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39 "Que, se aqui a razão se não mostrasse 40 "E tu, Padre de grande fortaleza,
Vencida do temor demasiado, Da determinação, que tens tomada,
Bem fora que aqui Baco os sustentasse, Não tornes por detrás, pois é fraqueza 4.ª parte– Desenlace: Júpiter assente no que Marte disse («Como isto
Pois que de Luso vem, seu tão privado; Desistir-se da cousa começada. disse, o Padre poderoso, / A cabeça inclinando, consentiu / No que
Mas esta tenção sua agora passe, Mercúrio, pois excede em ligeireza disse Mavorte valeroso» Júpiter encerra o consílio e os deuses
Porque enfim vem de estâmago danado; Ao vento leve, e à seta bem talhada, regressam aos seus domínios. Termina o plano mitológico e retorna ao
Que nunca tirará alheia inveja Lhe vá mostrar a terra, onde se informe da viagem (narrativa central), “Enquanto isso” logo estes estão
O bem, que outrem merece, e o Céu deseja. sobrepostos. Portugueses continuam a viagem de forma calma
Da índia, e onde a gente se reforme."
… “Cortava o mar a gente belicosa” metáfora.
A partir da terceira estrofe do Canto III de Os Lusíadas há uma mudança de narrador da ação, pois deixa de ser
o poeta – narrador heterodiegético (não participante) – para ser Vasco da Gama, um narrador autodiegético
(participante). De salientar que, ao longo do episódio em estudo, há também algumas considerações do próprio
Camões em relação ao que está a ser narrado, pelo que também o plano das Intervenções do Poeta está aqui
Inês de Castro
presente. Através de uma longa analepse, o navegador conta a História de Portugal desde o berço até ao
momento da viagem. Tal acontece, pois, a armada de Vasco da Gama, a caminho da Índia, fez uma paragem 118 Passada esta tão próspera vitória,
em Melinde, onde o rei pediu ao capitão da armada portuguesa que contasse a História do seu país. Apesar de Tornado Afonso à Lusitana Terra,
ser um poema narrativo é um episódio Lírico devido aos sentimentos. A se lograr da paz com tanta glória
Quanta soube ganhar na dura guerra,
Depois da vitória do Salado sobre os Mouros e regressado D. Afonso IV a Portugal para O caso triste e dino da memória,
Que do sepulcro os homens desenterra,
festejar a paz conseguida com esta guerra, deu-se o caso triste e digno de memória, que
Aconteceu da mísera e mesquinha
até os mortos revolta, daquela miserável que depois de ser morta foi rainha (Inês de Que despois de ser morta foi Rainha.
Castro) perífrase. O narrador apresenta-nos o Amor como o grande culpado da morte de
Inês, como se esta fosse a sua pior inimiga personificação, pois este controla todos que 119 Tu, só tu, puro Amor, com força crua,
Que os corações humanos tanto obriga,
amam. Dizem que a sede de amor nem com lágrimas se satisfaz: ela exige sacrifícios Deste causa à molesta morte sua,
humanos nos seus altares. Inês vivia tranquilamente os anos da sua juventude e o seu Como se fora pérfida inimiga.
amor por Pedro nos saudosos campos do Mondego onde confessava à natureza o amor Se dizem, fero Amor, que a sede tua
que sentia pelo dono do seu coração, não sabia o risco que corria, afinal o destino de Inês Nem com lágrimas tristes se mitiga,
É porque queres, áspero e tirano,
era não ser feliz, esta chorava pensando em D.Pedro e na falta que lhe faz. Antítese, Tuas aras banhar em sangue humano.
felicidade e tristeza. Na ausência do seu amado socorria-se das lembranças, das
memórias de alegria: de noite em sonhos (que mentiam personificação e antítese); de dia 120 Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus anos colhendo doce fruito,
em pensamentos (que voavam, metáfora) (noite e dia, Antítese). Pedro recusa-se a casar Naquele engano da alma, ledo e cego,
com outras belas senhoras e princesas porque o seu amor por Inês fá-lo desprezar os Que a Fortuna não deixa durar muito,
outros. Vendo esta conduta apaixonada e estranha, o pai, D. Afonso IV, considerando o Nos saudosos campos do Mondego,
De teus fermosos olhos nunca enxuito,
murmurar do povo e a atitude do filho que não se queria casar... decide condenar Inês à
Aos montes insinando e às ervinhas
morte para desse modo libertar o filho, preso pelo amor, julgando que o sangue da sua O nome que no peito escrito tinhas.
