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Tradução

Corazón Salvaje
Miles Montgomery é o irmão mais novo da família.

Elizabeth Chatworth, é mais nova de sua família.

Miles ama a todas as mulheres,

o que o leva a ter vários filhos bastardos.

Elizabeth não suporta o contato com outro ser humano.

Elizabeth veio a ele como um precioso presente, um anjo nu

enrolada em um tapete. Quando Miles a olha e vê seus olhos

verdes e seus cabelos da cor de mel emaranhados, arde de paixão.

Miles a queria... Elizabeth nunca se renderia.

Ele era um dos odiados Montgomery e ela uma Chatworth e a

guerra de sangue entre suas famílias havia começado em um

espiral de violações, assassinatos e traições.

Ela fez um juramento de lutar contra esse bonito guerreiro, de

resistir ao desejo que ardia em seus olhos, não importava o

quanto fosse grande a tentação.

Poderá Miles esquecer o ódio que sente pelos Chatworth

e amar Elizabeth?

Poderá Elizabeth entregar seu coração

ao inimigo de sua família?


Anjo Audaz — Jude Deveraux

Capítulo Um
O sul da Inglaterra

Agosto de 1502

Elizabeth Chatworth estava de pé na borda íngreme do


penhasco, olhando em direção a um mar de campos de cevada.
Lá em baixo, homens aparentemente minúsculos e que
pareciam insignificantes caminhavam com foices sobre os
ombros, outros cavalgavam em cavalos e outro guiava uma
junta de bois.

Mas em realidade, Elizabeth não via estes homens,


porque mantinha o queixo muito erguido e sua mandíbula tão
fortemente apertada, que parecia que nada poderia lhe fazer
mudar o gesto. Uma quente rajada de vento esteve a ponto de
afastá-la da borda, mas ela apoiou firme suas pernas e se
negou a mudar de posição. Se o que aconteceu neste dia e o
que a esperava não a amedrontava, nenhum vento caprichoso
iria movê-la de seu lugar.

Seus olhos verdes estavam secos, mas tinha a garganta


obstruída por uma onda de fúria e de lágrimas contidas. Um
músculo da mandíbula se contraía e afrouxava enquanto
respirava profundamente, tratando de controlar os batimentos
de seu coração.

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Outra rajada de vento revolveu a cascata emaranhada


dos cabelos cor de mel para longe de suas costas e sem que
Elizabeth notasse, uma última pérola se desprendeu e
escorregou por seu vestido destroçado e sujo, de seda
vermelha. Os ornamentos que usou para os esponsais de sua
amiga estavam em migalhas, sem possibilidades de conserto,
seu cabelo solto e ondulante, as bochechas sujas, e tinha as
mãos cruelmente atadas atrás das costas.

Elizabeth levantou seus olhos para o céu, sem pestanejar


diante da brilhante claridade do dia. Por toda sua vida haviam
dito que seu aspecto era angélico, e nunca esteve tão serena,
tão parecida com um ser celestial como agora, com seu pesado
cabelo enroscando-se no corpo como um manto sedoso e seu
traje rasgado que dava a aparência de uma mártir cristã.

Mas os pensamentos de Elizabeth estavam longe da


doçura, ou perdão.

— Eu vou lutar até a morte! — Murmurou, olhando para


o céu, enquanto os olhos se obscureciam até tomarem a cor
das esmeraldas em uma noite de luar. — Nenhum homem me
vencerá. Nenhum homem me fará submeter à sua vontade.

— Está rogando ao Senhor, não é? — Chegou-lhe a voz


de seu captor, ao lado dela.

Lentamente, como se tivesse todo o tempo do mundo,


Elizabeth se voltou para o homem, com um olhar tão frio que
este deu um passo atrás. Era um fanfarrão como o odioso

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homem a quem servia, Pagnell de Waldenham, mas este


subordinado era um covarde quando seu amo não estava
presente.

John tossiu nervosamente e então corajosamente deu um


passo adiante, agarrando Elizabeth pelo cotovelo.

— Pode pensar que é uma grande dama, mas no


momento, eu sou seu amo.

Ela o olhou diretamente nos olhos, sem demonstrar a dor


que ele estava causando, depois de tudo, já teve sofrimentos
mentais e físicos o bastante em toda sua vida.

— Jamais será o amo de ninguém. — Disse calmamente.

Por um momento, a mão de John afrouxou a pressão


sobre seu braço, mas imediatamente a empurrou rudemente
para frente.

Elizabeth quase perdeu o equilíbrio, mas graças a um


esforço de concentração, conseguiu manter-se erguida e
começou a caminhar.

— Todo homem é o amo de uma mulher. — Disse John a


suas costas. — As mulheres como você simplesmente não
perceberam ainda. Tudo o que vai demorar será um homem de
verdade que te bata para que aprenda quem é o amo. E pelo
que tenho entendido, este Miles Montgomery é o homem para
dar o que você precisa.

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Ante a menção do nome de Montgomery, Elizabeth


tropeçou, caindo de joelhos.

A risada de John foi desproporcionalmente alta, enquanto


agia como se tivesse conseguido algum grande feito. Ele ficou
parado, observando insolentemente, enquanto Elizabeth
lutava para ficar de pé, enrolando as pernas na saia e com as
mãos, ainda atadas às costas.

— Está preocupada com Montgomery, não está? —


Provocou e a pôs de pé. Por um momento ele tocou sua
bochecha, a suave pele de marfim, passando uma suja ponta
do dedo sobre seus delicados lábios. — Como pode uma
mulher tão adoravelmente linda como você ser tão megera?
Poderíamos ser mais amáveis um com o outro, e Lorde Pagnell
nunca saberia. Que importância tem quem será o primeiro?
Montgomery vai tirar sua virgindade de qualquer maneira, que
diferença haveria por um dia ou dois?

Elizabeth juntou saliva dentro da boca e cuspiu no seu


rosto com todas suas forças. A brutal bofetada que ele tentou
desferir-lhe não chegou ao seu destino, já que ela, mesmo com
o corpo muito dolorido, conseguiu desviar agilmente e começar
a correr. As mãos amarradas fizeram a velocidade impossível,
e John a apanhou com facilidade, agarrando o que restava de
sua saia e fazendo-a cair de bruços, no chão.

— Cadela suja! — Ele ofegou, virando-a, sentando sobre


ela. — Pagará por isso. Tentei ser justo contigo, mas merece
que te castigue.

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Os braços e mãos de Elizabeth estavam presos sob ela e


apesar de todos seus esforços a dor fazia as lágrimas se
juntarem em seus olhos.

— Mas não vai me golpear, vai? — Perguntou com


confiança. — Pagnell poderia averiguar o que você me fez e te
castigaria. Homens como você jamais arriscariam prejudicar
os planos preciosos daqueles que consideram magníficas
pessoas.

John colocou as mãos sobre seus seios, e seus lábios


contra os dela, faminto, mas Elizabeth não demonstrou
nenhuma emoção. Aborrecido, libertou-a de seu peso, afastou-
se dela e caminhando com raiva se dirigiu aos cavalos.

Elizabeth se sentou e tentou recuperar a compostura. Ela


era hábil em não demonstrar suas emoções mais íntimas, e
agora queria reservar todas as suas forças para a provação que
estava por vir.

Montgomery! O nome soava na sua cabeça. O nome de


Montgomery parecia ser o causador de todos os seus medos,
de todos os terrores de sua vida. Um Montgomery foi o
causador de que sua cunhada perdesse sua beleza e
virtualmente sua sanidade mental. Um Montgomery causou a
desgraça de seu irmão mais velho e o desaparecimento de seu
outro irmão, Brian. E indiretamente, um Montgomery era o
responsável por sua própria captura.

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Elizabeth participava dos festejos de bodas de uma


amiga, quando acidentalmente escutou a conversa de um
homem perverso, a quem conhecia por toda a sua vida,
Pagnell, que planejava entregar a seus odiosos parentes uma
pequena cantora, para que a julgassem como uma bruxa.

Quando Elizabeth tentou resgatar à moça, Pagnell a


apanhou, e como retaliação, achou muito oportuno entregar
Elizabeth a seu inimigo, um Montgomery. Talvez as coisas não
tivessem saído tão ruins se a jovem cantora, em uma atitude
generosa, mas não muito inteligente, não tivesse dado a
entender que havia alguma relação entre ela e os Montgomery.

Pagnell amarrou e amordaçou Elizabeth, tinha-a


enrolado em um imundo tapete e ordenara a seu homem,
John, que a entregasse a esse notório lascivo, sátiro de sangue
quente e apaixonado Miles Montgomery. Dos quatro
Montgomery, Elizabeth sabia que o mais novo, um jovem de
apenas vinte anos, dois anos mais velho que Elizabeth, era o
pior. Inclusive no convento onde passou os últimos anos,
ouvira histórias de Miles Montgomery.

Disseram que ele havia vendido sua alma ao diabo


quando tinha dezesseis anos e, como resultado, tinha
adquirido um poder sobrenatural sobre as mulheres. Elizabeth
riu desta história, mas não havia dito a ninguém a razão de
sua hilaridade. Parecia-lhe muito mais sensato supor que
Miles Montgomery, era igual a Edmund, o irmão morto dela,
que ordenava às mulheres irem para sua cama. Era uma pena

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que a semente desse Montgomery fosse tão fértil, porque se


rumorejava que já tinha cem bastardos.

Três anos atrás, uma jovenzinha, chamada Bridget


deixou o convento onde Elizabeth passava longas temporadas,
para ir trabalhar na antiga fortaleza Montgomery. Era uma
menina bonita de grandes olhos castanhos e quadril rebolante.
Para grande desgosto de Elizabeth, as outras residentes
agiram alternadamente, como se a jovenzinha fosse as suas
bodas ou como se fosse a protagonista de um sacrifício
humano. Um dia antes que Bridget partisse, a madre priora
falou com ela durante duas horas, e por volta das vésperas da
tarde, Bridget tinha os olhos vermelhos de tanto chorar.

Onze meses depois, um músico viajante contou que a


jovem Bridget deu a luz, a um menino forte e saudável a quem
nomeou de James Montgomery. Admitia com toda liberdade
que Miles era o pai.

Elizabeth se uniu às abundantes preces oferecidas para


redimir os pecados da jovem. Em particular, ela amaldiçoou
todos os homens, sentia aversão por homens como seu irmão
Edmund e Miles Montgomery, homens perversos que
acreditavam que as mulheres não possuíam alma, que só se
importavam em maltratar ou violar mulheres, ou as obrigar a
fazerem todo tipo de atos horríveis.

Não teve tempo para seguir pensando, porque John


agarrou uma mecha de seus cabelos e a obrigou a ficar de pé.

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— Seu tempo para rezar terminou. — Ele urrou muito


perto de seu rosto. — Montgomery acampou próximo daqui e
chegou a hora dele dar uma olhada na próxima... — sorriu —
mãe de seu futuro bastardo.

Riu alegremente quando Elizabeth tentou lutar contra


ele, mas quando ela percebeu que ele gostava de ver sua
resistência, deteve-se e lançou um olhar frio.

— Bruxa! — Gritou-lhe violentamente. — Vamos ver se


este diabo do Montgomery pode capturar o anjo que você
parece... ou se tão somente encontrará seu coração que é tão
negro como o dele.

Sorrindo, sua mão torcida em seu cabelo, apoiou uma


pequena adaga contra sua garganta. Quando ela não se
acovardou ao sentir o frio do metal contra sua pele, o sorriso
dele se transformou em uma careta.

— Às vezes os Montgomery cometem o erro de falar com


as mulheres, em lugar de utilizá-las como Deus manda. Espero
que este Montgomery não tenha ideias semelhantes.

Lentamente ele arrastou a ponta da lâmina pela garganta


até o decote quadrado do que restava do vestido de Elizabeth.

Ela conteve o fôlego, seus olhos cravados nos dele e


tentando por todos os meios conter a ira que sentia, sem fazer
movimento algum. Não queria provocá-lo para que usasse a
adaga contra ela.

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John não cortou sua pele, mas a lâmina abriu facilmente


a parte dianteira do vestido e do gibão apertado debaixo do
traje. Quando deixou à vista as curvas cheias de seus seios,
ele olhou de volta para seu rosto.

— Esteve ocultando muitas coisas, Elizabeth. —


Sussurrou.

Ela ficou rígida e afastou o olhar de seu rosto. Era verdade


que se vestia conservadoramente, achatando os seios e
engrossando sua cintura. Seu rosto atraía mais homens do que
ela desejava, mas além de manter o cabelo coberto, nada podia
fazer para esconder seu rosto.

John não estava interessado em seu rosto e se


concentrava em continuar rasgando o resto de seu vestido.
Tinha visto muito poucas mulheres nuas, e a nenhuma da
condição social de Elizabeth Chatworth... nem de sua beleza.

A coluna de Elizabeth estava tão rígida que parecia feita


de aço, e quando as roupas terminaram de cair aos seus pés e
sentiu na pele nua, o quente sol de agosto, soube que a
humilhação que estava passando, era mais dolorosa que
qualquer outra coisa que proporcionaria o futuro.

John emitiu um grosseiro comentário que a fez piscar.

— Maldito Pagnell! — Grunhiu, amaldiçoou e estendeu a


mão para ela.

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Elizabeth deu um passo atrás e tentou manter a


dignidade, enquanto olhava furiosa para John, do qual saía
espuma pela boca.

— Se colocar um dedo em cima de mim, é um homem


morto. — Disse em voz alta. — Se você me matar, Pagnell terá
a sua cabeça... e se você fizer isso e não me matar, eu mesma
cuidarei de que ele descubra tudo. E já esqueceu a ira de meu
irmão? Arriscaria sua vida por se deitar com uma mulher, não
importando quem seja?

John demorou um momento para tranquilizar-se e poder


olhar novamente seu rosto.

— Desejo com toda minha alma que Montgomery lhe


cause infinitos sofrimentos. — Disse com veemência, e girou
para baixar o tapete que estava cruzado sobre a garupa de seu
cavalo. Sem olhar para ela, ele o desenrolou no chão.

— Se deite! — Ordenou, olhando o tapete. — E te advirto


mulher, que se você se atrever a me desobedecer, esquecerei-
me de Pagnell, de Montgomery e da ira de seu irmão.

Obedientemente, Elizabeth deitou-se no tapete e sentiu a


lã áspera contra sua pele e quando John se ajoelhou junto a
ela, conteve o fôlego.

Com rudeza ele a pôs de bruços, cortou as cordas de suas


mãos e, antes que Elizabeth tivesse tempo de pestanejar,
cobriu-a com a ponta do tapete e começou a enrolá-la. Já não

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houve mais pensamentos. Sua única preocupação era o


instinto primitivo de continuar respirando.

Pareceria uma eternidade, o tempo, que ela deveria


permanecer imóvel, a cabeça inclinada, procurando o ar que
entrava pela ponta enrolada do tapete.

Quando por fim sentiu que a movia, que a levantava,


lutou para encontrar ar. Quando sentiu que a colocou sobre a
parte de trás do cavalo, pensou que seus pulmões iriam
estourar.

As palavras abafadas de John vieram através das


camadas de tapete.

— O próximo homem que verá será Miles Montgomery.


Pense nisso enquanto cavalgamos. Ele não vai ser tão gentil
contigo como eu fui.

De certo modo, as palavras fizeram bem a Elizabeth


porque o fato de pensar em Miles Montgomery, em sua
perversidade, fez-lhe concentrar-se no esforço de seguir
respirando. Enquanto o cavalo a sacudia, amaldiçoava a
família Montgomery, a sua casa, aos seus servos, e rezava
pelas inocentes crianças Montgomery que faziam parte deste
clã imoral.

A tenda de Miles Montgomery era espetacular: era de um


verde escuro com bordas douradas, e os leopardos de ouro dos

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Montgomery apareciam pintados ao longo da borda do


estandarte tremulando no teto, havia flâmulas que flutuavam
no vento ao vértice. No interior, as paredes estavam adornadas
com seda de um verde pálido. Havia várias cadeiras dobráveis
com almofadões azuis e brocados de ouro, uma mesa
desmontável, esculpida com os leopardos dos Montgomery e
contra a parede oposta duas camas de armar, uma muito
larga, ambas cobertas com peles de raposa vermelha de pelos
compridos.

Em torno da mesa se encontravam quatro homens, dois


deles com os ricos uniformes de cavaleiros dos Montgomery.
Os dois homens restantes tinham a atenção posta em um
servo.

— Disse que traz um presente para você, meu lorde. —


Disse o cavaleiro ao homem quieto diante dele. — Poderia ser
um truque. Que coisa pode possuir Lorde Pagnell que você
possa desejar?

Miles Montgomery ergueu uma sobrancelha escura e este


simples aceno foi suficiente para que seu homem se calasse.
Algumas vezes, os novos servos a seu serviço consideravam
que sendo seu amo tão jovem, podiam tomar certas liberdades.

— Haverá um homem escondido dentro do tapete? —


Perguntou o homem que estava ao lado de Miles.

O servo esticou o pescoço para olhar Sir Guy.

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— Um muito pequeno, talvez. — Sir Guy olhou para Miles


e ambos assentiram em um mútuo entendimento.

— O faça entrar, e a seu presente. — Disse Sir Guy. — Os


receberemos com as espadas desembainhadas.

O cavaleiro saiu para retornar em poucos segundos, com


sua espada apontada para as costas do homem que carregava
o tapete. Com insolência, sorrindo maliciosamente, John jogou
despreocupadamente o tapete no chão acarpetado e deu um
forte chute, para que se desenrolasse em direção aos pés de
Miles Montgomery.

Quando finalmente o tapete deixou de rolar e parou,


quatro rostos atônitos olhavam fixamente o que tinham diante
deles: uma mulher nua, com os olhos fechados sob longos
cílios espessos, que posavam sobre umas bochechas
delicadamente coloridas, uma cascata maciça de cabelos cor
de mel enrolados em seu corpo, algumas mechas enroladas na
cintura e nos quadris. Seus seios, firmes, formavam curvas
muito delicadas, tinha uma cintura diminuta e um par de
pernas muito longas. Seu rosto era algo que os homens não
esperavam encontrar sobre a terra, a não ser unicamente no
paraíso, delicado, etéreo, algo fora deste mundo.

Sorrindo triunfalmente, John escapuliu para fora da


tenda sem ser notado.

Elizabeth, meio aturdida pela falta de ar, abriu


lentamente os olhos para encontrar-se frente a quatro homens

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que a observavam, com as espadas na mão, mas apontando ao


chão. Obviamente, dois dos homens eram servos e não lhes
deu atenção. O terceiro homem era um gigante de mais de um
metro oitenta, de cabelos grisalhos como o aço e uma cicatriz
que cruzava em diagonal o rosto. Embora o homem sem dúvida
fosse atemorizante, de alguma forma sentiu que ele não era o
líder deste grupo.

Ao lado do gigante havia outro homem vestido


suntuosamente de cetim azul escuro. Elizabeth estava
acostumada a ver homens fortes e bonitos, mas deste emanava
um poder especial, que fez com que ela o olhasse com atenção.

Os olhos dos outros homens estavam fixos no corpo de


Elizabeth, mas este homem se voltou e pela primeira vez ela se
achou frente a frente com Miles Montgomery, e seus olhares se
encontraram.

Era um homem bonito, muito bonito, de olhos cinza


escuro, sob sobrancelhas espessas e arqueadas, nariz fino e
lábios cheios e sensuais.

Perigo! Foi o primeiro pensamento de Elizabeth. Este


homem era perigoso tanto para as mulheres como para os
homens.

Ela interrompeu o contato visual com ele e em questão de


segundos ficou de pé, pegando uma pele de um das camas e
um machado de guerra que se encontrava sobre a mesa.

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— Matarei ao primeiro homem que se aproxime. — Disse,


sustentando o machado com uma mão, enquanto que com a
outra jogava a pele sobre um de seus ombros. O outro ombro
ficou exposto, nu desde cima, descendo por sua cintura, suas
pernas, até os pés descalços.

O gigante deu um passo para ela e Elizabeth levantou o


machado com ambas as mãos no cabo.

— Sei como usar isto. — Advertiu, olhando ao homem


sem o mais leve indício de temor.

Os dois cavaleiros também se aproximaram e ela


retrocedeu, olhando de um e ao outro. Com a parte de trás dos
joelhos tocou o cama e soube que não poderia ir mais longe.
Um dos cavaleiros sorriu e ela a sua vez lançou um grunhido
para ele.

— Nos deixem sozinhos.

As palavras soaram tranquilas e foram pronunciadas em


voz baixa, mas havia nelas uma ordem e todos os homens
fixaram a vista nele.

O homem gigante olhou uma vez mais Elizabeth, fez um


aceno com a cabeça aos outros dois cavaleiros e os três saíram
da tenda.

Elizabeth apertou ainda mais o machado e os nódulos


ficaram brancos, enquanto ela olhava através do espaço em
direção a Miles Montgomery.

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— Vou matar você! — Disse com os dentes apertados. —


Não pense que porque sou uma mulher, não vou gostar de
cortar a um homem em pedaços. Eu adoraria ver o sangue de
um Montgomery derramar-se no chão.

Miles não se moveu de seu lugar junto à mesa, mas


continuou observando-a. Um momento depois, ele levantou a
espada e Elizabeth conteve o fôlego, preparando-se para a
batalha que viria. Muito lentamente, ele pôs sua espada sobre
a mesa, se afastou dela e girou, apresentando seu perfil.
Novamente, com lentidão e cuidado, tirou a adaga encrustada
com joias que levava na cintura e a colocou sobre a mesa junto
à espada.

Voltou-se para ela, sem nenhuma expressão no rosto,


com os olhos vazios, e avançou um passo em direção a ela.

Elizabeth levantou o pesado machado e se manteve firme,


em prontidão. Lutaria até a morte, pois a morte era preferível
ao castigo e à violação que planejava este homem diabólico.

Miles se sentou em uma cadeira de armar, a dois metros


dela, não falou e simplesmente a observava.

Assim! Então, disso se tratava! Ele achava que uma


mulher não era uma oponente digna o suficiente para ele, de
maneira que se despojava de suas armas e se sentava,
enquanto ela sustentava sobre sua cabeça uma arma mortífera.
De um salto, ela se apoiou para frente e elevou o machado para
cortar seu pescoço. Sem nenhum esforço, ele segurou o cabo

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do machado com a mão direita, manteve-o nessa posição com


facilidade e a olhou profundamente nos olhos, durante o longo
tempo, em que estiveram próximos. Por um momento ela ficou
paralisada, hipnotizada por esses olhos.

