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Material Didático de Filosofia para o

Quinto Ano /1

Material Didático para a Quinta Série Ginasial – Bimestre 1


Por Anderson Alves Esteves

LIBERDADE: RAZÃO E AUTONOMIA

FILOSOFIA: O QUE É ISSO?

“Tudo é um”
TALES DE MILETO

1 – A FILOSOFIA E OS MITOS

Provavelmente, esta é a primeira aula de Filosofia da sua vida. Quando chegar em casa,
você poderá dar a notícia a seus familiares que, agora, você também é um praticante de
Filosofia. Eles certamente irão perguntar a você o que é Filosofia? Para quê serve isso?
E estas são perguntas que, agora mesmo, você pode estar se fazendo.

Talvez, nos ajudaria verificar o que significa a palavra Filosofia. É aqui que começa
nossa aventura pela história do pensamento ocidental, já que esta palavra é grega e,
assim, temos de ir para o ano de 600 a.C., quando algumas pessoas denominaram a si
mesmas como filósofas. E mais: na verdade, a palavra filosofia é a composição de dois
termos gregos: filo + Sofia, vejamos o que sai daí:

FILO SOFIA
Filo decorre de A palavra Sophia
philía e o significava, em um
significado deste primeiro momento,
termo é amizade, uma espécie de
amor. Na língua habilidade manual.
grega, há o verbo Em seguida, também
philéo, que era aplicada à idéia
significa sentir de sabedoria moral,
amizade por sensatez, prudência.
alguém, tratar Por fim, significou
como amigo, um conhecimento
procurar, buscar, teórico. O verbo
perseguir para sophízo significava
encontrar. tornar hábil,
prudente, sábio[1].

Assim, faça a composição, você mesmo, do que, em poucas palavras, significa


Philosophía:
Isto é, em algum momento da Antigüidade, nas colônias gregas da Ásia Menor, algumas
pessoas passaram a amar a sabedoria, a filosofar. Nada disso significa que, antes, as
pessoas não tinham vontade de conhecer as coisas; ao seu modo, elas davam respostas
às questões que se impunham, mas não filosoficamente, elas recorriam aos mitos.
Vejamos alguns exemplos nos mitos de Aracne e de Perseu.

O mito de Perseu

O rei Acrísio consultou um oráculo quando seu neto nasceu, ouvindo a previsão de que
seria morto e destronado pelo próprio neto, resolveu colocá-lo junto com a mãe em uma
caixa, dentro de uma embarcação, para que esta levasse os dois para bem longe.
Protegida por Zeus, pai da criança, de nome Perseu, a embarcação chegou na ilha de
Serifo, onde foi encontrada pelo príncipe da cidade, que casou-se com a mãe de Perseu,
Dânae.

Crescido, Perseu teve autorização de seu padrasto para aventurar-se pelo mundo, em
gratidão, Perseu prometeu-lhe trazer a cabeça de uma das três górgonas como presente.
Conduzido pelos deuses, Perseu passou pela morada das grisalhas, seres de um só olho
e uma só dente e que conseguiam usá-los, apenas, alternadamente. Perseu roubou-lhes
os olhos e dentes, dizendo que só devolveria se elas dissessem onde moravam as ninfas.
A chantagem deu certo e foi para lá que Perseu se dirigiu.

Com as ninfas, criaturas conhecidas por ajudar pretendes a heróis, Perseu conseguiu
sapatos alados, uma bolsa e um capacete que o tornava invisível; ademais, Hermes o
presenteou com uma foice de bronze e, armado, viajou pelo Oceano até a morada das
górgonas. Lá, ajudado pela deusa Atena, escolheu a górgona imortal, conhecida como
Medusa, para golpear. Arrancou-lhe a cabeça e colocou-a na bolsa sem olhá-la nos
olhos para que ele não fosse transformado em pedra.

Fugindo das irmãs da Medusa, Perseu voou sobre o deserto da Líbia, as gostas de
sangue que caiam da cabeça da Medusa transformaram-se em serpentes ao tocarem o
chão e, até hoje, esta região tem muitas cobras. Cansado, pediu abrigo ao rei Atlas para
descansar, mas foi mal recebido e desrespeitado, além disso, o rei expulsou Perseu.
Este, enfurecido, transformou seu reino em pedra ao apontar a cabeça da Medusa em
todas as direções.