morte apagaria o fogo desse amor. Mas que loucura foi essa, que permitiu que a mesma
espada que combateu os Mouros se levantasse contra uma dama delicada? (pergunta de 121 Do teu Príncipe ali te respondiam
As lembranças que na alma lhe moravam,
retórica do poeta) Antítese O rei inclina-se a perdoar Inês quando esta é levada pelos Que sempre ante seus olhos te traziam,
carrascos à sua presença, mas o povo, com razões falsas e firmes, exige a morte. Ela, Quando dos teus fermosos se apartavam;
com palavras inspiradas mais pela dor de deixar os filhos e o seu príncipe que pelo receio De noite, em doces sonhos que mentiam,
De dia, em pensamentos que voavam;
da própria morte hipérbole... levanta os olhos para o céu e as lágrimas escorriam pela E quanto, enfim, cuidava e quanto via
cara (as mãos estavam a ser atadas pelos carrascos) e, depois de olhar comovidamente Eram tudo memórias de alegria.
os filhos que estavam junto de si, temendo a sua orfandade, disse ao rei e avô: Se até
nos animais ferozes, que a natureza fez cruéis, e nas aves selvagens, que só pensam em 122 De outras belas senhoras e Princesas
Os desejados tálamos enjeita,
caçar, vimos existir piedade para com crianças pequenas como aconteceu com a mãe de Que tudo, enfim, tu, puro amor, desprezas,
Nino e com Rómulo e Remo, ...tu que és humano (se é humano matar uma donzela fraca Quando um gesto suave te sujeita.
Vendo estas namoradas estranhezas,
e sem força, só por amar quem a ama), tem em consideração estas criancinhas. Decide-
O velho pai sesudo, que respeita
te pela compaixão delas e minha, pois não te impressiona a minha inocência. E se na O murmurar do povo e a fantasia
guerra contra os Mouros mostraste saber dar a morte, sabe, agora, dar a vida a quem não Do filho, que casar-se não queria,
cometeu nenhum erro para a perder antítese. Mas se mesmo assim achas que a minha
inocência merece castigo, desterra-me para a fria Cítia ou para a Líbia ardente onde 123 Tirar Inês ao mundo determina,
Por lhe tirar o filho que tem preso,
viverei em sofrimento para sempre. Manda-me para onde haja tigres e leões (animais Crendo co sangue só da morte ladina
selvagens) e verei se encontro entre eles a piedade que não encontrei entre humanos; e Matar do firme amor o fogo aceso.
aí criarei estas criancinhas, a minha única consolação, a pensar em Pedro que amo. Que furor consentiu que a espada fina,
Que pôde sustentar o grande peso
Invoca o amor de mãe e suplica que seus filhos não se tornem órfãos. Como era Inês? Do furor Mauro, fosse alevantada
Inês era uma mulher apaixonada, jovem e formosa, que vivia intensamente o amor que a unia a D. Pedro e aos Contra hûa fraca dama delicada?
filhos de ambos. Aparentava uma grande serenidade e uma delicadeza frágil. Contudo, essa tranquilidade era
apenas aparente, pois as longas ausências do amado deixavam-na triste, saudosa e, possivelmente, insegura. A 124 Traziam-na os horríficos algozes
aparente fragilidade não a impediu de enfrentar o rei D. Afonso IV e os carrascos que, cruelmente, a Ante o Rei, já movido a piedade;
Mas o povo, com falsas e ferozes
preparavam para a morte, defendendo a sua vida sem se humilhar e sem renegar o amor que a condena.
Razões, à morte crua o persuade.
Depois de morta, Inês lembra uma flor murcha e sem cor.
Ela, com tristes e piedosas vozes,
126 Se já nas brutas feras, cuja mente 127 Ó tu, que tens de humano o gesto e o peito Saídas só da mágoa e saudade
Natura fez cruel de nascimento, (Se de humano é matar hûa donzela, Do seu Príncipe e filhos, que deixava,
E nas aves agrestes, que somente Fraca e sem força, só por ter sujeito Que mais que a própria morte a magoava,
Nas rapinas aéreas tem o intento, O coração a quem soube vencê-la),
Com pequenas crianças viu a gente A estas criancinhas tem respeito, 125 Pera o céu cristalino alevantando,
Terem tão piedoso sentimento Pois o não tens à morte escura dela; Com lágrimas, os olhos piedosos
Como ’o a mãe de Nino já mostraram, Mova-te a piedade sua e minha, (Os olhos, porque as mãos lhe estava
E cos irmãos que Roma edificaram: Pois te não move a culpa que não tinha. atando
Um dos duros ministros rigorosos);
E despois, nos mininos atentando,
128 E se, vencendo a Maura resistência, 129 Põe-me onde se use toda a feridade, Que tão queridos tinha e tão mimosos,
A morte sabes dar com fogo e ferro, Entre leões e tigres, e verei Cuja orfindade como mãe temia,
Sabe também dar vida, com clemência, Se neles achar posso a piedade Pera o avô cruel assi dizia:
A quem peja perdê-la não fez erro. Que entre peitos humanos não achei.
