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BRUCELOSE

Introdução – zoonoses
O tema da minha apresentação é a Brucelose,
Que se classifica como uma zoonose, que por definição é uma doença infecciosa, neste caso causada por
uma bactéria, a Brucela, que tem como reservatório um animal vertebrado e é transmitida ao ser humano.
Historicamente, a brucelose tem tido vários nomes - como febre ondulante (fazendo mesmo alusão às
características da febre), febre rochosa de Gibraltar, febre mediterrânica, febre de Malta, febre de
Constantinopla, febre de creta – em humanos, e doença de Bang, ou aborto contagioso, em animais.

Etiologia

As bactérias pertencentes ao género Brucella são pequenos cocobacilos gram-negativos não capsulados,
não móvel, não formador de esporos, sendo tb aeróbios estritos e intracelular facultativo, de crescimento
lento comparativamente a outros patogénios humanos (ou seja, é um microrg fastidioso porque tem um
tempo de geração de 2-4h horas).

Este género é composto por diversas espécies, cada uma delas tem um padrão epidemiológico de infeção
diferente, mas são 4 as espécies que podem causar brucelose humana, e que são:

 Brucella melitensis – a primeira a ser descoberta, que é mais frequente e tb mais invasiva, tendo
como reservatório as cabras, as ovelhas e os camelos (caprinos e ovinos)
 Brucella suis - suinos
 Brucella abortus – que se encontra nos bovinos
 Brucella ovis
 Brucella neotomae
 Brucella canis – que existe nos cães
 e, mais recentemente, Brucella maris.

É importante ter em conta que nos animais a brucelose é uma infecção crónica que persiste por toda a
vida, e, devido ao tropismo para os tecidos ricos em eritriol, que é uma hormona muito presente em
tecidos da reprodução, as principais manifestações são a esterilidade e aborto (na verdade nos animais é
conhecida por doença de bang ou aborto contagioso).

Epidemiologia
Relativamente à sua epidemiologia, a brucelose tem uma distribuição mundial (com cerca de 500 mil casos
notificados por ano) e é endémica em vastas áreas do globo, nomeadamente américa latina, bacia do
Mediterrâneo, médio oriente, ásia central e tb algumas regiões de áfrica, onde continua a ser um problema
de saúde pública relevante
sendo que a incidência humana varia consoante a densidade do gado, grau de endemia animal, nível socio-
económico e hábitos alimentares.

Apesar disso, a verdadeira incidência é desconhecida e de acordo com a OMS, julga-se que esta poderá ser
cinco ou mais vezes superior à que os números oficiais sugerem, o que se deve não só ao subdiagnóstico
como tb ao incumprimento da declaração obrigatória.
Para além da assimetria regional, existe também uma assimetria na distribuição por sexos (havendo menor
prevalência no sexo masculino numa razão 2:1, mais na faixa etária dos 45-46 anos (sendo muito rara na
infância)e, aparentemente, é uma zoonose dos meses de primavera (com pico em abril, maio e junho) 
que coincide com a altura dos partos e maior produção de leite.
Relativamente à Europa, de acordo com um report da ECDC, na UE houve 134 casos confirmados em 2020,
sendo que as taxas mais elevadas foram na Grécia, Portugal e suécia (e dentro de Portugal as áreas mais
afetadas são bragança e guarda).
Transmissão + fatores risco
Quanto à transmissão, esta ocorre principalmente por contacto acidental seja com diretamente com os
animais ou com os seus produtos infetados, sendo que a brucela se encontra em grandes quantidades na
urina e em produtos abortivos de animais infetados.

 Podendo ser através da via mucocutânea (estima-se que seja em 60% dos casos), principalmente se
houver alguma solução de continuidade da pele e das mucosas, e consequentemente, tornou-se
uma doença ocupacional para certas profissões de risco que têm contacto próximo com animais,
nomeadamente ...
 Pode ser também por inalação de aerossóis contaminados – por exemplo em técnicos de
laboratório que trabalham com a bactéria
 Ou ainda pela via digestiva, com ingestão de lacticínios não pasteurizados. O consumo de carne
habitualmente não transmite a bactéria – não só porque a carne é habitualmente cozinhada, mas
também porque o número de bactérias no musculo é baixo (apesar de ser possível). É importante
ter em conta que, como a bactéria é destruída pelo ácido quando o pH <4, o uso de antiácidos
principalmente IBP facilita a infeção.