Continuando a viagem, Perseu avistou uma mortal acorrentada em uma pedra à beira da
praia. Conversando com ela, Perseu ouviu que ela estava ali porque os deuses puniram
sua família e que o reino de Cefeu só não seria inundado se a princesa fosse colocada
em sacrifício a um monstro marinho. Perseu aguardou, então, que a maré subisse e
derrotou o monstro, salvando a princesa Andrômeda e a pedindo em casamento.

A família de Andrômeda ficou maravilhada com o feito de Perseu, que se casou com
Andrômeda após derrotar um antigo pretendente dela. Morando agora nas terras de um
rei estrangeiro, Perseu participou de uma competição esportiva e, na prova de arremesso
de discos, fazendo um lançamento desastroso, acertou seu avô sem saber que ele estava
ali. Assim, cumpriu-se a previsão oracular.

O mito de Aracne

Aracne era a melhor tecelã da região da Lídia e sua arte era tal que as pessoas diziam
que sua mestra havia sido Palas Atena, a deusa da sabedoria. Mas Aracne não gostava
desta história e, certa vez, disse a todos:

- Não aprendi minha arte com a deusa e como prova disso convido-a a competir
comigo, caso ela vença, aceitarei qualquer punição.

A deusa não gostou e disfarçou-se de uma velhinha para aproximar-se de Aracne, puxou
conversa e disse que a mortal deveria demonstrar humildade com os deuses e pedir
perdão a Atena. Aracne chamou a velhinha de louca e disse-lhe que se Atena quisesse
dizer-lhe algo, o convite já havia sido feito. Furiosa, a deusa da sabedoria teve sua
paciência esgotada, retirou o disfarce e disse a Aracne que a competição para ver quem
tecia o tapete mais belo deveria começar imediatamente. Ambas colocaram-se a tecer.

Atena teceu no seu tapete a imagem do penhasco da acrópole de Atenas, lugar que ela
conquistou após uma luta com Posídon, deus dos mares, teceu também a luta entre ela,
armada de escudo e lança, que quando tocou a terra, deu origem à oliveira na terra
infértil, com Posídon, retratado empunhando seu tridente. Além de desenhar sua vitória,
Atena colocou em cada um dos quatro cantos do tapete, imagens que simbolizavam a
arrogância humana: Hemo e Ródope que chamavam-se de Zeus e Hera e foram
transformados em montanhas; a mãe dos pigmeus transformada em garça; Antígona
com serpentes na cabeça que não paravam de mordê-la, já que ela comparara-se a Hera,
e depois transformada em cegonha; Cíniras chorando por suas orgulhosas filhas.
Já Aracne, desonrara Zeus no seu tapete: desenhou-o transformado em touro, águia,
cisne, sátiro, fogo e chuva de ouro. Quando Atena viu o tapete de Aracne, golpeou-a
com um ódio terrível e a perfurou três vezes na testa com a agulha de tecer; além disso,
Atena fez os cabelos, o nariz e os ouvidos de Aracne desaparecerem, fez seu corpo
diminuir bastante de tamanho e condenou-a a praticar sua antiga arte eternamente,
tecendo fios como uma aranha. Segundo do mito, eis Aracne: origem dos aracnídeos.

MÝTHOS: Mito, palavra proferida, discurso, narrativa; rumor; notícia que se espalha,
mensagem; conselho, prescrição. O verbo mythéomai significa: dizer, conversar, contar,
narrar, anunciar (um oráculo), designar, nomear, dizer a si mesmo, deliberar em si
mesmo. O historiador Heródoto emprega a palavra mýthos para referir-se a relatos
confirmados por testemunhas, tradição. Platão e Aristóteles, porém, empregam mýthos
para referir-se a narrativas ou relatos fabulosos, portanto, com o sentido de fábula,
lenda. Pouco a pouco, mýthos passa a significar o lendário e irreal, mentira, relato não
histórico. Nessa acepção, mýthos opõe-se a lógos[2].

VAMOS FILOSOFAR…

1 – O que significa a palavra Filosofia?

2 – O significado da palavra Filosofia, que você encontra no seu dicionário, é parecido


com o significado de quando a palavra foi formada? Explique.

3 – Como as pessoas explicavam o mundo antes da formação pela Filosofia pelos


gregos? Explique.

4 – Explique como surgiram as serpentes, segundo o mito de Perseu.


5 – Explique como surgiram as aranhas, segundo o mito de Aracne.

6 – O que há em comum entre os mitos de Perseu e de Aracne? Explique.

7 – Você pensa que é possível explicar a origem do mundo sem recorrer a nenhum
mito? Explique.