Ele parecia querer encontrar algo no rosto dela, como se


fizesse perguntas silenciosas sobre ela.

Ela tentou com todas as suas forças que ele soltasse o


machado e quase caiu no chão ao perceber, que Miles não
tinha feito nenhum esforço para retê-la. Sustentou-se com a
mão na beirada da mesa.

— Maldito seja! — Murmurou ela em voz baixa. — Que o


Senhor e todos seus anjos amaldiçoem o dia em que nasceu o
primeiro Montgomery. Tomara que você e todos seus
descendentes ardam no fogo do inferno para sempre.

A voz dela se ergueu quase a um grito, e fora da tenda se


ouviram movimentos.

Miles ainda estava sentado no mesmo lugar, observando-


a em silêncio, e Elizabeth começou a sentir que fervia seu
sangue nas veias. Quando viu que as mãos começaram a
tremer, ela sabia que deveria acalmar-se. Onde estava esse frio
controle que ela praticou ao longo dos anos?

Se este homem podia permanecer tranquilo, ela também


deveria ser capaz de fazê-lo. Prestou atenção e, se suas
hipóteses eram corretas, os sons que chegavam de fora eram
os homens que se afastavam do lugar. Talvez pudesse escapar

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desse homem que tinha diante de si, poderia fugir e retornar à


casa de seu irmão.

Manteve os olhos fixos em Miles e começou a caminhar


para trás, fazendo um rodeio enquanto tratava de aproximar-
se da aba da tenda. Lentamente, ele girou na cadeira e seguiu
olhando-a. Fora ela ouviu o relincho de um cavalo e se
convenceu de que se pudesse sair deste lugar, estaria livre.

Embora seus olhos não se separassem dos de Miles, ela


não o viu se mover. Em um momento ele estava sentado,
tranquilo, relaxado em sua cadeira, e no seguinte,
precisamente quando a mão dela tocava a aba da tenda, ele
estava ao seu lado, sua mão ao redor de seu pulso. Ela trouxe
o machado em linha reta em direção a seu ombro, mas ele
pegou seu outro pulso e assim a manteve em seu lugar.

Ela ficou quieta, aprisionada levemente, sem ser


machucada, e o olhou. Ele estava tão perto que Elizabeth podia
sentir sua respiração em sua testa. Quando ele a olhou parecia
estar esperando por algo e logo pôs uma expressão de
perplexidade.

Com os olhos tão duros como esmeraldas fixou a vista


nele.

— E o que se supõe que vai acontecer agora? —


Perguntou ela, sua voz carregada de ódio. — Primeiro vai me
golpear ou violar? Ou talvez você goste de ambas as coisas ao
mesmo tempo. Sou virgem e me contaram que a primeira vez

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dói. Certamente minha dor lhe provocará um prazer muito


maior.

Por um segundo, os olhos dele se arregalaram, atônitos,


e foi à primeira expressão não calculada que Elizabeth via em
seu rosto. Os olhos cinza dele se cravaram tão fixamente nos
dela que teve que desviar o olhar.

— Posso suportar o que pretende, — disse ela


tranquilamente — e se o que deseja é ver-me suplicar, não o
obterá. Nisso você falhará.

Sua mão liberou o pulso que sustentava a aba da tenda


e tomando-lhe brandamente seu queixo a fez voltar-se para ele.

Ela ficou rígida com este contato, sentindo ódio por essas
mãos que a tocavam.

— Quem é você? — sussurrou ele brandamente.

Ela endireitou ainda mais sua coluna vertebral e o ódio


brilhou em seus olhos.

— Sou sua inimiga. Sou Elizabeth Chatworth.

Uma sombra passou pelo rosto dele para desaparecer


imediatamente. Depois de um longo momento, retirou a mão
de sua bochecha e depois de dar um passo atrás, soltou-lhe o
pulso.

— Pode ficar com o machado se ele faz você se sentir mais


segura, mas não posso deixá-la partir.

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Como se ela já não interessasse, deu-lhe as costas e


caminhou para o centro da tenda.

Em menos de um segundo, Elizabeth saiu da tenda e com


a mesma rapidez, Miles se encontrou ao seu lado, segurando-
a novamente pelos pulsos.

— Não posso deixá-la partir. — Repetiu, desta vez com


mais firmeza. Os olhos dele passearam por suas pernas nuas
e voltaram a fixarem-se nos dela. — De toda forma, não está
vestida para fugir. Entre e enviarei meu servo para comprar
algumas roupas.

Ela sacudiu a mão para liberar-se dele. O sol estava se


pondo e no crepúsculo ele parecia ainda mais escuro.

— Não quero nenhuma roupa de você. Não quero nada de


nenhum Montgomery. Meu irmão...

Conteve-se ao ver seu rosto.

— Não mencione em minha presença o nome de seu


irmão. Ele assassinou a minha irmã.

Miles voltou a recuperar seu pulso e deu um ligeiro


puxão.

— Agora devo insistir que entre na tenda. Meus homens


retornarão logo e não acredito que devam vê-la vestida assim.

Ela não se deixou arrastar.

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— E o que importa? Não é um costume entre homens


como você, que dividam com seus cavaleiros as mulheres
cativas quando terminaram com elas?

Ela não tinha certeza, mas pensou que viu apenas um


lampejo de um sorriso nos lábios de Miles.

— Elizabeth, — começou ele, e logo se deteve — entre


comigo e falaremos dentro da tenda. — Ele voltou-se para as
escuras árvores perto deles — Guy! — gritou, fazendo que
Elizabeth desse um salto.

Imediatamente, o gigante entrou na clareira. Depois de


um rápido olhar a Elizabeth, voltou-se para olhar Miles.

— Mande alguém à aldeia e que traga algumas roupas


adequadas de mulher. Gaste o que precisar.

A voz que usou Miles para falar com seu homem era
muito distinta da que usou com ela.

— Mande-me com ele. — Disse Elizabeth rapidamente. —


Falarei com meu irmão e ele ficará tão grato por você ter me
libertado sem sofrer dano, que finalmente terminará com esta
inimizade entre os Chatworth e os Montgomery.

Miles se voltou para ela e desta vez seus olhos eram


duros.

— Não suplique Elizabeth.

Sem pensar duas vezes e com um grito em um ataque de


fúria, ela novamente levantou o machado e apontou para sua

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cabeça. Com facilidade, em um movimento aparentemente


praticado, tirou a arma de suas mãos, jogou-a longe e tomou-
a energicamente em seus braços.

Ela não tinha intenções de lhe dar o prazer de lutar contra


ele e, em vez disso, ficou rígida e sentiu um profundo
desagrado com sensação das roupas dele contra sua pele.

Ele a levou para dentro da tenda e muito brandamente a


depositou sobre uma das camas de armar.

— Por que se preocupa em conseguir roupas para mim?


— Sibilou ela. — Talvez devesse me possuir no meio do campo,
igual fazem os animais como você.

Ele se afastou alguns passos, de costas para ela, e serviu


duas taças de vinho de uma jarra de prata que se encontrava
sobre a mesa.

— Elizabeth, — disse ele — se continuar me pedindo para


fazer amor com você, acabarei por sucumbir às suas tentações.
— Ele se virou, caminhou em direção a ela e se sentou em uma
cadeira a curta distância da jovem. — Você teve um dia longo
e deve estar cansada e faminta. — Estendeu-lhe uma taça
cheia de vinho.

Elizabeth fez voar a taça com um tapa e o vinho


derramou, manchando um dos luxuosos tapetes que
adornavam o chão da tenda. Miles olhou a mancha sem
mostrar preocupação e bebeu de sua taça

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— E agora, Elizabeth, o que devo fazer com você?

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Capítulo Dois
Elizabeth se sentou na cama com as pernas bem
cobertas, só se via a cabeça e um ombro nu, e se negava a
olhar Miles Montgomery. Não pensava rebaixar-se e tratar de
fazê-lo raciocinar, já que aparentemente, considerava as ideias
dela como súplicas.

Depois de um momento de silêncio. Miles ficou de pé e


saiu da tenda, mantendo a aba aberta com uma de suas mãos.
Ela o ouviu ordenar que trouxessem um balde de água quente.

Elizabeth não fez nada durante sua ausência


momentânea, mas pensou que em algum momento ele teria
que dormir e então aproveitaria a oportunidade para escapar.
Talvez fosse melhor esperar ter algumas roupas apropriadas.

Miles não permitiu ao servo entrar na tenda, mas sim, ele


mesmo carregou o balde para depositá-lo junto à cama de
armar.

— A água é para você, Elizabeth. Pensei que


possivelmente queira se lavar um pouco.

Ela ficou com os braços cruzados sobre o peito e a cabeça


virada, olhando para o outro lado.

— Não quero nada de você.

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— Elizabeth, — respondeu ele com uma nota de irritação


na voz, sentou-se ao seu lado e tomou as mãos dela entre as
suas, esperou pacientemente até que ela voltasse seu olhar
furioso para ele — não vou machucá-la! — Disse brandamente.
— Jamais castiguei uma mulher em minha vida e não penso
fazê-lo agora. Não posso permitir que você monte um cavalo
vestindo praticamente nada e cavalgue pelo campo. Em menos
de uma hora cairia em mãos das hordas de assaltantes de
estradas.

— Devo considerar que você é melhor do que eles? — As


mãos dela apertaram as dele por um momento, e seus olhos se
suavizaram. — Devolver-me-á ao meu irmão?

Os olhos de Miles se cravaram nos dela com uma


intensidade quase assustadora.

— Eu... vou considerá-lo.

Ela soltou suas mãos das dele bruscamente e desviou o


olhar.

— O que se podia esperar de um Montgomery? Se afaste


de mim!

Miles ficou de pé.

— A água está esfriando.

Ela levantou os olhos para ele com um ligeiro sorriso.

— Por que teria que me lavar? Para você? Você gosta que
suas mulheres estejam limpas e cheirem bem? Se for assim,

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

não penso em me lavar! Vou estar tão suja que parecerei uma
escrava Núbia e meu cabelo se encherá de piolhos e outros
insetos que infestarão suas roupas bonitas.

Antes de falar, Miles a olhou por um momento.

— A tenda está rodeada de homens e eu estarei fora. Se


tentar sair, será devolvida imediatamente para mim. — Com
estas palavras, deixou-a sozinha.

Como Miles supunha, Sir Guy estava esperando lá fora.


Miles fez um aceno com a cabeça e o gigante o seguiu para a
linha das árvores.

— Mandei dois homens em busca de roupa para ela. —


Explicou Sir Guy.

Quando o pai de Miles morreu, ele tinha nove anos, e o


desejo do moribundo tinha sido que Sir Guy cuidasse do rapaz,
que às vezes parecia um estranho entre sua própria família.
Miles falava muito mais com Sir Guy, do que com qualquer um
de seus homens.

— Quem é ela? — Inquiriu Sir Guy, apoiado em um


imenso e velho carvalho.

— Elizabeth Chatworth.

Sir Guy fez um aceno. A luz da lua desenhava estranhas


e misteriosas sombras na cicatriz de seu rosto.

— Isso eu tinha pensado. Lorde Pagnell tem um senso de


humor, que o faz muito capaz de entregar uma Chatworth a

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um Montgomery. — Fez uma pausa, jogando um prolongado


olhar a Miles. — A devolveremos a seu irmão pela manhã?

Miles se afastou alguns passos de seu homem.

— O que sabe de seu irmão, Edmund Chatworth?

Sir Guy cuspiu depreciativamente antes de responder.

— Comparado com Chatworth, Pagnell é um santo.


Chatworth gostava de torturar mulheres. Estava acostumado
a amarrá-las e estuprá-las. Na noite em que foi assassinado, e
bendito seja o autor de sua morte, uma jovem mulher cortou
seus pulsos em seu quarto.

Sir Guy observou como Miles apertava e soltava os


punhos, e lamentou ter pronunciado essas palavras. Mais que
qualquer outra coisa no mundo, Miles amava as mulheres.
Centenas de vezes, Sir Guy teve que afastar Miles de homens
que faltaram com o respeito a alguma mulher. Ainda menino
estava acostumado a atacar a homens adultos, e quando seu
temperamento era despertado, Guy não podia fazer nada para
refreá-lo. No ano anterior, Guy não pode evitar que Miles
matasse a um homem que esbofeteou a sua esposa, uma
mulher de língua muito afiada. O rei quase se recusou a
perdoar Miles por esta ação.

— Seu irmão Roger não é como Edmund. — Disse Sir


Guy.

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

Miles se voltou para ele subitamente, com um olhar


negro.

— Roger Chatworth violou minha irmã e foi o causador


de seu suicídio! Já esqueceu isso?

Guy sabia que a melhor maneira de lidar com o


temperamento de Miles, era guardar silêncio sobre a questão
que o enfureceu.

— O que pensa em fazer com a moça?

Miles se voltou, acariciando o tronco de uma árvore.

— Sabe que ela odeia o nome Montgomery? Nós não


tivemos nada a ver com todas essas coisas que aconteceram
entre os Chatworth e os Montgomery e, entretanto, nos odeia.
— Olhou de frente para Sir Guy. — E parece odiar a mim em
particular. Quando a toco, posso perceber que sente asco.
Limpa onde a toquei com um pano, como se pudesse infectá-
la.

Assim que Sir Guy fechou a boca aberta, quase lançou


uma gargalhada. Será que isso era possível? As mulheres
amavam Miles mais do que ele as amava. Quando era menino
passou muito tempo rodeado de meninas, sendo esta, uma das
razões pelo que o colocaram aos cuidados de Sir Guy... Para se
assegurar que cresceria e se transformaria em um homem.
Mas Guy soube desde o começo que não havia dúvida a
respeito da masculinidade do jovem Miles.

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

Simplesmente ele gostava das mulheres. Era um capricho


dele, como o amor que sentia por um bom cavalo ou uma
espada bem afiada. Às vezes, o tratamento absurdamente
gentil de Miles para com as mulheres terminava sendo um
aborrecimento, quando, por exemplo, proibia categoricamente
que depois de uma batalha se cometessem violações, mas em
términos gerais, Sir Guy aprendeu a conviver com os hábitos
do rapaz... embora ele mesmo, fosse muito diferente.

Mas Sir Guy jamais, jamais soube de uma mulher que


não estivesse disposta a dar sua vida por ele. Jovens, velhas,
de meia idade, inclusive as garotinhas de muito pouca idade
gostavam muito dele. E Elizabeth Chatworth se limpava
quando ele a tocava!

Sir Guy tentou colocar essa informação em perspectiva.


Talvez fosse como perder sua primeira batalha. Aproximou-se
e colocou sua grande mão no ombro de Miles.

— Todos perdemos de vez em quando. Não vai ser menos


homem por isso. Possivelmente a jovem odeia a todos os
homens. Com esse irmão como exemplo...

Miles levantou a mão.

— Machucaram-na! Machucaram-na muito! Não só seu


corpo, que está coberto de machucados e arranhões, ela
mesma construiu um muro de fúria e ódio ao seu redor.

Sir Guy sentiu que o rapaz estava parado na borda de um


profundo abismo.

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— Esta moça é uma dama de linhagem. — Disse


brandamente. — Não pode mantê-la prisioneira. O rei já fez
proscrito ao seu irmão. Não deveria provocá-lo. Deve devolver
Lady Elizabeth a seu irmão.

— Devolvê-la a um lugar onde se tortura as mulheres? Ali


foi onde aprendeu a odiar. E se a deixar partir agora, o que vai
pensar dos Montgomery? Poderá chegar a perceber que não
somos tão malvados como seu irmão?

— Não pretende ficar com ela! — Sir Guy estava


alarmado.

Miles parecia considerar esse ponto.

— Passarão dias antes que alguém se inteire de onde está.


Talvez nesse tempo eu possa lhe mostrar...

— E o que vai acontecer com seus irmãos? — Replicou Sir


Guy — Estão-lhe esperando no castelo. Gavin não demorará
em descobrir que tem Elizabeth Chatworth prisioneira. — Fez
uma pausa, baixando a voz. — A moça só poderá falar bem dos
Montgomery se a devolver sã e salva.

Os olhos de Miles resplandeceram.

— Acredito que Elizabeth diria que teve que usar um


machado para me obrigar a devolvê-la. — Sorriu levemente. —
Já tomei minha decisão. A manterei comigo por um curto
período de tempo, o suficiente para demonstrar que um
Montgomery não se parece em nada com seu irmão morto.

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

Bem! Agora tenho que voltar e — sorriu mais amplamente —


fazer com que minha pequena e suja prisioneira se banhe. Oh,
vamos, Guy, não ponha essa cara. Só serão uns poucos dias.

Sir Guy ficou calado e seguiu seu jovem amo de volta ao


acampamento, mas se perguntava se Elizabeth Chatworth
poderia ser conquistada em um prazo tão curto de tempo.

No momento em que Elizabeth teve certeza que Miles


saiu, correu para o outro lado da tenda e quando levantou o
pesado tecido, viu um par de pernas de homem. Esquadrinhou
o perímetro completo e verificou que quase não havia espaço
livre entre os pés dos homens, como se estes estivessem de
mãos dadas para proteger-se mutuamente de uma pequena
mulher.

Estava coçando seu couro cabeludo sujo, quando Miles


retornou carregando dois baldes de água fervendo.
Imediatamente ficou rígida e cruzou os braços sobre o peito.

Ela nem sequer o olhou quando ele se sentou ao seu lado


na cama.

Só se dignou a lhe dirigir o olhar quando ele começou a


lavar sua mão com um tecido suave e ensaboado. Depois do
primeiro momento de surpresa, afastou-se bruscamente dele.

Ele pegou seu queixo na mão e começou a lavar seu rosto.

— Vai se sentir muito melhor quando estiver limpa. — Ele


disse suavemente.

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Ela bloqueou a mão dele.

— Eu não gosto que me toquem. Afaste-se de mim!

Com muita paciência ele voltou a tomar seu queixo e


continuou lavando-a.

— É uma mulher bonita, Elizabeth, e deveria se sentir


orgulhosa de sua aparência.

Elizabeth o olhou e decidiu, que se até então não sentiu


ódio por ele, senti-lo-ia imediatamente. Obviamente, o homem
estava acostumado que as mulheres caíssem rendidas aos
seus pés. Ele pensava que apenas em tocar a bochecha de uma
mulher, esta arderia de desejo por ele. Era muito bonito,
certamente, e tinha uma voz doce, mas havia outros homens
muito mais atrativos e além do mais, com plena experiência e
vários desses homens tentaram seduzir Elizabeth sem
nenhum êxito.

Ela o olhou fixamente nos olhos e deixou que os seus se


abrandassem, e quando viu um muito leve indício de satisfação
no rosto dele, sorriu... e lhe cravou os dentes na mão.

Miles ficou tão atônito que levou um momento para


reagir. Segurou-a pela mandíbula e enterrou seus dedos nos
músculos de sua face, obrigando-a a abrir a boca. Ainda muito
surpreso, flexionou a mão e estudou as profundas marcas dos
dentes em sua pele. Quando olhou novamente Elizabeth, leu o
triunfo em seus olhos.

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Acha que sou uma estúpida? — Perguntou ela. — Acha


que não conheço este tipo de jogo? Espera domar a tigresa, e
quando me tiver comendo em sua mão, me devolverá ao meu
irmão, sem dúvida carregando outro de seus bastardos. Seria
uma grande vitória para você, como Montgomery e como
homem.

Ele lhe sustentou o olhar por um momento.

— É uma mulher inteligente, Elizabeth. Gostaria de


provar que os homens são capazes de outras coisas, além de
selvageria.

— E como vai fazer isso? Mantendo-me prisioneira?


Obrigando-me a suportar que me toque? Já demonstrei que
não tremo de desejo quando está por perto. Não pode admitir
a derrota? Pagnell gosta de estupro e violência. O que o atrai?
A caçada? E uma vez que consegue a mulher, deixa-a de lado
como a um artigo usado?

Ela podia ver que tinha feito perguntas às quais ele não
podia responder, e incomodava-o o fato que as mulheres
sucumbissem ante ele com tanta facilidade?

— Não pode um homem, apenas uma vez, fazer algo


decente? Envie-me para meu irmão!

— Não! — Gritou-lhe Miles em pleno rosto, então seus


olhos se arregalaram. Nunca uma mulher o deixou irritado
antes. — Vire-se, Elizabeth. Vou lavar seus cabelos.

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

Ela o olhou calculadamente.

— E se recusar, você vai me castigar?

— Estou pensando nisso. — Tomou-a pelo ombro e a fez


girar sobre si mesmo, para finalmente sentá-la na cama, de tal
maneira, que o cabelo dela pendurasse para trás.

Elizabeth ficou quieta enquanto ele ensaboava e


enxaguava seus cabelos, e se perguntou se não o pressionou
muito. Mas sua forma de atuar a enfurecia. Era tão tranquilo,
mostrava-se tão seguro de si mesmo, que ela desejava
encontrar seu tendão de Aquiles. Já observou que ele
simplesmente tinha que insinuar uma ordem para seus
homens e eles obedeciam imediatamente. As mulheres
também se rendiam com tanta facilidade?

Possivelmente não estava fazendo o correto quando


procurava irritá-lo. Talvez ele a deixasse livre se fingisse que se
apaixonava perdidamente por ele.

Se chorasse desconsoladamente em seu ombro, ele


poderia chegar a fazer o que lhe pedia, mas além do fato
repugnante de ter que tocá-lo voluntariamente, negava-se a
implorar qualquer coisa a um homem.

Miles penteou seu cabelo molhado com um delicado pente


de marfim e quando terminou, saiu da tenda, para retornar
poucos momentos depois com um encantador vestido
vermelho, mesclado de seda e lã. Também havia roupa interior
de um fino material.

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Pode terminar de se banhar ou não fazê-lo, como


quiser, — disse ele — mas sugiro que se vista. — Depois de
dizer isto, deixou-a sozinha.

Elizabeth se banhou apressadamente, fazendo gestos de


dor quando tocava um machucado, mas sem dar muita
importância. Estava contente de ter uma roupa, porque assim,
se sentiria mais livre para pôr em prática seus planos de fuga.

Miles retornou com uma bandeja cheia de comida e


acendeu algumas velas para iluminar a tenda obscurecida.

— Eu trouxe um pouco de tudo porque não tenho ideia


do que você gosta.

Ela não se incomodou em responder.

— Você gosta do vestido? — Ele estava observando-a de


perto, mas ela desviou o olhar.

