defesa e apoio à viagem dos Portugueses. a) Razões de Vénus: a simpatia que sente pelos Portugueses porque são Na sentença um do outro diferia,
um povo semelhante ao seu amado povo romano (descendente de Eneias, seu filho, nascido em Tróia, que seguiu para Razões diversas dando e recebendo.
Itália, depois da destruição daquela cidade pelos Gregos e, segundo Virgílio, foi o progenitor dos Romanos),
O padre Baco ali não consentia
proximidade essa visível em aspetos como: i) a grande valentia e fortuna mostradas na guerra no Norte de África.
No que Júpiter disse, conhecendo
ii) as semelhanças a nível da língua; a certeza de que o seu nome e o culto do Amor, que ela simboliza, serão sempre
celebrados, no Oriente, em todos os lugares onde os Portugueses chegarem perífrase. b) Vénus simboliza a Que esquecerão seus feitos no Oriente,
civilização ocidental e o seu desejo de expansão no Oriente. c) Esta disputa entre Baco e Vénus significa um conflito Se lá passar a Lusitana gente.
de interesses: de um lado, a inveja, o despeito, o receio de perda de influência; do outro, a simpatia e o desejo de
glória. Ou seja, os deuses evidenciam, na sua discussão acalorada, sentimentos bem humanos. 4) Ponto da situação Ouvido tinha aos Fados que viria
do consílio. a) Baco teme a infâmia resultante da perda de influência no Oriente; b) Vénus ambiciona as honras e a 31 Uma gente fortíssima de Espanha
glória que os portugueses lhe poderão proporcionar; c) A divisão dos deuses no apoio às duas partes gera um tumulto Pelo mar alto, a qual sujeitaria
comparável a uma tempestade gigantesca na floresta e nas montanhas (além da comparação, destaque para as Da índia tudo quanto Dóris banha,
aliterações em «r», «f», «t» aliteração, sugerindo o ruído da tempestade; para a adjetivação, para as sensações E com novas vitórias venceria
visuais e auditivas, para a hipérbole, todos estes recursos sugerindo a sua violência). 5) Posição de Marte: toma o A fama antiga, ou sua, ou fosse estranha.
partido de Vénus e dos Portugueses. a) Razões o apoio de Marte: o «amor antigo» que nutria por Vénus, também ela Altamente lhe dói perder a glória,
defensora da causa lusitana; o merecimento da «gente forte» b) Descrição de Marte: a força, a majestade e De que Nisa celebra inda a memória.
imponência, características evidenciadas pelo seu aspeto, pelas atitudes e pelo efeito que aquelas têm na natureza e
nos próprios deuses; a armadura de guerreiro e os símbolos: o escudo, o elmo com viseira de diamante, o bastão; as Vê que já teve o Indo sojugado,
suas atitudes de firmeza, determinação e revolta, de um guerreiro forte: levanta-se diante dos deuses (para se 32 E nunca lhe tirou Fortuna, ou caso,
destacar, ser visto, avançar em direção a Júpiter); atira o escudo para trás, «medonho» e «irado» (para poder falar Por vencedor da Índia ser cantado
melhor); levanta a viseira do elmo «mui seguro» (para poder ver melhor); coloca-se diante de Júpiter, «armado», De quantos bebem a água de Parnaso.
«forte» e «duro» (para mostrar que não o teme); dá uma pancada tão violenta com o bastão que Apolo perde um Teme agora que seja sepultado
pouco a cor para chamar a atenção) hipérbole: realça a violência e a fúria da pancada do bastão de Marte no chão
Seu tão célebre nome em negro vaso
sagrado do Olimpo, a tal ponto que o próprio Céu tremeu e o Sol (personificados) até perdeu a luz. c) Argumentos de
D'água do esquecimento, se lá chegam
Marte (discurso direto): o mérito e a bravura dos portugueses perífrase, gente guerreira (Marte é o deus da guerra),
reconhecidos pelo próprio Júpiter no seu discurso; a inveja e a falsidade das razões apresentadas por Baco; é sinal Os fortes Portugueses, que navegam.
de fraqueza voltar atrás numa decisão tomada. d) Conclusão: Marte solicita a Júpiter que dê cumprimento à sua
Sustentava contra ele Vénus bela,
determinação de ajudar os Portugueses, ordenando a Mercúrio, o mensageiro, que indique aos nautas lusos a terra
onde podem colher informações sobre a Índia e restabelecer-se da viagem, retemperando forças. Observa como 33 Afeiçoada à gente Lusitana,
Camões faz surgir Marte diante de Júpiter, com uma força e autoridade quase igual à do pai dos deuses. Tal sucede Por quantas qualidades via nela
não apenas por se tratar do deus da guerra. De facto, a intenção do poeta era apresentar Marte como o símbolo da Da antiga tão amada sua Romana;
força, da coragem, da vitória, um símbolo da força dos Portugueses, do seu amor à luta, das suas vitórias passadas e Nos fortes corações, na grande estrela,
futuras. Note-se, por outro lado, que, após o seu discurso, favorável aos Portugueses, nenhum deus se atreveu Que mostraram na terra Tingitana,
a contrariá-lo e o próprio Júpiter consentiu no que o deus da guerra disse. E na língua, na qual quando imagina,
Resumindo: Com pouca corrupção crê que é a Latina.
• Discurso de Baco (personagem oponente): Estas causas moviam Citereia,
◦ Opõe-se aos portugueses e à decisão de Júpiter, argumentando que estes se iriam tornar
superiores a ele próprio no Oriente. 34 E mais, porque das Parcas claro entende
Que há de ser celebrada a clara Deia,
◦ Temia que esquecessem as suas façanhas no Oriente, no momento em que os Onde a gente belígera se estende.
fortes portugueses chegassem à Índia. Assim que, um pela infâmia, que arreceia,
E o outro pelas honras, que pretende,
• Discurso de Vénus (personagem adjuvante): Debatem, e na porfia permanecem;
◦ Assume a defesa dos portugueses porque se trata de gente parecida com o seu amado povo A qualquer seus amigos favorecem.
romano através das suas qualidades (coragem e valentia) e da língua (latim).
◦ Ao ajudar os portugueses o seu nome seria também para sempre cantado no Qual Austro fero, ou Bóreas na espessura
Oriente.
• Discurso de Marte (personagem adjuvante):
35 De silvestre arvoredo abastecida,
Rompendo os ramos vão da mata escura,
◦ Defende os portugueses, porque achava que eles o mereciam, mas também porque era Com ímpeto e braveza desmedida;
um antigo apaixonado de Vénus. Brama toda a montanha, o som murmura,
◦ Zangado, Marte ordena que se façam cumprir as ordens iniciais de Júpiter, e que Baco não se Rompem-se as folhas, ferve a serra erguida:
devia opor aos portugueses, porque estes eram descendentes de Luso, seu grande amigo. Tal andava o tumulto levantado,
Entre os Deuses, no Olimpo consagrado.
37 A viseira do elmo de diamante 38 E disse assim: "Ó Padre, a cujo império
Alevantando um pouco, mui seguro, Tudo aquilo obedece, que criaste, Mas Marte, que da Deusa sustentava
Por dar seu parecer, se pôs diante Se esta gente, que busca outro hemisfério, Entre todos as partes em porfia,
De Júpiter, armado, forte e duro: Cuja valia, e obras tanto amaste, 36 Ou porque o amor antigo o obrigava,
E dando uma pancada penetrante, Não queres que padeçam vitupério, Ou porque a gente forte o merecia,
Com o conto do bastão no sólio puro, Como há já tanto tempo que ordenaste, De entre os Deuses em pé se levantava:
O Céu tremeu, e Apolo, de torvado, Não ouças mais, pois és juiz direito, Merencório no gesto parecia;
Um pouco a luz perdeu, como enfiado. Razões de quem parece que é suspeito. O forte escudo ao colo pendurado
Deitando para trás, medonho e irado,