8 – Pesquise um mito e demonstre o que ele tenta explicar.

2 – PROXIMIDADE E DISTÂNCIA ENTRE FILOSOFIA E MITO

COSMOGONIA

Os mitos de Perseu e Aracne são exemplos de um saber que já existia antes da Filosofia.
A questão que temos de resolver, então, é saber o porquê da fundação, pelos gregos
daquela época, de uma outra maneira de explicar o mundo. Antes dela, porém, vejamos
em quê a Filosofia distancia-se em relação aos mitos, mas também em quê se aproxima.
Habituados às cosmogonias dos mitos, que
explicavam a origem dos seres a partir da
personificação dos elementos e da relação entre
eles, os gregos dispunham de ótimo material para
explicar seu mundo, tal como a Teogonia de
Hesíodo. Note como há uma narração da
genealogia dos deuses (théos e gonía) pelo poeta
grego:

“Sim bem primeiro nasceu Caos, depois também

Terra de amplo seio, de todos sede irresvalável sempre,

dos imortais que têm a cabeça do Olimpo nevado,

.e Tártaro nevoento no fundo do chão de amplas vias,

e Eros: o mais belo entre Deuses imortais,

solta-membros, dos Deukses todos e dos homens todos

ele doma no peito o espírito e a prudente vontade.”

HESÍODO. Teogonia, 116-122.

Assim, de um modo geral, os mitos narram acontecimentos passados partindo de um


estado indeterminado, o Caos, do qual surgem mais seres que se relacionam. Com
efeito, os mitos ofereceram um conteúdo enorme de questões que, hoje, chamamos de
filosóficas: de onde veio o mundo, para aonde ele vai?

COSMOLOGIA

As questões que foram colocadas pelos mitos foram pensadas, também, pelos filósofos.
Eles tentaram, e tentam, respondê-las, mas de modo diferenciado: os filósofos evitaram
explicar o mundo pelos seres míticos como Urano, Gaia e Oceano e partiram do que
aparecia para eles como substancial, a saber, o céu, a terra, o mar; não se trata de
geração a partir de deuses, mas de elementos da natureza. Isto é, com a Filosofia, o que
os gregos fizeram foi uma cosmologia: a ordem (cosmos) do mundo passou a ser
explicada por um princípio racional que funciona como causa das coisas subseqüentes e
que substitui a genealogia a partir dos deuses por um encadeamento racionalizado do
princípio. Como cosmologia, então, a Filosofia nasceu como uma explicação
racionalizada da ordem do mundo.

Assim, cosmogonias são narrações de forças divinas e concretas que oferecem


genealogias sobre o mundo. A Filosofia também quer estabelecer explicações sobre o
mundo e sua ordem, mas de forma cosmológica: pesquisa-se um princípio do mundo e,
a partir dele, procura-se um encadeamento sobre a origem e a morte das outras coisas, e
não uma genealogia. Por isso, temos de ter muito cuidado para conseguir verificar a
relação entre Filosofia e mito nesta época: “(…) O surgimento dessa nova filosofia-
saber não significou imediato e completo abandono da atitude religiosa diante de coisas
e fenômenos. Durante muito tempo, esse foi o esquema adotado para reduzir num
conflito único o nascimento da filosofia: a filosofia teria nascido da dissolução do mito
e do pensamento de tipo religioso. De fato, tal divórcio não foi tão pontual nem tão
definitivo: se já não se reverenciava cegamente os astros e as forças de interferência
divina na vida dos homens, durante muito tempo cabeças já filosóficas adoraram ainda
entidades como o próprio triângulo ou a tetráctis (sendo esta o número 10 na escola
pitagórica), figuras da perfeição absoluta, do equilíbrio e da constância de suas
medidas”[3]. Ao mesmo tempo, temos de tomar cuidado, também, para não
identificarmos a Filosofia aos mitos: compreender algo em uma cosmogonia era
encontrar seu pai e sua mãe, fazer uma genealogia; compreender algo em uma
cosmologia é definir a sua própria constituição, o seu próprio ser, o seu princípio[4].

Cosmogonia Cosmologia
Narrativa da origem Explicação racional sobre a
do kósmos através origem e ordem do mundo
das relações sexuais natural ou natureza, sobre as
entre os deuses ou os causas das transformações,
elementos naturais geração e perecimento de todos
enquanto forças os seres[5].
vitais que engendram
ou procriam todos os
seres.

VAMOS FILOSOFAR…

1 – Como uma cosmogonia explica a origem do mundo?