Mas, se to assi merece esta inocência, Ali, co amor intrínseco e vontade
Põe-me em perpétuo e mísero desterro, Naquele por quem mouro, criarei
Na Cítia fria ou lá na Líbia ardente, Estas relíquias suas que aqui viste,
Onde em lágrimas viva eternamente. Que refrigério sejam da mãe triste.
O rei queria perdoar-lhe, impressionado com aquelas palavras, mas o pertinaz
povo e o Destino não perdoam. Os que aconselharam a morte e julgando que
estavam a fazer um grande feito desembainharam as espadas. É contra uma
dama indefesa que vos “amostrais” valentes e cavaleiros? (o ponto de Inês de Castro
interrogação mostra que, como os cavaleiro costumam proteger as damas, neste
verso há uma ironia porque estes queriam matar Inês) É transmitida a imagem de Queria perdoar-lhe o Rei benino,
Movido das palavras que o magoam;
“carniceiros”, “brutos matadores” e de cavaleiros indignos dessa condição pela Mas o pertinaz povo e seu destino
violência que mostram perante uma donzela frágil e indefesa.. Do mesmo modo (Que desta sorte o quis) lhe não perdoam.
que Pirro prepara o ferro para matar a jovem Policena, que se oferece ao Arrancam das espadas de aço fino
Os que por bom tal feito ali apregoam.
sacrifício, com os olhos postos em sua mãe, de quem era a sua única
Contra hûa dama, ó peitos carniceiros,
consolação (comparação)... assim os algozes de Inês, sem se preocuparem com Feros vos amostrais e cavaleiros?
a vingança de D. Pedro (que tornou-a rainha perífrase), se encarniçavam contra
Qual contra a linda moça Policena,
ela, espetando as espadas no colo de alabastro, que sustinha as obras que Consolação extrema da mãe velha,
fizeram Pedro apaixonar-se por ela, e banhando em sangue o seu rosto, já Porque a sombra de Aquiles a condena,
regado com as suas lágrimas. Bem puderas, ó Sol, não ter brilhado naquele dia, Co ferro o duro Pirro se aparelha;
Mas ela, os olhos, com que o ar serena
como aconteceu com o sinistro banquete em que Atreu deu a comer a Tiestes os (Bem como paciente e mansa ovelha),
filhos deste. E vós, côncavos vales, que ouvistes o nome de Pedro, na sua voz Na mísera mãe postos, que endoudece,
agoniante, por muito tempo fizestes eco do seu nome. Assim como a bonina que Ao duro sacrifício se oferece:
é cortada antes do tempo por uma menina descuidada fazendo com que murche Tais contra Inês os brutos matadores,
rapidamente, também Inês tinha a beleza de uma flor mas coincidentemente No colo de alabastro, que sustinha
perdeu a cor e a vivacidade da pele com a morte, e morreu antecipadamente As obras com que Amor matou de amores
Aquele que despois a fez Rainha,
comparação. A natureza chorou durante muito tempo a sua morte e quis As espadas banhando e as brancas flores,
eternizá-la na fonte das lágrimas que ainda hoje existe. Afinal, a Natureza é vista Que ela dos olhos seus regadas tinha,
Se encarniçavam, fervidos e irosos,
como confidente do amor de Pedro e Inês personificação. Concluindo: Segundo
No futuro castigo não cuidosos.
o poeta, o Amor é o verdadeiro culpado pela morte de Inês. Trata-se de um
sentimento poderoso que domina os corações humanos e que gosta de os ver Bem puderas, ó Sol, da vista destes,
sofrer. Aliás, esse sentimento sente tal prazer pelo sofrimento humano que não Teus raios apartar aquele dia,
Como da seva mesa de Tiestes,
se contenta com lágrimas, quer também sangue. Quando os filhos por mão de Atreu comia!
Vós, ó côncavos vales, que pudestes
A voz extrema ouvir da boca fria,
O nome do seu Pedro, que lhe ouvistes,
Por muito grande espaço repetistes.