O vestido era caro e estava adornado com bordados feitos


com fios dourados. Muitas mulheres estariam encantadas com
ele, mas aparentemente Elizabeth não se preocupava se usava
sedas ou tecidos ásperos.

— O jantar vai esfriar. Venha aqui e coma na mesa


comigo.

Ela o olhou.

— Não tenho a mínima intenção de comer de sua mesa.

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

Miles começou a falar, mas trocou de ideia e permaneceu


calado.

— Quando estiver suficientemente faminta, a comida


estará aqui.

Elizabeth se sentou na cama de armar, as pernas


esticadas diante dela, os braços cruzados e concentrada no
candelabro alto e ornamentado à sua frente. Amanhã
encontraria uma maneira de escapar.

Ignorou os agradáveis aromas da comida que Miles estava


comendo, recostou-se e fez um esforço para relaxar. Amanhã
necessitaria de todas suas forças. A longa odisseia dessa
jornada fez com que seu corpo exausto, caísse em um sono
profundo imediatamente.

Elizabeth despertou no meio da noite e instantaneamente


ficou tensa, sentindo uma ambígua sensação de perigo que sua
mente sonolenta não podia captar com total lucidez. Em
poucos minutos seus pensamentos ficaram claros e muito
lentamente girou a cabeça para olhar a Miles, que dormia em
sua cama de armar do outro lado da tenda.

Ainda menina, vivendo em uma casa onde os horrores


eram ininterruptos, aprendeu a arte de mover-se sem fazer
ruído. Cautelosamente, sem permitir que o ruidoso vestido
produzisse algum som, caminhou nas pontas dos pés para a
parte de trás da tenda. Sem dúvida estaria rodeada de

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

guardas, mas os da parte de atrás, certamente, estariam


menos alerta.

Levou vários minutos levantar a parte de trás da tenda, o


suficiente para rastejar por baixo. Apertou tudo o que pôde do
corpo contra o chão e começou a rastejar muito lentamente,
centímetro a centímetro, com muito cuidado. Um guarda
passou por ela, no entanto conseguiu ocultar-se depois de
alguns arbustos e passar despercebida. Quando o guarda ficou
de costas para ela, correu para o bosque, procurando e
aproveitando os lugares mais sombrios. Só com seus muitos
anos de prática, esquivando-se de seu irmão Edmund e de
seus "amigos", podia escapulir tão silenciosamente. Roger
estava acostumado a rir de sua habilidade e lhe disse que
podia chegar a ser uma boa espiã.

Quando penetrou no bosque, permitiu-se respirar fundo


e teve que fazer uso de toda sua força de vontade, para acalmar
o agitado pulsar de seu coração. Os bosques durante a noite
fechada, não eram nada novo para ela e começou a caminhar
com ritmo rápido e enérgico. Era surpreendente o pouco ruído
que fazia.

Quando o sol saiu, Elizabeth andou por cerca de duas


horas, e seus passos começaram a ficar mais lentos. Não
comeu nada em mais de vinte e quatro horas e se sentia um
tanto debilitada. Enquanto seus pés seguiam se movendo, a
saia se rasgava pelos arbustos e tinha raminhos presos nos
cabelos.

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

Depois de mais outra hora, já estava tremendo. Sentou-


se em um tronco caído e tentou acalmar-se. Era compreensível
que não ficassem muitas forças, já que a combinação da falta
de alimentos e a aventura do dia anterior a consumiu quase
por completo. A ideia de descansar fez com que sentisse os
olhos pesados, e soube que se não repousasse agora, jamais
seria capaz de continuar.

Exausta se recostou no chão do bosque e ignorou a


multidão de insetos rasteiros que pululavam por debaixo do
tronco, não era a primeira vez que passava uma noite no
bosque. Fez um débil intento de cobrir-se com folhas, mas na
metade da tarefa caiu adormecida.

Despertou com uma aguda espetada nas costelas. Um


homem corpulento e grande, vestido em pouco mais que
farrapos, gesticulava, olhando-a, e ela notou que faltava um de
seus dentes. Outros dois homens, imundos, acompanhavam-
no.

— Disse-te que não estava morta. — Disse o homem gordo


enquanto agarrava Elizabeth por um braço e a fazia ficar de
pé.

— Bonita dama. — Disse outro dos homens, pondo uma


mão no ombro de Elizabeth. Ela foi para um lado, mas a mão
seguiu no mesmo lugar, o vestido se rasgou, deixando um
ombro nu.

— Eu primeiro! — Ofegou o terceiro homem.

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Uma verdadeira dama. — Disse o corpulento homem,


sua mão sobre o ombro nu dela.

— Sou Elizabeth Chatworth e se chegarem a me fazer mal,


o conde de Bayham pedirá suas cabeças.

— Foi um conde que me expulsou de minhas terras. —


Apontou um dos homens — Minha mulher e minha filha
morreram pelo frio do inverno. Congelaram. — Sua expressão
ao olhar Elizabeth era sinistra. Ela teria recuado, mas o tronco
que estava atrás a impedia.

O homem corpulento a agarrou pela garganta.

— Eu gosto que minhas mulheres supliquem.

— Quase todos os homens gostam. — Respondeu ela


friamente, fazendo com que o homem piscasse para ela.

— Esta é das minhas, Bill. — Disse outro deles. — Deixe-


me tê-la primeiro.

De repente a expressão do homem mudou. Lançou um


estranho grasnido e caiu pesadamente para frente, aos pés de
Elizabeth.

Ela habilmente se esquivou do corpo que caía e apenas


deu uma olhada à flecha que aparecia cravada em suas costas.
Enquanto os outros dois homens se agachavam sobre seu
companheiro morto, Elizabeth levantou as saias e saltou por
cima do tronco.

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

Da espessura da floresta surgiu Miles. Apanhou o braço


de Elizabeth e a expressão em seu rosto fez com que o coração
dela se detivesse. Estava contraído pela fúria, seus lábios não
eram mais que uma linha apertada, os olhos pareciam negros
e as sobrancelhas muito unidas, respirava agitadamente.

— Permaneça aqui! — Ordenou-lhe.

Por um momento ela obedeceu, e ao permanecer quieta


viu por que Miles Montgomery ganhou as esporas no campo de
batalha antes de cumprir dezoito anos. Os homens que ele
enfrentava não estavam desarmados. Um deles fazia girar uma
maça com pontas, sustentada por uma corrente e com muita
destreza a lançou contra a cabeça de Miles. Este a esquivou e
atacou com sua espada ao outro homem.

No lapso de poucos segundos ele destroçou a ambos os


homens, enquanto ela tentava controlar seu pulso que estava
acelerado. Não parecia possível que este assassino pudesse
lavar seu cabelo sem criar um único nó.

Elizabeth não perdeu tempo em contemplar as


complexidades de seu inimigo, mas sim, se lançou a toda
carreira para fora do campo de batalha. Ela sabia que não
podia avançar mais rápido que Miles, mas pensou que talvez
pudesse enganá-lo.

Quando encontrou um galho baixo pendurando, subiu


por ele e tentou se mover mais para cima.

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

Quase imediatamente apareceu Miles justo abaixo dela.


Havia sangre em seu gibão de veludo, sangre em sua espada
desembainhada. Como um urso acossado, movia a cabeça de
um lado a outro, logo ficou quieto e aguçou os ouvidos.

Elizabeth conteve o fôlego e não emitiu som algum.

Depois de um momento, Miles repentinamente olhou


para cima e gritou.

— Desça agora mesmo, Elizabeth. — Disse com uma voz


mortífera.

Uma vez, quando ela tinha treze anos, algo muito


parecido ocorreu.

Então ela saltou da árvore, diretamente sobre o odioso


homem que a perseguia, tinha-lhe feito perder os sentidos e
antes que ele pudesse recuperar-se, tinha escapado. Sem
mais, jogou-se sobre Miles.

Mas Miles não caiu. Em vez disso, ele permaneceu firme,


suportou seu peso sem escorregar e a apertou fortemente
contra ele.

— Esses homens podiam ter te matado. — Explicou ele,


aparentemente inconsciente de sua tentativa para derrubá-lo.
— Como conseguiu passar entre meus guardas?

— Liberte-me! — Exigiu ela, lutando contra ele, mas sem


conseguir soltar-se.

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Por que me desobedeceu quando eu disse para você


esperar por mim?

Aquela pergunta estúpida fez que deixasse de lutar.

— Deveria ter obedecido a esses rufiões se tivessem me


ordenado esperar? Que diferença há entre eles e você?

Os olhos dele mostraram sua irritação.

— Maldita seja, Elizabeth. Quer dizer com isso que pareço


com essa escória? Que lhe tenho feito algum dano?

— Então você a encontrou. — Disse Sir Guy com um tom


divertido. — Sou Sir Guy Linacre, milady.

Elizabeth, com as mãos apertadas contra os ombros de


Miles, lutando por soltar-se, fez-lhe um aceno com a cabeça.

— Já terminou de me maltratar? — Perguntou ela a Miles


com rudeza.

Ele a soltou tão rapidamente que ela esteve perto de cair.


O brusco intercâmbio de movimentos foi muito para o
estômago vazio de Elizabeth. Imediatamente, colocou a mão na
testa e quando tudo a seu redor pareceu escurecer, tentou
encontrar algo que ajudasse a sustentar-se em pé.

Foi Sir Guy quem a tomou em seus braços evitando que


caísse ao chão.

— Não me toque. — Sussurrou ela, dentro de uma


espessa névoa.

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

Quando Miles a tirou dos braços de Sir Guy, disse:

— Pelo menos não é somente por minha pessoa que ela


sente repulsão.

Quando Elizabeth abriu os olhos. Miles a estava olhando


com desgosto.

— Quando comeu pela última vez?

— Não há tempo o bastante para me sentir disposta a te


dar boas-vindas. — Respondeu ela mordazmente.

Miles riu ao escutar isto, não com um de seus pequenos


sorrisos, a não ser com uma gargalhada baixa e profunda, e
antes que Elizabeth tivesse tempo de reagir, inclinou a cabeça
e a beijou nos lábios profundamente.

— É absolutamente única, Elizabeth.

Ela limpou a boca com a palma da mão com tanto ardor


que parecia querer arrancar pele.

— Me desça! Sou perfeitamente capaz de caminhar.

— E permitir que trate de escapar outra vez? Não,


acredito que de agora em diante vou mantê-la acorrentada a
mim.

Miles colocou Elizabeth diante dele em seu cavalo e


juntos cavalgaram de retorno ao acampamento.

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

Capítulo Três
Ela estava surpresa ao ver que as tendas tinham sido
desmontadas e que as mulas estavam carregadas, prontas
para partir. Elizabeth queria perguntar para onde a levavam,
mas em vez disso, se manteve rígida sobre a sela, tocando a
Miles o mínimo possível e se recusando a falar.

Ele se afastou dos homens que aguardavam, para dirigir-


se ao bosque, com Sir Guy logo atrás deles. No bosque havia
uma mesa posta, carregada com vários pratos fumegantes. Um
pequeno e velho homem trabalhava em excesso arrumando
tudo, mas se interrompeu quando Miles com um aceno indicou
que se retirasse.

Desmontando, Miles levantou os braços para baixar


Elizabeth, mas ela o ignorou e deslizou para o chão sem ajuda.
Fez isto lentamente, para que não se repetisse a ridícula cena
em que quase desmaiou.

— Meu cozinheiro nos preparou uma boa comida. —


Explicou Miles enquanto tomava sua mão e a guiava para a
mesa.

Ela sacudiu a mão diante seu toque e olhou a comida.


Pequenas codornas assadas descansavam sobre uma capa de
arroz, rodeadas por um molho cremoso.

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

Uma bandeja continha ostras cruas. Havia ovos duros


cortados em rodelas banhados em molho de açafrão, presunto
defumado, ovas de peixe sobre pão torrado, linguado enfeitado
com cebolas e nozes, peras assadas, tortas de nata e uma torta
repleta de amoras.

Depois de um olhar de surpresa, Elizabeth se virou.

— Está acostumado a viajar bem.

Miles a pegou pelo braço e quando a fez caminhar,


novamente Elizabeth sentiu vertigem, por isso teve que
sustentar-se a uma cadeira de armar que estava próxima a ela.

— A comida é para você. — Disse ele, ajudando-a a se


sentar. — Não vou permitir que morra de fome.

— E o que você vai fazer? — Inquiriu ela brandamente. —


Colocar carvão quente na planta dos meus pés? Talvez tenha
seus próprios métodos para obrigar às mulheres a fazerem o
que deseja.

Uma sombra cruzou o rosto de Miles, e este franziu o


cenho. Agarrou seus braços e a pôs de pé frente a ele.

— Sim, tenho minhas próprias formas de castigo.

Elizabeth nunca tinha visto aquele olhar nele, com os


olhos naquele tom de cinza, parecendo que pequenos fogos
azuis queimavam atrás do cinza. Curvando-se, ele colocou os
lábios em seu pescoço, ignorando-a quando ela enrijeceu e
tentou se afastar dele.

LRTHistóricos 50
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Têm alguma ideia de como é desejável, Elizabeth? —


Murmurou contra o pescoço dela. Seus lábios mordiscaram
subindo, logo roçando a pele, apenas o suficiente para que ela
sentisse seu calor, enquanto que sua mão direita acariciava o
ombro nu que ficou exposto pelo vestido rasgado.

Seus dedos foram deslizando lentamente até que


começou a acariciar a parte superior dos seios, enquanto que
com os dentes mordia brandamente o lóbulo da orelha.

— Eu gostaria de fazer amor com você, Elizabeth. —


Sussurrou ele, em voz tão baixa, que ela quase sentiu as
palavras em lugar de ouvi-las. — Eu gostaria de descongelar
essa fria capa exterior. Gostaria de tocar e acariciar cada
centímetro de seu corpo, olhar para você e ver que me olha com
o mesmo desejo que sinto por você.

Elizabeth ficou muito quieta enquanto Miles a tocava, e


como de costume não sentia nada. Em realidade não provocava
repulsão, porque sua respiração sobre ela era agradável e não
estava fazendo nenhum dano, mas não sentiu nenhum desses
comichões especiais, nem a aceleração do sangue que tanto
falavam as moças no convento.

— Se juro comer, vai parar com isso? — Perguntou-lhe


friamente.

Miles se afastou dela e estudou seu rosto durante um


momento, enquanto Elizabeth se preparava para a
desagradável cena que certamente viria.

LRTHistóricos 51
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Todos os homens, quando caíam na conta de que ela era


indiferente às suas tentativas amorosas, respondiam dizendo
coisas muito desagradáveis.

Miles sorriu lentamente, acariciou-lhe a bochecha outra


vez e ofereceu seu braço para acompanhá-la até a mesa.
Ignorando-o, ela se aproximou da mesa sozinha, tratando de
que Miles não notasse seu estado de confusão.

Ele mesmo lhe serviu a comida, escolhendo as melhores


partes de cada coisa e pondo-os em uma bela bandeja de prata,
e sorriu novamente quando ela provou o primeiro bocado.

— Certamente, agora, está se felicitando por ter evitado


que eu morresse de fome. — Comentou. — Meu irmão vai
agradecer por me devolver a ele em boas condições.

— Não tenho intenção de te devolver ainda. — Disse Miles


calmamente.

Elizabeth não permitiu que ele notasse quanto a alterava


seu comentário, e continuou comendo.

— Roger pagará qualquer soma por meu resgate, não


importa quanto você peça.

— Não aceitarei nenhum dinheiro do assassino de minha


irmã! — Respondeu Miles com voz rouca.

Ela deixou no prato a coxa de codorna que estava


comendo.

LRTHistóricos 52
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Já fez antes o mesmo comentário. Não sei nada de sua


irmã!

Miles a olhou e seus olhos ficaram da cor do aço.

— Roger Chatworth tentou conquistar a mulher que ia


desposar meu irmão Stephen e quando Stephen lutou por sua
prometida, seu irmão o atacou pelas costas.

— Não! — Soprou Elizabeth, ficando de pé.

— Stephen ganhou o combate, mas se negou a matar


Chatworth, e como vingança, Roger sequestrou minha irmã e,
mais tarde, a esposa de Stephen. Violou a minha irmã, e ela,
horrorizada, jogou-se de uma janela.

— Não! Não! Não! — Gritou Elizabeth, tampando os


ouvidos com as mãos.

Miles também ficou de pé e segurou suas mãos.

— Seu irmão Brian amava a minha irmã e quando ela se


suicidou, libertou a minha cunhada e nos devolveu o corpo de
minha irmã.

— Mentiroso! É um malvado! Solte-me!

Miles a atraiu para mais perto, abraçando-a com


suavidade.

— Não é agradável inteirar-se de que alguém a quem


amamos é capaz de fazer algo errado.

LRTHistóricos 53
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Elizabeth tinha muita experiência em escapar dos


homens, e Miles nunca antes enfrentou mulheres que
desejassem que ele as soltasse. Rapidamente, Elizabeth deu
uma joelhada entre suas pernas e instantaneamente ele a
soltou.

— Maldita seja, Elizabeth! — Ofegou ele, apoiando-se na


mesa, dobrado pela dor.

— Maldito seja, Montgomery! — Replicou-lhe ela


enquanto agarrava uma jarra de vinho e a atirava contra a
cabeça dele, antes de se virar para fugir.

Com um mesmo movimento ele esquivou-se da jarra e a


segurou por um braço.

— Não escapará de mim. — Disse, atraindo-a novamente


para ele. — Vou lhe ensinar que os Montgomery são inocentes
nesta disputa, embora tenha que morrer para provar isso.

— Sua morte é o primeiro comentário agradável que ouvi


nos últimos dias.

Por um momento Miles fechou os olhos, como se rezasse


em silêncio pedindo ajuda. Quando voltou a olhá-la, parecia
recuperado.

— Agora, se já terminou de comer, cavalgaremos. Vamos


à Escócia.

— A...! — Começou a falar e ele colocou um dedo sobre


seus lábios.

LRTHistóricos 54
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Sim, meu anjo, — a voz estava cheia de sarcasmo —


vamos passar um tempo com meu irmão e sua esposa. Quero
que conheça minha família.

— Sei mais que suficiente a respeito de sua família. São...

Desta vez Miles a beijou, e embora ela não tenha reagido


fisicamente, quando a soltou estava silenciosa.

Cavalgaram durante horas a um ritmo lento, mas


constante. As mulas carregadas com bagagem, móveis,
roupas, mantimentos, armaduras, e armas, que vinham atrás
deles, não permitiam avançar com mais celeridade.

Elizabeth pôde montar seu próprio cavalo, mas este tinha


uma corda que ia atada à sela de Miles. Duas vezes tentou
conversar, mas ela se recusava a falar com ele. Estava muito
ocupada pensando e tratando de não acreditar no que Miles
havia dito sobre seu irmão.

Nos últimos dois anos, o único contato que ela teve com
sua família tinha sido por meio das cartas de Roger e de
algumas fofocas dos músicos viajantes. É obvio que os músicos
sabiam que ela era uma Chatworth, de maneira que não
propagavam em um sentido, nem em outro, nada a respeito de
sua família.

Mas a numerosa família Montgomery era outra coisa. Era


o tema favorito para as intrigas e canções. Gavin, o irmão mais
velho, rechaçou a bela Alice Valence e esta cheia de despeito,
havia desposado Edmund, o irmão de Elizabeth.

LRTHistóricos 55
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Elizabeth suplicou a Roger que impedisse as bodas,


dizendo que a pobre mulher não merecia casar com o traiçoeiro
Edmund. Roger havia dito que nada podia fazer para evitar as
bodas.

Poucos meses depois, Gavin Montgomery contraiu


matrimônio com a riquíssima herdeira Revedoune, e depois do
assassinato de Edmund, a ciumenta herdeira jogou azeite
fervendo no rosto da pobre Alice Chatworth.

Elizabeth escreveu do convento, rogando a Roger que


cuidasse da viúva de seu irmão, e Roger respondeu
imediatamente, assegurando que nada lhe faltaria.

Menos de um ano depois, Roger escreveu contando que a


herdeira escocesa Bronwyn MacArran pediu que Roger
contraísse matrimônio com ela, mas Stephen Montgomery
obrigou a desventurada mulher a converter-se em sua
prometida. Roger desafiou Stephen, em um intento para
proteger a mulher MacArran, e durante o combate,
Montgomery, muito inteligente, arrumou para que parecesse
que Roger o atacou pelas costas. Como resultado disto, Roger
caiu em desonra.

Ela não sabia por que Brian abandonou o lar. Roger


jamais explicou. Mas sim, tinha certeza que era algo a ver com
os Montgomery. Brian era sensível e gentil. Talvez ele não
pudesse mais suportar todos os horrores que sua família
padeceu por causa dos Montgomery. Mas seja qual for a razão
da partida de Brian, certamente nada tinha a ver com as

LRTHistóricos 56
Anjo Audaz — Jude Deveraux

mentiras que ouviu esse dia. Inclusive não estava muito


convencida de que Roger estivesse informado de que os
Montgomery tinham uma irmã.

Durante a longa cavalgada, ela distraidamente tratou de


segurar o ombro esmigalhado de seu vestido com o pescoço.
Quando Miles ordenou um alto, ela se surpreendeu de ver que
estava escurecendo. Seus pensamentos a tinham mantido
abstraída durante horas.

Diante deles havia uma estalagem de pedra e troncos,


velha, mas de aparência próspera. O dono os esperava fora, em
seu rosto corado com um sorriso acolhedor, onde se via uma
alegre boas-vindas.

Miles apeou e se dirigiu para o cavalo dela.

— Elizabeth, — estendeu os braços para ela — não se


envergonhe em me rechaçar. — Disse ele dando uma piscada
ao ver que ela levantava um pé para lhe dar um chute.

Elizabeth pensou um momento e permitiu ajudá-la a


descer do cavalo, mas logo que pisou no chão, afastou-se dele.
Dois de seus homens entraram na estalagem enquanto Miles
pegava o braço de Elizabeth.

— Tenho algo para você. — Olhando-a de perto, mostrou-


lhe um formoso broche trabalhado em ouro com a figura de
um pelicano, com o bico escondido sob uma asa desdobrada e
apoiado em uma linha de diamantes.

LRTHistóricos 57
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Elizabeth permaneceu imperturbável.

— Não o quero.

Com irritação, Miles colocou o broche, prendendo o


ombro rasgado do vestido.

— Entre, Elizabeth. — Disse calmamente.

Obviamente o hospedeiro estava esperando, porque a


atividade que se desdobrava no lugar era notável.

