Você está na página 1de 21

5 Inovação regional

Introdução
A região está passando por uma transformação fundamental de
uma entidade geográfica, política e cultural para uma hélice tríplice de
empresas, universidades e agências governamentais que geram novas
iniciativas para a inovação regional. As condições para o crescimento
econômico de alta tecnologia não são criações espontâneas; elas
podem ser identificadas e implementadas por medidas explícitas.1 O
processo de mudança pode parecer estranho: ele não é exclusivamente
motivado pelo mercado nem pelas políticas. Na fase de iniciação,
o desenvolvimento baseado em ciência tipicamente surge das
universidades e de outras instituições de pesquisa, atuando em
conjunto, quer com empresas ou governos ou com ambos em torno de
um foco específico. À medida que o processo começa a ter sucesso,
novos tópicos podem ser acrescentados para fornecer uma base maior
de desenvolvimento regional.
Regiões como o Vale do Silício, Boston e Linköping, na Suécia,
exemplificam a tendência em direção à formação de empresas, em
vez de atrair as empresas existentes para se transferirem, como uma
estratégia de desenvolvimento. Essas regiões são diferenciadas pela
formação contínua de empresas, um processo de renovação que
transcende a tecnologia específica que era a sua fonte. Na verdade,
o critério para uma região baseada em conhecimento bem-sucedida é
a capacidade de passar de um paradigma tecnológico para outro sem
uma diferença significativa. O ecossistema que sustenta a inovação
e a formação de empresas torna-se a força motriz, com a capacidade
de criar e captar novas tecnologias e conceitos de negócios à medida
que eles surgem e de atraí-los para a região.

1
Koepp, Rob. 2002. Clusters of Creativity: Enduring Lessons on Innovation and
Entrepreneurship from Silicon Valley and Europe’s Silicon Fen. New York: John
Wiley.
106 Henry Etzkowitz

À medida que as regiões formulam estratégias de inovação


baseadas em conhecimento, as constelações de atores, e sua relativa
importância na economia política local, são transformadas. À
medida que as atividades empresariais se intensificam, um cluster
muitas vezes ganha vida própria que não está mais diretamente
ligada a uma universidade ou iniciativa regional específica. Regiões
bem-sucedidas podem parecer ser o resultado de um processo de
desenvolvimento econômico autogerador que é baseado em uma
linhagem de empresas. No entanto, quando as fontes de sucesso
regional são analisadas, uma iniciativa universitária e de colaboração
entre os atores da hélice tríplice pode tipicamente ser identificada.
A seguir nós discutiremos a dinâmica do desenvolvimento regional
baseado em conhecimento e o papel dos organizadores de inovação
regional.
Em direção a uma região baseada no conhecimento
As identidades regionais são transformadas à medida que os
fatores tradicionais de produção – terra, mão de obra e capital – dão
lugar ao conhecimento tanto em indústrias de alta tecnologia quanto
em indústrias de fabricação mais antigas. Uma região é muitas vezes
uma área de dimensão imprecisa que não constitui necessariamente
uma entidade política, mas pode operar com diferentes tipos de
organização política. Estas variam desde governos multifuncionais,
tal como o Länder alemão e os estados norte-americanos, até distritos
com fins especiais para tarefas específicas tais como transporte,
controle de poluição ou melhoria dos negócios. Entidades quase
políticas como conselhos de alta tecnologia que carecem de status
oficial também podem desempenhar funções características de
governo.
As regiões eram tradicionalmente baseadas em uma característica
natural como o porto de Nova Iorque, o ponto de partida para um
negócio global e centro financeiro,2 ou a bacia hidrográfica do Vale do
Tennessee, que se tornou o cenário de uma eletrificação hidráulica e de
um plano de desenvolvimento econômico e social.3 Uma identidade
regional também pode surgir de um cluster de empresas tradicionais

2
Sassen, Saskia. 2001. The Global City: New York, London, and Tokyo. Princeton:
Princeton University Press.
3
Albrechts, L. et al. 1989. Regional Policy at the Crossroads: European Perspectives.
London: Jessica Kingsley.
Hélice tríplice: universidade-indústria-governo 107

– um distrito italiano ou dinamarquês com indústrias de calçados ou


produtos alimentares – ou de novos conceitos empresariais tais como
as empresas de multimídia do Silicon Alley em Nova Iorque.4 Novas
identidades regionais foram construídas através de um “processo de
gestão de marcas” como aquele baseado na ponte que liga a Grande
Copenhague na Dinamarca ao sul da Suécia. Neste caso, Oresund é
uma nova região transfronteiriça com iniciativas como a Academia
Medicon Valley para promover biotecnologia.
Entidades multinacionais, como a União Europeia, promovem a
colaboração entre universidade, indústria e governo como uma fonte
de renovação regional e como uma forma de superar as barreiras
ao desenvolvimento regional inerentes às fronteiras nacionais.
Regiões transfronteiriças, como Oresund que liga o sul da Suécia
à Copenhague, o Arco de Bótnia, onde Luleå na Suécia e Oulu na
Finlândia cooperam, e Cascadia que liga o Estado de Washington
e British Columbia, foram construídas transcendendo as fronteiras
herdadas. As bases dessas regiões recém-criadas incluem uma fonte
de conhecimento, um mecanismo de construção de consenso e um
projeto de desenvolvimento de inovação.
Espaços regionais de hélice tríplice
No início do século XX, New England tinha espaços de
conhecimento, campos de pesquisa com potencial de desenvolvimento
tecnológico e econômico em universidades como o MIT e Harvard.
O Conselho de New England serviu como um espaço de consenso
em que líderes empresariais, governamentais e acadêmicos se
reuniram para testar as ideias existentes, experimentar ideias novas
e desenvolver uma análise que fosse adequada aos problemas e
oportunidades da região. Finalmente, um espaço de inovação foi
criado: um esforço de organização para a formação de empresas
tecnológicas que culminou na invenção da empresa de capital de
risco.
Uma hélice tríplice regional surge a partir dos espaços de
conhecimento, consenso e inovação. Um espaço de conhecimento
fornece as bases para o crescimento regional na forma de uma