Descreve-se a “procissão solene” do Gama e seus companheiros desde o “santo templo” 88 A gente da cidade aquele dia,
(ermida) até aos batéis, pelo meio da “gente da cidade”, homens e mulheres, velhos e (Uns por amigos, outros por parentes,
Outros por ver somente) concorria,
meninos, com relevo especial para as mães e esposas. Tanto os que partiam como os
Saudosos na vista e descontentes.
que ficavam se entristeciam e a despedida assume grande emotividade. “Porque me E nós coa virtuosa companhia
deixas, mísera e mesquinha? “Porque de mi te vas, ó filho caro” De mil Religiosos diligentes,
Em procissão solene a Deus orando,
A mãe tenta dissuadir o filho a embarcar levando-o a refletir sobre a decisão tomada. Para os batéis viemos caminhando.
Argumentos usados: -o filho vai deixar a mãe desamparada na velhice, sem sustento
material e efetivo; -o filho vai morrer no mar. A esposa dirige-se ao esposo realçando o 89 Em tão longo caminho e duvidoso
Por perdidos as gentes nos julgavam;
seu amor e culpando-o de pôr em causa as suas vidas. Argumentos usados: não As mulheres c’um choro piedoso,
consegue viver sem o amor do marido; morrendo ele, também ela morrerá; o marido troca Os homens com suspiros que arrancavam;
o amor pela incerteza do mar; o marido vai destruir a relação amorosa. A natureza Mães, esposas, irmãs, que o temeroso
testemunha a tristeza vivida e partilha os sentimentos dos mais velhos e dos mais jovens Amor mais desconfia, acrescentavam
(personificação dos montes). Acentua-se o sofrimento provocado pela dor da separação, A desesperação, e frio medo
De já nos não tornar a ver tão cedo.
através da hipérbole que compara o número de lágrimas com o número das crianças e
dos mais velhos. Vasco da gama decide o embarque imediato sem despedidas, evitando 90 Qual vai dizendo: —" Ó filho, a quem eu tinha
mais sofrimento, ou uma mudança de ideias Só para refrigério, e doce amparo
92 Nestas e outras palavras que diziam, Desta cansada já velhice minha,
De amor e de piadosa humanidade, Que em choro acabará, penoso e amaro,
Os velhos e os mininos os seguiam, Por que me deixas, mísera e mesquinha?
Em quem menos esforço põe a idade. Por que de mim te vás, ó filho caro,
Os montes de mais perto respondiam, A fazer o funéreo enterramento,
Quase movidos de alta piedade; Onde sejas de peixes mantimento?"
A branca areia as lágrimas banhavam,
Que em multidão co elas se igualavam. 91 Qual em cabelo: —"Ó doce e amado esposo,
Sem quem não quis Amor que viver possa,
Nós outros, sem a vista alevantarmos Por que is aventurar ao mar iroso
93 Nem a Mãe, nem a Esposa, neste estado, Por Essa vida que é minha, e não é vossa?
Refere-se ao embarque que, por vontade nos não magoarmos, ou mudarmos Como por um caminho duvidoso
de Vasco da Gama, se fez sem as Do propósito firme começado, Vos esquece a afeição tão doce nossa?
despedidas habituais para diminuir o Determinei de assi nos embarcarmos, Nosso amor, nosso vão contentamento
sofrimento, tanto dos que partiam como Sem o despedimento costumado, Quereis que com as velas leve o vento?"
dos que ficavam Que, posto que é de amor usança boa,
A quem se aparta, ou fica, mais magoa.
Plano: da Viagem: geograficamente, o Adamastor é o Cabo das Tormentas; Plano
Mitológico: Na mitologia é o temível gigante vencido pelo amor a Tétis; Plano da
História de Portugal: em o poder de vaticinar acontecimentos futuros aos Portugueses,
fazendo profecias (post-eventum). Estrutura externa: Canto V; Estrutura interna: O Gigante Adamastor
Narração Narrador: Vasco da Gama; Narratário: Rei de Melinde; Plano narrativo: Plano
da viagem. 37 Porém já cinco soes eram passados
Que d'ali nos partíramos, cortando
O episódio “O Gigante Adamastor” é um episódio simbólico na medida em que esta Os mares nunca d'outrem navegados,
figura representa os perigos e as dificuldades que se apresentam ao Homem que sente Prosperamente os ventos assoprando;
o impulso de conhecer e de descobrir o mundo. Só superando o seu próprio medo, este Quando Huma noite, estando, descuidados,
poderá vencer (ideia veiculada pelo Humanismo). O Adamastor é, portanto, uma figura Na corladora proa vigiando,
mitológica criada por Camões, concentrando todos os perigos e dificuldades que os Huma nuvem, que os ares escurece,
Sobre nossas cabeças apparece.
portugueses tiveram de transpor. Preparação do ambiente; Retrato do
gigante: O Adamastor surge a partir de uma nuvem com uma figura " robusta e válida", 38 Tam temerosa vinha e carregada,
como um monstro horrendo de tamanho descomunal, "De disforme e grandíssima Que poz nos corações hum grande medo;
estatura "; rosto severo e barba suja, desalinhada; olhos "encovados" e negros; cabelos Bramindo o negro mar de longe brada,
Como se désse em vão n'algum rochedo.