39 "Que, se aqui a razão se não mostrasse 40 "E tu, Padre de grande fortaleza,
Vencida do temor demasiado, Da determinação, que tens tomada,
Bem fora que aqui Baco os sustentasse, Não tornes por detrás, pois é fraqueza 4.ª parte– Desenlace: Júpiter assente no que Marte disse («Como isto
Pois que de Luso vem, seu tão privado; Desistir-se da cousa começada. disse, o Padre poderoso, / A cabeça inclinando, consentiu / No que
Mas esta tenção sua agora passe, Mercúrio, pois excede em ligeireza disse Mavorte valeroso» Júpiter encerra o consílio e os deuses
Porque enfim vem de estâmago danado; Ao vento leve, e à seta bem talhada, regressam aos seus domínios. Termina o plano mitológico e retorna ao
Que nunca tirará alheia inveja Lhe vá mostrar a terra, onde se informe da viagem (narrativa central), “Enquanto isso” logo estes estão
O bem, que outrem merece, e o Céu deseja. sobrepostos. Portugueses continuam a viagem de forma calma
Da índia, e onde a gente se reforme."
… “Cortava o mar a gente belicosa” metáfora.
A partir da terceira estrofe do Canto III de Os Lusíadas há uma mudança de narrador da ação, pois deixa de ser
o poeta – narrador heterodiegético (não participante) – para ser Vasco da Gama, um narrador autodiegético
(participante). De salientar que, ao longo do episódio em estudo, há também algumas considerações do próprio
Camões em relação ao que está a ser narrado, pelo que também o plano das Intervenções do Poeta está aqui
Inês de Castro
presente. Através de uma longa analepse, o navegador conta a História de Portugal desde o berço até ao
momento da viagem. Tal acontece, pois, a armada de Vasco da Gama, a caminho da Índia, fez uma paragem 118 Passada esta tão próspera vitória,
em Melinde, onde o rei pediu ao capitão da armada portuguesa que contasse a História do seu país. Apesar de Tornado Afonso à Lusitana Terra,
ser um poema narrativo é um episódio Lírico devido aos sentimentos. A se lograr da paz com tanta glória
Quanta soube ganhar na dura guerra,
Depois da vitória do Salado sobre os Mouros e regressado D. Afonso IV a Portugal para O caso triste e dino da memória,
Que do sepulcro os homens desenterra,
festejar a paz conseguida com esta guerra, deu-se o caso triste e digno de memória, que
Aconteceu da mísera e mesquinha
até os mortos revolta, daquela miserável que depois de ser morta foi rainha (Inês de Que despois de ser morta foi Rainha.
Castro) perífrase. O narrador apresenta-nos o Amor como o grande culpado da morte de
Inês, como se esta fosse a sua pior inimiga personificação, pois este controla todos que 119 Tu, só tu, puro Amor, com força crua,
Que os corações humanos tanto obriga,
amam. Dizem que a sede de amor nem com lágrimas se satisfaz: ela exige sacrifícios Deste causa à molesta morte sua,
humanos nos seus altares. Inês vivia tranquilamente os anos da sua juventude e o seu Como se fora pérfida inimiga.
amor por Pedro nos saudosos campos do Mondego onde confessava à natureza o amor Se dizem, fero Amor, que a sede tua
que sentia pelo dono do seu coração, não sabia o risco que corria, afinal o destino de Inês Nem com lágrimas tristes se mitiga,
É porque queres, áspero e tirano,
era não ser feliz, esta chorava pensando em D.Pedro e na falta que lhe faz. Antítese, Tuas aras banhar em sangue humano.
felicidade e tristeza. Na ausência do seu amado socorria-se das lembranças, das
memórias de alegria: de noite em sonhos (que mentiam personificação e antítese); de dia 120 Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus anos colhendo doce fruito,
em pensamentos (que voavam, metáfora) (noite e dia, Antítese). Pedro recusa-se a casar Naquele engano da alma, ledo e cego,
com outras belas senhoras e princesas porque o seu amor por Inês fá-lo desprezar os Que a Fortuna não deixa durar muito,
outros. Vendo esta conduta apaixonada e estranha, o pai, D. Afonso IV, considerando o Nos saudosos campos do Mondego,
De teus fermosos olhos nunca enxuito,
murmurar do povo e a atitude do filho que não se queria casar... decide condenar Inês à
Aos montes insinando e às ervinhas
morte para desse modo libertar o filho, preso pelo amor, julgando que o sangue da sua O nome que no peito escrito tinhas.
morte apagaria o fogo desse amor. Mas que loucura foi essa, que permitiu que a mesma
espada que combateu os Mouros se levantasse contra uma dama delicada? (pergunta de 121 Do teu Príncipe ali te respondiam
As lembranças que na alma lhe moravam,
retórica do poeta) Antítese O rei inclina-se a perdoar Inês quando esta é levada pelos Que sempre ante seus olhos te traziam,
carrascos à sua presença, mas o povo, com razões falsas e firmes, exige a morte. Ela, Quando dos teus fermosos se apartavam;
com palavras inspiradas mais pela dor de deixar os filhos e o seu príncipe que pelo receio De noite, em doces sonhos que mentiam,
De dia, em pensamentos que voavam;
da própria morte hipérbole... levanta os olhos para o céu e as lágrimas escorriam pela E quanto, enfim, cuidava e quanto via
cara (as mãos estavam a ser atadas pelos carrascos) e, depois de olhar comovidamente Eram tudo memórias de alegria.
os filhos que estavam junto de si, temendo a sua orfandade, disse ao rei e avô: Se até
nos animais ferozes, que a natureza fez cruéis, e nas aves selvagens, que só pensam em 122 De outras belas senhoras e Princesas
Os desejados tálamos enjeita,
caçar, vimos existir piedade para com crianças pequenas como aconteceu com a mãe de Que tudo, enfim, tu, puro amor, desprezas,
Nino e com Rómulo e Remo, ...tu que és humano (se é humano matar uma donzela fraca Quando um gesto suave te sujeita.
Vendo estas namoradas estranhezas,
e sem força, só por amar quem a ama), tem em consideração estas criancinhas. Decide-
O velho pai sesudo, que respeita
te pela compaixão delas e minha, pois não te impressiona a minha inocência. E se na O murmurar do povo e a fantasia
guerra contra os Mouros mostraste saber dar a morte, sabe, agora, dar a vida a quem não Do filho, que casar-se não queria,
cometeu nenhum erro para a perder antítese. Mas se mesmo assim achas que a minha
inocência merece castigo, desterra-me para a fria Cítia ou para a Líbia ardente onde 123 Tirar Inês ao mundo determina,
Por lhe tirar o filho que tem preso,
viverei em sofrimento para sempre. Manda-me para onde haja tigres e leões (animais Crendo co sangue só da morte ladina
selvagens) e verei se encontro entre eles a piedade que não encontrei entre humanos; e Matar do firme amor o fogo aceso.
aí criarei estas criancinhas, a minha única consolação, a pensar em Pedro que amo. Que furor consentiu que a espada fina,
Que pôde sustentar o grande peso
Invoca o amor de mãe e suplica que seus filhos não se tornem órfãos. Como era Inês? Do furor Mauro, fosse alevantada
Inês era uma mulher apaixonada, jovem e formosa, que vivia intensamente o amor que a unia a D. Pedro e aos Contra hûa fraca dama delicada?
filhos de ambos. Aparentava uma grande serenidade e uma delicadeza frágil. Contudo, essa tranquilidade era
apenas aparente, pois as longas ausências do amado deixavam-na triste, saudosa e, possivelmente, insegura. A 124 Traziam-na os horríficos algozes
aparente fragilidade não a impediu de enfrentar o rei D. Afonso IV e os carrascos que, cruelmente, a Ante o Rei, já movido a piedade;
Mas o povo, com falsas e ferozes
preparavam para a morte, defendendo a sua vida sem se humilhar e sem renegar o amor que a condena.
Razões, à morte crua o persuade.
Depois de morta, Inês lembra uma flor murcha e sem cor.
Ela, com tristes e piedosas vozes,
126 Se já nas brutas feras, cuja mente 127 Ó tu, que tens de humano o gesto e o peito Saídas só da mágoa e saudade
Natura fez cruel de nascimento, (Se de humano é matar hûa donzela, Do seu Príncipe e filhos, que deixava,
E nas aves agrestes, que somente Fraca e sem força, só por ter sujeito Que mais que a própria morte a magoava,
Nas rapinas aéreas tem o intento, O coração a quem soube vencê-la),
Com pequenas crianças viu a gente A estas criancinhas tem respeito, 125 Pera o céu cristalino alevantando,
Terem tão piedoso sentimento Pois o não tens à morte escura dela; Com lágrimas, os olhos piedosos
Como ’o a mãe de Nino já mostraram, Mova-te a piedade sua e minha, (Os olhos, porque as mãos lhe estava
E cos irmãos que Roma edificaram: Pois te não move a culpa que não tinha. atando
Um dos duros ministros rigorosos);
E despois, nos mininos atentando,
128 E se, vencendo a Maura resistência, 129 Põe-me onde se use toda a feridade, Que tão queridos tinha e tão mimosos,
A morte sabes dar com fogo e ferro, Entre leões e tigres, e verei Cuja orfindade como mãe temia,
Sabe também dar vida, com clemência, Se neles achar posso a piedade Pera o avô cruel assi dizia:
A quem peja perdê-la não fez erro. Que entre peitos humanos não achei.
Mas, se to assi merece esta inocência, Ali, co amor intrínseco e vontade
Põe-me em perpétuo e mísero desterro, Naquele por quem mouro, criarei
Na Cítia fria ou lá na Líbia ardente, Estas relíquias suas que aqui viste,
Onde em lágrimas viva eternamente. Que refrigério sejam da mãe triste.
O rei queria perdoar-lhe, impressionado com aquelas palavras, mas o pertinaz
povo e o Destino não perdoam. Os que aconselharam a morte e julgando que
estavam a fazer um grande feito desembainharam as espadas. É contra uma
dama indefesa que vos “amostrais” valentes e cavaleiros? (o ponto de Inês de Castro
interrogação mostra que, como os cavaleiro costumam proteger as damas, neste
verso há uma ironia porque estes queriam matar Inês) É transmitida a imagem de Queria perdoar-lhe o Rei benino,
Movido das palavras que o magoam;
“carniceiros”, “brutos matadores” e de cavaleiros indignos dessa condição pela Mas o pertinaz povo e seu destino
violência que mostram perante uma donzela frágil e indefesa.. Do mesmo modo (Que desta sorte o quis) lhe não perdoam.
que Pirro prepara o ferro para matar a jovem Policena, que se oferece ao Arrancam das espadas de aço fino
Os que por bom tal feito ali apregoam.
sacrifício, com os olhos postos em sua mãe, de quem era a sua única
Contra hûa dama, ó peitos carniceiros,
consolação (comparação)... assim os algozes de Inês, sem se preocuparem com Feros vos amostrais e cavaleiros?
a vingança de D. Pedro (que tornou-a rainha perífrase), se encarniçavam contra
Qual contra a linda moça Policena,
ela, espetando as espadas no colo de alabastro, que sustinha as obras que Consolação extrema da mãe velha,
fizeram Pedro apaixonar-se por ela, e banhando em sangue o seu rosto, já Porque a sombra de Aquiles a condena,
regado com as suas lágrimas. Bem puderas, ó Sol, não ter brilhado naquele dia, Co ferro o duro Pirro se aparelha;
Mas ela, os olhos, com que o ar serena
como aconteceu com o sinistro banquete em que Atreu deu a comer a Tiestes os (Bem como paciente e mansa ovelha),
filhos deste. E vós, côncavos vales, que ouvistes o nome de Pedro, na sua voz Na mísera mãe postos, que endoudece,
agoniante, por muito tempo fizestes eco do seu nome. Assim como a bonina que Ao duro sacrifício se oferece:
é cortada antes do tempo por uma menina descuidada fazendo com que murche Tais contra Inês os brutos matadores,
rapidamente, também Inês tinha a beleza de uma flor mas coincidentemente No colo de alabastro, que sustinha
perdeu a cor e a vivacidade da pele com a morte, e morreu antecipadamente As obras com que Amor matou de amores
Aquele que despois a fez Rainha,
comparação. A natureza chorou durante muito tempo a sua morte e quis As espadas banhando e as brancas flores,
eternizá-la na fonte das lágrimas que ainda hoje existe. Afinal, a Natureza é vista Que ela dos olhos seus regadas tinha,
Se encarniçavam, fervidos e irosos,
como confidente do amor de Pedro e Inês personificação. Concluindo: Segundo
No futuro castigo não cuidosos.
o poeta, o Amor é o verdadeiro culpado pela morte de Inês. Trata-se de um
sentimento poderoso que domina os corações humanos e que gosta de os ver Bem puderas, ó Sol, da vista destes,
sofrer. Aliás, esse sentimento sente tal prazer pelo sofrimento humano que não Teus raios apartar aquele dia,
Como da seva mesa de Tiestes,
se contenta com lágrimas, quer também sangue. Quando os filhos por mão de Atreu comia!
Vós, ó côncavos vales, que pudestes
A voz extrema ouvir da boca fria,
O nome do seu Pedro, que lhe ouvistes,
Por muito grande espaço repetistes.