4
Heydebrand, Wolf. 1999. “Multimedia Networks, Globalization and Strategies of
Innovation: The Case of Silicon Alley”. In: Hans-Joachim Brazcyck et al. (eds.).
Multimedia and Regional Economic Restructuring. London: Routledge.
108 Henry Etzkowitz

“quantidade mínima para produzir um resultado específico”, uma


concentração de recursos de pesquisa sobre um tema específico,
a partir da qual ideias tecnológicas podem ser geradas. Quando
esses recursos atingem um certo nível, eles podem desempenhar
um papel no desenvolvimento regional. Um espaço de consenso
indica o processo de fazer com que os atores adequados trabalhem
em conjunto: trocando ideias em livre debate, analisando problemas
e formulando planos. Quando esses atores geram uma estratégia e
reúnem os recursos para realizá-la, o processo de desenvolvimento
regional pode avançar. Um espaço de inovação indica uma invenção
ou adaptação organizacional feita para preencher uma lacuna no
processo de desenvolvimento regional, muitas vezes identificada
durante a fase de consenso. O esforço de organização para criar uma
nova entidade híbrida é semelhante a um movimento social, reunindo
recursos, pessoas e redes por toda a hélice tríplice.
Espaço de conhecimento
A fase inicial é muitas vezes a criação de um espaço de
conhecimento que consiste em uma concentração de atividades de
P&D relacionadas. Na verdade, a disponibilidade dessa “quantidade
mínima” de pesquisa em uma área local foi declarada uma condição
necessária para o desenvolvimento econômico regional baseado
em ciência. Mas certamente isso não é uma condição suficiente.
As universidades de pesquisa norte-americanas apoiadas pelo
crescimento do financiamento federal de pesquisas durante o período
pós-Segunda Guerra Mundial constituíram um enorme recurso
subutilizado até a década de 1960.5 Os membros do corpo docente
que tinham trabalhado com alguns alunos de pós-graduação, com
apoio modesto, antes da guerra, agora lideravam grupos de pesquisa
bem financiados que tinham acesso a instrumentos de pesquisa cada
vez mais sofisticados. Apesar das evidências de descobertas significa-
tivas na biociência, apenas uns poucos casos relativamente bem-
sucedidos de transferência ocorreram. Várias dessas universidades
mais tarde se tornaram a origem de importantes esforços de desenvolvi-
mento econômico regional enquanto outras mal estão se envol-
vendo.

5
Veja Stokes, Donald. 1997. Pasteur’s Quadrant. Washington, DC: The Brookings
Institution.
Hélice tríplice: universidade-indústria-governo 109

A política de pesquisa foi integrada à política regional, seja


diretamente como na Suécia ou indiretamente como nos EUA. Agora
que o papel da pesquisa acadêmica na criação de novas empresas e
postos de trabalho foi amplamente reconhecido, a concentração de
recursos de pesquisa nacionais em relativamente poucas universidades
líderes não é mais aceitável para outras regiões. Na Suécia, a região de
Estocolmo foi a maior concentração, com concentrações adicionais
em Gotemburgo e Lund. O sistema do conselho de pesquisa de
distribuição de recursos principalmente para as concentrações de
pesquisa existentes foi complementado por dois níveis adicionais
de financiamento de pesquisa que introduziram critérios regionais
como uma das bases para a distribuição de fundos.
O conceito de “espaço de conhecimento” foi utilizado pela
primeira vez para descrever a descentralização dos laboratórios
de pesquisa do governo após o terremoto de meados da década
de 1980 da Cidade do México para outras regiões do México
onde, inseridos em novos ambientes, eles adquiriram um novo
potencial. Os pesquisadores começaram a pensar em como eles
poderiam usar suas habilidades e os recursos do instituto para
resolver os problemas em sua nova localidade. Por exemplo, um
instituto agrícola transferido lidou com os problemas da cultura do
morango na sua nova localidade. Em seguida, mais institutos de
pesquisa foram transferidos para dar a áreas adicionais do país a
oportunidade de criar espaços de conhecimento. A descentralização
dos laboratórios da Cidade do México deu a outras regiões mexicanas
uma capacidade de pesquisa que antes disso havia sido deficiente.
Esses institutos de pesquisa transferidos ainda representam um
potencial de desenvolvimento regional que será realizado somente
se novas medidas forem tomadas.6
Espaço de consenso
Um espaço de consenso é um terreno neutro onde os diferentes
atores em uma região, provenientes de diferentes backgrounds e
perspectivas organizacionais, podem se reunir para gerar e obter
aceitabilidade e apoio a novas ideias para promover desenvolvimento

6
Casas, Rosalba, Rebeca de Gortari, e Josefa Santos Ma. 1999. “The Building of
Knowledge Spaces in Mexico: A Regional Approach to Networking”. Research Policy,
v. 29, n. 2, p. 225-241.
110 Henry Etzkowitz