2 – Como uma cosmologia explica a origem do mundo?

3 – Os mitos são cosmogônicos ou cosmológicos? Explique.


4 – Qual é a proximidade entre a Filosofia e os
mitos? Explique.

5 – Qual é a distância entre a Filosofia e os mitos? Explique.

3 – CAUSAS DA ORIGEM DA FILOSOFIA

Comentávamos, no tópico anterior, que tínhamos de explicar porque os gregos


começaram a explicar o mundo de uma forma diferente da explicação mitológica. Em
outros termos, o que tornou possível a passagem da cosmogonia à cosmologia?

Há causas para a origem da Filosofia e, agora, vamos analisar algumas delas. Perceba
como cada uma delas operou uma mudança significativa no modo de pensar do homem
na Antigüidade grega, permitindo a formação de coisas novas como a Filosofia,
segundo Jean-Pierre Vernant.

1) Navegações: uma parte considerável da vida dos gregos relacionava-se com o mar,
era de onde, por exemplo, conseguiam obter parte significativa de sua alimentação.
Vivendo muito no mar, os gregos não encontraram muitos dos monstros marinhos
narrados pela história oral e nem vivenciaram seres e histórias narradas por poetas.
Assim, as navegações contribuíram para o que Max Weber chamou mais tarde de
“desencantamento do mundo”. Fazia-se necessário um saber que explicasse os fatos
ocorridos na natureza que não recorresse a histórias sobrenaturais.

2) Calendário e moeda. Viver podendo pensar o tempo abstratamente e quantificando


valores para realizar trocas não é algo que sempre ocorreu na história da humanidade.
Quando os gregos passaram utilizar

o calendário e a moeda, introduzida pelos fenícios, conseguiram abstrair valores como


símbolo para as coisas, fazendo avançar a capacidade de matematizar e de
representação. Tudo isso favoreceu um desenvolvimento mental muito significativo e
com grande capacidade de abstração.

3) Escrita. Outro fator que potencializou em grande medida o poder de abstração do


homem grego foi transcrever a palavra e o pensamento com símbolos: eis o alfabeto. A
escrita permite o pensamento mais aguçado sobre algo quando ficamos lendo e
analisando alguma coisa, como, por exemplo, uma lei. Ao ser fixada, a lei fica exposta
como um bem comum de toda a cidade, um saber que não é secreto como um saber
vinculado ao exercício de um sacerdote, mas propriamente público, além de estabelecer
uma nova noção na atividade jurídica, a saber, uma verdade objetiva.

Alfabeto Grego

4) Política. Esta é a principal causa para a origem da Filosofia, já que, até agora, vimos
somente a contribuição das técnicas para isso; porém, havia mais recursos técnicos no
Oriente que na Grécia, e a Filosofia é uma invenção genuinamente grega, além do
Oriente não ter se libertado dos mitos. Note que a palavra política é formada pelo termo
grego polis ( ), cujo significado é cidade, cidade-estado, conjunto de cidadãos que
vivem em um mesmo lugar e uma mesma lei. E o mais importante: são os cidadãos que
faziam suas próprias leis mediante uma assembléia. Esta prática teve início com os
guerreiros que, juntos, discutiam o melhor modo de vencer ao inimigo, cada um dos
guerreiros tinha o direito de falar, bastando para isso ir ao centro do círculo formado na
assembléia; ao final da guerra, outras assembléias eram feitas para dividir o que foi
ganho. Isto é, ocorre a prática do diálogo para a decisão, dando a todos o direito de falar
e a condição de serem iguais uns aos outros e à lei partilhada entre eles. Aquele que
conseguir convencer a maioria de que sua proposta é a que aproxima-se mais da verdade
de como vencer aos inimigos,
receberá maior número de votos.
Ora, é esta a prática que o filósofo
adotou mais tarde: escrevendo ou
discursando, tornava pública suas
idéias por considerá-las
verdadeiras, por pretender encontrar
a harmonia perdida do debate entre
opiniões divergentes. Debater,
trocar opiniões, argumentar, eis a
prática democrática, eis a prática
filosófica. A Filosofia nasce como
uma filha da polis, como uma filha
da democracia.