Assi como a bonina, que cortada


Antes do tempo foi, cândida e bela,
Sendo das mãos lascivas maltratada
Da minina que a trouxe na capela,
O cheiro traz perdido e a cor murchada:
Tal está, morta, a pálida donzela,
Secas do rosto as rosas e perdida
A branca e viva cor, co a doce vida.

As filhas do Mondego a morte escura


Longo tempo chorando memoraram,
E, por memória eterna, em fonte pura
As lágrimas choradas transformaram.
O nome lhe puseram, que inda dura,
Dos amores de Inês, que ali passaram.
Vede que fresca fonte rega as flores,
Que lágrimas são a água e o nome Amores.
Este episódio de Os Lusíadas corresponde ao momento da partida dos marinheiros da
praia do Restelo e da despedida dos seus familiares e amigos - início da viagem de
Vasco da Gama à Índia- Plano Narrativo: Viagem. O episódio está inserido apenas no Despedidas em Belém
canto IV (estrutura externa). Seguindo o modelo das epopeias greco-latinas, a narração
não começa no princípio da ação (a partida das naus de Lisboa e início da viagem), mas 84 E já no porto da ínclita Ulisseia
já a meio da ação (in media res): “Já no largo Oceano navegavam (Canto I, est. 19). C'um alvoroço nobre, e cum desejo,
Neste episódio, Luís de Camões enaltece os Descobrimentos e a dor, o sofrimento e o (Onde o licor mistura a branca areia
Co'o salgado Neptuno o doce Tejo)
sacrifício das pessoas envolvidas direta (marinheiros) ou indiretamente (familiares,
As naus prestes estão; e não refreia
amigos) nesse feito. O Poeta exprime estes sentimentos através da narração que Vasco Temor nenhum o juvenil despejo,
da Gama faz ao rei de Melinde, narrando a partida da armada para a viagem de Porque a gente marítima e a de Marte
descoberta do caminho marítimo para a Índia, em analepse, dando particular relevo às Estão para seguir-me a toda parte.
despedidas dos navegadores portugueses em Belém. Há um particular destaque para o 85 Pelas praias vestidos os soldados
grande sofrimento e dor dos Portugueses no momento da partida das naus, sendo De várias cores vem e várias artes,
referido o doloroso sacrifício e desespero de quem ficava em terra. E não menos de esforço aparelhados
Pera buscar do mundo novas partes.
1. Os que partem - Referência ao estímulo dado pelo rei aos marinheiros (83) Vasco da
Nas fortes naus os ventos sossegados
Gama refere o entusiasmo de marinheiros e soldados em o acompanhar. Vasco da Gama Ondeiam os aéreos estandartes;
situa a ação, referindo que as naus estão quase a partir de Lisboa. Descrição geral dos Elas prometem, vendo os mares largos,
soldados e das naus. Preparação espiritual dos marinheiros (missa, comunhão e De ser no Olimpo estrelas, como a de Argos.
procissão) e pedido de proteção e ajuda a Deus. Orações de despedida. Emoção do 86 Depois de aparelhados desta sorte
narrador pela longa e perigosa viagem que o afastará da pátria e da família. De quanto tal viagem pede e manda,
Estabelecimento de relação entre o nome do local que os marinheiros se encontravam e Aparelhámos a alma para a morte,
a cidade da Palestina onde nasceu Jesus (Belém). 2. Os que ficam - Vasco da Gama e os Que sempre aos nautas ante os olhos anda.
Para o sumo Poder que a etérea corte
companheiros vão em procissão para as naus, enquanto a gente da cidade os esperava. Sustenta só coa vista veneranda,
A gente da cidade deixa transparecer saudade e tristeza. Os mais chegados revelam a Imploramos favor que nos guiasse,
sua tristeza: os homens com “suspiros”; as mulheres, as mães, as esposas e as irmãs E que nossos começos aspirasse.
“cum choro piadoso” por temerem não voltar a ver os familiares que partiam.
87 Partimo-nos assim do santo templo
Que nas praias do mar está assentado,
Feita a referência a D. Manuel I, que pagou aos marinheiros e encorajou-os com palavras Que o nome tem da terra, para exemplo,
de louvor, e localizada a ação no espaço e no tempo, observamos o alvoroço geral dos Donde Deus foi em carne ao mundo dado.
últimos preparativos para o embarque da “gente marítima e a de Marte” (marinheiros e Certifico-te, ó Rei, que se contemplo
Como fui destas praias apartado,
soldados). Prontas as naus, os nautas reúnem-se em oração na ermida de Nossa
Cheio dentro de dúvida e receio,
Senhora de Belém. Que apenas nos meus olhos ponho o freio.