econômico e social. A partir da análise dos recursos de conhecimento


em uma região, pode ser gerada a conscientização de seu potencial.
Os espaços de conhecimento são frequentemente transformados de
fontes potenciais em fontes reais de desenvolvimento econômico
e social através de projetos que se originam de debates entre
os participantes cujos backgrounds cortam transversalmente as
fronteiras institucionais. O próprio processo de incluir atores desses
vários backgrounds no processo de análise e formulação de estratégias
fornece acesso aos recursos necessários para implementar o plano
futuro.
No final dos anos 1970 e início dos anos 1980, o Centro de
Competitividade da SRI International, uma empresa de consultoria
derivada da Universidade de Stanford, aconselhava os estados
do Meio-Oeste, em declínio industrial, a como organizar grupos
regionais de cooperação para recuperar suas economias. Quando a
recessão econômica afetou o Vale do Silício, esses pesquisadores
de políticas trouxeram seu modelo para casa e ajudaram a criar
uma organização, a Joint Venture Silicon Valley (JVSV), que reúne
executivos de empresas de alta tecnologia, autoridades do governo
local e professores universitários para uma série de reuniões públicas.
Algumas ideias que surgiram desses debates foram então postas em
prática para desenvolver novas indústrias de alta tecnologia. Um
projeto, o Smart Valley, para redes de computadores e recursos de
informação para ajudar a desenvolver o próximo nível de tecnologia
para a região, formalizou algumas das redes informais que foram
consideradas cruciais para o desenvolvimento da indústria de alta
tecnologia na região.
O exemplo clássico de um espaço de consenso bem-sucedido é
o Conselho de New England durante os anos 1920 e 1930 quando,
ao longo de uma série de estudos e debates, o foco da inovação
regional passou do desenvolvimento de novos produtos dentro
das empresas existentes para uma estratégia de formação de novas
empresas. Embora o Conselho de New England fosse limitado a uma
elite, as reuniões da organização JVSV no início dos anos 1990 eram
abertas ao público. Os dois grupos tinham em comum a capacidade
de traduzir ideias em ação.
Por outro lado, os debates realizados na Academia de Ciências
de Nova York em meados da década de 1990 não conseguiram atrair
a indústria e representantes do governo em um nível suficientemente
Hélice tríplice: universidade-indústria-governo 111

alto para poder iniciar um plano de ação viável. Assim, um problema


na criação do espaço de consenso viável é a necessidade de atrair
representantes de diferentes esferas com credibilidade e poder de
decisão suficientes não apenas para formular um plano viável, mas
para levá-lo adiante.
Nesses debates normalmente há uma discussão entre aqueles que
desejam iniciar um projeto que possa mostrar resultados rapidamente
e outros com uma visão de maior prazo e maior escala. Por exemplo,
o projeto deve atender às necessidades das empresas existentes ou
criar condições para o desenvolvimento de novas empresas? Essa
questão foi debatida entre os formuladores do plano para o novo
campus da Universidade do Estado do Rio de Janeiro em Friburgo.
Um grupo queria criar uma faculdade de engenharia que pudesse
fornecer diplomados para trabalhar em empresas já existentes.
Outro grupo propôs a criação de um programa de doutorado em
tecnologia da informação para gerar pessoas com competências para
desenvolver novas tecnologias e novas indústrias – e essa ideia foi
adotada.
Há uma necessidade de encontrar um equilíbrio entre projetos
que possam demonstrar resultados de curto prazo e projetos de grande
escala que possam inicialmente ir além da capacidade do grupo.
Muitas vezes, há uma necessidade de integrar pequenas iniciativas
distintas e incentivar a colaboração em vez de começar projetos
inteiramente novos. À medida que essas iniciativas evoluem, elas
normalmente incluem todos os elementos da hélice tríplice. Assim,
a Associação da Indústria do Estado do Rio de Janeiro assumiu a
liderança na conceituação de um plano de desenvolvimento de alta
tecnologia em Niterói, uma cidade do outro lado da baía da cidade do
Rio de Janeiro. A associação logo recrutou representantes do governo
municipal para o debate. Em seguida, um consultor contratado para
assessorar o processo introduziu no grupo membros do corpo docente
e administradores da Universidade Federal Fluminense, localizada
na cidade.
Muitas vezes existe pressão para agir rapidamente, para adaptar
um mecanismo bem conhecido tal como um centro de pesquisa
científica ou uma empresa de capital de risco em vez de perder
tempo para considerar cuidadosamente o que é adequado para
uma região considerando o seu estado de desenvolvimento. Por
exemplo, a cidade de Accra, em Gana, está nas fases iniciais
112 Henry Etzkowitz

de formação de empresas de TI. Um empreendedor da área de


políticas quer passar diretamente para o espaço de inovação com
uma proposta para que o governo crie uma empresa de capital de
risco para apoiar novas empresas de tecnologia. Outro sugeriu
que em vez de iniciar um fundo de capital de risco, o governo
deveria ajudar a “reunir os profissionais de TI inexperientes de
Gana. Vamos deixar que eles falem. Quando as pessoas falam,
as ideias surgem e alguém aperfeiçoará as ideias e começará a
utilizá-las”.7 Neste último ponto de vista, um espaço de consenso é
necessário.
Espaço de inovação
O espaço de inovação pode ser visualizado como um conjunto
duplo de escadas com barras transversais entre elas. Uma escada é
o modelo de inovação linear, que inicia a partir da pesquisa; a outra
escada é o modelo de inovação linear inverso, que tem origem nas
necessidades sociais. As barras transversais entre as escadas são
representadas por mecanismos de inovação específicos: incubadoras,
escritórios de transferência de tecnologia, centros de pesquisa,
parques científicos, etc. Onde o lado linear inverso e o lado linear
se encontram, algo inesperado que não fazia parte do plano original
pode resultar, tal como uma incubadora com empresas orientadas
à pesquisa e empresas orientadas ao mercado que interagem umas
com as outras.
Um espaço de inovação pode começar a partir da criação de um
novo mecanismo organizacional para impulsionar o desenvolvi-
mento regional baseado no conhecimento ou ele pode se originar
dos objetivos articulados no espaço de consenso. Por exemplo, além
de proporcionar um local receptivo para o conceito de formação de
empresas a partir da comunidade acadêmica, o Conselho de New
England desenvolveu uma estratégia organizacional para realizar
esse objetivo inventando a empresa de capital de risco. Não há uma
abordagem única que seja adequada para todas as situações. Um
elemento que está presente em uma região pode estar ausente em
outra e vice-versa.