" cheios de terra e crespos"; " boca negra" e " dentes amarelos". Apresenta uma " cor «Ó Potestade (disse) sublimada!
terrena e pálida", tem uma " postura medonha e má", sendo a sua voz horrenda , Que ameaço divino, ou que segredo
grossa, " pesada " e amarga. É caracterizado pela sua figura colossal e pelo medo que Este clima, e este mar nos apresenta,
provoca. Discurso do gigante (1ª parte-ameaças/elogio da “gente ousada”): O Que mór cousa parece, que tormenta?»
Adamastor inicia o seu discurso com um tom assustador (" E da primeira armada, que
passagem/ Fizer por estas ondas insofridas, /Eu farei de improviso tal castigo,/ Que 39 Não acabava, quando huma figura
Se nos mostra no ar, robusta e valida,
seja mor o dano que o perigo!". Porém, deixa transparecer uma certa admiração e De disforme e grandíssima estatura,
espanto por este povo aventureiro que ousou o que jamais algum ser humano ousara O rosto carregado, a barba esqualida;
fazer: " Ó gente ousada, mais que quantas/ No mundo cometeram grandes cousas,/ Os olhos encovados, e a postura
(...) Pois os vedados términos quebrantas/ E navegar meus longos mares ousas". Medonha e má, e a côr terrena e palida;
Destacam-se as profecias de Adamastor que intensificam o momento de terror vivido Cheios de terra, e crespos os cabelos,
A boca negra, os dentes amarellos.
pelos marinheiros portugueses: "Antes, em vossas naus vereis, cada ano,/ (...)/
Naufrágios, perdições de toda a sorte, / Que o menor mal de todos seja a morte!"). 40 Tão- grande era de membros, que bem posso
Certificar-te que este era o segundo
De Rodes estranhíssimo Colosso,
Que hum dos sete milagres foi do mundo.
Cum tom de voz nos falia horrendo e grosso,
45 Que pareceu sair do mar profundo.
E do primeiro illustre, que a ventura 46 Outro também virá de honrada fama,
Arrepiam-se as carnes e o cabelo
Com fama alta fizer locar os ceos, Liberal, cavalleiro, enamorado,
A mi, e a todos, só de ouvil-o e vê-lo.
Serei eterna e nova sepultura, E comsigo trará a formosa dama,
Per juizos incognitos de Deos, Que amor, per gran' mercô lhe terá dado. 41 E disse: «Oh gente ousada mais que quantas
Aqui porá da turca armada dura Triste ventura, e negro fado os chama No mundo commctteram grandes cousas,
Os suberbos e prosperas tropheos: N'esle terreno meu, que duro e irado Tu, que per guerras cruas, taes e tantas,
Comigo de seus damnos o ameaça Os deixará de um hum cru naufragio vivos, E per trabalhos vãos nunca repousas:
A destruída Ouiloa, com Mombaça. Pera verem trabalhos excessivos. Pois os vedados términos quebrantas,
E navegar meus longos mares ousas,
Que eu tanto tempo ha já que guardo e tenho,
Nunca arados d'estranho ou proprio lenho:
1ª parte - A decisão de Vénus (IX, 18-20): Vénus decide preparar uma recompensa, para os 18 Porém a Deusa Cípria*, que ordenada
Era, pera favor dos Lusitanos,
Portugueses que, entretanto, já tinham iniciado a viagem de regresso a Portugal, e decide pedir Do Padre Eternos, e por bom génio dada,
ajuda ao seu filho, Cupido. Assim, para lhes dar «nos mares tristes, alegria» e compensá-los Que sempre os guia já de longos anos,
pelas dificuldades que Baco lhes tinha criado durante a viagem, pretende proporcionar-lhes o A glória por trabalhos alcançada,
merecido «descanso / No Reino de cristal, líquido e manso». Para isso, considera sensato contar Satisfação de bem sofridos danos,
com a ajuda do «seu filho» Cupido. Lhe andava já ordenando, e pretendia
Dar-lhe, nos mares tristes, alegria.