• Por fim, a transmissão inter-humana é rara

Fisiopatologia e fatores de virulência

Após esta transmissão, seja qual for a via, ou seja, após a penetração na pele ou mucosa
digestiva/respiratória, a bactéria vai atrair rapidamente células PMN, que a vão ingerir e tentar fagocitar, e
aqui torna-se evidente um dos principais mecanismos de patogénese da brucela – que é sua capacidade de
sobrevivência no meio intracelular e resistência à fagocitose devido a diversos fatores de virulência, dos
quais se destaca a LPS, que inibe a fusão do fagossoma e lisossoma, e a produção de superóxido dismutase
(que vai diminuir a destruição intracelular da bactéria).
Subsequentemente, esta invade o sistema linfático e corrente sanguínea, sendo captada primariamente
nos órgãos que fazem parte do sistema reticuloendotelial – como é o caso do baço, fígado, medula óssea e
ggls.
Aqui a bactéria é ingerida pelos macrófagos residentes e mais uma vez sobrevive, levando à formação de
granulomas, que se por um lado, contém a infeção e sofre fibrose com destruição da bactéria, por outro,
funcionam como um “reservatório de bactérias” que podem ser responsáveis pela recaída da doença.

Clínica

Desta forma, a brucelose acaba por ser uma doença sistémica


E consoante a apresentação e a duração do quadro, podemos dividi-la na sua forma de evolução aguda
(correspondente à primo-infeção), localizada (em que a bactéria se focaliza num órgão), e, se a
sintomatologia permanecer por >12 meses, teremos a forma crónica, e apesar de o quadro em geral
resolver bem com a tx, existem doentes que ficam com síndrome de fadiga crónica, numa convalescença
retardada.

A fase aguda, geralmente 2-4 semanas após a inoculação, caracteriza-se então por tríade sintomática de:
• Febre – que geralmente é alta (superior a 38ºC), intermitente, remitente ou ondulante, de predomínio
vespertino
• Sudação, que é profusa, de cheiro ativo e desagradável (classicamente descrita como palha podre),
sobretudo durante a noite
• E dor, que se manifesta sobretudo como mialgias, artralgias e cefaleias
• Podemos ter tb outras acompanhantes, nomeadamente (anorexia, mal-estar generalizado, fadiga, perda
de peso, depressão)
Já no exame objetivo frequentemente os únicos achados são linfadenopatia e esplenomegália/
hepatomegália indolores.
Quanto à fase de localização  as manifestações dependem do local:

Sendo que a brucela focaliza MUITO FREQUENTEMENTE a nível do osso sendo a manifestação mais comum
a sacroileíte, mas sobreutdo a espondilodiscite, com lombalgias e impotência funcional, que pode
facilmente mimetizar um quadro de espondilodiscite por tuberculose (sendo a este ponto um dos ddx mais
importantes)
Tipicamente, a brucelose atinge mais a coluna lombar, enquanto que a tuberculose atinge mais a dorsal, a
compressão canalar é rara na brucelose tendo tb abcessos mais pequenos e localizados, e além disso, a TC
tem alterações muito típicas que podem sugerir brucela mesmo ao imagiologista – o chamado sinal de
Pedro Pons

Para além da focalização osteoartic, podemos tb ter focalização principalmente

 Hepatobiliar  o fígado, sendo o maior órgão reticulo-endotelial, está provavelmente sempre


afetado e podemos verificar ligeiras alterações nos parâmetros hepáticos, com possível formação
de granulomas, ou uma inflamação hepática muito difusa, similar a uma hepatite viral.
Pode também ser uma possível etiologia de colecistite aguda e pancreatite.
 No sistema GU a focalização tb é frequente porque são os tais tecidos ricos em eritriol – a
orquite/orquiepididimite é reportada em cerca de 20% dos homens com brucelose; mas tb
podemos ter nas mulheres; salpingite, cervicite, hemorragias vaginais (grávidas)

 Na MO (hematológica) porque esta tb faz parte do SRE, com formação de granulomas em 75% dos
casos  vai dar manifestações anemia, leucopénia, trombocitopenia

 No SNC ocorre em apenas 5% dos casos, sendo a meningite (linfocítica) mais comum, mas pode
ocorrer + raramente encefalite/abcesso cerebral.

 E no sistema CV com endocardite, que, embora rara (<2% dos casos), é responsável pela maioria da
mortalidade, afetando tanto válvulas nativas como protésicas, principalmente a VA.
É importante não esquecer que a Brucela é uma das potenciais causas de endocardite com
hemocultura negativa, juntamente com a Coxiela e Bartonela

Existem tb outras manifestações possíveis mas raras, como as pulmonares com formação de granulomas,
cutâneas (com exantema, eritema nodoso) e oftalmológicas (nomeadamente uveíte).