7
Zachary, G. Pascal. 2002. “Ghana’s digital dilemma. Technology Review”. http://www.
technologyreview.com/articles/02/07/zachary0702.asp?p=1. Acessado pela última vez
em 16 de outubro de 2007.
Hélice tríplice: universidade-indústria-governo 113

O fenômeno básico do crescimento econômico baseado em


ciência é generalizável, mas simplesmente utilizar um mecanismo que
foi muito bem-sucedido em uma área e recriá-lo em outra pode não
funcionar. Por exemplo, uma região que não disponha de uma base
de conhecimento com uma quantidade mínima suficiente pode ter
construído um centro de pesquisa científica simplesmente esperando
que empresas start-ups de alta tecnologia surjam, mesmo sem essa
base de conhecimento suficiente. Mecanismos organizacionais
adequados para preencher uma lacuna de inovação devem ser criados.
Uma estratégia mais adequada pode ter sido a de desenvolver um
centro de pesquisa sobre um tópico relevante para a economia da
região, ou até mesmo uma universidade se não existisse uma.
A melhor abordagem é fazer uma análise dos pontos fortes
e fracos de uma região e, em seguida, criar uma estratégia de
desenvolvimento. Na década de 1930, em New England, esse
processo identificou uma necessidade de capital de risco, mas o
problema pode ser diferente em outras regiões. O elo perdido na
região de Nova Iorque é a falta de redes entre as esferas institucionais.
Em outras regiões, como Oresund (Copenhague, Dinamarca e sul
da Suécia), a análise, que requer uma ligação física e um enfoque
simbólico, pode ser diferente mais uma vez. Esta variação reforça a
importância regional de analisar os pontos fortes, os pontos fracos
e as oportunidades regionais antes de agir.
Produtos físicos como o Centro de Pesquisa Científica de Stanford
ou o anel viário ao redor de Boston são características posteriores
superficiais em vez de uma causa subjacente do desenvolvimento
econômico de alta tecnologia. As regiões baseadas no conhecimento
como o Vale do Silício e a Rota 128 são o resultado cumulativo
da interação entre os governos em vários níveis, universidades
e indústrias. As redes são geradas a partir de uma variedade de
fontes. Por exemplo, elas podem emanar de colaborações entre
grandes empresas e pesquisadores acadêmicos. Quando a Pharmacia
Corporation deixou Uppsala, na Suécia, muitos pesquisadores
ficaram. Os laços que já tinham sido criados entre os pesquisadores
das empresas e seus colegas na Universidade de Uppsala em seguida
se tornaram a base de organização das empresas de biotecnologia.
Uma pessoa também pode tomar a iniciativa de reunir um grupo de
empresas em uma área para discutir interesses comuns e realizar
colaborações. Isso pode levar à organização de uma associação como
114 Henry Etzkowitz

o “vale das rádios” em Gotemburgo, na Suécia, ou ao esforço para


organizar um cluster de fotônica em Recife, Brasil.
Espaços de hélice tríplice e desenvolvimento
econômico baseado em ciência
Um resumo das fases de desenvolvimento econômico regional
baseado em conhecimento pode ser encontrado na Tabela 5.1.
Os espaços de hélice tríplice regional são não lineares;
teoricamente eles podem ser criados em qualquer ordem, com
qualquer um deles usado como base para o desenvolvimento de
outros. O processo de fortalecer a inovação regional pode começar
com o espaço de conhecimento e passar para o espaço de consenso e
em seguida para o espaço de inovação, de forma linear, ou começar
do espaço de consenso ou inovação e continuar a partir daí. Por
outro lado, o processo pode começar diretamente no espaço de
inovação com o desenvolvimento de um projeto ou iniciativa. Por
exemplo, um executivo da Downtown Partnership, uma agência de
desenvolvimento de Nova York, que teve interesse em promover
incubadoras, disse que ela poderia obter as informações necessárias
“telefonando para uma série de pessoas diferentes”; não foi necessário
um processo elaborado já que a agência tinha tomado a decisão de
agir. Uma dose de ação é melhor do que um projeto de discussão
interminável e até mesmo uma iniciativa tomada isoladamente
pode ser melhorada, supondo-se que ela não fracasse e desapareça
rapidamente. Outros elementos, como um fórum de discussão eficaz,
podem ser acrescentados mais tarde para tornar o projeto regional
mais eficiente.

Tabela 5.1

Espaços de hélice tríplice Características


Criação de um espaço de Foco na colaboração entre diversos atores para melhorar
conhecimento as condições locais para a inovação concentrando
atividades de P&D relacionadas e outras operações
adequadas.
Criação de um espaço de Ideias e estratégias são geradas em uma “hélice tríplice”
consenso de relações recíprocas múltiplas entre os setores
institucionais (acadêmico, público, privado).
Criação de um espaço de Tentativas de realizar os objetivos articulados na fase
inovação anterior; criar e/ou atrair capital de risco público e
privado (combinação de capital, conhecimento técnico e
conhecimento empresarial) é fundamental.
Hélice tríplice: universidade-indústria-governo 115

O espaço regional consiste no conjunto de organizações políticas,


entidades industriais e instituições acadêmicas que trabalham em
conjunto para melhorar as condições locais para a inovação, formando
a hélice tríplice regional. Esses três elementos fundamentais no
espaço regional desempenham seus papéis especializados em um
processo de organização regional. No entanto, se um elemento estiver
faltando ou for impossibilitado de participar, outro pode assumir a
sua parte. Por exemplo, se um governo regional estiver faltando,
uma universidade pode tomar a iniciativa de incentivar as empresas a
cooperar com as universidades ou com outras instituições produtoras
de conhecimento. A cultura colaborativa e a experiência dos diversos
atores, trabalhando em conjunto, fornecem uma base segura para o
desenvolvimento de uma estratégia de inovação.
O organizador de inovação regional
Quem deve assumir um papel de liderança para resolver as
crises de inovação em nível regional é uma pergunta frequente
até mesmo em países com governos regionais fortes. No nível
regional, em muitos países, pode não haver um ator governamental
disponível para assumir a liderança seja por não existirem ou seja
por serem governos regionais muito fracos. Portugal, por exemplo,
não tem uma forte tradição de governo regional. Nesta situação,
a Universidade de Aveiro tomou a iniciativa de reunir empresas e
municípios, desempenhando o papel de organizador da inovação.
Uma organização que se encarregue de anunciar uma meta de
desenvolvimento e de coordenar a cooperação entre um grupo de
organizações para realizá-la é um organizador de inovação regional.
Como as fronteiras governamentais muitas vezes não coincidem com
os distritos econômicos, pode haver um vácuo de liderança.
Uma empresa ou uma universidade que tome a iniciativa de
recrutar parceiros e de gerenciar a interação entre um grupo de
empresas em uma região pode preencher essa lacuna. A Universidade
de Stanford teve que assumir a liderança a fim de criar uma indústria
técnica em torno da universidade. Esse processo levou décadas. A
atividade de formação de empresas que foi observada no Vale do
Silício na década de 1960 e 1970 resultou de iniciativas que datam
do final do século XIX que incentivaram os alunos da faculdade de
engenharia de Stanford a formar empresas. Percebeu-se que uma
grande universidade tecnológica exigia uma estrutura de apoio
116 Henry Etzkowitz