Descreve-se a “procissão solene” do Gama e seus companheiros desde o “santo templo” 88 A gente da cidade aquele dia,
(ermida) até aos batéis, pelo meio da “gente da cidade”, homens e mulheres, velhos e (Uns por amigos, outros por parentes,
Outros por ver somente) concorria,
meninos, com relevo especial para as mães e esposas. Tanto os que partiam como os
Saudosos na vista e descontentes.
que ficavam se entristeciam e a despedida assume grande emotividade. “Porque me E nós coa virtuosa companhia
deixas, mísera e mesquinha? “Porque de mi te vas, ó filho caro” De mil Religiosos diligentes,
Em procissão solene a Deus orando,
A mãe tenta dissuadir o filho a embarcar levando-o a refletir sobre a decisão tomada. Para os batéis viemos caminhando.
Argumentos usados: -o filho vai deixar a mãe desamparada na velhice, sem sustento
material e efetivo; -o filho vai morrer no mar. A esposa dirige-se ao esposo realçando o 89 Em tão longo caminho e duvidoso
Por perdidos as gentes nos julgavam;
seu amor e culpando-o de pôr em causa as suas vidas. Argumentos usados: não As mulheres c’um choro piedoso,
consegue viver sem o amor do marido; morrendo ele, também ela morrerá; o marido troca Os homens com suspiros que arrancavam;
o amor pela incerteza do mar; o marido vai destruir a relação amorosa. A natureza Mães, esposas, irmãs, que o temeroso
testemunha a tristeza vivida e partilha os sentimentos dos mais velhos e dos mais jovens Amor mais desconfia, acrescentavam
(personificação dos montes). Acentua-se o sofrimento provocado pela dor da separação, A desesperação, e frio medo
De já nos não tornar a ver tão cedo.
através da hipérbole que compara o número de lágrimas com o número das crianças e
dos mais velhos. Vasco da gama decide o embarque imediato sem despedidas, evitando 90 Qual vai dizendo: —" Ó filho, a quem eu tinha
mais sofrimento, ou uma mudança de ideias Só para refrigério, e doce amparo
92 Nestas e outras palavras que diziam, Desta cansada já velhice minha,
De amor e de piadosa humanidade, Que em choro acabará, penoso e amaro,
Os velhos e os mininos os seguiam, Por que me deixas, mísera e mesquinha?
Em quem menos esforço põe a idade. Por que de mim te vás, ó filho caro,
Os montes de mais perto respondiam, A fazer o funéreo enterramento,
Quase movidos de alta piedade; Onde sejas de peixes mantimento?"
A branca areia as lágrimas banhavam,
Que em multidão co elas se igualavam. 91 Qual em cabelo: —"Ó doce e amado esposo,
Sem quem não quis Amor que viver possa,
Nós outros, sem a vista alevantarmos Por que is aventurar ao mar iroso
93 Nem a Mãe, nem a Esposa, neste estado, Por Essa vida que é minha, e não é vossa?
Refere-se ao embarque que, por vontade nos não magoarmos, ou mudarmos Como por um caminho duvidoso
de Vasco da Gama, se fez sem as Do propósito firme começado, Vos esquece a afeição tão doce nossa?
despedidas habituais para diminuir o Determinei de assi nos embarcarmos, Nosso amor, nosso vão contentamento
sofrimento, tanto dos que partiam como Sem o despedimento costumado, Quereis que com as velas leve o vento?"
dos que ficavam Que, posto que é de amor usança boa,
A quem se aparta, ou fica, mais magoa.
Plano: da Viagem: geograficamente, o Adamastor é o Cabo das Tormentas; Plano
Mitológico: Na mitologia é o temível gigante vencido pelo amor a Tétis; Plano da
História de Portugal: em o poder de vaticinar acontecimentos futuros aos Portugueses,
fazendo profecias (post-eventum). Estrutura externa: Canto V; Estrutura interna: O Gigante Adamastor
Narração Narrador: Vasco da Gama; Narratário: Rei de Melinde; Plano narrativo: Plano
da viagem. 37 Porém já cinco soes eram passados
Que d'ali nos partíramos, cortando
O episódio “O Gigante Adamastor” é um episódio simbólico na medida em que esta Os mares nunca d'outrem navegados,
figura representa os perigos e as dificuldades que se apresentam ao Homem que sente Prosperamente os ventos assoprando;
o impulso de conhecer e de descobrir o mundo. Só superando o seu próprio medo, este Quando Huma noite, estando, descuidados,
poderá vencer (ideia veiculada pelo Humanismo). O Adamastor é, portanto, uma figura Na corladora proa vigiando,
mitológica criada por Camões, concentrando todos os perigos e dificuldades que os Huma nuvem, que os ares escurece,
Sobre nossas cabeças apparece.
portugueses tiveram de transpor. Preparação do ambiente; Retrato do
gigante: O Adamastor surge a partir de uma nuvem com uma figura " robusta e válida", 38 Tam temerosa vinha e carregada,
como um monstro horrendo de tamanho descomunal, "De disforme e grandíssima Que poz nos corações hum grande medo;
estatura "; rosto severo e barba suja, desalinhada; olhos "encovados" e negros; cabelos Bramindo o negro mar de longe brada,
Como se désse em vão n'algum rochedo.
" cheios de terra e crespos"; " boca negra" e " dentes amarelos". Apresenta uma " cor «Ó Potestade (disse) sublimada!
terrena e pálida", tem uma " postura medonha e má", sendo a sua voz horrenda , Que ameaço divino, ou que segredo
grossa, " pesada " e amarga. É caracterizado pela sua figura colossal e pelo medo que Este clima, e este mar nos apresenta,
provoca. Discurso do gigante (1ª parte-ameaças/elogio da “gente ousada”): O Que mór cousa parece, que tormenta?»
Adamastor inicia o seu discurso com um tom assustador (" E da primeira armada, que
passagem/ Fizer por estas ondas insofridas, /Eu farei de improviso tal castigo,/ Que 39 Não acabava, quando huma figura
Se nos mostra no ar, robusta e valida,
seja mor o dano que o perigo!". Porém, deixa transparecer uma certa admiração e De disforme e grandíssima estatura,
espanto por este povo aventureiro que ousou o que jamais algum ser humano ousara O rosto carregado, a barba esqualida;
fazer: " Ó gente ousada, mais que quantas/ No mundo cometeram grandes cousas,/ Os olhos encovados, e a postura
(...) Pois os vedados términos quebrantas/ E navegar meus longos mares ousas". Medonha e má, e a côr terrena e palida;
Destacam-se as profecias de Adamastor que intensificam o momento de terror vivido Cheios de terra, e crespos os cabelos,
A boca negra, os dentes amarellos.
pelos marinheiros portugueses: "Antes, em vossas naus vereis, cada ano,/ (...)/
Naufrágios, perdições de toda a sorte, / Que o menor mal de todos seja a morte!"). 40 Tão- grande era de membros, que bem posso
Certificar-te que este era o segundo
De Rodes estranhíssimo Colosso,
Que hum dos sete milagres foi do mundo.
Cum tom de voz nos falia horrendo e grosso,
45 Que pareceu sair do mar profundo.
E do primeiro illustre, que a ventura 46 Outro também virá de honrada fama,
Arrepiam-se as carnes e o cabelo
Com fama alta fizer locar os ceos, Liberal, cavalleiro, enamorado,
A mi, e a todos, só de ouvil-o e vê-lo.
Serei eterna e nova sepultura, E comsigo trará a formosa dama,
Per juizos incognitos de Deos, Que amor, per gran' mercô lhe terá dado. 41 E disse: «Oh gente ousada mais que quantas
Aqui porá da turca armada dura Triste ventura, e negro fado os chama No mundo commctteram grandes cousas,
Os suberbos e prosperas tropheos: N'esle terreno meu, que duro e irado Tu, que per guerras cruas, taes e tantas,
Comigo de seus damnos o ameaça Os deixará de um hum cru naufragio vivos, E per trabalhos vãos nunca repousas:
A destruída Ouiloa, com Mombaça. Pera verem trabalhos excessivos. Pois os vedados términos quebrantas,
E navegar meus longos mares ousas,
Que eu tanto tempo ha já que guardo e tenho,
Nunca arados d'estranho ou proprio lenho:

42 Pois vens ver os segredos escondidos


Da natureza, e do huraido elemento,
A nenhum grande humano concedidos
De nobre ou de immortal merecimento:
Ouve os damnos de mi, que apercebidos
47 Verão morrer com fome os filhos caros, 48 E verão mais os olhos, que escaparem Estão a teu sobejo atrevimento,
Em tanto amor gerados, e nascidos; De lanto mal, de lanta desventura, Per todo o largo mar, e pela terra,
Verão os Cafres ásperos e avaros Os dous amantes míseros íicarem Que inda has de sujugar com dura guerra.
Tirar á linda dama os seus vestidos: Na fervida e implacabil espessura.
Os crystallinos membros e preclaros, Alli, despois que as pedras abrandarem 43 Sabe que quantas naus esta viagem,
Á calma, ao frio, ao ar verão despidos; Com lagrymas de dor, de magua pura, Que tu fazes, fizerem de atrevidas,
Abraçados as almas soltarão Inimiga terão esta paragem,
Despois de ter pizada longamente Co'os
Da formosa e miserrima prisão.» Com ventos e tormcntas desmedidas.
delicados pés a areia ardente.
E da primeira armada, que passagem
Fizer per estas ondas insoflridas,
Eu farei d'improviso tal castigo,
Que seja mór o damno que o perigo.

44 Aqui espero tomar (se não me engano)


De quem me descobriu, summa vingança:
E não se acabará só nisto o dano
De vossa pertinace confiança;
Antes em vossas naus vereis cada ano,
Se he verdade o que meu juízo alcança
Naufragios, perdições de toda sorte,
Que o menor mal de todos seja a morte.
Interpelação/Discurso de Vasco da Gama (pedido de identificação, espanto e sangue
frio que revelou): Vasco da Gama e os seus homens, perante a visão horrenda do
Adamastor, começam por sentir receio: "Arrepiam-se as carnes e o cabelo / A mi e a
todos, só de ouvi-lo e vê-lo" (est.40, vv.7-8). No entanto, esse sentimento é depois
substituído por uma certa admiração: "Lhe disse eu : " Quem és tu ? Que esse
estupendo / Corpo, certo, me tem maravilhado!" ( est. 49, vv. 3-4 ). O temor causado
por esta figura não demoveu Vasco da Gama dos seus propósitos, terminando o O Gigante Adamastor
episódio d'Os Lusíadas com um apelo, pois mais horrendo que o aspeto do Adamastor
eram as suas profecias para o futuro, tanto que pediu a Deus que lhes evitasse 49 Mais ia per diante o monstro horrendo
semelhante sofrimento. Discurso do Adamastor (2ª parte- retrospetiva autobiográfica e Dizendo nossos fados, quando alçado
humanização do monstro, frustração amorosa): o final do episódio, o Adamastor deixa Lhe disse eu: «Quem és tu? que esse estupendo
Corpo, certo me tem maravilhado.»
de lado a figura assustadora e medonha para dar lugar a um ser sofredor e castigado,
A boca, e os olhos negros retorcendo,
mostrando assim uma faceta muito humana. Se por um lado representa uma figura E dando hum espantoso e grande brado,
causadora de sofrimento, por outro assume-se como um ser vítima de um fracasso Me respondeu com voz pesada e amara,
amoroso: "Da mágoa e da desonra ali passada, / A buscar outro mundo, onde não Como quem da pergunta lhe pezara:
visse/ Quem de meu pranto e de meu mal se risse." (est.57, vv.6-8) e "Comecei a sentir
do fado immigo,/ Por meus atrevimentos, o castigo." (est.58, vv.7-8). 50 « Eu sou aquelle occulto e grande cabo,
A quem chamais vós outro Tormentorio,
Que nunca a Ptolemeu, Pomponio, Estrabo,
Plínio, e quantos passaram, fui notório:
Aqui toda a africana costa acabo
N'esle meu nunca visto promontorio,
57 Que pera o polo antarctico se estende,
Ó nympha, a mais formosa do Oceano, 58 Eram já n'este tempo meus irmãos
Vencidos e em miséria extrema postos; A quem vossa ousadia tanto offende.
Já que minha presença não te agratja,
Que te custava ter-me n'este engano, E, por mais segurar-se os deuses vãos,
Alguns a vários montes sotopostos:
51 Fui dos filhos asperriraos da terra, Qual
Ou fosse monte, nuvem, sonho, ou nada? Encélado, Égeu, e o Centiraano; Chamei-me
D'aqui me parto irado, e quasi insano, E, como contra o céu não valem mãos,
Adamastor, c fui na guerra Contra o que vibra os
Da magoa, e da deshonra alli passada, Eu, que chorando andava meus desgostos,
raios de Vulcano: Não )|ue puzesse serra sobre
A buscar outro mundo, onde não visse Comecei a sentir do fado imigo,
serra; Mas conquistando as ondas do Oceano,
Quem do meu pranto e do meu mal se risse. Por meus atrevimentos, o castigo.
Fui capitão do mar, per onde andava A armada
de Neptuno, que eu buscava.