Elizabeth ficou de lado enquanto Miles falava com Sir


Guy, e o hospedeiro esperava para receber instruções.

Estavam em um grande salão cheio de mesas e cadeiras,


uma grande lareira a um lado. Pela primeira vez, Elizabeth
olhou atentamente aos homens de Miles. Havia uma dúzia
deles e ao que parecia não causavam nenhum aborrecimento.
Neste momento iam de um lado a outro, abrindo portas,
controlando muito tranquilamente que não houvesse nenhum
perigo no lugar.

Tinha Miles Montgomery tantos inimigos para estar


permanentemente preocupado... ou simplesmente era
cauteloso?

Uma bonita criada saudou Miles com uma reverência e


ele deu seu pequeno meio sorriso.

Elizabeth observou com curiosidade que a criada se


ruborizava e arrumava suas roupas sob o olhar de Miles.

LRTHistóricos 58
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Sim, milorde, — disse ela, sorrindo e assentindo —


espero que a comida que preparei seja de seu agrado.

— Assim será. — Respondeu Miles com tom prático.


Ruborizando-se novamente, a jovem voltou para a cozinha.

— Tem fome, Elizabeth? — perguntou Miles, voltando-se


para ela.

— Não disso que você parece inspirar. — Fez um aceno


para a criada, que já se afastava deles.

— Como desejaria que houvesse ciúmes em suas


palavras, mas sei ser paciente. — Disse sorrindo e a empurrou
ligeiramente para a mesa antes que ela pudesse responder.

Miles e ela ocuparam uma mesa pequena separada da


dos homens, mas no mesmo salão. Levaram-lhes prato após
prato de comida, mas Elizabeth mal comeu.

— Na melhor das hipóteses, você não tem grande apetite.

— Se você estivesse prisioneiro, dedicaria a se entreter


com a comida de seu captor?

— Provavelmente, não perderia um segundo em planejar


a morte de meu sequestrador. — Respondeu ele com
simplicidade.

Elizabeth o olhou em silêncio e Miles se concentrou em


sua comida.

LRTHistóricos 59
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Durante o tempo que levaram em alimentar-se, sem falar,


Miles pegou a mão de uma das criadas que colocava um prato
de salmão fresco sobre a mesa. Quando Elizabeth levantou os
olhos surpreendida, viu que a mão da criada estava
machucada.

— Como você se machucou? — perguntou-lhe Miles com


gentileza.

— Com as sarças das amoras, milorde. — Respondeu ela,


um tanto assustada, mas ao mesmo tempo fascinada pela
atenção que lhe dispensava Miles.

— Hospedeiro! — Chamou Miles. — Faça que curem as


mãos desta moça e que não volte a colocá-las em água até que
esteja curada.

— Mas milorde! — Protestou o homem. — Ela é só uma


criada da cozinha. Esta noite está ajudando com as mesas
porque minha outra criada tem varíola.

Sir Guy se levantou lentamente da cabeceira da mesa


onde comiam os homens de Miles, e o tamanho do gigante foi
mais que suficiente para que o hospedeiro desse um passo
atrás.

— Vamos, moça. — Disse com tom ressentido.

— Obrigada... obrigada, milorde. — Ela fez uma


reverência antes de abandonar o lugar.

Elizabeth cortou uma fatia de queijo francês.

LRTHistóricos 60
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Sir Guy saiu em defesa por causa da moça ou de você?

A expressão de Miles passou da surpresa à diversão.


Tomou-lhe a mão e depositou um beijo em sua palma.

— Guy não gosta de lutas por criadas de cozinha.

— E você sim?

Sorrindo, encolheu os ombros.

— Prefiro evitar as lutas não importa por que se


produzam. Sou um homem pacífico.

— Mas você teria lutado contra um hospedeiro gordo e


simpático por causa das mãos machucadas de uma moça
qualquer. — Era uma afirmação.

— Eu não a considero uma qualquer. Mas, — deixou de


lado o assunto — deve estar fatigada. Quer ir para o seu
quarto?

Todos os homens de Miles desejaram boa noite e ela


devolveu a saudação com um aceno da cabeça. Seguiu Miles e
o hospedeiro escada acima até chegar ao quarto individual —
com uma só cama — que os esperava.

— Já entendi! Esperou até agora para me obrigar a


compartilhar sua cama. — Disse ela quando ficaram sozinhos.
— Possivelmente as paredes da tenda fossem muito finas para
amortecer meus gritos.

LRTHistóricos 61
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Elizabeth, — disse ele, tomando sua mão — eu


dormirei junto à janela, e a cama será para você. Não posso
permitir que tivesse seu próprio quarto, porque aproveitaria
para encontrar alguma maneira de sair.

— Escapar, você quer dizer.

— Tudo bem, escapar. Agora venha aqui. Desejo falar com


você. — Levou-a até o grande banco com almofadas que havia
sob a janela, sentou-se e a fez sentar ao seu lado. Quando ele
a puxou de costas contra seu peito, a jovem começou a
protestar.

— Se acalme, Elizabeth. Deixarei minhas mãos aqui, em


sua cintura, e não as moverei, mas não permitirei que se
levante até que esteja tranquila e fale comigo.

— Posso falar de pé, longe de você.

— Mas não posso evitar querer te tocar. — Disse ele com


veemência. — Todo o tempo desejo te acariciar, aliviar sua dor.

— Não estou sofrendo. — Ela lutou para livrar-se de seu


abraço. Era um homem musculoso, grande, alto e largo de
ombros, e a curva de seu peito se adaptava perfeitamente ao
arco das costas dela.

— Mas está ferida, Elizabeth, provavelmente mais do que


acha.

— Ah, sim, vejo agora. Há algo de errado comigo porque


não me derreto de adoração quando está perto de mim.

LRTHistóricos 62
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Miles beijou seu pescoço, rindo entre dentes.

— Talvez mereça suas palavras. Fica quieta ou a beijarei


mais. — Seu brusco silêncio e a rigidez dela o fizeram franzir o
cenho. — Quero que me diga do que você gosta. A comida não
lhe interessa, tampouco as roupas bonitas. O ouro e os
diamantes não a fazem pestanejar. Aos homens não dedica
nenhuma olhar. Qual é sua debilidade?

— Minha debilidade? — Perguntou ela, ficando pensativa.


Ele estava acariciando seu cabelo em sua têmpora, e apesar de
sua autodefesa, Elizabeth estava começando a relaxar. Os dois
últimos dias de tensões e fúria a tinham deixado sem forças.
Suas longas pernas estavam estendidas, uma de cada lado do
comprido banco, e ela estava entre elas.

— Qual é sua debilidade, Montgomery?

— As mulheres. — Murmurou ele, sem dar importância


ao assunto. — Me Conte de você.

Os músculos de seu pescoço estavam relaxando e ela


paulatinamente ia se recostando contra ele. Não era uma
sensação de tudo desagradável, ser sustentada com tanta
firmeza por esse par de braços fortes, quando o homem não a
manuseava, não estava batendo nela, nem rasgando suas
roupas, nem a machucando.

— Vivo com meus dois irmãos, e amo a ambos e eles me


amam. Estou muito longe de ser pobre, e só tenho que insinuar

LRTHistóricos 63
Anjo Audaz — Jude Deveraux

que gosto de um traje ou uma joia para que meu irmão Roger
me compre imediatamente.

— E... Roger, — custou pronunciar o nome — é amável


com você?

— Ele me protege. — Sorriu e fechou os olhos. Miles


estava massageando os tensos músculos de seu pescoço. —
Roger sempre protegeu ao Brian e a mim.

— Protegeu do quê?

Do Edmund, esteve a ponto de dizer, mas se conteve a


tempo. Abriu os olhos repentinamente e se sentou muito ereta.

— Dos homens! — Quase cuspiu. — Sempre pareci


atrativa. Os homens sempre gostaram da minha aparência,
mas Roger consegue mantê-los longe de mim.

Ele manteve as mãos dela entre as suas.

— Conhece muitos truques para afugentar aos homens e


têm envolvido a si mesma em uma couraça de aço.
Obviamente, é uma mulher apaixonada, então o que matou
sua paixão? Talvez Roger não estivesse o suficientemente perto
para te proteger?

Elizabeth se negou a responder e se amaldiçoou por sua


momentânea sinceridade.

Depois de um momento, Miles lançou um profundo


suspiro e a soltou. Imediatamente ela se afastou de um salto.

LRTHistóricos 64
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Vá para a cama. — Disse suavemente e permaneceu


de pé, virando as costas para ela.

Elizabeth não confiava nele para manter sua palavra


sobre não dormir com ela, mas não faria nada para provocar
seu aborrecimento e nem seduzi-lo. Completamente vestida, à
exceção dos suaves sapatos de couro, deitou-se na grande
cama.

Miles soprou a única vela que tinha acesa e por um


momento sua silhueta se recortou na janela, contra a luz da
lua.

Quando Elizabeth não ouviu nenhum som por parte dele,


girou muito devagar, silenciosamente, sobre suas costas para
observá-lo. Tinha o corpo tenso pelo temor do que estava por
vir. Resignadamente, viu como ele se despia, e quando estava
nu, ela conteve o fôlego. Mas Miles levantou a fina manta que
havia no banco e se deitou sobre ele... ou tentou de fazê-lo.
Lançou uma maldição quando seus pés se chocaram contra os
braços do banco, no final das almofadas.

Passaram alguns minutos antes que Elizabeth se


convencesse de que Miles Montgomery não tinha intenção de
forçá-la. Mas, suspeitava que assim que estivesse adormecida,
ele iria atacá-la. Cochilava ligeiramente, mas despertava com
cada ruído. Quando Miles tratava de virar-se em sua estreita
cama, despertava, e ficava tensa, mas quando novamente
ouvia sua respiração pausada, tranquilizava-se e voltava a
dormir... até que o próximo barulho a acordasse.

LRTHistóricos 65
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Capítulo Quatro
— Não dormiu bem? — Perguntou-lhe Miles à manhã
seguinte, enquanto se vestia. Negras e ajustadas calças de
meias cobriam suas poderosas pernas, enquanto que uma
jaqueta bordada cobria seu torso e mal chegava a suas coxas.

— Nunca durmo bem em presença de meus inimigos. —


Replicou ela.

Sorrindo levemente, ele não fez caso dos acenos de


Elizabeth, afastou as mãos dela e se dedicou a trançar seu
cabelo, amarrando a cauda com um laço. Quando terminou,
beijou-lhe o pescoço, fazendo com que ela saltasse
bruscamente enquanto esfregava o local para apagar o beijo.

Ele estendeu seu braço para ela.

— Sei que estará triste por não poder desfrutar mais de


minha companhia, mas meus homens nos esperam embaixo.

Ela ignorou seu braço e saiu do quarto à sua frente. Ainda


era muito cedo, e o sol não era mais que um quente reflexo no
horizonte. Miles murmurou que um pouco mais adiante na
estrada haveria comida esperando-os, mas que antes tinham
que cavalgar algumas horas.

Miles e Elizabeth estavam juntos no pequeno alpendre da


estalagem, Sir Guy estava diante deles, e os cavaleiros de Miles

LRTHistóricos 66
Anjo Audaz — Jude Deveraux

esperavam junto aos cavalos e às mulas carregadas, atrás do


gigante.

— Está tudo preparado? — Perguntou Miles a Sir Guy. —


Pagou ao hospedeiro?

Antes que Sir Guy pudesse responder, uma menina de


quatro anos, vestida de maneira irregular, saiu correndo da
estalagem, girou para se esquivar de Miles e caiu dois degraus
abaixo. Instantaneamente, Miles ficou de joelhos, tomando à
menina em seus braços.

— Silêncio, pequena. — Sussurrou, ficando de pé com a


criança agarrando-se ao seu pescoço.

Para Sir Guy e seus cavaleiros, esta era uma cena


repetida, e se dispuseram a esperar pacientemente, com ar
aborrecido, enquanto Miles consolava a menina. Elizabeth não
pensou em Miles. Seu único pensamento foi para a menina
machucada. Estirando um braço, acariciou a cabeça da
pequena, que chorava.

A menina levantou a cabeça da cavidade no ombro de


Miles e, com os olhos arrasados pelas lágrimas, olhou
Elizabeth. Começou a soluçar novamente e estendeu os
bracinhos para que Elizabeth a abraçasse.

Era difícil dizer quem estava mais surpreso: Miles, Sir


Guy ou os cavaleiros dos Montgomery. Miles ficou boquiaberto
e por um momento sentiu seu orgulho ferido.

LRTHistóricos 67
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Já passou! Cale-se agora. — Disse Elizabeth, com uma


doçura na voz que Miles não tinha ouvido ainda. — Se deixar
de chorar, Sir Guy te levará para dar um passeio em seus
ombros.

Miles tossiu para ocultar a risada que ameaçava afogá-lo.


Entre a estatura de Sir Guy e a horrível cicatriz de seu rosto,
que a maioria das pessoas tinha terror, especialmente as
mulheres. Nunca ninguém antes sugeriu que ele pudesse se
fazer de cavalo para uma criança chorosa.

— Estará tão alta, — continuou Elizabeth, embalando a


menina — que poderá alcançar uma estrela.

A menina fungou ruidosamente, afastou-se de Elizabeth


e a olhou.

— Uma estrela? — Soluçou.

Elizabeth lhe acariciou a bochecha úmida.

— E quando você conseguir a estrela, a dará a sir Miles


como agradecimento pelo vestido novo que vai te comprar.

Os olhos de todos os cavaleiros se fixaram em seu lorde


para ver como reagiria... e nenhum deles se atreveu a rir ao ver
seu olhar de indignação.

A garotinha fungou novamente e girou a cabeça para


observar Lorde Miles. Sorriu-lhe, mas quando olhou para Sir
Guy se aferrou novamente a Elizabeth.

LRTHistóricos 68
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Não há motivo para temê-lo. — Disse Elizabeth. — Ele


gosta muito de crianças, não é verdade, Sir Guy?

Sir Guy lançou a Lady Elizabeth um olhar duro e


assassino.

— Para falar a verdade, milady, eu gosto muito das


crianças, mas elas têm pouca utilidade para mim.

— Já poremos utilidade a isso. Agora, pequena, vá dar


sua volta com Sir Guy e traga uma estrela.

A menina, duvidando ao princípio, aproximou-se de Sir


Guy e se agarrou a sua cabeça quando ele a sentou sobre seus
ombros.

— Sou a menina mais alta do mundo. — Gritou, enquanto


Sir Guy se afastava com ela.

— É a primeira vez que a vejo sorrir. — Disse Miles.

O sorriso de Elizabeth desapareceu como por encanto.

— Reembolsarei o dinheiro pelo vestido da menina


quando voltar a minha casa novamente. — Ela se virou.

Miles pegou-lhe a mão e a levou aonde seus homens não


pudessem ouvi-los.

— A menina é só uma mendiga.

— Oh! — Disse ela com desenvoltura. — Pensei que talvez


fosse um de seus filhos.

LRTHistóricos 69
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Meus filhos? — Disse ele, surpreso. — Acha que eu


permitiria que um de meus filhos andasse por aí vestindo
farrapos, sem nenhum cuidado por eles?

Ela se voltou para ele.

— E como sabe onde estão todos seus filhos? Levam um


registro com seus nomes? Com os detalhes de suas vidas?

O rosto de Miles refletiu diversas emoções: incredulidade,


um pouco de fúria, diversão.

— Elizabeth, quantos filhos acha que tenho?

Ela levantou o queixo.

— Não sei, nem me importa saber quantos bastardos têm.

Ele a agarrou pelo braço e a obrigou a olhá-lo.

— Até meus próprios irmãos exageram neste assunto de


meus filhos, assim por que teria que esperar outra coisa de
uma estranha? Tenho três filhos: Christopher, Philip e James.
E qualquer dia destes espero notícias do nascimento do quarto.
Espero que desta vez se trate de uma menina.

— Você espera... — soprou ela. — Não sente remorso


pelas mães? Por ter utilizado a essas mulheres para depois as
deixar de lado? E o que acontece com os meninos? Terão que
crescer sabendo que são bastardos! Frutos de um momento de
prazer de um homem odioso!

LRTHistóricos 70
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Ele apertou mais o braço, e esta vez havia fúria em seus


olhos.

— Eu não "utilizo" as mulheres. — Disse, com os dentes


apertados. — As mulheres que me deram filhos vieram a mim
por livre vontade. E todos eles vivem comigo e são muito bem
atendidos por babás competentes.

— Babás! — Tentou soltar-se, mas não pôde. — E as mães


de seus filhos, onde estão? As jogou na rua? Ou lhes dá algum
dinheiro, como fez com Bridget, e as abandona a sua sorte?

— Bridget? — Miles examinou o rosto dela por um


momento. Seu temperamento se acalmou. — Suponho que se
refere a Bridget que é a mãe de meu James. — Não esperou
uma resposta. — Direi a verdade sobre Bridget. Meu irmão
Gavin enviou uma mensagem ao convento da Santa Catalina
para solicitar algumas moças para o serviço. Queria que
fossem moças de boa reputação, que não se dedicassem a
provocar aos homens, para que não houvesse brigas. A partir
do momento em que Bridget entrou em nossa casa, começou a
me perseguir.

Elizabeth tentou de soltar-se.

— É um mentiroso.

Miles pegou também o outro braço.

— Uma vez me disse que ouviu tantas histórias sobre


mim, que se sentia como uma criança a que tinham dito para

LRTHistóricos 71
Anjo Audaz — Jude Deveraux

não brincar com fogo. Uma noite, eu a encontrei na minha


cama.

— E a tomou.

— Fiz amor com ela, sim, essa noite e várias noites mais.
Quando ela percebeu que ia ter meu filho, tive que suportar as
brincadeiras de meus irmãos.

— E a dispensou depois de lhe tirar o menino, é obvio.

Ele deu-lhe um pequeno sorriso.

— Em realidade foi ela quem me deixou. Eu fiz uma


viagem de quatro meses, e ela se apaixonou pelo segundo
jardineiro de Gavin. Quando retornei, falei com eles, disse-lhes
que gostaria de ficar com o menino porque pensava fazer dele
um cavaleiro. Bridget aceitou encantada.

— E quanto dinheiro lhe deu? Certamente deve ter


devotado algum consolo a uma mãe que desiste de seu filho.

Miles a soltou, lançando fogo pelos olhos.

— Conhecia muito bem Bridget? Se assim fosse, saberia


que se preocupava muito mais com seu prazer que com a
maternidade. O jardineiro com quem se casou não a queria.
Nem a ela e nem ao menino, mais tarde ele se atreveu a pedir
dinheiro "por seu sacrifício". Não lhe dei nada. James é meu.

Por um momento ela ficou em silêncio.

— E as mães dos outros filhos? — Perguntou com calma.

LRTHistóricos 72
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Ele se afastou alguns passos dela.

— Apaixonei-me pela irmã mais nova de um dos


cavaleiros de Gavin quando não era mais que um adolescente.
Christopher nasceu quando Margaret e eu tínhamos só
dezesseis anos. Eu a teria desposado, mas seu irmão a afastou
de mim. Eu não sabia sobre Kit até que Margaret morreu de
varíola, um mês depois que deu a luz.

Olhou novamente a Elizabeth e riu entre dentes.

— A mãe de Philip era uma bailarina, uma criatura


exótica que compartilhou meu leito, — suspirou
profundamente — durante duas semanas extremamente
interessantes. Nove meses depois, enviou um mensageiro com
o Philip. Nunca mais a vi nem ouvi falar dela.

Elizabeth estava fascinada com suas histórias.

— E este novo menino que espera agora? — Miles baixou


a cabeça, e se fosse uma mulher, Elizabeth teria certeza de que
se ruborizou.

— Temo que esta criança pode causar alguns problemas.


A mãe é uma prima longínqua. Tentei resistir tudo o que pude,
mas... — encolheu os ombros — seu pai está furioso comigo.
Disse que me enviará a criança, mas... não tenho certeza se ele
fará isso.

Elizabeth só podia balançar a cabeça para ele com


incredulidade.

LRTHistóricos 73
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Certamente deve haver outros meninos. — A voz dela


era sarcástica.

Ele franziu a testa ligeiramente.

— Não acredito. Sempre trato de estar informado sobre


as minhas mulheres e estou atento à aparição de meninos.

— Um pouco como recolher ovos. — Disse ela, com os


olhos muito abertos.

Miles inclinou a cabeça e lançou um olhar intenso.

— Faz um momento me condenou por deixar a meus


filhos em farrapos, esparramados pela comarca como se
fossem lixo, e agora me critica porque me preocupo com eles.
Não sou um homem celibatário e nem pretendo sê-lo, mas
tomo minhas responsabilidades com seriedade. Amo a meus
filhos e proverei tudo que seja necessário. Eu gostaria de ter
cinquenta deles.

— Como começo, não está mal. — Disse ela, e o deixou


sozinho.

Miles permaneceu onde estava olhando-a encaminhar-se


para onde se encontravam os homens com os cavalos.
Manteve-se um tanto separada deles, com sua típica pose
altiva. Ela não era como nenhuma de suas cunhadas,
acostumadas à autoridade e à vontade com as pessoas que
trabalhavam para elas.

LRTHistóricos 74
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Elizabeth Chatworth se mantinha rígida sempre que


havia homens perto. No dia anterior, acidentalmente, um de
seus homens que montava a cavalo a tinha roçado e Elizabeth
reagiu violentamente, puxando com tanta força as rédeas de
sua montaria que quase caiu do cavalo. Tinha conseguido
controlar o animal, mas a experiência causou desgosto a Miles.
Nenhuma mulher e nenhum homem deveriam assustar-se
tanto ante o contato de outro ser humano.

Sir Guy retornou sozinho, para aonde estavam os homens


e imediatamente procurou Miles, encaminhando-se
rapidamente em sua direção.

— Está ficando tarde. Deveríamos partir. — Fez uma


pausa. — Ou talvez tenha reconsiderado sua decisão e prefira
devolver a dama a seu irmão.

Miles estava olhando Elizabeth, que agora falava com a


mãe da menina que tinha caído um momento atrás. Voltou-se
para Sir Guy.

— Quero que envie um par de homens as minhas


propriedades do norte. Desejo que tragam Kit para mim.

— Seu filho? — perguntou Sir Guy.

— Sim, meu filho. Que venha com sua babá. Não!


Pensando bem, tragam só ele, mas com uma boa escolta. Lady
Elizabeth se ocupará dele.

LRTHistóricos 75
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Tem certeza do que está fazendo? — Voltou a inquirir


Sir Guy.