das empresas. Caso contrário, os diplomados se mudariam para


outro lugar e a universidade permaneceria uma pequena entidade
isolada.
Esses espaços sem ocupação prévia e sem desenvolvimento
anterior podem exigir estratégias diferentes em relação a espaços
industriais abandonados com desenvolvimento industrial anterior.
Certamente a constelação de atores será diferente, com as áreas
previamente industrializadas normalmente possuindo empresas em
um estado de declínio que possam estar muito ocupadas com seus
próprios problemas para apoiar a formação de novas empresas.
Na verdade, elas podem se opor, querendo os recursos para salvar
seus próprios negócios. Por outro lado, os espaços sem ocupação
prévia podem carecer de atores com experiência industrial. No caso
a seguir a universidade, como o principal recurso organizacional
disponível, adaptou criativamente um programa do governo estadual
às circunstâncias locais para estimular a formação de empresas.
A universidade como organizador de inovação regional
A extraurbana Long Island não tinha uma base industrial e o
governo local era relativamente fraco. O ator institucional mais
importante nessa região distante da Cidade de Nova York, além
de um laboratório federal próximo, era um campus de pesquisa da
Universidade Estadual de Nova York (SUNY). Expandindo-se sobre
um único modo de transferência de tecnologia, o patenteamento e o
licenciamento de propriedade intelectual, a Stony Brook da SUNY
assumiu a liderança durante as duas últimas décadas na formulação
de uma estratégia de desenvolvimento econômico regional baseada
em conhecimento, utilizando recursos locais, estaduais e federais.
A política de ciência e tecnologia do Estado de Nova York de
ajudar a indústria local através de centros de tecnologia avançada
em universidades locais não era adequada para o campus de Stony
Brook da Universidade Estadual de Nova York, localizado em um
espaço sem ocupação prévia no Condado de Suffolk, a 80 km da
Cidade de Nova Iorque. O local exurbano era privilegiado por ser
próximo do Brookhaven National Laboratory, um trunfo para uma
universidade baseada em ciência. O campus estava localizado fora da
zona de desenvolvimento industrial suburbana, sendo que o êxodo da
indústria a partir da cidade havia parado bem diante de Stony Brook.
Considerando a falta de desenvolvimento industrial, a Stony Brook
Hélice tríplice: universidade-indústria-governo 117

desenvolveu uma estratégia semelhante àquela iniciada pouco antes


da Segunda Guerra Mundial por Frederick Terman, então decano
de engenharia na Universidade de Stanford, no Condado de Santa
Clara, que na época tinha características semelhantes às do Condado
de Suffolk durante o período pós-guerra.
A presença de uma faculdade de medicina com amplas capacidades
de pesquisa em biologia molecular sugeriu um foco em biotecnologia.
A área tecnológica para empresas start-ups selecionadas era uma área
na qual a universidade era muito forte. O ex-reitor John Marburger
declarou em uma entrevista pessoal: “Nós tínhamos uma noção
muito clara do que poderia funcionar... empresas start-ups de
biotecnologia”. Além disso, uma lacuna foi identificada em P&D e
em instalações-piloto que a universidade poderia preencher e, assim,
contribuir para o desenvolvimento de empresas de biotecnologia.
Com base na observação de que tais empresas normalmente gastam
uma parcela considerável do seu capital inicial equipando seus
laboratórios e plantas, se algumas instalações necessárias fossem
fornecidas pela universidade, pensava-se que um “local em Stony
Brook seria mais atraente para essas empresas”. O ato de oferecer
às empresas acesso compartilhado à infraestrutura de P&D foi
acompanhado por um esforço para ampliar as capacidades de
pesquisa do corpo docente.
A universidade adaptou uma concessão do Programa de Centros
do Estado de Nova York para atender às suas circunstâncias especiais
como um espaço sem ocupação prévia. O Centro de Biotecnologia da
Stony Brook realizou o que pode ser chamado de um pré Programa
de Pesquisa de Inovação em Pequenas Empresas (SBIR), que visa
descobrir o potencial comercial dos resultados das pesquisas. Por
mais de uma década o centro ofereceu verbas para ajudar novos
projetos de pesquisa do corpo docente que tinham algum potencial
de comercialização no futuro imediato. Tipicamente, o corpo docente
utilizava o programa de financiamento para estudar um achado de
pesquisa básica que tinha origem no seu laboratório e examiná-la de
um ponto de vista orientado ao produto.
O centro conquistou um papel fundamental para si no esforço de
transferência de tecnologia no campus como um centro de negócios,
de desenvolvimento econômico e de concessão. Um professor
do corpo docente, com sucesso anterior na organização de uma
empresa de biotecnologia, forneceu um modelo significativo para
118 Henry Etzkowitz