52 Amores da alta esposa de 1'eleo Me lizeram


tomar tamanha empreza: Todas as deusas
59 Converte-se-me a carne em terra dura; 60 Assim contava; e c'hum medonho choro desprezei do céo, Só por amar das aguas a
Em penedos os osos se fizeram; Súbito d'ante os olhos se apartou; princeza: Um dia a vi, co'as filhas de Nereo, Sahir
Estes membros, que vôs, e esta figura, Desfez-se a nuvem negra, e c'hum sonoro nua na praia; e logo preza A vontade senti de tal
Per estas longas agoas se estenderam; Bramido, muito longe o mar soou. maneira, Que inda não sinto cousa que mais
Em fim, minha grandíssima estatura Eu, levantando as mãos ao santo coro queira.
N'este remoto cabo converteram Dos Anjos, que tam longe nos guiou,
Os deuses; e por mais dobradas magoas, A Deus pedi que removesse os duros 53 Como fosse irnpossibil alcançalla, Pela grandeza
Me anda Thetis cercando d'eslas agoas.» Casos, que Adamastor contou futuros. fea do meu geslo, Determinei per armas de
tomalla; E a IJoris este caso manifesto. De medo
a deusa então per mi lhe falia; Mas cila, c'hum
formoso riso honesto, Respondeu: «Qual será o
amor bastante De nympha, que sustente o de
hum gigante?
Epílogo (conclusão) -choro e desaparecimento do gigante; pedido de Vasco da Gama a
Deus para que as profecias do gigante não se realizassem. 54 Comtudo, por livrarmos o Oceano De lanla
guerra, eu buscarei maneira, Com que, com
Simbologia do gigante e do mostrengo minha honra, escuse o dano: » Tal resposta me
torna a mensageira: Eu, que cahir não pude
O Adamastor, embora associado à representação do denominado Cabo das n'este engano, (Que é grande dos amantes a
Tormentas, é uma personificação do medo e do receio que os navegadores revelavam cegueira) Encheram-me com grandes
abondanças O peito de desejos, e esperanças.
ao enfrentar o desconhecido. Simboliza também as histórias fantásticas relacionadas
com seres monstruosos que habitavam os mares e que destruíam todos aqueles que 55 Já, néscio, já da guerra desistindo, Huma noite
tivessem a ousadia de entrar nos seus domínios, histórias essas em que os de Doris promettida, Me apparece de longe o
navegadores da época acreditavam. O monstro representa ainda o guardião, que se gesto lindo Da branca Thetis única despida:
encontra a impedir o acesso ao "tesouro", obrigando assim o homem a praticar um ato Como doudo corri, de longe abrindo Os braços
para aquella que era vida D'este corpo; e começo
heróico e a vencer o medo. Vasco da Gama e seus homens, no reinado de D. Manuel I,
os olhos bellos A lhe beijar, as faces, e os
descobriram o caminho marítimo para a Índia, chegaram até ao "tesouro", e Luís de cabellos.
Camões imortalizou-os na sua obra épica. Em síntese, a figura do Adamastor
representa os obstáculos, as dificuldades a vencer, os perigos do mar, as forças do 56 Oh! que não sei de nojo como o conte! Que,
mal, o desconhecido. O seu desaparecimento simboliza a superação do medo, os crendo ter nos braços quem amava, Abraçado
me achei c'hum duro monte De áspero mato, e
perigos e obstáculos enfrentados e ultrapassados e o completo domínio dos mares
de espessura brava. Estando c'hum penedo
pelos Portugueses (dimensão épica). fronte a fronte, Que eu pelo rosto angélico
apertava, Não fiquei homem, não, mas mudo c
quedo, E juncto de hum penedo outro penedo.
Estrutura externa: Canto VI; Estrutura interna: Narração Narrador: Poeta Plano narrativo: Plano
da viagem e mitológico.
Enquanto o Consílio dos Deuses do Mar se realizava, os navegadores continuavam, a sua
viagem, contando histórias a bordo. É nesse momento que os marinheiros são surpreendidos
A Tempestade
pela Tempestade, em cuja descrição se cruzam dois planos narrativos: da viagem e dos deuses. 70 Mas, neste passo, assi prontos' estando,
Divisão do episódio em quatro partes: Eis o mestre?, que olhando os ares anda,
O apito toca: acordam, despertando,
1.Tempestade e agitação a bordo (est.70 à 79) - agitação dos elementos da natureza – vento, Os marinheiros dhña e doutra banda.
nuvens e mar – e dos elementos humanos – marinheiros: O episódio inicia-se com o conector E, porque o vento vinha refrescando,
mas («Mas, neste passo, assi prontos estando» - est. 70) a marcar o contraste entre a calmaria Os traquetes das gáveas tomar manda.
descrita anteriormente e a violência da tempestade que se avizinha. Os marinheiros acordam, «Alerta (disse) estai, que o vento crece
Daquela nuvem negra que aparece!»
repentinamente, com o apito do comandante para a manobra, pois o vento aumenta e avista-se
uma nuvem negra. Os sinais que alertam a proximidade da tempestade são o vento e a nuvem 71 Não eram os traquetes bem tomados,
negra. Os verbos utilizados para transmitir as ordens são os seguintes: “amaina” e “alija”; O Quando dá a grande e súbita procela.
mestre manda amainar, ou seja, tomar ou carregar as velas mais altas, e alija, ou seja, atirar tudo «Amaina (disse o mestre a grandes brados),
ao mar e dar à bomba. Ainda os navegadores não tinham terminado as manobras de Amainas (disse), amaina a grande vela!»
Não esperam os ventos indinados
preparação para a tempestade, quando o temporal cai sobre a embarcação. O terror é grande,
Que amainassem, mas, juntos dando nela,
pois a embarcação está a destruir-se e o vento não para. A tempestade provocou efeitos Em pedaços a fazem cum ruído
terríveis, ela fez com que as naus ficassem muito estragadas, o que provocou uma grande Que o Mundo pareceu ser destruído!
aflição aos portugueses. Elementos textuais que podem ilustrar esta afirmação: “Quebrando leva
o mastro pelo meio,/Quase toda alagada; A gente chama/ Aquele que a salvar o mundo veio.” 72 O céu fere com gritos nisto a gente,
Cum súbito temor e desacordo;
Ouvem-se gritos de desespero; as aves marítimas, lembrando-se do último naufrágio,
Que, no romper da vela, a nau pendente
manifestam tristeza; e os golfinhos, não se sentindo seguros, fogem. Nunca se viu tamanha Toma grão suma de água pelo bordo.
tempestade. Nem Vulcano fabricou tantos raios para Eneias na guerra dos Gigantes, nem Júpiter «Alija (disse o mestre rijamente),
lançou tantos relâmpagos no dilúvio. As enormes ondas derrubam montes, os terríveis ventos Alija tudo ao mar, não falte acordo!
arrancam árvores e as areias do fundo do mar vêm para a superfície. Expressões que traduzem Vão outros dar à bomba, não cessando;
a violência da tempestade: “Mostra a possante nau, que move espanto.” e “Vendo que se sustém À bomba, que nos imos alagando!»
nas ondas”. O responsável pela tempestade foi Baco, que não queria que os portugueses 73 Correm logo os soldados animosos
chegassem à Índia. A dar à bomba; e, tanto que chegaram,
Os balancos, que os mares temerosos
2. Súplica de Vasco da Gama à divina guarda (est.80 à 84) Vasco da Gama vendo-se perdido, Deram à nau, num bordo' os derribaram.
confuso e impotente perante a tempestade, agora que estava tão perto de alcançar o seu Três marinheiros, duros e forçosos,
objetivo, resolve pedir ajuda a Deus, argumentando que já ultrapassaram muitos perigos em A menear o leme não bastaram;
Talhas? lhe punham dhua e doutra parte,
nome da fé. ……Argumentos: A omnipotência divina (Deus já ajudara outros povos em Se[m] aproveitar dos homens força e arte.
dificuldades); Os portugueses estão ao serviço de Deus, menciona que com aquela viagem não
pretendem ofender mas servir a Deus. (vão espalhar a fé cristã por terras desconhecidas), logo 74 Os ventos eram tais, que não puderam
Mostrar mais força do impito cruel,
tinham uma missão religiosa, ; Louva aqueles que morreram lutando pela fé cristã, pois era Se pera derribar então vieram
preferível uma morte heróica e conhecida em África a combater, do que uma morte devido a um A fortíssima Torre de Babel.
naufrágio anónimo, sem honras, nem vitórias; Os versos que traduzem o estado de espírito de Nos altíssimos mares, que creceram,
Vasco da Gama são os seguintes: “Ora com nova fúria do céu subia” e “Confuso de temor, da A pequena grandura dum batel
vida incerto”; Mostra a possante nau, que move espanto,
Vendo que se sustém nas ondas tanto.
O pedido de Vasco da Gama não foi atendido. A tempestade não acalmou: os ventos gritavam
como "touros Indómitos" (est. 84) e os «Relâmpagos medonhos» não paravam. 75 A nau grande, em que vai Paulo da Gama,
Quebrado leva o masto pelo meio,
3. Intervenção de Vénus (est. 85 à 91): Luís de Camões narra que a deusa Vénus, ao ver o Quase toda alagada; a gente chama
Aquele que a salvar o mundo veio.
estado do mar e o perigo que corria a armada portuguesa, sentiu medo e ira. Vénus diz de Não menos gritos vãos ao ar derrama
imediato que aquela situação é obra do atrevimento de Baco, mas que não irá permitir tal Toda a nau de Coelho, com receio,
maldade. A protetora dos portugueses desce ao mar e ordena às ninfas que se enfeitem com Conquanto teve o mestre tanto tento,
coroas de flores para acalmar e seduzir os ventos. Estes, ao verem as belas ninfas, ficam sem Que primeiro amainou, que desse o vento.
forças para lutar e a ninfa Orítia ameaça o seu amante, o vento Bóreas, que, se não terminar
76 Agora sobre as nuvens os subiam
com a tempestade, em vez de o amar vai passar a temê-lo. Galateia também prometeu amor ao As ondas de Neptuno furibundo;
feroz vento Noto e as outras ninfas, de igual modo, amansaram os seus amantes. Assim, Vénus Agora a ver parece que deciam
prometeu favorecer os ventos com seus amores e estes ser-lhe-iam leais durante a viagem dos As íntimas entranhas do Profundo.
navegadores portugueses. Logo, a responsável pelo fim da tempestade foi Vénus Expressões Noto, Austro, Bóreas, Áquilo queriam
que comprovam a bonança da tempestade: “E logo à linda Vénus se entregavam/ Amansadas as Arruinar a máquina do Mundo;
A noite negra e feia se alumia
iras e os furores/ De lhe serem leais esta viagem”.
Cos raios em que o Pólo todo ardia!
4º momento (est. 92/93): Já tinha amanhecido, quando os marinheiros avistaram terra. A
77 As Alcióneas aves triste canto
tempestade tinha passado e o temor também, quando o piloto de Melinde diz que aquela “Terra é Junto da costa brava levantaram,
de Calecu”, a Índia que procuravam. Luís de Camões conta que Vasco da Gama, com enorme Lembrando-se do seu passado pranto,
emoção e de joelhos no chão, ergue as mãos para o céu e dá graças a Deus. Que as furiosas águas lhe causaram.
Os delfins namorados, entretanto,
Lá nas covas marítimas entraram,
Fugindo à tempestade e ventos duros,
Recursos expressivos: Perífrase; Comparação; Apóstrofe; Personificação; Hipérbole; Dupla Que nem no fundo os deixa estar seguros.
Adjetivação.
No céu, Vénus
apercebe-se da
tempestade que
A Tempestade ameaça os seus A Tempestade
amados Portugueses
78 Nunca tão vivos raios fabricou
e sente-se dominada 85 Mas já a amorosa Estrela cintilava
Contra a fera soberba dos Gigantes pelo «medo» e pela Diante do Sol claro, no Horizonte,
O grão ferreiro? sórdido que obrou «ira» (raiva). Mensageira do dia, e visitava
Do enteado! as armas radiantes; A terra e o largo mar, com leda fronte.
Convencida de que a
Nem tanto o grão Tonante arremessou A Deusa', que nos Céus a governava,
Relampados ao mundo, fulminantes, tempestade é obra de
De quem foge o ensífero Orionte,
No grão dilúvio donde sós viveram Baco, desce até ao Tanto que o mar e a cara armada vira,
Os dous que em gente as pedras converteram. mar, enquanto manda Tocada iunto foi de medo e de ira.
79 Quantos montes, então, que derribaram as Ninfas enfeitarem-
se com grinaldas de 86 «Estas obras de Baco são, por certo,
As ondas que batiam denodadas! (Disse); mas não será que avante leve
rosas. A sua intenção
Quantas árvores velhas arrancaram Tão danada tenção, que descoberto
é abrandar a fúria dos
Do vento bravo as fúrias indinadas! Me será sempre o mal a que se atreve.»
As forçosas raízes não cuidaram ventos, seduzindo-os Isto dizendo, dece ao mar aberto,
Que nunca pera o céu fossem viradas, com a visão das No caminho gastando espaço breves
Nem as fundas areias, que pudessem «Ninfas belas / «Que Enquanto manda as Ninfas amorosas
Tanto os mares, que em cima as revolvessem. mais fermosas Grinaldas nas cabeças pôr de rosas.
80 vinham que as
Vendo Vasco da Gama que tão perto
estrelas». A 87 Grinaldas manda pôr de várias cores
Do fim de seu desejo se perdia, Sobre cabelos louros a porfia.
Vasco da Gama, Vendo ora o mar até o Inferno aberto, estratégia de Vénus Quem não dirá que nacem roxas flores
vendo-se já Ora com nova fúria ao Céu subia, surte efeito: mal veem Sobre ouro natural, que Amor infia?
Confuso de temor, da vida incerto, os cabelos, mais Abrandar determina, por amores,
perto do fim da
Onde nenhum remédio lhe valia, luminosos que os Dos ventos a nojosa companhia,
viagem e Chama aquele Remédio! santo e forte, raios, das Ninfas, os Mostrando-lhe as amadas Ninfas belas,
receando pela Que o impossibil pode, desta sorte: ventos perdem as Que mais fermosas vinham que as estrelas.
vida... reza à 81 «Divina Guarda, angélica, celeste, forças com que
«Divina lutavam. Uma das
88 Assi mesmo a fermosa Galateia!
Que os Céus, o Mar e Terra senhoreias: Dizia ao fero Noto, que bem sabe
Guarda», Tu, que a todo Israel refúgio deste ninfas, Oritia, dirige- Que dias há que em vê-la se recreia,
argumentando Por metade das águas Eritreias; se a Bóreas, o vento E bem crê que com ele tudo acabe.
que aquela é Tu, que livraste Paulo e defendeste Norte, que por ela Não sabe o bravo tanto bem se o creia,
Das Sirtes arenosas e ondas feias, estava apaixonado, Que o coração no peito lhe não cabe;
uma viagem ao E guardaste, cos filhos, o segundo De contente de ver que a dama o manda,
dizendo-lhe que a
serviço de Deus. Povoador do alagado e vácuo mundo: Pouco cuida que faz, se logo abranda.
sua fúria fará com
Termina a sua 82 que ela o receie em
Se tenho novos medos perigosos 89 Desta maneira as outras amansavam
oração Doutra Cila e Caríbdis já passados, vez de o amar. A Subitamente os outros amadores;
comparando a Outras Sirtes e baxos arenosos, mesma estratégia de E logo à linda Vénus se entregavam,
sua sorte, se Outros Acroceráunios infamados, sedução é usada por Amansadas as iras e os furores.
No fim de tantos casos trabalhosos, Ela lhe prometeu, vendo que amavam,
morrer, à dos uma das Nereidas,
Por que somos de Ti desemparados, Sempiterno favor em seus amores,
Portugueses Galateia, que sabe
Se este nosso trabalho não Te ofende, Nas belas mãos tomando-lhe homenagem
que morreram a Mas antes Teu serviço só pretende? agradar a Noto, o De lhe serem leais esta viagem.
lutar contra os 83 vento Sul. Este, ao
Oh! Ditosos aqueles que puderam ver a sua amada, 90 Já a menham clara dava nos outeiros
Mouros, mas Entre as agudas lanças Africanas Por onde o Ganges murmurando soa,
esquece-se de
«de quem feitos Morrer, enquanto fortes sustiveram imediato da sua fúria. Quando da celsa gávea os marinheiros
ilustres se A santa Fé nas terras Mauritanas!
Do mesmo modo, Enxergaram terra alta, pela proa.
souberam». De quem feitos ilustres se souberam, Já fora de tormenta e dos primeiros
De quem ficam memórias soberanas, todas as Ninfas Mares, o temor vão do peito voa.
De quem se ganha a vida, com perdê-la, acalmaram «as iras e Disse alegre o piloto Melindano:
Doce fazendo a morte as honras dela!» os furores» dos «Terra é de Calecu, se não me engano;
84 Assi dizendo, os ventos, que lutavam ventos e logo
voltaram para junto 91 Esta é, por certo, a terra que buscais
Como touros indómitos, bramando, Da verdadeira Índia, que aparece;
de Vénus que lhes
Mais e mais a tormenta acrecentavam, E, se do mundo mais não desejais,
Pela miúda enxárcia assoviando.
prometeu a sua
Vosso trabalho longo aqui fenece.»
Relampados medonhos não cessavam, eterna gratidão. Sofrer aqui não pôde o Gama mais,
Feros trovões, que vem representando De ledo em ver que a terra se conhece:
Cair o Céu dos eixos sobre a Terra, Os geolhos" no chão, as mãos ao Céu,
Consigo os Elementos terem guerra. A mercê grande a Deus agardeceo.