— Lady Elizabeth adora crianças, de maneira que vou


compartilhar um dos meus com ela. Se não puder chegar a seu
coração de um modo, farei-o de outro.

— E o que fará com esta mulher quando tiver conseguido


domesticá-la? Uma vez, quando eu era um menino, havia um
gato selvagem que reclamava um determinado lugar, perto de
um galpão, como próprio. Cada vez que alguém se aproximava
do galpão, o gato arranhava e mordia. Impus-me a tarefa de
domesticá-lo. Levou várias semanas e muita paciência ganhar
sua confiança, mas me vi recompensado quando começou a
comer em minha mão. Mais adiante, o gato começou a me
seguir a todas as partes. Topava-me com ele todo o tempo e se
transformou em um aborrecimento maior. Depois de alguns
meses já estava lhe dando chutes e o odiava, porque deixou de
ser essa coisa selvagem que eu amei ao princípio, para ser um
gato qualquer, como todos outros.

Miles continuou estudando Elizabeth.

— Talvez o que me atraia seja simplesmente a caçada, —


disse com tranquilidade — ou talvez seja como meu irmão
Raine, que não pode tolerar nenhuma injustiça. Tudo o que sei
no momento é que Elizabeth Chatworth me fascina. Talvez
queira vê-la comendo em minha mão... mas possivelmente
quando a tiver, será porque tenha me transformado em seu
escravo.

LRTHistóricos 76
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Novamente se voltou para Sir Guy.

— Elizabeth gostará de Kit, e meu filho só pode beneficiar-


se com seu contato. E pessoalmente vai dar muito gosto vê-lo.
Envie a mensagem.

Sir Guy assentiu com a cabeça antes de retirar-se e deixá-


lo sozinho.

Minutos mais tarde tinham montado e estavam


preparados para partir. Miles não tentou conversar com
Elizabeth, mas sim, se limitou a cavalgar ao seu lado,
silenciosamente.

Ela começava a mostrar-se cansada, e por volta de meio-


dia, Miles não estava muito seguro se não deveria devolvê-la a
seu irmão.

Meia hora mais tarde, ela voltou bruscamente a vida.


Enquanto Miles sentia pena dela, Elizabeth esteve ocupada
desatando a corda que a prendia ao outro cavalo. Esporeou
com força a sua montaria, usou a ponta solta das rédeas para
golpear as ancas de dois cavalos que havia em frente a ela e
defendendo-se nos dois animais que ficaram ao seu lado,
ganhou preciosos segundos para fugir. Já tinha percorrido
meio quilômetro da estrada, cheio de buracos e de arbusto,
antes que Miles pudesse reunir a seus homens para começar
a persegui-la.

— Eu a trarei de volta. — Gritou por sobre seu ombro


para Sir Guy.

LRTHistóricos 77
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Miles sabia que o cavalo de Elizabeth não era muito veloz,


mas ela estava tirando toda a vantagem que fosse possível.
Chegou a estar o suficientemente perto para apanhá-la,
quando a cilha de sua sela se afrouxou e ele começou a deslizar
para um lado.

— Maldita seja! — ele ofegou, compreendendo muito bem


quem afrouxou a cilha e ao mesmo tempo sorrindo ante sua
ingenuidade.

Mas Elizabeth Chatworth não estava preparada para um


homem que se criou com três irmãos mais velhos. Miles estava
acostumado a estas brincadeiras de afrouxar cilhas e sabia
muito bem como lidar com elas. Com desenvoltura, mudou seu
peso mais para frente do cavalo, cavalgando quase em pelo e
sobre o pescoço do animal, com a sela frouxa atrás dele.

Perdeu um pouco de velocidade quando o cavalo ameaçou


se revoltar a nova posição, mas Miles conseguiu dominá-lo.

Elizabeth dirigiu seu corcel para um campo de milho


quando a estrada original desapareceu, e ficou muito
desconcertada quando viu que Miles vinha perto de seus
calcanhares.

No campo de milho a apanhou, segurando-a pela cintura.


Ela lutou desesperadamente, e Miles, que não tinha estribos
onde apoiar-se, começou a cair. Seu braço ainda sustentava
firmemente a cintura de Elizabeth.

LRTHistóricos 78
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Quando caíam, Miles virou colocando-a para cima,


ficando em posição de tomar a maior parte do choque,
amortecendo o golpe de Elizabeth. Levantou um braço para
protegê-la, eventualmente, dos cascos dos cavalos. Os animais
correram uns poucos metros mais e logo se detiveram,
ofegantes.

— Me solte! — Exigiu Elizabeth quando recuperou o


fôlego. Estava esparramada em cima de Miles.

Os braços dele a abraçavam bem segura.

— Quando afrouxou a cilha? — Quando ela não


respondeu, ele a abraçou com tanta força que Elizabeth sentiu
que quebrava suas costelas.

— Durante o jantar. — Pôde articular.

Ele a agarrou pela cabeça, obrigando-a incliná-la para


um lado.

— Elizabeth, você é tão esperta. Como conseguiu escapar


entre meus homens? Em que momento a perdi de vista?

Tinha o pescoço suado e seu coração pulsava com força


contra o dele. O exercício apagou por completo todo rastro de
cansaço nela e se sentia feliz, embora não tivesse conseguido
escapar.

— Sim, me deu uma boa corrida. — Disse ele, divertido.


— Se meus irmãos não tivessem aprontado algo tão gracioso
em me fazer cavalgar com a cilha solta, não teria sabido o que

LRTHistóricos 79
Anjo Audaz — Jude Deveraux

fazer agora. É obvio que eles se asseguravam que minha


montaria não fosse muito veloz, para que nada me acontecesse
em caso de cair. — Trocou de posição para poder olhá-la de
frente. — Teria se alegrado muito se eu tivesse quebrado o
pescoço?

— Sim, muitíssimo. — Disse ela, sorrindo, quase nariz


com nariz com ele.

Miles riu, beijou-a rapidamente, empurrou-a e ficou de


pé, franzindo o cenho quando viu que ela limpava a boca com
o dorso da mão.

— Vamos, há uma estalagem não longe daqui e ali


passaremos a noite. — Não ofereceu sua ajuda para que se
levantasse.

Quando retornaram onde se encontravam o resto dos


homens, Sir Guy dirigiu a Elizabeth um rápido olhar de
admiração, e ela entendeu que ele se manteria muito mais
alerta a partir de agora. Já não teria mais oportunidade de
brincar com as selas desses homens.

Quando estavam outra vez sobre as montarias, Elizabeth


notou que havia um corte que sangrava no antebraço de Miles.
Soube que ocorreu quando ele pôs o braço entre ela e os cascos
dos cavalos.

Sir Guy inspecionou a ferida e a enfaixou, enquanto


Elizabeth sentada em seu cavalo e observava. Era estranho que

LRTHistóricos 80
Anjo Audaz — Jude Deveraux

este homem, um Montgomery, tivesse protegido a uma


Chatworth de sofrer um dano.

Miles a viu olhando-o.

— Seu sorriso, Elizabeth, faria que cicatrizasse muito


mais rápido.

— Espero que se envenene seu sangue e que perca o


braço. — Urrou e chutou o cavalo para cavalgar.

Não voltaram a falar até que chegaram à estalagem, a


qual, como antes, Miles tinha enviado um homem a frente para
que estivessem preparados para recebê-los. Desta vez. Miles e
Elizabeth comeram sozinhos em um salão separado.

— Diga-me mais sobre sua família. — Insistiu ele.

— Não! — Respondeu ela simplesmente, tentando


alcançar um prato de caramujos em molho de alho.

— Então falarei da minha. Eu tenho três irmãos mais


velhos e...

— Sei sobre eles. Você e seus irmãos são notórios.

Ele levantou uma sobrancelha para ela.

— Diga-me o que ouviu sobre nós.

— Com prazer. — Cortou uma parte de carne bovina e


torta de frango. — Seu irmão Gavin é o mais velho. Devia
casar-se com Alice Valence, mas a rechaçou para poder casar-
se com a rica Judith Revedoune, que é uma mulher de mau

LRTHistóricos 81
Anjo Audaz — Jude Deveraux

caráter. Seu irmão e a esposa conseguiram fazer que Alice,


uma Chatworth agora, se tornasse louca.

— Conhece sua cunhada?

Elizabeth estudou a comida que tinha no prato.

— Nem sempre foi como é agora.

— Essa cadela sempre foi uma puta. Rechaçou a meu


irmão. Agora me diga o que sabe de Stephen.

— Forçou uma mulher que queria que meu irmão fosse


seu noivo.

— E Raine?

— Não sei muito dele, salvo que é magnífico nos campos


de batalha.

Os olhos de Miles ardiam.

— Depois que seu irmão violou a minha irmã e Mary se


suicidou, Raine conduziu alguns homens do rei com a intenção
de atacar seu irmão Roger. O rei o declarou traidor e agora,
meu irmão vive no bosque com um bando de criminosos. —
Fez uma pausa. — E o que sabe de mim?

— Você é um libertino, um sedutor de jovenzinhas.

— Adula-me que minha virilidade seja tão famosa. Agora


me permita que conte a verdade sobre minha família. Gavin
teve que assumir a criação de seus três irmãos e da
administração da herdade quando tinha ao redor de dezesseis

LRTHistóricos 82
Anjo Audaz — Jude Deveraux

anos. Quase não teve tempo para descobrir algumas coisas


sobre as mulheres. Apaixonou-se por Alice Valence e lhe
implorou que se casasse com ele, mas ela o rechaçou. Então
contraiu matrimônio com Judith Revedoune, e só depois de um
longo tempo ele percebeu que em realidade a amava. Alice
tentou desfigurar Judith com azeite fervendo, mas foi ela a que
sofreu as consequências.

— Você mente constantemente. — Respondeu Elizabeth.

— Não, não minto. Stephen é o pacifista de nossa família,


e ele e Gavin se levam muito bem. E Raine... — Fez uma pausa
e riu. — Raine acredita que os fardos do mundo descansam
sobre seus largos ombros. É um bom homem, mas
incrivelmente teimoso.

— E você? — Perguntou ela brandamente.

Ele pensou um tempo para responder.

— Eu estou sozinho. Meus irmãos parecem muito seguros


do que querem. Gavin ama a terra, Stephen leva adiante sua
cruzada com os escoceses, Raine quer mudar o mundo, mas
eu...

Ela o olhou por um momento e entre ambos houve um


silencioso entendimento. Ela também havia se sentido só na
vida. Edmund era um malvado, Roger estava sempre de mau
humor e ela passou a vida fugindo de Edmund e de seus
amigos, enquanto tratava de proteger Brian.

LRTHistóricos 83
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Miles pegou sua mão na dele e ela não se afastou.

— Você e eu tivemos que crescer rapidamente. Têm


lembranças de quando era menina?

— Muitas. — Disse ela monotonamente, retirando a mão.

Durante algum tempo, comeram em silêncio.

— Seu lar... era feliz? — Perguntou ela como se não


importasse.

— Sim. — Miles sorriu. — Cada um de nós teve um servo


e sua própria ama-de-leite, mas de todas as formas
passávamos muito tempo juntos. Não é fácil ser o irmão mais
novo. Todo mundo exige muito de você.

— E você era feliz? — Perguntou Miles.

— Não. Eu estava muito ocupada tratando de fugir de


Edmund para poder pensar em algo tão tolo como a felicidade.
E agora gostaria de me retirar.

Miles a acompanhou até o quarto que compartilhariam, e


ela viu que alguém colocou uma cama de armar junto a uma
das paredes.

— Não vou dormir em um banco na janela. — Disse ele


alegremente, mas Elizabeth não se alterou. Ele tomou ambas
as mãos entre as suas.

LRTHistóricos 84
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Quando vai confiar em mim? Eu não sou como


Edmund ou como Pagnell, ou esses outros homens detestáveis
que conhece.

— Você me mantém prisioneira. Os homens bons, como


você acha que é, têm por prisioneiras mulheres inocentes?

Ele beijou suas mãos.

— Mas se eu a devolvesse a seu irmão, o que faria?


Esperaria que Roger encontrasse um marido e se dedicaria à
felicidade do matrimônio?

Ela se afastou dele.

— Roger me deu permissão para não me casar se assim


o desejar. Estive pensando em tomar os votos da igreja.

Miles a olhou com horror. Antes que ela pudesse


protestar a atraiu para seus braços, deitou sua cabeça em seu
ombro e acariciou-lhe as costas.

— Têm tanto amor para dar. Como pode pensar em negar


essa realidade? Vocês não gostaria de ter filhos, vê-los crescer?
Não há nada no mundo como o olhar de uma criança cheia de
adoração e confiança.

Ela retirou a cabeça de seu ombro. Quase estava se


acostumando que ele a tocasse e a tivesse em seus braços.

— Nunca conheci um homem que gostasse de crianças.


Todos os homens que conheço só estão interessados em lutar,
beber e violar mulheres.

LRTHistóricos 85
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— De vez em quando não vai mal uma boa batalha, e me


embebedei mais de uma vez, mas eu gosto das mulheres que
vêm a minha cama dispostas e por sua própria vontade. Agora
venha, vamos tirar esse vestido.

Ela se afastou dele, seus olhos hostis.

— Eu pretendo dormir nessa cama de armar fria, dura e


solitário, mas suponho que já deve estar farta desse vestido.
Estaria mais cômoda se tirasse para dormir.

— Estou mais cômoda com minhas roupas postas,


obrigada.

— Muito bem, faça como que quiser. — Ele se virou e


começou a despir-se, enquanto Elizabeth procurava
rapidamente a proteção de seu leito.

A única vela continuava ainda acesa, e quando Miles só


estava usando seu calção, inclinou-se sobre ela, retirando o
lençol de seu rosto. Ela ficou rígida, dura, enquanto ele se
sentava na beira da cama, sua mão acariciando o cabelo em
sua têmpora. Sem falar, ele simplesmente a observava,
apreciando o contato de sua pele.

— Boa noite, Elizabeth. — Sussurrou, enquanto dava um


beijo suave em seus lábios.

A mão dela saiu disparada para limpar o beijo, mas ele


pegou seu pulso.

LRTHistóricos 86
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— O que seria necessário para que pudesse amar a um


homem? — Murmurou ele.

— Não acredito que pudesse. — Respondeu ela


sinceramente. — Ao menos não da forma que você pretende.

— Estou começando a pensar que eu gostaria de pôr a


prova isso. Boa noite, meu frágil anjo.

Beijou-a novamente antes que ela pudesse protestar e


gritasse que não tinha nada de frágil, mas ao menos desta vez
pôde limpar o beijo.

LRTHistóricos 87
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Capítulo Cinco
Miles, Elizabeth, Sir Guy e os cavaleiros de Montgomery
viajaram por mais dois dias antes de chegarem à fronteira ao
sul da Escócia. Elizabeth tentou mais uma vez fugir, durante
a noite, enquanto Miles dormia perto dela, mas não tinha
chegado à porta quando ele a pegou e levou-a novamente a sua
cama.

Depois do episódio Elizabeth não tinha podido conciliar o


sono, pensando que estava prisioneira, mas que não era
tratada como tal. Nunca tinham cuidado dela com tanta
cortesia como fazia Miles Montgomery. Ele insistia em tocá-la
cada vez que podia, mas já estava se acostumando com isso.
Não é que lhe trouxesse prazer, mas já não parecia tão
repugnante como a princípio. Uma vez, em uma estalagem
onde se detiveram para jantar, um bêbado quase caiu sobre
Elizabeth, e ela, em ato reflexo, aproximou-se de Miles
procurando amparo. Ele se mostrou extraordinariamente
agradado por isso.

Hoje, ele havia dito que a partir desse momento, teriam


que usar sua tenda, já que as estalagens não eram em
abundancia na Escócia. Ele suspeitava que pudessem ter
problemas ao cruzar as montanhas, porque os habitantes das
Highlanders não gostavam dos ingleses.

LRTHistóricos 88
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Durante o jantar se mostrou preocupado e falou várias


vezes com Sir Guy.

— Os escoceses estão de verdade tão sedentos de sangue?


— Perguntou ela a segunda vez que ele se levantou da mesa.

Ele não parecia entender o que ela estava falando.

— Deveria me encontrar com alguém aqui e ainda não


chegou. Já deveria estar aqui há tempo.

— Um de seus irmãos... ou se trata de uma mulher?

— Nenhuma das duas coisas. — Disse ele prontamente.

Elizabeth já não fez mais perguntas. Enquanto se metia


na cama, usando o mesmo vestido que Miles lhe deu. Voltou-
se de lado para poder olhá-lo dormir em sua cama de armar.
Dormia inquieto e a cada momento trocava de posição.

Quando alguém bateu na porta com força, Elizabeth


saltou da cama quase tão rapidamente quanto Miles. Sir Guy
entrou no quarto, e um garotinho atrás dele.

— Kit! — Gritou Miles abraçando ao menino como se fosse


parti-lo em dois. O garoto não parecia se importar, já que
também abraçou Miles.

— Por que demoraram tanto? — Perguntou Miles a Sir


Guy.

— Ficaram apanhados em uma tempestade e perderam


três cavalos.

LRTHistóricos 89
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Nenhum homem?

— Todos saíram ilesos, mas demorou um pouco para


substituir os cavalos. O jovem Kit se manteve sobre sua sela,
enquanto que dois dos cavaleiros não conseguiram. — Disse
Sir Guy com orgulho.

— É verdade o que me contam? — Inquiriu Miles, olhando


ao menino de frente.

Elizabeth viu uma pequena réplica de Miles, mas com


olhos castanhos em vez de cinzas, um bonito menino de rosto
solene.

— Sim, papai. — Respondeu Kit. — O tio Gavin me disse


que um cavaleiro jamais perde sua sela. E depois, ajudei aos
homens a tirar toda a bagagem da água.

— É um bom menino. — Miles riu entre dentes,


abraçando novamente Kit. — Pode ir, Guy, e cuide de que os
homens comam bem. Partiremos de manhã a primeira hora.

Kit se despediu de Sir Guy com um sorriso e depois


perguntou a seu pai:

— Quem é ela?

Miles pôs Kit no chão.

— Lady Elizabeth, — disse formalmente — posso ter o


prazer de apresentar Christopher Gavin Montgomery?

LRTHistóricos 90
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Como vai? — Disse ela, estreitando a mão que o


menino estendeu. — Eu sou Lady Elizabeth Chatworth.

— É muito bonita! — Disse ele. — Meu papai adora as


mulheres bonitas.

— Kit... — começou Miles, mas Elizabeth o interrompeu.

— E você gosta das mulheres bonitas? — Perguntou-lhe.

— Oh, sim. Minha babá é muito, mas muito bonita.

— Certamente deve sê-lo já que seu pai a contratou. Tem


fome? Sente-se cansado?

— Eu comi um saco inteiro de ameixas açucaradas. —


Disse Kit orgulhosamente. — Oh, papai! Tenho uma
mensagem para você. É de um tal de Simón.

Miles franziu o cenho, mas à medida que lia a mensagem


sua expressão foi se abrandando em um sorriso.

— Boas notícias? — Perguntou Elizabeth, sem poder


ocultar sua curiosidade.

Miles ficou sóbrio enquanto atirava a mensagem em sua


cama amarrotada.

— Sim e não. Minha prima acaba de dar a luz uma


menina, mas meu tio Simón me ameaça de morte.

Elizabeth não sabia se devia rir ou ficar aborrecida.

— Tem uma irmãzinha, Kit. — Disse por fim.

LRTHistóricos 91
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Já tenho dois irmãos. Não estou interessado em uma


irmã.

— Parece-me que é seu pai quem deve tomar essas


decisões. Agora me parece que é muito tarde e que deveria te
deitar.

— Kit dormirá na cama de armar e eu... — começou Miles,


os olhos brilhando.

— Kit dormirá comigo. — Disse Elizabeth com altivez,


oferecendo sua mão ao menino.

Kit aceitou prontamente e bocejou enquanto ela o levava


a cama.

Miles observou e sorria com expressão quase de triunfo,


enquanto Elizabeth despia o menino sonolento e o deixava com
sua roupa interior. Ele foi prontamente para seus braços
quando ela o levantou e colocou no leito. Elizabeth deitou na
cama junto a ele e o atraiu para si.

Por um momento Miles ficou de pé, observando-os. Com


um sorriso, inclinou-se e depositou um beijo em cada testa.

— Boa noite. — Sussurrou antes de dirigir-se a sua cama


de armar.

No transcurso do dia seguinte, Miles não demorou para


compreender que o interesse de Elizabeth se concentrava
unicamente em Kit. E o menino se comportava com ela como
se a tivesse conhecido de toda a vida. O único comentário de

LRTHistóricos 92
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Elizabeth foi: Eu sempre gostei de crianças e elas parecem


saber disso.

Fosse qual fosse a razão, Kit parecia perfeitamente à


vontade com Elizabeth. À tarde, ele cavalgou com ela, e dormiu
contra seu ombro. Quando Miles sugeriu que iria pegar a
criança, Elizabeth praticamente rosnou para ele.

À noite eles se enroscaram um com o outro em uma cama


de armar e dormiram com toda tranquilidade. Miles os
observou e se sentiu quase um estranho.

Viajaram ainda três dias e Elizabeth sabia que eles


deveriam estar se aproximando das terras dos MacArran. Miles
esteve pensativo o dia todo, e duas vezes o tinha visto discutir
com Sir Guy. Pelo cenho franzido de Guy, Miles obviamente
tinha em mente um plano que não era do agrado do gigante.
Mas cada vez que Elizabeth se aproximava o suficiente para
poder ouvir, os homens deixavam de falar.

Por volta de meio-dia Miles deteve o grupo de homens e


mulas e perguntou se ela e Kit gostariam de jantar com ele.
Usualmente comiam todos juntos para manterem-se
protegidos e não se perderem de vista.

— Parece muito satisfeito sobre alguma coisa. — Disse


Elizabeth, observando-o.

— Estamos a um dia de viagem da casa de meu irmão e


sua esposa; — disse Miles, baixando Kit do cavalo de Elizabeth.

LRTHistóricos 93
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— O tio Stephen usa saias e Lady Bronwyn pode cavalgar


mais rápido que o vento. — Informou Kit.

— Stephen usa uma manta escocesa. — Corrigiu Miles


enquanto descia Elizabeth do cavalo e ignorava seus intentos
em afastar suas mãos. — Meu cozinheiro colocou uma refeição
para nós dentro da floresta.

Kit pegou a mão de Elizabeth e Miles segurou a outra mão


do menino, e juntos entraram no bosque.