Eis o que Jean Pierre Vernant chamou de um “universo espiritual da polis”[6]: trata-se de
um lugar com proeminência da palavra - a palavra aberta a todos e com igualdade no
seu uso era o modo de fazer política; com publicidade – separação entre questões
privadas e questões públicas, estabelecendo práticas abertas e democráticas em oposição
aos processos secretos; com isonomia ( sonomia) – todos eram iguais no exercício do
poder e diante das leis que criaram. Além disso, este novo universo espiritual esteve
acompanhado e propiciou uma “mutação mental”[7] nos homens: agora era possível
explicar o mundo abstratamente excluindo o sobrenatural.

Este novo “universo espiritual da polis” foi determinante para a origem da Filosofia. O
que falta sabermos, agora, é porque só algumas pessoas tornaram-se filósofos, e não
todas.

VAMOS FILOSOFAR…

1 – Como as navegações contribuíram com uma mudança no modo de pensar dos


homens da Antigüidade Grega?

2 – Como a moeda e o calendário contribuíram com uma mudança no modo de pensar


dos homens da Antigüidade Grega?
3 – Como a escrita contribuiu para aumentar a capacidade de abstração dos homens na
Antigüidade Grega?

4 – Por que a política é a principal causa para a origem da Filosofia na Antigüidade


Grega? Responda citando também a importância dos guerreiros e sua prática
democrática.

5 – O que Jean-Pierre Vernant entende por um novo “universo espiritual da polis”?

6 – As navegações, o calendário e a moeda, a escrita e a política contribuíram com a


mudança no modo de pensar dos homens na Antigüidade Grega. Você considera que,
hoje, a informática, com a virtualidade, pode está mudando o nosso modo de pensar?
Explique.

4 – CAUSA DO FILOSOFAR

O contexto social e histórico que permitiu às pessoas a invenção da Filosofia nós já


analisamos. Mas o que falta verificar é o que motivava alguns a filosofarem. Já na
Antigüidade, Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) pensara a respeito:

“A admiração sempre foi, antes como agora, a causa pela qual os homens
começaram a filosofar: a princípio, surpreendiam-se com as dificuldades mais
comuns; depois, avançando passo a passo, tentavam explicar fenômenos maiores,
como, por exemplo, as fases da lua, o curso do sol e dos astros e, finalmente, a
formação do universo. Procurar uma explicação e admirar-se é reconhecer-se
ignorante”.

ARISTÓTELES. Metafísica, 982 b13.

Para filosofar, segundo Aristóteles, é preciso estar admirado com algo. Basta isso, não
há Filosofia sem curiosidade, sem admiração; do contrário, se estamos acostumados
com algo e não pensamos sobre ele, não há Filosofia. Olhe para sua própria vida e
perceba que quando você tinha menos idade, mais você se admirava com as coisas e
mais queria saber porque eram daquela forma, como funcionavam. Porém, na medida
que você cresceu e acostumou-se com as coisas, deixando de se admirar com elas,
deixou também de lado a atitude filosófica. Filósofos são aqueles que jamais perdem a
admiração sobre os grandes ou pequenos segredos do mundo, que passam a vida toda
sem deixar se acostumar com as coisas. E mais: veja como termina a citação acima –
quando procuramos uma explicação sobre algo encontramo-nos “ignorantes”,
descobrimos que não sabemos e que sempre há algo a descobrir. A Filosofia é, sem
dúvida nenhuma, uma aventura.

Aristóteles

VAMOS FILOSOFAR…

1 – Segundo Aristóteles, qual é a causa do filosofar? Explique.

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2 – O que leva à morte do filosofar? Explique.

3 – Como nos reconhecemos quando procuramos a explicação sobre alguma coisa?


Explique.

4 – Escolha algo que você admira e:

a) desenhe-o.

b) explique-o (escreva como ele é, pense no porquê de sua existência, se precisa de


mudanças, como funciona, qual a sua causa… Enfim, filosofe).

______________________________________________________________________
___

5 – OS PRIMEIROS FILÓSOFOS
Sabemos como a Filosofia nasceu, sabemos também o que motiva uma pessoa a
filosofar. Mas quais foram os primeiros filósofos? O que fizeram?