92 As graças a Deus dava, e razão tinha,


Que não somente a terra lhe mostrava,
Que com tanto temor buscando vinha,
Por quem tanto trabalho experimentava;
Mas via-se livrado tão asinha
Da morte, que no mar lhe aparelhava
O vento duro, fervido e medonho,
Como quem despertou de horrendo sonho.
Estrutura externa: Canto IX; Estrutura interna: Narração Narrador: Poeta Plano narrativo: Plano Ilha dos Amores
mitológico.
16 Apartadas assi da ardente costa
Divisão do episódio em quatro partes: As venturosas naus, levando a proa
Pera onde a Natureza tinha posta
A meta Austrina da Esperança Boa,
Levando alegres novas e reposta
Da parte Oriental pera Lisboa,
Outra vez cometendo os duros medos
Do mar incerto, tímidos e ledos.

17 O prazer de chegar à pátria cara,


A seus penates? caros e parentes,
Pera contar a peregrina e rara
Navegação, os vários céus e gentes,
Vir a lograr o prémio que ganhara,
Por tão longos trabalhos e acidentes,
Cada um tem por gosto tão perfeito,
Que o coração para ele é vaso estreito.

1ª parte - A decisão de Vénus (IX, 18-20): Vénus decide preparar uma recompensa, para os 18 Porém a Deusa Cípria*, que ordenada
Era, pera favor dos Lusitanos,
Portugueses que, entretanto, já tinham iniciado a viagem de regresso a Portugal, e decide pedir Do Padre Eternos, e por bom génio dada,
ajuda ao seu filho, Cupido. Assim, para lhes dar «nos mares tristes, alegria» e compensá-los Que sempre os guia já de longos anos,
pelas dificuldades que Baco lhes tinha criado durante a viagem, pretende proporcionar-lhes o A glória por trabalhos alcançada,
merecido «descanso / No Reino de cristal, líquido e manso». Para isso, considera sensato contar Satisfação de bem sofridos danos,
com a ajuda do «seu filho» Cupido. Lhe andava já ordenando, e pretendia
Dar-lhe, nos mares tristes, alegria.