— O que acha da Escócia? — Perguntou Miles enquanto


a segurava, quando ela tropeçou contra um tronco caído.

— É como se o lugar fosse intocado desde o começo dos


tempos. É muito agreste e... e pouco fino.

— Quase como o seu povo. — Miles riu. — Meu irmão


deixou crescer o cabelo até os ombros, e suas roupas... não,
deixarei que veja por si mesma.

— Não estamos nos afastando muito de seus homens? —


O bosque primitivo se fechava em volta deles, e os arbustos
quase não permitia avançar.

Miles tirou um machado que levava pendurando nas


costas e com ele começou a abrir um caminho mais fácil de
transitar.

Com um olhar de intriga, Elizabeth se voltou para ele.


Usava roupas sombrias de um verde escuro e uma capa
castanha sobre seus ombros e, além disso, estava fortemente

LRTHistóricos 94
Anjo Audaz — Jude Deveraux

armado. Pendurando em um ombro levava um grande arco


com uma aljava de flechas nas costas, bem como o machado,
a espada no quadril e uma adaga na cintura.

— Alguma coisa está errada, não é?

— Sim. — Disse ele, olhando em volta dela. — Elizabeth,


recebi uma mensagem, segundo o qual teria que me encontrar
aqui com alguém, mas nos afastamos muito.

Ela levantou uma sobrancelha.

— E arriscaria a vida de seu filho nesta entrevista


secreta?

Ele enfiou o machado na bainha.

— Nossos homens estão por toda parte. E prefiro que você


e Kit estejam perto de mim ao invés de deixá-los com qualquer
um dos meus homens.

— Olhe papai! — Disse Kit muito animadamente. — Ali


há um cervo.

— O que acha se formos vê-lo? — Disse ela com calma —


Corra adiante de nós e lhe alcançaremos. — Sem perder de
vista Kit, voltou-se para Miles. — Ficarei com Kit e você vai
procurar seus homens. Acredito que alguém planejou uma
armadilha para que nos separemos deles.

Os olhos de Miles se arregalaram quando caiu na conta


de que estava lhe dando ordens, mas sem pensar duas vezes
desapareceu no bosque, enquanto Elizabeth corria atrás de

LRTHistóricos 95
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Kit. Quando transcorreu o tempo e Miles não voltava, ela


começou a olhar ao redor com olhos ansiosos.

— Está triste, Elizabeth? — perguntou Kit, pegando sua


mão.

Ela se ajoelhou para estar a sua altura.

— Simplesmente estava pensando onde poderia estar seu


pai.

— Já voltará. — Respondeu Kit tranquilamente. — Meu


papai cuidará de nós.

Elizabeth tentou não mostrar sua descrença.

— Tenho certeza de que sim. Ouço um riacho nessa


direção, vamos encontrá-lo?

Não foi fácil atravessar o denso arbusto, mas finalmente


chegaram ao arroio. Era um arroio que corria com força,
formando numerosas cascatas rochosas.

— A água está fria. — Disse Kit, dando um passo atrás —


Você acha que há algum peixe nele?

— Provavelmente haja salmões. — disse Miles atrás de


Elizabeth, fazendo-a saltar. Miles colocou um braço em seus
ombros. — Não quis assustar.

Ela deu um passo para afastar-se dele.

— E seus homens?

LRTHistóricos 96
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Miles deu uma olhada para Kit, que nesse momento se


entretinha arrojando galhos à corrente de água para ver como
se afastavam arrastados pela correnteza. Ele pegou suas mãos
nas dele.

— Meus homens se foram. Não há rastro deles. Elizabeth,


não se assustará, não é mesmo?

Ela olhou em seus olhos. Ela estava com medo de estar


em uma terra estranha com uma criança e este homem em
quem não confiava.

— Não. — Disse com firmeza. — Não desejo preocupar


Kit.

— Bem. — Ele sorriu, apertando suas mãos. — Estamos


na fronteira sul das terras dos MacArran e se partirmos para
o norte, deveremos encontrar algumas das cabanas dos
camponeses, o mais tardar amanhã à noite.

— Mas se alguém fez desaparecer seus homens...

— No momento, o único que me preocupa é você e Kit. Se


ficarmos no bosque, talvez, não nos vejam. Não me importaria
ter que combater, mas não quero que Kit ou você saiam feridos.
Você vai me ajudar?

Ela não se soltou de suas mãos.

— Sim. — Disse brandamente. — Vou te ajudar.

Ele soltou uma de suas mãos.

LRTHistóricos 97
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Estas montanhas são muito frias inclusive no verão.


Coloque isso em torno de você. — Ele levantou um grande
tartan de lã tecida em azul escuro e verde.

— Onde você conseguiu isso?

— Isso foi tudo o que restou da refeição que meu


cozinheiro nos preparou. A comida não estava, mas o tecido
com que a tinha coberto, uma dessas mantas escocesas que
Bronwyn me deu, foi deixado para trás. Esta noite a
necessitaremos. — Ele manteve sua mão firmemente apertada,
enquanto que com a outra, ela jogava a manta sobre os ombros
e caminhavam em direção a Kit.

— Você gostaria de caminhar até a casa do tio Stephen?


— Perguntou Miles a seu filho.

Kit olhou a seu pai com desconfiança.

— Onde está Sir Guy? Um cavaleiro não caminha.

— Um cavaleiro faz tudo o que seja necessário para


proteger às mulheres.

Os dois varões intercambiaram um longo olhar. Kit podia


ter apenas quatro anos, mas sabia desde seu nascimento que
teria que chegar a ser um cavaleiro.

Aos dois anos tinham lhe dado uma espada de madeira e


todas as histórias que ouviu versavam sobre a cavalaria. Kit
pegou a mão de Elizabeth.

LRTHistóricos 98
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Nós vamos protegê-la, milady. — Disse formalmente, e


beijou sua mão.

Miles tocou o ombro de seu filho com orgulho.

— Agora, Kit, vá na frente e veja se encontra algo para


caçar. Um coelho ou dois bastará.

— Sim, papai. — Sorriu e se afastou correndo pela


margem do rio.

— Você vai deixá-lo fora de nossa vista?

— Não o fará. Kit sabe que não deve afastar-se muito.

— Parece que não está muito preocupado com a perda de


seus homens. Havia sinais de uma batalha?

— Absolutamente. — Ele pareceu ignorar o assunto,


deteve-se, arrancou uma delicada flor amarela e colocou atrás
da orelha de Elizabeth. — Parece que você pertence a este lugar
selvagem, com seu cabelo solto, seu vestido rasgado seguro
com um broche de diamantes. Eu gostaria de presenteá-la com
muitos diamantes, Elizabeth.

— Preferiria minha liberdade.

Ele deu um passo para afastar-se dela.

— Você não é mais minha prisioneira, Elizabeth


Chatworth. — Declarou ele. — Pode deixar minha presença
para sempre.

Ela olhou ao redor, a floresta selvagem, negra e fria.

LRTHistóricos 99
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Você é muito, mas muito esperto Montgomery. —


Respondeu ela com sarcasmo.

— Acho que isso significa que você ficará comigo. — Disse


ele, com os olhos brilhantes, e antes que ela pudesse
responder, a levantou, jogou-a para cima, a fez girar no ar e
beijou-a na bochecha.

— Solte-me! — Protestou ela, mas havia um leve sorriso


em seus lábios.

Ele acariciou seu lóbulo da orelha com o nariz.

— Acredito que poderia me ter aos seus pés se esse fosse


seu desejo. — Sussurrou ele.

— Amarrado e amordaçado, espero. — Replicou ela,


tratando de soltar-se. — Mas trate de nos buscar comida ou
carrega esse arco pendurando porque é um bonito adorno?

— Papai! — Gritou Kit antes que Miles pudesse


responder. — Vi um coelho!

— Tenho certeza de que está esperando que eu vá matá-


lo. — Disse Miles com a risada contida, enquanto Kit se
aproximava correndo até eles.

Elizabeth proferiu um som que só poderia ter sido de


risada contida, que fez Miles se voltar e olhá-la, atônito.

Ela se negou a olhá-lo.

LRTHistóricos 100
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Onde está o coelho, Kit? Seu valente pai enfrentará o


animal, e talvez possamos comê-lo, embora não se trate de um
jantar completo.

Depois de caminhar uma hora, durante a qual Miles


parecia estar somente preocupado em brincar com os dedos de
Elizabeth, não tinham visto mais coelhos. Era mais tarde que
o que ela calculou e estava escurecendo... ou talvez fosse
porque o bosque parecia escuro.

— Acamparemos aqui esta noite. Kit, junte lenha. —


Quando o menino partiu, Miles olhou para Elizabeth. — Não o
perca de vista. Trarei algo para comer. — Imediatamente
entrou no bosque.

Assim que Miles se foi, Elizabeth começou a sentir o


isolamento do bosque. Seguiu Kit, carregando em seus braços
grande quantidade de galhos secos. Não notou isso antes, mas
parecia que olhos a estavam observando. Na casa de seu
irmão, ela aprendeu a desenvolver um sexto sentido sobre
homens que se escondiam pelos cantos, preparados para
saltar sobre ela.

— Está assustada, Elizabeth? — Perguntou-lhe Kit, os


olhos arregalados.

— Claro que não. — Esforçou-se por sorrir, mas não podia


deixar de pensar em todas as histórias que escutou sobre a
selvageria dos escoceses. Eram pessoas rústicas, que
torturavam crianças pequenas.

LRTHistóricos 101
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Meu papai te protegerá, — a tranquilizou Kit — ganhou


suas esporas quando não era mais que um menino. Meu tio
Raine disse que papai é um dos melhores cavaleiros da
Inglaterra. Não vai permitir que ninguém te faça mal.

Ela agarrou o menino em seus braços.

— Seu pai é realmente um grande lutador. Sabia que faz


alguns dias, três homens quiseram me atacar? Seu papai os
colocou fora de combate em poucos minutos e nem sequer saiu
com um arranhão. — Apesar dos alardes de coragem do
menino, Elizabeth pôde ver que ele estava assustado. —
Acredito que seu papai poderia vencer todos os homens da
Escócia. Não existe alguém que seja tão forte e tão valente
como seu papai.

Uma risada baixa fez Elizabeth dar a volta e olhar ao redor


para ver Miles, que segurava dois coelhos mortos pelas
orelhas.

— Agradeço-lhe os elogios, milady.

— Elizabeth estava com medo. — Explicou Kit.

— E você fez bem em confortá-la. Devemos proteger


sempre as nossas mulheres. Tem ideia de como se esfola um
coelho, Elizabeth?

Ela baixou Kit ao chão e tomou os coelhos com ar de


confiança.

LRTHistóricos 102
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Já descobrirá que uma Chatworth não é uma dama


Montgomery para sentar-se sobre almofadas de cetim e esperar
que os servos tragam sua comida.

— Você descreveu perfeitamente bem às esposas de


Stephen e Gavin. Vamos Kit, vamos ver se os Montgomery
varões podem ser úteis.

Em muito curto tempo, Miles e Kit tinham feito uma


fogueira e Elizabeth tinha esfolado, limpado e espetado os
coelhos. Miles com seu machado cravou algumas estacas no
chão, e colocou em cima uma outra cruzada para apoiar os
coelhos.

Apoiado sobre os cotovelos, Miles olhava silenciosamente


para a fogueira, enquanto Kit fazia girar os coelhos.

— Parece muito tranquilo. — Disse Elizabeth, franzindo a


testa, mantendo a voz baixa. — Nos encontramos
desprotegidos em terra estranha e, entretanto, acende uma
fogueira. Podemos ser visto a quilômetros de distância.

Ele puxou sua saia até que ela se sentou ao seu lado.

— Esta terra pertence a meu irmão e a sua esposa, e se


os MacArran nos virem, reconhecerão os leopardos dos
Montgomery em minha capa. Os escoceses muito raramente
matam mulheres e crianças. Eles entregariam você a Stephen
e o único que teria que fazer seria explicar quem é.

— Mas o que aconteceu com seus homens?

LRTHistóricos 103
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Elizabeth, meus homens desapareceram sem deixar


rastro de terem liderado um combate. Imagino que os
escoltaram até Larenston, o castelo de Bronwyn. Minha única
preocupação no momento é pela sua segurança e de Kit.
Quando chegarmos a Larenston e não veja meus homens,
então me preocuparei. Kit! Está deixando que a carne queime
de um lado.

Ele se aproximou mais a ela.

— Elizabeth está completamente a salvo. Rastreei toda a


área e não vi ninguém. Têm frio. — Disse quando a viu tremer.
Pegou a manta escocesa, que jazia no chão a seu lado, passou
pelos ombros dela e a atraiu para si.

— É só para que tenha calor. — Disse, quando ela


começou a lutar, e não permitiu que se soltasse.

— Já ouvi isso antes! — Replicou-lhe ela. — O calor é só


o começo. Divertem-se muito me obrigando a fazer o que não
quero?

— Eu não gosto de suas insinuações de que sou parecido


aos amigos imbecis de seu irmão. — Respondeu ele
rapidamente.

Elizabeth deixou de lutar.

— Talvez a vida com Edmund tenha distorcido um pouco


minha forma de pensar, contudo eu não gosto que me ponham
as mãos.

LRTHistóricos 104
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Esse ponto já esclareceu o suficiente, mas se


quisermos sobreviver a esta noite, vamos precisar dar calor
uns aos outros. Kit, quebre uma perna. Parece-me que já está
bem assado.

Os coelhos estavam meio cru por dentro e muito assados


por fora, mas os três estavam muito famintos para deter-se por
isso.

— Eu gosto, papai. — Disse Kit. — Eu gosto de estar aqui


na floresta.

— Faz um frio terrível. — Disse Elizabeth, envolta


completamente na manta. — Se isto for o verão, como será o
inverno na Escócia?

— Bronwyn acha que na Inglaterra faz calor. No inverno


se agasalha com uma dessas mantas e dorme na neve.

— Não! — Suspirou Elizabeth. — Ela é realmente tão


bárbara?

Sorrindo, Miles olhou seu filho e viu que seus olhos se


fechavam de sono.

— Venha se deitar ao meu lado. — Disse Elizabeth, e o


menino foi até ela.

Miles estendeu sua capa no chão, fez um gesto para que


Elizabeth e Kit se deitassem sobre ela, cobrindo-os depois com
a manta escocesa. Depois de jogar mais lenha no fogo, levantou
a ponta da manta e se deitou ao lado de Kit.

LRTHistóricos 105
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Você não pode... — começou ela, mas se deteve. Ele


não tinha outro lugar onde dormir. Entre eles, o corpinho de
Kit que dormia e se mantinha abrigado.

Elizabeth estava agudamente consciente da proximidade


de Miles, mas em lugar de sentir-se assustada, sua presença
a reconfortava. Com a cabeça apoiada em um de seus braços,
ela observava o fogo.

— Como era a mãe de Kit? — Perguntou brandamente. —


Se apaixonou por você à primeira vista, quando o viu vestido
em sua armadura?

Miles lançou uma forte gargalhada.

— Margaret Sidney levantou seu bonito narizinho e se


negou a falar comigo. Fiz tudo o que pude para impressioná-
la. Uma vez, quando ela se aproximou do campo de
treinamento para levar água a seu pai, me virei para olhá-la,
perdi um dos estribos e Raine me golpeou de lado com sua
lança. Ainda tenho a cicatriz.

— Mas eu acreditei...

— Você acreditou nas histórias de que vendi minha alma


ao diabo e que posso ter todas as mulheres que desejo.

— Ouviu essa história. — Disse ela monotonamente, sem


olhá-lo.

Ele pegou sua mão livre ao lado de Kit, beijou seus dedos.

LRTHistóricos 106
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— O diabo não fez nenhuma oferta por minha alma, mas


se o fizesse, poderia pensar sobre isso.

— Blasfema! — Respondeu ela, e retirou a mão. Ficou


quieta por um momento. — Mas finalmente sua Margaret
Sidney mudou de ideia.

— Ela tinha dezesseis anos, era muito bonita e estava


completamente apaixonada por Gavin. Não queria saber nada
de um jovem como eu.

— E o que a fez mudar de ideia?

Ele sorriu, satisfeito.

— Soube ser persistente.

Elizabeth ficou rígida.

— E quando finalmente a conseguiu, como o celebrou?

— Pedi-lhe que se casasse comigo. — Miles respondeu


prontamente. — Eu disse que a amava.

— Você dá o seu amor levianamente. Por que não o


casaram com Bridget, ou com essa prima que acaba de dar-lhe
uma filha?

Ele ficou em silêncio por alguns instantes.

— Eu amei somente uma mulher e tenho feito amor com


muitas mulheres. Só pedi que se casasse comigo à mãe de Kit,
e quando voltar a pedir alguma vez, será porque amo esta
mulher.

LRTHistóricos 107
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Tenho pena dela. — Suspirou Elizabeth. — Vai ter que


suportar que sejam apresentados dois ou três bastardos por
ano.

— Você não parece se importar muito que seja meu filho,


e na estalagem carregou nos braços essa garotinha pensando
que era minha filha.

— Mas eu, felizmente, não estou casada com você.

A voz de Miles se fez mais baixa.

— Se fosse minha esposa, se importaria em receber meus


novos filhos de vez em quando?

— Não teria nada a dizer dos quatro filhos de suas


transgressões passadas, mas se me casasse com você, coisa
que não tenho intenção de fazer, e como meu marido me
humilhasse engravidando a todas as servas da Inglaterra,
acredito que arranjaria sua morte.

— Parece-me bastante justo. — Respondeu Miles, com


tom divertido. Ficou de lado, passou seu braço sobre Kit e os
ombros de Elizabeth, e atraiu a ambos para si. — Boa noite,
meu anjo. — Sussurrou, e adormeceu.

LRTHistóricos 108
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Capítulo Seis
Miles despertou com o pé de Kit em suas costelas,
enquanto o menino tentava dolorosamente subir sobre seu pai.

— Fique muito quieto, papai. — Sussurrou Kit perto do


ouvido de seu pai — Não desperte Elizabeth. — Passou por
cima do pai e correu para o bosque.

Miles observou seu filho e esfregou sua caixa torácica


ferida.

— Sobreviverá? — Perguntou Elizabeth rindo, deitada ao


seu lado.

Ele se virou e seus olhos se encontraram. O cabelo de


Elizabeth estava espalhado sobre a capa, e seu rosto estava
suavizado pelo sono. Ele não levou em conta o estrito controle
que ela exercia sobre si mesmo.

Cautelosamente, sorrindo apenas, ele passou sua mão do


ombro dela a sua bochecha, acariciou-a brandamente e
percorreu o contorno de sua mandíbula.

Conteve o fôlego quando ela não se afastou. Era como se


fosse um animal selvagem que ele devia domesticar, cuidando
de se mover muito devagar para não assustá-la.

Elizabeth observou Miles, sentiu a mão dele em seu rosto


com uma sensação estranha. Os olhos dele pareciam líquidos,

LRTHistóricos 109
Anjo Audaz — Jude Deveraux

seus lábios, cheios e suaves. Ela nunca permitiu que um


homem a tocasse e nunca se perguntou como seria ser
acariciada por um deles. E ali estava, deitada de frente para
Miles Montgomery, apenas alguns centímetros separando seus
corpos, e se perguntou o que sentiria ao tocá-lo. Ele tinha a
barba crescente, o que acentuava a firmeza de seus traços.
Uma mecha de cabelo escuro caía sobre sua orelha.

Como se lesse seus pensamentos, Miles ergueu a mão de


Elizabeth e colocou-a em seu rosto. Ela não a retirou, deixou-
a descansar por um momento, sentindo que seu coração batia
com violência.

Era como se ela estivesse fazendo algo proibido. Depois


de um longo momento, ela moveu sua mão para tocar seu
cabelo. Era suave e limpo, e se perguntou que aroma teria.

Voltou a olhar Miles e soube que ele ia beijá-la. Afaste-se,


ela pensou, mas não se moveu.

Lentamente, dizendo com os olhos que ela não estava


obrigada a nada, que poderia recusá-lo, ele se aproximou mais,
e quando seus lábios se encontraram ela manteve os olhos
abertos.

Que sensação tão agradável, ela pensou. Ele apenas


tocou seus lábios com os dele e deixou-os aí sem forçá-la a
abrir a boca, sem agarrá-la e jogar seu peso em cima dela como
tinham feito outros homens, só deixou que ocorresse esse beijo
ligeiro e agradável. Ele foi o primeiro a afastar-se e havia uma

LRTHistóricos 110
Anjo Audaz — Jude Deveraux

luz de calor em seus olhos que a deixou rígida. Agora virá o


ataque, pensou.

— Shh... — tranquilizou-a ele, a mão sobre sua bochecha.


— Ninguém nunca mais vai machucá-la, minha Elizabeth.

— Papai! — Kit gritou e o encanto foi quebrado.

— Certamente, desta vez, encontrou um unicórnio. —


Disse Miles em voz baixa, levantando-se com inapetência. Sua
brincadeira foi recompensada por um leve sorriso de Elizabeth.

Quando ficou de pé, Elizabeth estremeceu sentindo uma


forte pontada em um ombro. Não estava acostumada a dormir
no chão.

Como se fosse a coisa mais natural do mundo, Miles


começou a massagear seus ombros.

— O que encontrou agora, Kit? — Perguntou ao menino.

— Um atalho. — Voltou a gritar. — Posso segui-lo?

— Não até que cheguemos ai. Melhor? — Perguntou a


Elizabeth, e quando ela acenou com a cabeça ele beijou seu
pescoço e rapidamente começou a reunir seus poucos
pertences.

— Sempre tem essas liberdades com as mulheres? —


Perguntou ela, com curiosidade. — Quando visita a casa de
alguém, beija com tranquilidade a todas as mulheres?

LRTHistóricos 111
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Miles não parou para enterrar os carvões mortos da


fogueira da noite anterior.

— Posso ser civilizado, asseguro-lhe isso, e em geral limito


a beijar as mãos das damas... pelo menos em público. —
Voltou-se para olhá-la, sorrindo, com os olhos brilhando. —
Mas com você, minha encantadora Elizabeth, desde nosso
primeiro... ah, encontro, nada aconteceu segundo meu
costume e de maneira usual. Não posso evitar pensar que foi
um presente. Um presente muito precioso, algo que devo
conservar a qualquer preço.

Antes que ela pudesse responder, e verdadeiramente se


encontrava muito atônita para responder, ele pegou sua mão
e começou a caminhar até onde Kit os esperava impaciente.

— Vejamos aonde nos conduz este atalho. — Miles não a


soltou, enquanto Kit os guiava para um atalho estreito e em
desuso.