O primeiro deles foi Tales de Mileto (cerca de 625/4-558/6 a.C.) e, infelizmente, o


tempo não conservou nenhum de seus fragmentos, aliás, segundo John Burnet, Tales
jamais escreveu; porém, alguns pensadores antigos escreveram o que pensavam outros:
veja, por exemplo, o que Aristóteles escreveu sobre Tales:

“A maior parte dos primeiros filósofos considerava como os únicos princípios de


todas as coisas os que são de natureza da matéria. Aquilo de que todos os seres são
constituídos, e de que primeiro são gerados e em que por fim se dissolvem,
enquanto a substância subsiste mudando-se apenas as afecções, tal é, para eles, o
elemento, tal é o princípio dos seres; e por isso julgam que nada se gera nem se
destrói, como se tal natureza subsistisse sempre… Pois deve haver uma natureza
qualquer, ou mais do que uma, donde as outras coisas se engendram, mas
continuando ela mesma. Quanto ao número e à natureza destes princípios, nem
todos dizem o mesmo. Tales, o fundador da filosofia, diz ser água [o princípio] (é
por este motivo também que ele declarou que a terra está sobre água), levando sem
dúvida a esta concepção por ver que o alimento de todas as coisas é o úmido, e que
o próprio quente dele procede e dele vive (ora aquilo de que as coisas vem e, para
todos, o seu princípio. Por tal observar adotou esta concepção, e pelo fato de as
sementes de todas as coisas terem a natureza úmida; e a água é o princípio da
natureza para as coisas úmidas (…).”

ARISTÓTELES. Metafísica, I, 3.983 b6 .

Note a força das palavras atribuídas a Tales: a água, ou o úmido, é o princípio de todas
as coisas. Você já parou para pensar qual é o princípio (arch) das coisas? Tal era a
ambição de Tales: desvendar o segredo do mundo, o seu princípio. Há alguns motivos
que levaram Tales a pensar que o princípio de todas as coisas fosse a água: a) na própria
mitologia grega, há a idéia de que o rio Oceano estava envolta do mundo e o formou; b)
a passagem da água de um estado a outro pôde fazer Tales pensar que ela está por trás
de todas as coisas; c) segundo Simplício, Tales teria observado que os seres vivos são
úmidos e, ao morrerem, secam; d) na sua viagem pelo Egito, Tales observou que, após a
cheia, as plantas apareciam; e) restos de animais marinhos encontrados em regiões
montanhosas da época, reforçaram a idéia em Tales de que, um dia, tudo era água.

Certas ou erradas, as idéias de Tales expressavam um novo modo de explicar o mundo:


a água como princípio de tudo funciona como um deus (qeoz – a palavra deus, na época
de Tales, podia ser usada com um sentido não-religioso, significando uma espécie de
princípio ativo presentes nas coisas[8]), um princípio vital e que se movimenta,
provocando mudança (kínesis) nas coisas. Assim, ao surgirem da água, as coisas não
podem surgir do nada e nem retornar a ele, mas apenas da e para a água. A grande
questão é resolver como que, a partir da água, todo o resto foi formado?

Por isso, lembre-se, o pensamento de Tales é uma cosmologia, explicando o mundo


racionalmente a partir das observações sobre ele. Outros filósofos da mesma época
explicavam o mundo da mesma forma, mas com outros elementos como princípio:
Anaximandro de Mileto apostou no ilimitado, Anaxímenes de Mileto no ar, Pitágoras de
Samos o número… Enfim, seria interessante você fazer uma pesquisa e verificar como
os primeiros filósofos, também chamados de pré-socráticos e de filósofos da natureza,
explicavam o mundo. Além dos nomes já citados, procure por Heráclito de Éfeso,
Parmênides de Eléia, Zenão de Eléia, Empédocles de Agrigento, Anaxágoras de
Clazómena, Demócrito.

VAMOS FILOSOFAR….

1 – Qual foi o primeiro filósofo da história?

2 – Qual é a razão para o princípio de todas as coisas ser a água, segundo Tales de
Mileto?

3 – Por que as idéias de Tales de Mileto enquadram-se no que chamamos de


cosmologia?

4 – Tales de Mileto considerava que as coisas estão “cheias de deuses”. O que isso pode
significar?

5 – Quais são as questões que Tales e os primeiros filósofos quiseram resolver?


6 – Os primeiros filósofos queriam desvendar qual era o princípio do mundo? Você
considera que esta questão já foi resolvida? Explique.

7 – Buscar o princípio das coisas é filosofar. Você considera que isso é feito nos meios
de comunicação de hoje? Explique.

8- Encontre o nome dos primeiros filósofos citados no final do texto sobre Os primeiros
filósofos.