seus pares. Criar uma incubadora foi o próximo passo na estratégia


de desenvolvimento regional da universidade de criação de uma
indústria de alta tecnologia adjacente ao campus. Ter ambas as esferas
disponíveis para trabalhar em conjunto pode ser a base para uma nova
fase de desenvolvimento mútuo, uma coevolução da universidade e
da indústria exemplificada pelo caso seguinte.
Empresários como organizadores de inovação regional
Na região de Linköping, na Suécia, uma iniciativa de desenvol-
vimento regional, que teve origem em uma empresa, passou para dentro
da universidade. Em contraste com Long Island, onde a instituição
acadêmica era a única fonte de iniciativa disponível, Linköping tinha
um ator industrial também. Um grupo de empresários criou empresas
de alta tecnologia na região, incentivado direta ou indiretamente
pela Saab Aerospace. O elemento de ligação foi fornecido por um
funcionário de contato industrial, designado pela universidade, que
convidou os empresários técnicos locais para formar um grupo de
discussão na universidade. Esse clube de empresários se transformou
em um projeto para disponibilizar recursos da universidade para
auxiliar o desenvolvimento das empresas.
Em uma próxima etapa, uma unidade acadêmica para treinar
os estudantes como empresários, o Centro de Inovação e Empreen-
dedorismo, foi criada a fim de incentivar um processo de formação
de empresas a partir da universidade para complementar aquele
que já havia surgido da indústria. Embora muitos professores
universitários técnicos, especialmente nas ciências de engenharia,
tivessem formado empresas, elas normalmente funcionavam como
empresas de consultoria individual, visto que os professores eram
impedidos pela cultura acadêmica sueca de seguir as implicações
práticas da sua pesquisa na direção da formação de empresas. Os
estudantes não eram semelhantemente impedidos de formar empresas
já que um caminho organizacional foi aberto.
O empreendedorismo estudantil, incentivado pelas incubadoras,
foi então adotado pelas autoridades regionais que o apoiaram como
uma estratégia de desenvolvimento econômico. As grandes empresas,
reduzindo seus negócios, também assinaram contratos com o Centro
de Inovação e Empreendedorismo para treinar seus funcionários,
que estavam sendo demitidos, em empreendedorismo e formação
de empresas. O modelo foi transferido para outras universidades
Hélice tríplice: universidade-indústria-governo 119

na Suécia e no exterior. Ao utilizar capacidades de treinamento em


empreendedorismo desenvolvidas em Linköping, o modelo de ensino
poderia ser introduzido em outras universidades rapidamente. Em vez
de cada faculdade desenvolver o seu próprio conjunto de cursos, elas
poderiam utilizar um modelo testado. No caso a seguir, uma iniciativa
do governo estadual com apoio empresarial transformou o espaço de
conhecimento criando uma quantidade mínima de unidades de P&D
empresariais e governamentais que também levou à modernização
das universidades da região. Esse processo de desenvolvimento
regional baseado em conhecimento recriou a identidade da região
de baixa tecnologia para alta tecnologia e mudou sua imagem de
uma área de baixos salários para uma área de altos salários, apesar
da realidade de que coexistiam formatos duplos.
O governo como organizador de inovação regional
O desenvolvimento do Research Triangle Park na Carolina do
Norte (EUA) foi iniciado na década de 1950, pelo Governador Luther
Hodges, em colaboração com três universidades da região e com a
comunidade empresarial da Carolina do Norte. Esse exemplo perfeito
de construção de uma região de alta tecnologia exercendo poder
político regional em nível nacional resultou que recursos de P&D
nacionais significativos passaram para uma região menos dedicada
à pesquisa. A motivação para o desenvolvimento de alta tecnologia
foi o desejo de alcançar uma medida de diversificação econômica
para uma economia estadual estritamente baseada em tabaco e
produtos têxteis. Terras foram obtidas para um centro de pesquisa
científica situado entre as três principais instituições acadêmicas
da área. A transferência das instalações de pesquisa federal para a
região foi um fator importante no posterior sucesso do centro de
pesquisa.
O Research Triangle Park foi a manifestação física de uma
estratégia bem-sucedida para atrair as filiais de laboratórios de
agências federais para a região. Esta base de pesquisa foi então
utilizada para atrair laboratórios de P&D menores das principais
empresas de tecnologia, como a IBM, a se instalarem no parque. A
criação de um centro de pesquisa da IBM foi um evento fundamental
que levou a um rápido crescimento. As três principais universidades
do estado eram os pontos oficiais de localização do triângulo,
mas certamente não o centro da estratégia de desenvolvimento
120 Henry Etzkowitz

do estado. Nos primeiros anos da realização das ambições de


alta tecnologia da Carolina do Norte, as universidades proporcio-
naram um ambiente intelectual e cultural, tornando o Research
Triangle um local residencial atraente para cientistas e enge-
nheiros.
As empresas de tecnologia que consideram a possibilidade de
instalar uma filial no sul dos EUA normalmente pensam na Carolina
do Norte primeiro; a sua “massa crítica” de laboratórios federais e
corporativos dá ao estado uma vantagem competitiva para atrair mais
organizações. A estratégia original da Carolina do Norte também não
é facilmente reproduzível; as oportunidades de transferir grandes
laboratórios são raras.
Uma lição importante dessa iniciativa foi que levou décadas
para criar com sucesso um parque científico não diluído por em-
preendimentos industriais gerais. Tentativas menos pacientes em
outras regiões tornaram-se gradualmente parques industriais gerais
à medida que as terras eram vendidas e propriedades eram alugadas
para fábricas e escritórios profissionais. Só recentemente o parque
tornou-se parte de uma dinâmica de formação de empresas provocada
pelo fechamento de empresas preestabelecidas.
A região da hélice tríplice
A Rota 128 e o Vale do Silício evoluíram para um modelo comum
de desenvolvimento econômico regional baseado em ciência, apesar
de algumas diferenças culturais.
A continuidade nas origens do modelo de desenvolvimento
regional baseado em ciência entre a Rota 128 e o Vale do Silício
(MIT e Stanford) pode ser percebida no trabalho de Vannevar Bush
e Frederick Terman, que foram respectivamente um professor e um
aluno do MIT. O modelo de desenvolvimento econômico baseado
em ciência da comunidade acadêmica através do mecanismo da
empresa de capital de risco foi transplantado do MIT para Stanford
no início da era pós-guerra. Parte do modelo foi transferida como
resultado do fato de Terman estar próximo do MIT durante a guerra
como diretor do Laboratório de Contramedidas de Radar de Harvard,
onde ele teve a oportunidade de observar o modo de desenvolvimento
acadêmico do MIT. Em uma carta de 1943 ao tesoureiro de Stanford,
Terman propôs uma intensa replicação do modelo do MIT no norte
da Califórnia. Terman aconselhava o seu amigo assim:
Hélice tríplice: universidade-indústria-governo 121