— O que acha de meu filho?

Elizabeth sorriu, enquanto o menino chutava um monte


de cogumelos. Ele os olhou e continuou correndo na frente
deles.

— É muito independente, inteligente e bastante adulto


para a idade que tem. Deve sentir muito orgulhoso dele.

O peito de Miles inchou visivelmente.

LRTHistóricos 112
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Tenho mais dois em casa. Philip Stephen tem um ar


tão exótico como sua mãe, e um temperamento que espanta a
sua babá, e não tem mais que um ano de idade.

— E seu outro filho? O filho do Bridget?

— James Raine é exatamente o oposto de Philip, e ambos


estão constantemente juntos. Tenho o pressentimento de que
sempre será assim. James dá seus brinquedos a Philip quando
este os exige. — Riu. — O único que James não compartilha
com ninguém é sua babá. Grita como louco se alguém a toca,
inclusive eu.

— Deve gritar o tempo todo então! — Respondeu ela


sarcasticamente.

— James fala muito pouco. É silencioso. — Disse Miles,


rindo. Aproximou-se mais a ela e se inclinou. — Mas ele vai
para a cama muito cedo.

Ela empurrou-o para longe, brincando.

— Papai! — Gritou Kit, correndo para eles. — Venha ver


isto. É parte de uma casa, mas está queimada.

Dobrando a curva, observava-se o que ficava de uma


cabana de camponeses queimada, parte do teto desmoronou e
só ficava um ângulo em pé.

— Não, Kit. — Disse Miles quando seu filho fez um gesto


de entrar na ruína. Algumas pesadas vigas, muito queimadas,

LRTHistóricos 113
Anjo Audaz — Jude Deveraux

penduravam da única parede em pé até o piso. — Deixe-me


entrar primeiro.

Elizabeth e Kit ficaram juntos enquanto Miles provava


uma viga atrás da outra, balançando-se sobre elas com todo
seu peso. Caiu um pouco de pó, mas as vigas se sustentaram.

— Parece bastante resistente. — Disse Miles, enquanto


Kit se lançava ao interior da estrutura e começava a olhar para
as fendas.

Miles pegou o braço de Elizabeth.

— Vamos subir a colina, porque se não me engano, acho


que são macieiras.

Na parte superior da colina havia um pequeno pomar,


mas quase todas as árvores estavam mortas, embora de alguns
ramos, cerca de uma dúzia de maçãs raquíticas, não de tudo
amadurecidas, estavam penduradas. Quando Elizabeth tentou
alcançar uma, Miles a pegou pela cintura e a elevou. Ela pegou
a maçã e ele a baixou lentamente, deslizando-a na frente de
seu corpo, seus lábios haviam acabado de alcançar os dela
quando Kit gritou.

— Olhe o que encontrei papai.

Elizabeth se virou para sorrir para Kit.

— O que é isso?

Com um suspiro dramático, Miles soltou Elizabeth.

LRTHistóricos 114
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— É um balanço! — Gritou o pequeno.

— Exatamente. — Assentiu Miles, segurando a mão de


Elizabeth. Agarrou as cordas do balanço e deu um violento
empurrão. — Deixe-me ver o alto que pode chegar. — Disse a
seu filho.

Elizabeth e Miles deram um passo atrás quando Kit subiu


no balanço e começou a impulsionar de forma agressiva, até
que seus pés tocaram o ramo de uma árvore.

— Ele vai se machucar. — Disse Elizabeth, mas Miles a


pegou pelo braço.

— Agora mostre a Elizabeth o que sabe fazer.

Ela ofegou quando Kit, ainda balançando muito alto,


levantou as pernas e ficou de pé no balanço.

— Agora! — Ordenou Miles, com os braços muito abertos.

Para estupor de Elizabeth, Kit enviou seu pequeno corpo


voando pelo ar e aterrissou nos braços de Miles. Quando Kit
gritou encantado, Elizabeth sentiu que afrouxavam seus
joelhos.

Miles colocou seu filho no chão e pegou seu braço.

— Elizabeth, o que há de errado? Só era uma brincadeira


de criança. Quando eu tinha a idade de Kit, estava acostumado
a me jogar nos braços de meu pai como fez Kit agora.

— Mas se tivesse no lugar equivocado... — começou ela.

LRTHistóricos 115
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— No lugar equivocado! — Ele estava surpreso. — E


deixar que Kit caísse? — Estreitou-a em seus braços,
acalmando-a. — Ninguém brincou com você quando criança?
— Perguntou brandamente.

— Meus pais morreram pouco depois de eu nasci.


Edmund era meu guardião.

Esse simples comentário disse muito a Miles. Afastou-a


um pouco de si para olhá-la melhor.

— Agora vamos compensar a sua falta de infância como


é devido. Suba no balanço e eu lhe darei impulso.

Agradou-lhe a oportunidade de apagar as lembranças de


Edmund e rapidamente se dirigiu ao balanço.

— Eu o farei, papai. — Disse Kit, tratando de empurrar o


assento do balanço, não fazendo muito progresso. — É muito
pesada. — Sussurrou o menino.

— Mas não para mim. — Miles riu, beijou a orelha de


Elizabeth e segurou as cordas. — Levante as pernas, Elizabeth.
— Ele disse, enquanto começava a impulsioná-la.

— Não posso agora, mas o farei. — Gritou ela sobre seu


ombro.

Miles a soltou e ela saiu voando. Cada vez que o balanço


voltava para ele, em lugar de impulsioná-la pelo assento do
balanço, lhe empurrava pelo traseiro, mas tudo o que fazia

LRTHistóricos 116
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Elizabeth era rir. A saia subiu até os joelhos, ela chutou os


sapatos e estirou as pernas.

— Salta Elizabeth! — Ordenou-lhe Kit.

— Sou muito pesada, recorda? — Brincou ela, rindo.

Miles ficou ao lado dela. Quanto mais tempo passava com


ela, mais bonita lhe parecia. Tinha a cabeça arremessada para
trás e sorria como nunca antes.

— Meu papai pode te apanhar. — Insistia Kit.

— Sim, seu papai está extremamente interessado em


pegar Lady Elizabeth. — Miles riu baixinho, ficando frente a
ela. Viu uma sombra de dúvida em seu rosto. — Confie em
mim, Elizabeth. — Ele sorria, mas ao mesmo tempo se
mostrava mortalmente sério. — Não vou me afastar, eu vou te
pegar não importa a força com que caia.

Elizabeth não fez o truque de Kit de ficar em pé no


balanço, mas sim, se soltou das cordas e saiu voando para os
braços de Miles. Quando golpeou contra ele, a respiração
estava quase bloqueada. Miles a agarrou com firmeza, e então,
com olhar horrorizado, disse:

— Elizabeth, sinceramente é muito, muito pesada.

A queda de Miles foi à farsa mais ostentosa que ela tinha


visto, e enquanto ele se deixava cair entre grunhidos
retumbantes, ela tratava de ocultar seu contentamento,
agarrando-se a ele. Miles seguia gemendo miseravelmente

LRTHistóricos 117
Anjo Audaz — Jude Deveraux

entre gritos de "Oh", "Ah", e começou a rolar colina abaixo com


ela nos braços. O rolamento também era fingimento. Quando
Miles se encontrava debaixo dela, apertava Elizabeth passando
as mãos pelo seu corpo, mas quando ela ficava debaixo, ele a
mantinha afastada do chão, de maneira que nem a menor
pedra a roçasse.

O pequeno sorriso de Elizabeth se transformou em


gargalhadas, por isso não tinha forças suficientes para
empurrá-lo de cima dela. Quando ela estava por cima, não
dava tempo para tentar nada, e quando estava por baixo, era
ela que se agarrava a ele com todas suas forças.

Ao pé da colina se detiveram, ele ficou deitado com os


braços abertos e os olhos fechados.

— Estou destroçado, Elizabeth! — Disse com tom ferido.

Kit, que não queria perder a diversão, descia a toda


velocidade pela colina e saltou precisamente sobre o estômago
de seu pai, pegando-o despreparado.

Desta vez o gemido de Miles foi legítimo, e Elizabeth


rompeu a rir novamente. Fazendo muitas caretas, Miles tirou
o filho da barriga e virou-se para Elizabeth.

— Alegra-se me vendo sofrer, não é? — O tom de sua voz


era sério, mas os olhos brilhavam provocativamente. — Vamos
Kit, vamos mostrar a Lady Elizabeth que não pode rir de dois
cavaleiros do reino.

LRTHistóricos 118
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Com os olhos arregalados, Elizabeth ficou de pé e deu um


passo atrás, mas Kit e Miles foram mais rápidos. Miles a
capturou pelos ombros, enquanto que Kit lançava todo o peso
de seu corpo contra suas pernas. Elizabeth tropeçou em sua
saia. Miles tropeçou em Kit e o menino, por sua parte,
continuou empurrando Elizabeth.

Os três juntos caíram, rindo as gargalhadas e Miles


começou a fazer cócegas em Elizabeth, enquanto seu filho o
imitava.

— Suficiente? — Perguntou Miles, muito perto do rosto


de Elizabeth, que estava banhado em lágrimas. — Está pronta
para admitir que somos os melhores cavaleiros?

— Eu... jamais disse que não fossem. — Ofegou ela.

Miles começou novamente a lhe fazer cócegas.

— Diga-nos o que somos.

— Os cavaleiros mais corajosos e belos de toda a


Inglaterra, e de todo o mundo.

As mãos dele ficaram quietas ao redor de sua cintura, os


polegares apertados debaixo dos seios dela.

— E qual é meu nome? — Sussurrou ele, completamente


sério.

— Miles. — Murmurou ela, com os olhos fixos nele. —


Miles Montgomery. — Ela tinha as mãos sobre os ombros dele
e as deslizou brandamente até seu pescoço.

LRTHistóricos 119
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Miles se inclinou e a beijou, docemente, e pela primeira


vez houve uma faísca de algo entre eles. Kit saltou sobre as
costas de seu pai e os rostos de ambos se separaram.

— Vamos balançar outra vez, papai.

— E pensar que eu amava meu filho. — Sussurrou Miles


ao ouvido de Elizabeth enquanto ficava de pé, com o menino
colado a suas costas.

Nenhum deles notou que o céu escureceu nos últimos


minutos, e todos foram surpreendidos quando as primeiras
gotas frias caíram sobre eles. As comportas do céu se abriram
e quase se afogaram.

— À cabana. — Disse Miles, puxando Elizabeth enquanto


passava o braço pelos seus ombros. Os três juntos correram a
procurar refúgio.

— Você se molhou? — Perguntou, enquanto descia Kit


das costas.

— Não, não muito. — Ela sorriu brevemente e se voltou


para Kit.

Miles pôs a mão com naturalidade sobre o ombro de


Elizabeth.

— Por que os dois não preparam uma fogueira enquanto


procuro alguma coisa para comer?

Kit assentiu entusiasmado, enquanto Elizabeth olhava


duvidosamente a chuva torrencial que caía.

LRTHistóricos 120
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Talvez devesse esperar que amainasse um pouco o


aguaceiro.

Miles a olhou, encantado.

— Não vai me ocorrer nada, estarei seguro. E agora,


fiquem aqui os dois, não estarei muito longe. — Dizendo isto,
saiu por entre as vigas e desapareceu.

Elizabeth se acomodou em um canto do refúgio e o olhou


afastar-se. Tinha certeza de que Miles Montgomery não tinha
ideia de que este foi um dia completamente fora do comum
para ela. Passou uma manhã inteira com um homem e nem
sequer uma vez houve violência. E que maneira de rir! Sempre
gostou de rir, mas seus irmãos eram muito solenes... qualquer
um que vivesse na mesma casa que Edmund Chatworth logo
se tornava solene também. Mas esta manhã tinha podido rir
com um homem e ele não tentou arrancar suas roupas. Antes,
sempre que ela chegava a sorrir para um homem, este tratava
de apanhá-la e machucá-la.

Não é que Elizabeth fosse tão bonita que despertasse a


luxúria incontrolável de todos os homens. Sabia que era
bonita, sim, mas se ela ouviu corretamente, não era páreo para
a herdeira Revedoune. Quem sempre a colocou no papel de
vítima das agressões dos homens foi seu irmão Edmund. Seu
distorcido senso de humor o levou a fazer apostas com seus
convidados, sobre qual deles poderia levar Elizabeth à cama.
Edmund se sentia profundamente aborrecido porque ela não
ficava apavorada com ele. Quando era criança, costumava

LRTHistóricos 121
Anjo Audaz — Jude Deveraux

trazê-la para casa do convento onde ela morava a maior parte


do tempo e muitas vezes batia nela, fazendo-a rolar escada
abaixo. Mas de alguma forma, Elizabeth conseguiu sair sem
estar seriamente machucada.

Quando chegou aos doze anos aprendeu a defender-se


melhor. Ela conseguiu segurar Edmund com um machado em
punho. Depois de alguns episódios deste tipo, Edmund e suas
brincadeiras ficaram mais perigosas e Elizabeth teve que
desenvolver maiores habilidades para afastar seus
perseguidores. Aprendeu como ferir aos homens que a
atacavam. Conseguiu convencer a seu irmão Roger de que a
ensinasse como usar o machado, a espada, a adaga. Aprendeu
a defender-se com uma língua muito afiada.

Depois de algumas semanas com Edmund e os homens


que o rodeavam, ela escapava novamente para o convento,
quase sempre com a ajuda de Roger, e ali tomava um tempo
de descanso... até que Edmund voltava para levá-la
novamente.

— Já tenho a fogueira acesa, Lady Elizabeth. — Disse Kit


atrás dela.

Elizabeth sorriu para ele com doçura. Sempre amou as


crianças. Elas eram exatamente o que pareciam ser, nunca
tratavam de aproveitar-se dela, sempre se davam com inteira
liberdade.

LRTHistóricos 122
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Você fez todo o trabalho, enquanto eu não fiz mais que


te olhar. — Foi até ele. — Talvez queira que te conte uma
história enquanto esperamos seu pai.

Sentou-se, apoiada contra a parede, os pés perto do fogo


e seu braço sobre os ombros de Kit. Jogou por cima de ambos
a capa de Miles e começou a relatar ao menino a história de
Moisés e o povo de Israel. Antes de chegar à parte em que o
mar Vermelho se abria para permitir passar o povo de Israel,
Kit tinha dormido aconchegado contra ela.

A chuva golpeava sobre o pedaço do teto que tinham


sobre suas cabeças, que vazava por três goteiras. Enquanto ela
olhava a fogueira, Miles apareceu entre os vapores da névoa,
sorriu-lhe e se aproximou para alimentar o fogo. Permaneceu
silencioso enquanto esfolava e preparava um porco pequeno,
cortando a carne em peças e as espetando com varas para que
assassem.

Enquanto ela o observava, não conseguia deixar de


pensar no homem estranho que era. Ou eram a maioria dos
homens como ele? Roger sempre havia dito que Elizabeth só
tinha visto a escória do gênero humano, e a forma como
algumas jovens damas do convento alardeavam a respeito de
seus amantes. Elizabeth pensou mais de uma vez que talvez
houvesse homens distintos daqueles que conheceu.

Miles se ajoelhou junto ao fogo, enquanto suas mãos


trabalhavam agilmente com as partes de carne. Perto dele
estava seu arco, e as flechas na aljava pendurada nas costas,

LRTHistóricos 123
Anjo Audaz — Jude Deveraux

enquanto que sua espada nunca saia de seu lado. Inclusive


quando rolavam colina abaixo, a espada permaneceu bem
presa a sua cintura.

Que tipo de homem era aquele, que podia brincar e rir


com uma mulher sem deixar de estar preparado para o perigo?

— No que está pensando? — Perguntou Miles


calmamente, olhando-a com intensidade.

Ela pareceu despertar.

— Em que está tão molhado que a qualquer momento vai


apagar o fogo.

Ele permaneceu de pé.

— Este é um país muito frio, não é certo? — Começou a


tirar as roupas molhadas, colocando cada peça estendida perto
do fogo.

Elizabeth o observava com um interesse distante. Os


homens nus não eram nenhuma novidade para ela, e mais de
uma vez seus irmãos treinaram não usando outra coisa que
seus pequenos calções íntimos. Mas duvidava que alguma vez
tivesse observado realmente a algum destes homens.

Miles era esbelto, mas musculoso, e quando se voltou


para ela, usando algo menor que um pequeno calção, viu que
tinha um triângulo de pelos escuros no peito, espessos,
abundantes em forma de v. Tinha coxas fortes pelo

LRTHistóricos 124
Anjo Audaz — Jude Deveraux

treinamento com armadura, e suas panturrilhas estavam bem


desenvolvidas.

— Elizabeth, — sussurrou Miles — vai fazer com que me


ruborize.

Foi Elizabeth quem se ruborizou, e não pôde olhá-lo de


frente quando ele riu baixinho.

— Papai, — disse Kit, levantando-se — tenho fome.

Sem muito entusiasmo, Elizabeth foi até o menino. Por


mais que amasse crianças, havia poucos deles em sua vida.
Não havia nada como uma criança em seus braços, precisando
dela, confiando nela, tocando-a.

— Temos carne de javali e algumas maçãs. — Disse Miles


a seu filho.

— Você está com frio, papai? — Perguntou Kit.

Miles não olhou Elizabeth.

— Tenho os olhares quentes de uma dama que me dá


calor. Venha comer conosco, Lady Elizabeth.

Ainda com as bochechas ruborizadas, Elizabeth se


aproximou dos homens e em poucos momentos pôde superar
sua confusão. Ante a insistência de Kit, Miles começou a
contar histórias dele e seus irmãos quando eram meninos. Em
cada história, ele era o herói, salvando seus irmãos,
ensinando-os. Os olhos de Kit brilhavam como estrelas.

LRTHistóricos 125
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— E quando você fez seu juramento, — perguntou


Elizabeth inocentemente — não teve que prometer que jamais
mentiria?

Os olhos de Miles cintilaram.

— Não acredito que isso tenha nada a ver em


impressionar meu filho ou a pessoa... — Pareceu procurar a
palavra adequada.

— Cativa? — sugeriu-lhe ela.

— Ah, Elizabeth! — Respondeu ele languidamente. — O


que pensaria uma dama de um cavaleiro cujos irmãos mais
velhos tentavam constantemente fazer sua vida miserável?

— Faziam-no?

Ela parecia tão interessada em sua pergunta que ele se


deu conta de que tomou suas palavras em sentido literal.

— Não, em realidade não. — Lhe assegurou. — Ficamos


sozinhos em tenra idade e eu acho que algumas das nossas
travessuras eram um pouco perigosas, mas todos nós
sobrevivemos.

— Com toda felicidade. — Disse ela duramente.

— E como era viver com Edmund Chatworth? —


Perguntou ele com ar despreocupado.

Elizabeth encolheu as pernas.

LRTHistóricos 126
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Também gostava de... travessuras. — Foi tudo o que


disse.

— Você já teve o suficiente, Kit? — Perguntou Miles, e


quando ele pegou outro pedaço de carne de porco, ela viu o
longo corte no interior de seu pulso. Abriu novamente e estava
sangrando.

Miles parecia não perder nenhuma só dos olhares dela.

— Golpeei-me com a corda do arco. Pode me curar se


quiser. — Disse, com tanta ansiedade, com tanta esperança,
que a fez rir.

Ela levantou a saia, arrancou um pedaço de anágua e


molhou-o na chuva. Miles sentou-se de pernas cruzadas
diante dela, o braço estendido enquanto Elizabeth começava a
lavar o sangue.

— Jamais saberá o quanto gosto de vê-la sorrir. — Disse


ele. — Kit, não suba nessas vigas. Tome o pano de dentro da
aljava e limpe a minha espada. E tome cuidado de não
danificar o fio. — Olhou novamente Elizabeth. — Eu tomo
como uma honra você sorrir para mim. Não tenho certeza, mas
não me parece que tenha sorrido a muitos homens.

— A muito poucos. — Foi tudo o que ela respondeu.

Ele levantou-lhe a mão, tomando-a pelo pulso, e beijou


sua palma.

LRTHistóricos 127
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Estou começando a pensar que você é tão angelical


como parece. Kit a adora.

— Tenho a sensação de que Kit jamais conheceu uma


desconhecida. Acredito que ele adora a todo mundo.

— Não acredito. — Beijou-lhe a mão novamente.

— Já basta! — Afastou-se dele. — Toma muitas


liberdades com seus beijos.

— Estou fazendo muito bem em limitar meus beijos. O


que eu gostaria de fazer é amor com você. Kit! — Gritou a seu
filho, que neste momento balançava a espada sobre sua
cabeça. — Te arrancarei a pele se considerar empurrar a
espada contra algo.

Apesar de tudo Elizabeth riu, enquanto empurrava o


braço de Miles perfeitamente enfaixado.

— Acredito que deveria deixar seu filho em casa quando


pretender cortejar a alguém.

— Ah, não! — Sorriu. — Kit conseguiu mais do que eu


poderia ter em meses.

Com essa observação enigmática, levantou-se para


arrancar sua espada das mãos imprudentes de seu filho.

LRTHistóricos 128
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Capítulo Sete
Esta noite, os três dormiram juntos novamente, Kit
comodamente instalado no meio dos dois. Elizabeth
permaneceu acordada muito tempo ouvindo as respirações de
Miles e Kit. Os últimos dois dias tinham sido muito estranhos,
muito diferente de qualquer coisa que ela já experimentou
antes. Era como um raio de sol depois de anos de chuvas.

Quando despertou, estava sozinha sobre a capa, muito


bem envolta na manta escocesa. Sorriu, ainda sonolenta, e se
encolheu mais entre as cobertas, desejando por um momento
poder ficar muito mais tempo neste lugar, desejando que todos
os dias de sua vida pudessem estar tão cheios de risadas.

Deitou-se de costas, se espreguiçou e lançou um olhar


pelo pequeno refúgio, para dar-se conta de que não havia
ninguém ali. Seus sentidos haviam diminuído um pouco
nestes últimos dias. Normalmente, ela dormia com um olho
aberto e os ouvidos atentos, mas de algum jeito, Miles e Kit
tinham conseguido sair sem incomodá-la. Prestou atenção a
algum som que pudesse delatar a presença deles e sorriu
quando escutou suaves pisadas não muito longe da cabana.

Cautelosamente, em silêncio, deixou o refúgio e se


internou no bosque. Deslizando suavemente dentro da
floresta, bem oculta, escutou os sons inconfundíveis de Kit e

LRTHistóricos 129
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Miles a sua esquerda. Mas então, quem rondava pelos


arbustos um pouco mais adiante de onde ela se encontrava?