OS PRIMEIROS FILÓSOFOS

P Z Z T R A J I A S X A G L P

O A L E S M H G A J N O A L B

X E R V N M C R L A U P E H E

V O A M M A O T X K W G X Y N

Q U K X E G O A J H A Y O W F

F X R B A N G D U Z G E T N E

Q G P T O O I W H K H M I L P

N A I M R T E D B D J P R D L

C P E A P R I V E Y T E C D A

B R S Q Z B F L T S T D O M A
T A L E S M H B C C Y O M X H

I P E C K L X Q Y A P C E H S

W I R E E X A L P X R L D D T

A N A X I M A N D R O E Z C W

D S E N E M I X A N A S H N W

6 – SUGESTÃO DE ATIVIDADES

A) TEXTO COMPLEMENTAR

“(…) Ora, não é difícil ver como as considerações meteorológicas podem ter levado
Tales a adotar a sua concepção. De tudo o que conhecemos, a água parece tomar as mais
variadas formas. Ela nos é familiar em uma aparência sólida, líquida ou vaporosa, bem
podendo Tales, assim, ter pensado que via o processo do mundo a partir da água e de
novo de volta à água ocorrendo diante de seus olhos. O fenômeno da evaporação
naturalmente sugere que o fogo dos corpos celestes é mantido pela umidade que eles
extraem do mar. Mesmo nos dias presentes as pessoas falam do „sol extraindo água‟. A
água cai de novo com a chuva e, finalmente, assim pensavam os primeiros cosmólogos,
ela volta para a terra. Isso possivelmente parecia bastante natural aos homens
familiarizados com o rio do Egito, que havia formado o delta e, com as torrentes da Ásia
Menor, que traziam rio abaixo grandes sedimentos aluviais. Hoje, o golfo de Atmo, no
qual Mileto se esguia antigamente, encheu-se por completo. Finalmente, eles pensavam,
a terra volta uma vez mais à água – idéia proveniente da observação do orvalho, dos
nevoeiros noturnos, dos mananciais subterrâneos. Pois, na Antigüidade, não se supunha
que estes últimos tivessem alguma coisa a ver com a chuva. As „águas debaixo da terra‟
eram consideradas uma fonte de umidade independente”.

BURNET, John. O despertar da Filosofia Grega. Tradução de Mauro Gama, São


Paulo: Editora Siciliano, 1994, p. 52.

B) DINÂMICA DE GRUPO

Que tal filosofar na quadra de esportes da escola? Com a sala dividida em dois grupos,
deixe uma bola no centro da quadra e cada um dos grupos nas linhas que demarcam o
fundo da mesma, quando o professou fizer uma das perguntas abaixo e gritar “já”, corra
até a bola e tente tocá-la com o pé antes de seu colega e responda “falso” ou
“verdadeiro” à pergunta feita. Acertando, sua equipe pontua; errando, a outra equipe
pontua.

( ) A palavra Filosofia significa amor à sabedoria.

( ) A Filosofia teve origem no ano 600 d.C.

( ) Foi na Grécia que a Filosofia nasceu.


( ) Filosofia e mito são as mesmas coisas.

( ) Perseu é um mito que narra a tentativa do homem em mudar o seu destino.

( ) O mito de Perseu não aponta porque existem muitas serpentes na Líbia.

( ) Aracne conseguiu escapar da deusa Atena e não foi punida.

( ) Cosmogonia e cosmologia são as mesmas coisas.

( ) Explicação sobre a origem do mundo pela relação ente os deuses significa


cosmogonia.

( ) Explicação racional sobre a origem do mundo significa cosmologia.

( ) As navegações em nada contribuíram para a origem da Filosofia.

( ) A moeda não contribuiu para a origem da Filosofia, apenas o calendário.

( ) A escrita contribuiu para aumentar a capacidade de abstração do homem antigo.

( ) A política é a principal causa para a origem da Filosofia na Grécia.

( ) A Filosofia nasce no campo e não da polis.

( ) Um universo espiritual novo na polis foi fundamental para a origem da Filosofia.

( ) Para Aristóteles, o que leva uma pessoa a filosofar é a admiração.

( ) Para Aristóteles, quem está acostumado demais com o mundo também filosofa.

( ) Para Aristóteles, filosofar não é reconhecer-se um ignorante.

( ) O primeiro filósofo da história foi Tales de Mileto.

( ) Buscar o princípio de todas as coisas é filosofar.

( ) Para Tales, o princípio de todas as coisas é o ar.

( ) Uma das coisas que ajudaram Tales a pensar que a água era a origem de todas as
coisas foram as cheias do rio Nilo.

( ) O pensamento de Tales é uma cosmologia.

( ) Fragmentos da obra de Tales resistiram ao tempo e, até hoje, podemos lê-los.