... Quanto ao que eu tenho visto sobre a maneira como o MIT


opera em relação à indústria, é isso que nós temos que fazer assim
que a guerra acabar. Temos que formar centros de pesquisa, temos
que criar empresas. Precisamos fazer disso o objetivo principal de
Stanford se quisermos nos tornar uma grande universidade.8
A visão a partir da qual Bush e outras pessoas no MIT estavam
trabalhando tem origem nas ideias de William Barton Rogers. O
fundador do MIT escreveu um relatório em 1846 expondo a ideia de
uma universidade, não uma escola técnica, que estivesse envolvida
em pesquisa básica e desenvolvimento tecnológico.
A ideia de Rogers era de que a ciência inspirasse a indústria, não
apenas com consultoria básica do trabalho de projetos de engenharia,
mas com resultados a longo prazo de pesquisa fundamental. O MIT
sempre teve uma proposta de educação mais abrangente do que apenas
assuntos técnicos. O objetivo era incentivar os seus diplomados a ter
uma visão ampla adequada a um líder organizacional em vez de uma
visão de um assistente técnico. Assim, o MIT criou um departamento
de humanidades que era voltado às áreas técnicas. Da mesma forma,
quando o MIT recrutou físicos na década de 1930, ele recrutou
pessoas que tinham interesse não só em pesquisa básica, mas na
utilização dos resultados. Assim, quando Van der Graaf foi recrutado
de Princeton, o MIT também providenciou para que os seus direitos
de patentes fossem transferidos de Princeton para o MIT.
Alguns historiadores interpretaram o recrutamento de pesqui-
sadores básicos para o MIT durante os anos 1930 como um sinal
de que o MIT estava indo em direção ao modelo de universidade
de pesquisa geral nos EUA. Na verdade, Karl Compton, reitor do
MIT, estava recrutando um subconjunto específico de físicos, um
subconjunto que tinha ambos os objetivos em mente.
A integração de objetivos acadêmicos e empresariais é a base
da universidade empreendedora e do desenvolvimento econômico
regional baseado no conhecimento. A base industrial proveniente de
uma universidade muitas vezes mantém uma parte da sua herança
acadêmica. Por exemplo, as empresas de biotecnologia nas áreas
de Boston e Bay (EUA) e em qualquer outro lugar possuem um
modo de operação comum quase acadêmico. Anúncios à procura de

8
Etzkowitz, Henry. 2002. MIT and the Rise of Entrepreneurial Science. London:
Routledge, p. 108.
122 Henry Etzkowitz

pessoas com pós-doutorado para trabalhar em empresas bem como


em laboratórios acadêmicos podem ser encontrados na publicação
Science e em outros periódicos. Redes sociais comuns que têm
origem na faculdade e em instituições de pós-graduação às vezes são
a fonte tanto para os aspectos empresariais quanto técnicos dessas
empresas.
Saxenian (1994)9 enfatizou descontinuidades de estilo organiza-
cional entre essas duas principais regiões de alta tecnologia. A
questão é estrutura versus rede; organização vertical versus falta
de hierarquia. Por um lado, a Data General, uma antiga empresa de
minicomputadores, tinha um grupo de desenvolvimento flexível no
seu auge. Por outro lado, os últimos anos de declínio na DEC na
Rota 128 e o passado recente da Hewlett Packard, uma organização
hierárquica em Palo Alto, podem não ser muito diferentes. Como
um observador mencionou, “a alocação de recursos (um foco
em procedimentos burocráticos tradicionais em vez de formas
não convencionais de desencadear novas ideias) tem a mesma
probabilidade de obstruir a criatividade em grandes e vibrantes
empresas do Vale do Silício que em empresas chatas da velha era
industrial”.10 O sentido mais amplo desse debate reside na questão
de se essas duas regiões representam casos históricos singulares ou
fenômenos essencialmente comuns.
A implicação da hipótese da “singularidade” é que se o Vale do
Silício e a Rota 128 forem fenômenos que surgiram em circunstâncias
específicas, então eles podem ser reproduzíveis. A tentativa no Reino
Unido de criar centros de pesquisa científica pode ter sido equivocada
ou talvez o processo seja muitas vezes simplesmente mais demorado
do que muitos querem aceitar. Por exemplo, quando os visitantes
vieram da Austrália, do Reino Unido e de outros lugares para
visitar o parque de ciência em Stanford durante a década de 1970, o
processo de formação de empresas que eles estavam observando já
era o resultado de 50 anos ou mais de trabalho. O parque tinha sido
originalmente construído como um parque industrial, simplesmente
para ganhar mais dinheiro para o desenvolvimento acadêmico em
Stanford. No entanto, as empresas que queriam se instalar no parque

9
Saxenian, A. 1994. Regional Advantage. Cambridge, MA: Harvard University Press.
10
Hamel, Gary. 1999. “Bringing Silicon Valley Inside”. Harvard Business Review, set./
out., p. 71-84.
Hélice tríplice: universidade-indústria-governo 123