Diagnóstico

1 – Perante a suspeita clínica, para confirmar o diagnóstico, é importante em 1º lugar obter uma história
detalhada, que inclua a ocupação, o contac- to com animais, viagens a áreas endémicas e a ingestão de
alimentos de risco (produtos lácteos não pasteurizados, por exemplo)

Nas análises lab, O hemograma acaba por ser pouco útil, podendo demonstrar anemia, alt da contagem
dos leucócitos normal ou baixa, e trombocitopenia, PCR elevada e como já vimos, elevação das provas
hepáticas de forma inespecífica.

E, por isso, o diagnóstico definitivo acaba por recair sobre o isolamento do agente ou pela identificação da
sua presença através de anticorpos específicos.

No que toca ao dx microb,


 as hemoculturas/mieloculturas, são gold standard do dx microb (porque brucela pode ser isolada
sobretudo no sangue e na MO), contudo, o seu crescimento dá-se de forma muito lenta – pelo que
é fundamental avisar o laboratório para que as culturas sejam mantidas pelo menos 4 semanas,
além de serem necessários meios de cultura particulares como a triptose.
É importante ter em conta que a probabilidade de isolamento no sangue é maior na primeira
semana de doença, fase de bacteriemia mais elevada.

 quando a confirmação microb não é possível, podemos socorrer-nos da serologia, que na vdd é o
método mais utilizado, baseando-se na deteção de títulos elevados ou na subida de títulos ao longo
do tempo, e existem diversos testes disponíveis sendo que os destacados são os + utilizados e por
isso irei focar-me apenas neles.

Referir apenas que o diagnóstico molecular tb é possível por técnicas de PCR.

Teste rosa de bengala


Dentro da serologia, Consiste numa prova de aglutinação que usa o Ag brucélico corado de rosa de
bengala, colocando em evidência a IgG, ou seja, funciona como um IGRA, porque nos diz se já houve
contacto algures na vida com a brucela, e fica para sempre +.
Além de funcionar como um método de rastreio rápido, sendo que os resultados + devem ser confirmados
por outros testes, pode ser muito útil pelo seu VPN alto  ou seja, se for negativo, é improvável que seja
brucelose.

Testes de aglutinação sérica (TAS) – Wright e Huddleson


São os mais vulgarmente usados e estes vão colocar em evidência sobretudo a IgM, mas tb a IgG, por isso
são os que mais precocemente se tornam + (a partir da 2ª semana).
Se neg mas quadro clínico muito sugestivo  devem-se repetir em 1-2 semanas, já que a subida do título é
a forma mais segura de afirmar o dx.
A sua positividade tende a diminuir com o avançar da doença, sendo mesmo negativos na brucelose
crónica.

É também possível utilizar o teste imuno-enzimático do tipo ELISA, que em comparação com os testes
convencionais...

Tratamento

Para o tratamento da brucelose, é importante ter em conta alguns aspetos, como o facto de se tratar de
um agente intracelular – o que requer AB com boa penetração, o facto de se dever usar terapêutica
combinada, já que as taxas de recidiva com monoterapia são demasiado elevadas, e que a tx deve ser
prolongada, sendo 6 semanas nas formas não localizadas e, quando temos localização, é geralmente 3-6
meses.
A tx de eleição de acordo com a bibliografia, com mais eficácia, é doxi com estreptomicina (contudo, como
esta é IM e tem ototoxicidade considerável sendo de evitar principalmente em pessoas >55 a, atualmente
utiliza-se menos, mantendo-se nos casos graves) – e há autores que defendem também a sua substituição
por gentamicina nesses casos mais graves. Um esquema alternativo consiste então no uso de doxiciclina,
combinada com rifampicina, ambos orais, por 6 semanas
É impt ter em conta que na gravidez e nas crianças como as tetraciclinas estão CI, existem esquemas
alternativos.
Idealmente, os doentes tratados devem ser reavaliados e seguidos até pelo menos dois anos, já que as
localizações tardias são relativamente frequentes.

Uma última palavra em relação à prevenção, algumas medidas importantes são .. E, uma vez que a
prevenção da brucelose no homem depende do controlo da doença nos animais, a vacinação animal tem
muita importância, sendo que até ao presente não foi encontrada... embora já tenham sido usadas
vacinas...

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