C) FILMES
– PEIXE GRANDE E SUAS HISTÓRIAS MARAVILHOSAS. Filme de John August
com direção de Tim Burton (EUA, 2003) que problematiza a relação entre mito e razão:
nem toda narrativa é ficção, nem toda racionalidade é correta.

- HÉRCULES. Animação feita pela Disney que ilustra os famosos trabalhos de


Hércules e a intervenção dos deuses na vida dos homens a partir da mitologia grega.

D) ATIVIDADE EM GRUPO

Que tal cada um dos grupos da sala pesquisar o


princípio de todas as coisas nos filósofos
citados no final do texto e preparar uma
encenação para a sala? Todos perceberiam
como os princípios de todas as coisas mudam
de acordo com os filósofos da natureza.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ARISTÓTELES. Metafísica. Tradução de Leonel Vallandro, Porto Alegre: Editora


Globo, 1969.
BURNET, John. O despertar da Filosofia Grega. Tradução de Mauro Gama, São
Paulo: Editora Siciliano, 1994.
CHÂTELET, François. História da Filosofia – idéias, doutrinas: a Filosofia Pagã.
Tradução de Maria José de Almeida, Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1973.
CHAUI, Marilena. Introdução à História da Filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles.
São Paulo: Companhia das Letras, 2° edição, 20002.
HESÍODO. Teogonia. Tradução de Jaa Torrano, São Paulo: Editora Iluminuras, 1995.
NIETZSCHE, Friedrich. “O nascimento da tragédia no espírito da música” e “A
Filosofia na época trágica dos gregos” in Os Pensadores. Tradução de Rubens
Rodrigues Torres Filho, São Paulo: Abril Cultural, 1 edição, 1974.
SCHWAB, Gustav. As mais belas histórias da Antigüidade Clássica: os mitos da
Grécia e de Roma. Tradução de Luís Krausz, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 6 edição,
1994.
PRÉ-SOCRÁTICOS. Os Pensadores. Traduções de José Cavalcante de Souza, Anna
Lia Amaral de Almeida Prado, Ísis Lana Borges, Maria Conceição Martins Cavalcante,
Remberto Francisco Kuhnen, Rubens Rodrigues Torres Filho, Carlos Alberto Ribeiro
de Moura, Ernildo Stein, Hélio Leite de Barros, Arnildo Devigili, Mary Amazonas Leite
de Barros, Paulo Frederico Flor, Wilson Regis, São Paulo: Abril Cultural, 1° edição,
1973.
SPINELLI, Miguel. “A noção de arché no contexto da Filosofia dos Pré-Socráticos” in
Revista Hypnos n° 8, São Paulo: Editora da PUC-SP, Edições Loyola, Editora Triom,
2002.
VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. Tradução de Ísis Borges B.
da Fonseca, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 11° edição, 2000.
______. Mito e pensamento entre os gregos: estudos de Psicologia Histórica. Tradução
de Haiganuch Sarian, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
VLASTOS, Gregory. “Equality and justice in early Greek Cosmologies” in Studies in
Greek Philosophy. Princeton/New Jersey: Princeton University Press.
WATANABE, Lygia Araújo. “Filosofia antiga” in (vários autores) Primeira Filosofia:
aspectos da História da Filosofia. São Paulo: Editora Brasiliense, 9° edição, 1991.

[1] CHAUÍ, Marilena. Introdução à História da Filosofia: dos pré-socráticos a


Aristóteles. São Paulo: Companhia das Letras, 2 edição, 2002, pp. 509-511.

[2] CHAUI, Marilena. Op. cit., p. 506.

[3]WATANABE, Lygia Araújo. “Filosofia antiga” in Primeira Filosofia: aspectos da


História da Filosofia. São Paulo: Editora Brasiliense, p. 19.

[4] VERNANT, Jean-Pierre. Mito e pensamento entre os gregos: estudos de Psicologia


Histórica. Tradução de Haiganuch Sarian, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2 edição, 1990,
p. 450.

[5] CHAUÍ, Marilena. Op. Cit., p. 503.

[6]VERNANT, Jean-Pierre. As Origens do Pensamento Grego. Tradução de Ísis Borges


B. da Fonseca, Rio de Janeiro, 11 edição, 2000, p. 41.

[7] ______. Mito e pensamento entre os gregos: estudos de Psicologia Histórica, p.


453.

[8]BURNET, John. O despertar da Filosofia grega. Tradução de Mauro Gama, São


Paulo: Editora Siciliano, 1994, p. 24.

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