perto da universidade já eram tipicamente intimamente relacionadas


com a universidade. As diretrizes do parque logo foram revisadas
para limitar os inquilinos a empresas que pretendessem manter laços
com a universidade. Assim, o parque de pesquisa nasceu. O parque
foi o resultado final, não o ponto de partida, de um processo de
incentivo à criação de uma capacidade organizacional e de valores
para formar empresas ao redor da universidade.11
Criando a hélice tríplice regional
Quais são as condições necessárias e suficientes para criar uma
região de hélice tríplice, uma conurbação baseada no conhecimento
que tenha a capacidade de renovar-se transcendendo paradigmas
tecnológicos? Os critérios para o sucesso não são somente a
capacidade de criar um cluster de empresas de alta tecnologia,
mas a capacidade, a longo prazo, de gerar clusters adicionais à
medida que os primeiros sucessos forem substituídos. A transição
de minicomputadores para a biotecnologia em Boston exemplifica
esse processo de renovação regional baseada no conhecimento
transcendendo paradigmas tecnológicos. A cidade de Cambridge, em
Massachusetts, recentemente foi reconhecida como tendo a maior
concentração de atividade de biotecnologia nos EUA, demonstrando
que o sucesso inicial da região com inovação de alta tecnologia em
minicomputadores não foi um fenômeno singular.
Uma região com uma universidade empreendedora abrangente
tem a capacidade de transcender um paradigma tecnológico específico
e renovar-se através das novas tecnologias e empresas geradas a partir
da sua base acadêmica. Uma universidade empreendedora pode ser
encontrada como a fonte de praticamente qualquer região de alta
tecnologia ou como uma consequência do seu desenvolvimento.
Essa universidade deve ser suficientemente ampla no seu foco
para estar na linha de frente de várias áreas da ciência e tecnologia
avançada, apenas algumas das quais têm potencial de curto prazo
para aplicação. Se uma universidade tiver um foco muito estreito,
por exemplo, em TI aplicada, como em Karlskronna, Ronneby, na
Suécia, a capacidade de desenvolver fontes de desenvolvimento

11
Cooke, P. 2002. “Regional Innovation Systems: General Findings and Some
New Evidence from Biotechnology Clusters”. Journal of Technology Transfer, v. 27,
p. 133-145.
124 Henry Etzkowitz

econômico alternativas baseadas em conhecimento pode não estar


disponível.
As regiões de hélice tríplice também podem surgir como con-
sequências involuntárias de políticas destinadas a outros fins. Por
exemplo, o surgimento recente do norte da Virgínia como uma
região de tecnologia foi tanto um resultado da sua proximidade
com o governo federal quanto uma consequência da opinião de
muitos no governo de que ele deveria diminuir de tamanho. Por
um lado, o governo federal promoveu o sistema de defesa contra
mísseis balísticos “Star Wars” que exigiu capacidades avançadas de
desenvolvimento de sistemas e softwares complexos. Por outro lado,
um governo conservador queria eliminar programas como parte de
um esforço para reduzir o tamanho do governo. No entanto, ele ainda
queria os resultados dos programas e, assim, adotou uma estratégia
de privatização, gerando empresas derivadas de seus laboratórios.
Um processo de empresas recém-criadas surgiu na área de
Washington, DC, antigamente uma região de uma só indústria ba-
seada no governo, a partir das crescentes exigências de tecnologia do
governo. Empresas formadas para obter contratos de tecnologia do
governo queriam ficar perto de seus clientes, as agências do governo
que eram a fonte de seus negócios. O aumento das capacidades aca-
dêmicas da Universidade George Mason e o desenvolvimento de uma
extensão no norte da Virginia do Instituto Politécnico da Virgínia em
Blacksburg surgiram como uma consequência dessa relação entre
governo e indústria. O norte da Virgínia está surgindo como uma re-
gião de hélice tríplice, causada pela presença de agências do governo
que criam uma demanda por produtos de alta tecnologia e ajudam a
criar uma base industrial e acadêmica local como um subproduto.
Implicações das políticas
As regiões podem ser consideradas “grossas” ou “finas” de-
pendendo da presença ou ausência de estruturas de apoio à inovação,
sejam formais ou informais. Se é importante para uma região criar
novos mecanismos organizacionais, isso depende de se a formação
de empresas já está acontecendo, apoiada, por exemplo, por uma rede
de investidores apoiadores de empresas, ou exige uma estrutura de
apoio formal, como uma incubadora, para ter sucesso. Uma região
que seja rica em requisitos de desenvolvimento empresarial tais
como capital de risco e uma cultura empresarial pode não ter que
Hélice tríplice: universidade-indústria-governo 125

desenvolver tantos mecanismos organizacionais explícitos quanto


uma região onde estes estejam faltando.
A Europa anunciou a Agenda de Lisboa, um objetivo ambicioso de
alcançar e superar o desenvolvimento econômico baseado em ciência
dos EUA até 2020. A “região” assumiu um significado especial nesse
plano da União Europeia (UE) que inclui iniciativas para desenvolver
concentrações de forças de pesquisa e mecanismos de vinculação
como o programa SBIR norte-americano. A UE é obrigada por
seu estatuto a identificar tópicos não bem desenvolvidos em nível
nacional e a região cumpre os critérios da UE de “adicionalidade”,
agregando valor onde os estados-nação têm sido relativamente
inativos. Tanto regiões industriais em declínio quanto áreas com
atraso de desenvolvimento têm sido o foco de atenção.
A estratégia de inovação europeia tradicional tem sido a “região
de aprendizagem” baseada em inovação incremental, enfatizando
relações estreitas entre empresas e clientes como a base para a inova-
ção. Aproveitar as vantagens existentes em vez de criar novas
vantagens é a estratégia básica. Pode-se esperar que as universidades
em uma região de aprendizagem se concentrem em relações uni-
versidade-indústria tradicionais tal como a preparação de capital
humano capacitado e relações informais como consultorias. As
regiões de aprendizagem são mais voltadas para baixa tecnologia
do que para alta tecnologia, para relações entre governo e indústria
em vez de relações entre universidade e indústria.
Na virada do novo século, o modelo norte-americano de inovação
descontínua baseado na formação de empresas superou a forma de
inovação anterior de inovação incremental nas grandes empresas, ca-
racterística das corporações japonesas. Certamente, os dois paradigmas
não são mutuamente excludentes. Na verdade, o objetivo fundamental
de criar empresas start-ups é fazer crescer um número razoável dessas
novas empresas à escala em que elas possam fornecer significativas
oportunidades de emprego e crescimento da produtividade. Como
criar as condições para gerar um processo contínuo de start-ups e
de crescimento dentro e através das regiões é questão fundamental.12
As colaborações do tipo universidade-indústria-governo, criando estru-
turas de apoio à inovação, são o tema do nosso próximo capítulo.
12
Hofmaier, Bernard. 2001. “Learning Regions-Concepts, Visions and Examples”.
Halmstadt University College http://www.hh.se/hss/Papers/papers/ hofmaier.pdf.
Acessado pela última vez em 16 de outubro de 2007.

Você também pode gostar