19 Despois de ter um pouco revolvido


Na mente o largo mar que navegaram,
Os trabalhos que pelo Deus nascido
Nas Amphioneas Tebas" se causaram,
Já trazia de longe no sentido,
Pera prémio de quanto mal passaram,
Buscar-lhe algum deleite, algum descanso,
No Reino de cristal, líquido e manso";

20 Algum repouso, enfim, com que pudesse


Refocilar a lassa humanidade
Dos navegantes seus, como interesse?
Do trabalho que incurta a breve idades.
Parece-lhe razão que conta desse
A seu filho, por cuja potestades
Os Deuses faz decer ao vil terreno
E os humanos subir ao Céu sereno.
2ª parte - O prémio (IX, 21-22): Depois de pensar em tudo isto, resolve preparar no meio do
oceano, colocada no caminho dos marinheiros, uma «ínsula divina». Nessa ilha, os Portugueses 21 Isto bem revolvido, determina
De ter-lhe aparelhada, lá no meio
seriam esperados pelas mais belas ninfas («aquáticas donzelas»), que serão escolhidas entre as
Das águas, algua ínsula divina,
mais belas e as mais devotas do amor. Estas ninfas terão como missão receber os marinheiros Ornada de esmaltado e verde arreio;
«Com danças e coreias» porque estariam apaixonadas pelos navegadores, para despertarem Que muitas tem no reino que confina
neles "secretas afeições". Da [mãe] primeira co terreno seio",
Afora as que possue soberanas
Pera dentro das portas Herculanas.

22 Ali quer que as aquáticas donzelas


Esperem os fortíssimos barões
(Todas as que tem título de belas,
Glória dos olhos, dor dos corações),
Com danças e coreias, porque nelas
Influirá secretas afeições,
Pera com mais vontade trabalharem
De contentar a quem se afeiçoarem.
3ª parte - A ajuda de Cupido (IX, 23-24): Vénus decide pedir a ajuda de Cupido, que já a tinha 23 Tal manha buscou já, pera que aquele
ajudado noutra situação, tinha usado uma estratégia semelhante, ao levar Dido a apaixonar-se Que de Anquises pariu, bem recebido
por Eneias, para o receber bem em Cartago. Vénus vai procurar Cupido no seu carro puxado por Fosse no campo que a bovina pele
cisnes e rodeado de pombas que se beijam. Tomou de espaço, por sutil partido.
Seu filho vai buscar, porque só nele
Tem todo seu poder, fero Cupido,
Que, assi como naquela empresa antiga.
A ajudou já, nestoutra a ajude e siga.
Ilha dos Amores
24 No carro ajunta as aves que na vida
Vão da morte as exéquias celebrando,
E aquelas em que já foi convertida
Perístera, as boninas apanhando.
Em derredor da Deusa, já partida,
No ar lascivos beijos se vão dando.
Ela, por onde passa, o ar e o vento
Sereno faz, com brando movimento.
4ª parte - A missão de Cupido (IX, 25-29): Vénus dirige-se no seu carro puxado por cisnes e
pombas aos «Idálios montes» (IX, 25), onde se encontrava o seu filho, Cupido encontrava-se em 25 Já sobre os Idálios montes pende,
Idália, cidade da ilha de Chipre, famosa pelo culto de Vénus, Este estava ocupado a procurar Onde o filho frecheiro estava então,
Ajuntando outros muitos, que pretende
reunir um exército de cupidos para realizar uma «famosa expedição» para corrigir os erros dos
Fazer hña famosa expedição
humanos que estavam «nele estão, / Amando cousas que nos foram dadas / Não pera ser Contra o mundo revelde, por que emende
amadas, mas usadas.» Erros grandes que há dias nele estão,
Amando cousas que nos foram dadas
Não pera ser amadas, mas usadas.

26 Via Actéon' na caça tão austero,


As estrofes 26 a 29 apresentam exemplos desse amor errado que Cupido pretende corrigir e De cego na alegria bruta, insana,
constituem uma crítica que, em muitos aspetos, continua a ser bastante atual. Na estrofe 26, Que, por seguir um feio animal fero,
Foge da gente e bela forma humana;
refere-se a história de Actéon, castigado pela deusa Diana, que o transforma em veado, por só
E por castigo quer, doce e severo,
se importar com a caça e desprezar a beleza e o amor, não soube amar a "bela forma humana". Mostra-lhe a fermosura de Diana.
Na estrofe 27, são criticados como metáfora aqueles que não sabem amar; os homens que se (E guarde-se não seja inda comido
amam a si próprios. Apesar de ocuparem cargos de grande responsabilidade, só se preocupam Desses cães? que agora ama, e consumido.)
com eles próprios e são vaidosos e presunçosos, assim como as pessoas que se movimentam
27 E vê do mundo todo os principais
nos meios poderosos praticando a adulação. Na estrofe 28, a crítica dirige-se ao amor pelo poder Que nenhum no bem pubrico imagina;
e pela riqueza, sobretudo daqueles que são hipócritas e fingem «justiça e integridade» e às leis Vê neles que não tem amor a mais
que beneficiam os mais poderosos em vez de ajudarem o povo, os tiranos, as leis feitas a favor Que a si somente, e a quem Filáucia insina;
Vê que esses que frequentam os reais
do Rei e contra o povo. A estrofe 29 resume todas estas críticas vistas através dos olhos de Paços, por verdadeira e sã doctrina
Cupido - «ninguém ama o que deve» - e conclui com a decisão do filho de Vénus: reunir os seus Vendem adulação*, que mal consente
exércitos para castigar quem não lhe for obediente. Mondar-se o novo trigo florecente.

28 Vê que aqueles que devem à pobreza


Amor divino, e ao povo, caridade,
Reflexão do poeta Amam somente mandos e riqueza,
Simulando justiça e integridade.
Da feia tirania e de aspereza
145 146 154 Fazem direito e vã severidade.
Leis em favor do Rei se estabelecem;
No mais, Musa, no mais, que a Lira tenho E não sei por que influxo do Destino Mas eu que falo, humilde, baxo e rudo, De As em favor do povo só perecem.
Destemperada' e a voz enrouquecida, Não tem um ledo orgulho e geral gosto, vós não conhecido nem sonhado?
E não do canto, mas de ver que venho Que os ânimos levanta de contino Da boca dos pequenos sei, contudo, 29 Vê, enfim, que ninguém ama o que deve,
Cantar a gente surda e endurecida. A ter pera trabalhos ledo o rosto. Que o louvor sai às vezes acabado. Senão o que somente mal deseja.
O favor com que mais se acende o engenho Por isso vós, ó Rei, que por divino Nem me falta na vida honesto estudo, Não quer que tanto tempo se releve
Não no dá a pátria, não, que está metida Conselho estais no régio sólio posto, Com longa esperiencia misturado, O castigo que duro e justo seja.
No gosto da cobiça e na rudeza Olhai que sois (e vede as outras gentes) Nem engenho, que aqui vereis presente, Seus ministros ajunta, por que leve
Dhua austera', apagada e vil tristeza. Senhor só de vassalos excelentes. Cousas que juntas se acham raramente. Exércitos conformes à peleja
Que espera ter co a mal regida gente
Que lhe não for agora obediente.
155
Pera servir-vos, braço às armas feito;
Pera cantar-vos, mente às Musas dada;
Só me falece ser a vós aceito,
De quem virtude deve ser prezada.
Se me isto o Céu concede, e o vosso peito
Estrutura externa: Canto V; Estrutura interna: Narração Narrador: Poeta Plano narrativo:
Dina empresa tomar de ser cantada, Plano mitológico e Viagem.
Como a pressaga mente vaticina'°,
Olhando a vossa inclinação divina, Os últimos versos da obra revelam sentimentos contraditórios: o desalento, o orgulho e a
esperança.
156
Ou fazendo que, mais que a de Medusa"',
1. O poeta recusa continuar o seu canto, não por cansaço, mas por desânimo, o
A vista vossa tema o monte Atlante, que provêm da contratação…metida no gosto da cobiça e na rudeza, imagem
Ou rompendo nos campos de Ampelusa que representa o Portugal do seu tempo;
Os muros de Marrocos e Trudante, 2. Mas exprime o seu orgulho naqueles que continuam dispostos a lutar pela
A minha já estimada e leda Musa grandeza da pátria;
Fico que em todo o mundo de vós cante, 3. E afirma a esperança de que o rei saiba aproveitar e estimular essas energias
De sorte que Alexandro em vós se veja, Sem
à dita de Aquiles ter enveja.
para dar continuidade á glorificação do “peito ilustre lusitano”
4. Em suma, a glória do passado deverá ser encarada como um exemplo
presente para construir um futuro grandioso.

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