Usando todos seus anos de experiência escapando dos


amigos de seu irmão, escorregou pelo bosque sem nenhum
esforço. Passaram alguns minutos antes que visse quem era
que estava tentando com tanto esforço aproximar-se deles.

Arrastando-se sobre seu estômago, por momentos


deixando seu comprido corpo imóvel, estava Sir Guy, que
movia a cabeça de um lado para o outro para localizar o lugar
onde Kit e Miles se encontravam.

Sem outro som que o de sua respiração, Elizabeth se


arrastou até ficar junto de Sir Guy. Deteve-se, ficou de pé e
recolheu uma pequena pedra, que apertou fechando o punho.
Roger ensinou que mesmo que seu punho fosse pequeno, podia
transformar-se em uma arma perigosa se segurava algum
objeto pesado. Com a rocha em uma de suas mãos, inclinou-
se e tirou de Sir Guy a adaga que levava na cintura.

O gigante ficou de pé instantaneamente, com um só


movimento.

— Lady Elizabeth! — ofegou.

Elizabeth deu um passo atrás para pôr alguma distância


entre ela e o homem.

— Por que nos segue? Traístes a seu amo e agora vem


matá-lo?

LRTHistóricos 130
Anjo Audaz — Jude Deveraux

A cicatriz do rosto de Sir Guy ficou lívida, mas o homem


não respondeu. Em vez disso, voltou à cabeça em direção a
Miles e emitiu um prolongado assobio.

Elizabeth sabia que Miles responderia à chamada, que


era um sinal entre eles. Se Sir Guy podia chamar livremente a
seu amo, então Miles devia conhecer a razão pela qual o
gigante atuava escondido e porque o fazia.

Quase imediatamente apareceu Miles, sozinho, com a


espada na mão.

— A dama deseja saber se estou aqui para te matar. —


Disse Sir Guy solenemente.

Miles olhou de um para o outro.

— Como ela encontrou você? — Os olhos de Sir Guy não


se separavam do rosto de Elizabeth. Parecia envergonhado e
ao mesmo tempo a olhava com admiração.

— Não a ouvi se aproximar.

Os olhos de Miles cintilaram.

— Devolva-lhe a adaga, Elizabeth. Não há nenhuma


dúvida a respeito da lealdade do Guy.

Elizabeth não mudou de posição. Ainda mantinha


apertada a pedra em sua mão, e esta, escondida entre as
dobras de sua saia, e ao mesmo tempo observava o pé
finamente calçado de Sir Guy, apoiado sobre uma rocha

LRTHistóricos 131
Anjo Audaz — Jude Deveraux

plaina. Os pés eram pontos vulneráveis, inclusive para os


homens mais fortes.

— Onde estão seus homens? — Perguntou ela a Miles,


sem deixar de olhar Sir Guy.

— Bem... Elizabeth, — começou ele — eu pensei que


talvez...

Pela ligeira mudança de expressão no rosto de Sir Guy,


Elizabeth soube que tudo o que ocorreu tinha sido ideia de
Miles Montgomery.

— Fale! — Ordenou.

— Estamos nas terras dos MacArran e eu sabia que


estaríamos a salvo, de maneira que decidi fazer o caminho a
pé, com você e Kit. Em nenhum momento estivemos em perigo.

Voltou-se para ele, mas não perdeu de vista Sir Guy.

— Isto tudo foi um truque. — Disse sem emoção. — Você


mentiu quando disse que seus homens desapareceram.
Mentiu quando disse que estávamos em perigo. Fez tudo isto
para estar a sós comigo.

— Elizabeth, — tentou tranquilizá-la — estávamos


rodeados de gente. Pensei que talvez se estivéssemos sozinhos
um tempo, poderia chegar a me conhecer melhor. E Kit...

— Não profane o nome desse menino! Ele não tem nada


a ver com o horrível complô de vocês dois.

LRTHistóricos 132
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Não foi um complô. — Disse ele, com olhos suplicantes.

— E o que me diz do perigo? Você arriscou minha vida e


a de seu filho. Estes bosques estão cheios de homens
malvados.

Miles sorriu compreensivamente.

— Certo, mas esses homens malvados estão relacionados


comigo pelo casamento político. Estou seguro de que inclusive
neste momento estamos rodeados de MacArran.

— Não pude detectar a ninguém, com a exceção deste


imenso javali.

Sir Guy, ao seu lado, ficou rígido.

— Não houve mal nenhum que lamentar. — Miles lhe


sorriu. — Me dê a adaga, Elizabeth.

— Nada de mal exceto mentiras contadas a uma mulher.


— Replicou ela.

Instantes depois, tudo pareceu ocorrer de repente. Ela se


lançou contra Miles com a adaga. Sir Guy a golpeou na mão e
conseguiu que Elizabeth a soltasse, e enquanto a pequena
adaga caía, ela deu uma terrível pisada nos dois dedos
menores do pé esquerdo de Sir Guy. Enquanto Miles se voltava
para olhar atônito Sir Guy, que rugia de dor, não viu o punho
de Elizabeth, que ainda escondia a pedra, quando se chocou
contra seu estômago. Com grande demonstração de dor, Miles
se inclinou.

LRTHistóricos 133
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Elizabeth deu um passo atrás, olhando como Sir Guy se


sentava e tratava de tirar a bota, seu rosto uma careta de dor.
Miles parecia a ponto de vomitar o jantar a qualquer momento.

— Bem feito! — Disse uma voz atrás dela. Ela se virou


rapidamente e parou, olhando para o rosto de uma mulher
extraordinariamente bela, de cabelos pretos e olhos azuis, tão
alta quanto Elizabeth, o que era raro. Um cão grande estava ao
lado dela.

— Isto deve te ensinar Miles, — continuou — que nem


todas as mulheres gostam de serem utilizadas para meros
caprichos dos homens.

Os olhos de Elizabeth se arregalaram ao ver que vários


homens começavam a descer das árvores e que da direção onde
se encontrava a cabana se aproximava um homem mais velho
que estava levando Kit pela mão.

— Lady Elizabeth Chatworth, — disse a mulher — eu sou


Bronwyn MacArran, Laird do clã dos MacArran, e cunhada
deste jovem intrigante.

Miles começava a recuperar-se.

— Bronwyn, é bom ver você de novo.

— Tam! — Disse Bronwyn ao homem mais velho. — Cuide


do pé de Sir Guy. Será que quebrou?

LRTHistóricos 134
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Provavelmente. — Respondeu Elizabeth. — Todas as


vezes que fiz esse ataque antes, descobri que conseguia romper
facilmente os dedos menores do pé.

Bronwyn lhe dirigiu um olhar quase de admiração.

— Estes são meus homens: Douglas, — à medida que ia


nomeando, eles davam um passo à frente e inclinavam a
cabeça diante Lady Elizabeth. — Alex, Jarl e Francis.

Elizabeth deu a cada homem um olhar duro, avaliador.


Ela não gostava de ser cercada por homens, e trocou de
posição para não ter mais Sir Guy a suas costas. Na situação
em que estava, sentia-se como se estivesse encerrada em uma
pequena cela de pedra.

Miles, esfregando o estômago, notou o movimento e se


aproximou de Elizabeth, e quando Tam deu um passo adiante.
Miles pôs a mão sobre seu braço, seus olhos dando um aviso
de advertência. Um tanto perplexo, Tam soltou Kit e se afastou
uns passos de Elizabeth, notando que os olhos dela se
mantinham atentos, vigilantes.

— E onde está meu inútil irmão? — Perguntou Miles a


Bronwyn, que observava calmamente a cena que se
desenvolvia frente a ela.

— Está patrulhando a fronteira norte, mas espero que se


reúna conosco antes que cheguemos a Larenston.

LRTHistóricos 135
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Miles tomou o braço de Elizabeth e o apertou quando ela


tentou se afastar dele.

— Bronwyn tem uma criança. — Disse em voz alta. E logo,


em um sussurro, disse. — Você está a salvo, fique perto de
mim.

Elizabeth deu-lhe um olhar fulminante, querendo dizer


que não se considerava mais segura por estar com ele, mas
não se moveu de seu lado. Os homens de Bronwyn estavam
curiosamente vestidos, com os joelhos nus, os cabelos soltos
pelos ombros e espadas muito longas seguras à cintura.

Bronwyn sentia que havia algo mais em tudo isto, além


da armadilha infantil que Miles tinha feito com Elizabeth, mas
não tinha ideia de como eram as coisas em realidade. Talvez
quando retornassem a Larenston poderia averiguar o que era
toda essa tensão que se sentia no ambiente.

— Vamos cavalgar?

Elizabeth permaneceu em seu lugar, sem mover-se até


que os homens de Bronwyn estiveram na frente dela. Tiveram
que caminhar um trecho até onde tinham deixado ocultos os
cavalos, os homens formavam um grupo silencioso. Sir Guy
seguia caminhando com dificuldade, apoiado em um grosso
pau.

— Eu quero cavalgar atrás dos homens. — Disse


Elizabeth, com o queixo muito erguido.

LRTHistóricos 136
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Ele começou a protestar, mas se conteve, murmurou algo


para Bronwyn e a um aceno dela, os escoceses e Sir Guy
avançaram adiante, com Kit montado junto à Tam.

— Elizabeth, — Miles murmurou de seu cavalo ao lado


dela — os homens de Bronwyn não vão fazer nenhum mal a
você. Não há razão para que os tema.

Ela o olhou desafiante.

— Devo acreditar em sua palavra? A palavra de alguém


que me mentiu? A palavra de alguém que pertence a uma
família que está em guerra com a minha?

Miles lançou um resignado olhar para o céu.

— Talvez tenha feito mal em enganá-la desta forma, mas


se tivesse pedido que passássemos uns dias juntos no bosque
nos divertindo com Kit, o que teria respondido?

Ela olhou para outro lado.

— Elizabeth, deve admitir que se divertiu. No bosque, por


umas horas, não teve medo dos homens.

— Eu jamais tenho medo dos homens. — Replicou ela. —


Simplesmente aprendi a ser cautelosa.

— Sua cautela domina toda sua vida. — Disse ele


severamente. — Olhe para nós agora mesmo, comendo a poeira
dos homens de Bronwyn porque você teme que um deles irá
atacá-la se não os tiver em seu campo de visão.

LRTHistóricos 137
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Aprendi... — começou ela.

— Só aprendeu a parte má da vida! Nem todos os homens


são como Edmund Chatworth ou Pagnell. Enquanto
estivermos aqui, na Escócia, vai aprender que existem homens
dignos de confiança. Não! — Pensou melhor, lhe cravando a
vista. — Vai aprender que sou digno de confiança. — Com isto,
esporeou seu cavalo e se colocou junto a Sir Guy, deixando-a
sozinha.

Bronwyn se voltou para observar a Elizabeth e fez girar


seu cavalo para cavalgar ao lado da mulher loira. Formavam
uma dupla surpreendente: Elizabeth, com seus traços
delicados de loira, Bronwyn, com as suas bem definidas
características morena.

— Uma briga de amantes? — Perguntou-lhe Bronwyn,


observando seu rosto.

— Não somos amantes. — Disse Elizabeth friamente.

Ouvindo-a, Bronwyn levantou uma sobrancelha,


pensando que devia ser a primeira vez que Miles passava
algum tempo com uma mulher sem chegar a possui-la.

— E como é que uma Chatworth cavalga com um


Montgomery? — Inquiriu no mesmo tom que Elizabeth usou
com ela.

Elizabeth dirigiu a Bronwyn um olhar áspero.

LRTHistóricos 138
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Se planeja soltar veneno contra meu irmão Roger,


pense duas vezes.

Bronwyn e Elizabeth se olharam fixamente durante uns


instantes e depois — enquanto várias mensagens não verbais
passavam de uma a outra — Bronwyn fez um pequeno aceno
com a cabeça e se afastou com seu cavalo, deixando sozinha
Elizabeth.

— Já enfureceu Bronwyn? — Perguntou Miles,


aproximando-se novamente.

— Tenho que escutar todo tipo de maldades contra meu


próprio irmão? Essa mulher jurou a Roger que se casaria com
ele e depois não cumpriu com sua palavra. Como resultado
disso...

— Como resultado disso, Roger Chatworth atacou a meu


irmão pelas costas. — Interrompeu Miles. Fez uma pausa e se
aproximou do cavalo dela, inclinou-se para segurar a mão dela.
— Nos dê uma oportunidade, Elizabeth. — Disse brandamente,
com olhos implorantes. — Tudo o que peço é que dê a todos
nós o tempo necessário para demonstrar que somos dignos de
confiança.

Antes que Elizabeth pudesse responder, chegou até eles


o som de cascos de cavalos. Imediatamente todos os homens
desembainharam suas espadas claymores e, antes que ela
pudesse protestar, os escoceses de Bronwyn tinham formado

LRTHistóricos 139
Anjo Audaz — Jude Deveraux

um círculo, cercando nele às duas mulheres. Miles aproximou


mais seu cavalo de Elizabeth.

— É o idiota do meu marido. — Disse Bronwyn, e seu tom


de alegria estava completamente em desacordo com suas
palavras.

Cinco homens se detiveram frente a eles, e seu líder era


um homem alto, de cabelos de um loiro escuro com alguns fios
mais claros do sol que chegavam até os ombros. Um homem
de boa aparência, que obviamente se divertia com as palavras
de irritação que lançava sua mulher.

— Está ficando velho, Tam. — Disse o homem loiro


distraidamente, reclinando-se em sua sela.

Tam só emitiu um grunhido e voltou a embainhar sua


claymore.

— Maldito seja, Stephen. — Resmungou Bronwyn. — Por


que tinha que baixar do penhasco dessa forma? E por que não
mandou avisar que se aproximava?

Lentamente, ele desmontou e deu as rédeas de seu cavalo


a um dos homens que tinha chegado com ele, enquanto se
encaminhava para onde se encontrava sua esposa.
Distraidamente, colocou a mão em seus tornozelos e começou
a acariciar para cima.

Bronwyn soltou um chute.

LRTHistóricos 140
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Me solte já! — Exigiu-lhe. — Tenho deveres mais


importantes para fazer do que ficar brincando contigo.

Com a rapidez de um raio, Stephen a agarrou pela cintura


e a desmontou.

— Preocupou-se comigo por ver como descia o penhasco


tão velozmente? — Murmurou, apertando-a contra si.

— Tam! — Ofegou Bronwyn, tratando de soltar-se.

— O rapaz não precisa de minha ajuda. — Respondeu


Tam.

— Mas eu ajudarei com muito gosto. — Disse Miles


tranquilamente.

Stephen soltou sua mulher abruptamente.

— Miles! — Resmungou, e quando seu irmão desmontou,


abraçou-o com força. — Quando chegou? O que faz na
Escócia? Pensei que estava com o tio Simón, e que história é
essa que escutei de que ele quer sua cabeça em bandeja de
prata?

Miles sorriu levemente e encolheu seus ombros. Stephen


fez uma careta, pois sabia que seu irmão não diria nada. Miles
era tão discreto que às vezes se tornava insuportável.

— Miles trouxe Elizabeth Chatworth. — Disse Bronwyn


exasperadamente.

LRTHistóricos 141
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Stephen se voltou para onde se encontravam os homens,


procurando-a com os olhos. Elizabeth tinha traços suaves,
mas parecia estar rígida, inflexível, enquanto se sentava na
sela. Stephen começou a aproximar-se, mas Miles pegou seu
braço.

— Não toque nela. — Explicou Miles com calma,


aproximando-se também de Elizabeth.

Depois de um segundo de surpresa, Stephen sorriu. Ele


entendia muito bem o ciúme, mas jamais tinha visto seu irmão
assim.

Quando Miles elevou seus braços para Elizabeth e ela


hesitou, disse-lhe:

— Stephen não vai fazer-lhe nenhum dano, e espera de


você a mesma cortesia. — Havia um leve brilho em seus olhos.

Elizabeth não pôde evitar sorrir levemente quando olhou


Sir Guy, em cujo rosto se lia o que pensava dela: que era um
monstro e uma bruxa.

Tiveram que esperar para fazer as apresentações a


Stephen porque Kit, que adormecera nos braços de Tam,
acabava de despertar e se jogava nos braços de seu amado tio.
Stephen colocou Kit num dos braços enquanto estendia a mão
para Elizabeth.

Elizabeth ficou rígida e não pegou a mão dele.

LRTHistóricos 142
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Miles enviou a seu irmão um olhar de advertência e


Stephen, com um sorriso de conhecimento, baixou a mão.

— Seja bem-vinda a nossa casa. — Disse Stephen.

— Sou uma Chatworth.

— E eu um Montgomery e — olhou para Bronwyn — um


MacArran. E você é bem-vinda. Caminharemos pelo
escarpado? É muito íngreme e às vezes causa pavor.

— Não tenho problemas em cavalgar. — Disse Elizabeth


simplesmente.

Miles pegou seu braço, levou seus dedos para seus lábios
e beijou-os.

— É obvio que não têm. Meu tolo irmão só está


procurando uma desculpa para poder falar com você.

— Tio Stephen! — Gritou Kit. Tinha estado tratando de


controlar-se até que os mais velhos terminassem de falar. —
Lady Elizabeth bateu em papai e deixou coxo Sir Guy, e
dormimos no bosque sem nenhuma tenda. — Sorriu a
Elizabeth, que piscou para ele.

— Deixou coxo Sir Guy? — Riu Stephen. — Não posso


acreditar.

— Lady Elizabeth Chatworth quebrou os dedos do pé de


Sir Guy. — Explicou Bronwyn friamente.

Stephen olhou serio para sua mulher.

LRTHistóricos 143
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Não acredito que goste de seu tom. — Miles falou


rapidamente, para distrair ao seu irmão. — Como estão os
MacGregor?

O que se seguiu foi uma explicação e uma discussão entre


Stephen e Bronwyn, que falavam do clã que tinha sido o
inimigo dos MacArran durante séculos, até poucos meses
atrás, quando acordaram uma trégua. Davy, o irmão de
Bronwyn, casou-se com uma das filhas do Laird MacGregor .

Enquanto falavam, caminhavam pelo traiçoeiro atalho do


escarpado. A um lado tinham uma alta parede rochosa, e do
outro, um precipício sem fundo. Elizabeth ia muito perto de
Miles, ao lado de Stephen, Bronwyn à frente deles, escutava
com interesse sobre este matrimônio. Stephen e Bronwyn
discutiam acaloradamente, mas sem animosidade. Os homens
que os seguiam mantinham suas próprias conversações, por
isso, obviamente, este tipo de duelo verbal não constituía
nenhuma novidade para eles. Bronwyn provocou Stephen,
insultava-o, e Stephen simplesmente sorria, dizendo que suas
ideias eram ridículas. De todos os casamentos que Elizabeth
tinha visto, o marido já teria deixado um olho negro na esposa,
se a mulher tivesse ousado dizer metade das coisas que
Bronwyn tinha expressado.

Elizabeth olhou a Miles e viu que este sorria


indulgentemente ao escutar Stephen e sua cunhada. Kit
começou a participar da discussão, ficando do lado de
Bronwyn e correndo para agarrar-se a sua mão.

LRTHistóricos 144
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— É teu filho! — Riu Stephen, olhando para seu irmão.

Como Stephen estava olhando para o lado de Miles, em


direção a parede rochosa, pôde ver as rochas que começavam
a desprender-se e que iriam cair inexoravelmente sobre
Elizabeth. Com todos seus instintos de cavaleiro aguçados,
agiu tão rapidamente quanto pode, pulando para agarrar
Elizabeth. Ambos bateram contra a parede de rochas,
enquanto o corpo musculoso de Stephen se apertava contra o
de Elizabeth, esmagando-a, enquanto as pedras caíam atrás
deles.

Elizabeth também reagiu sem pensar. Durante alguns


momentos tinha baixado a guarda, mas ao estar rodeada de
homens por toda parte, não conseguia acalmar-se de tudo.
Seus sentidos não captaram a razão pela qual Stephen se
lançou contra ela. Somente soube que outra vez um homem a
estava ameaçando. Entrou em pânico. Não foi apenas um
pequeno alvoroço, mas Elizabeth soltou um grito tão
dilacerador que assustou inclusive aos cavalos. E não se
deteve aí, mas sim começou a lutar, arranhar e chutar como
um animal enjaulado.

Stephen, atônito por sua reação, tentou agarrá-la pelos


ombros.

— Elizabeth! — Ele gritou, olhando para seu rosto


aterrorizado.

LRTHistóricos 145
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Miles foi atingido por algumas rochas nos ombros e nas


costas, e tinha caído de joelhos. Assim que escutou os gritos
de Elizabeth, correu para ela.

— Maldito seja! — Gritou a seu irmão. — Eu disse para


não tocá-la. — De um empurrão afastou Stephen, e tentou
pegar Elizabeth.

— Quieta! — Ele ordenou.

Elizabeth ainda estava fora de si e começou a arranhar


Miles para livrar-se dele. Ele a agarrou pelos ombros e a
sacudiu energicamente.

— Elizabeth! — Disse pacientemente. — Está a salvo.


Ouvem-me? Está a salvo. — Teve que sacudi-la novamente
para que ela voltasse seus olhos para ele, uns olhos como Miles
nunca tinha visto antes: assustados, aterrorizados, indefesos
e desamparados. Olharam-se por um momento e Miles usou
toda sua força de vontade para acalmá-la.

— Você está segura agora, meu amor. Sempre estará a


salvo comigo.

O corpo dela começou a tremer e ele tomou-a em seus


braços, manteve-a apertada contra ele, acariciando seus
cabelos. Olhou para Stephen, que permanecia junto a eles, e
disse:

— Nos deixe um cavalo. Seguiremos mais tarde.

LRTHistóricos 146
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Elizabeth quase não notou a procissão que desfilou junto


a eles, silenciosa como se estivessem em algum funeral. O
medo a debilitou, e tudo o que podia fazer era apoiar-se em
Miles procurando amparo, enquanto ele acariciava suas
bochechas, o pescoço, os braços. Depois de vários minutos, ela
se afastou dele.

— Comportei-me como uma idiota. — Ela disse com tanto


desespero que Miles sorriu.

— Stephen não entendeu quando eu disse para não tocar


em você. Tenho certeza que ele pensou que era mero ciúme.

— Não está com ciúmes? — Perguntou ela, afastando-se,


tentando mudar de assunto.

— Talvez. Mas seus medos são mais importantes que


meus ciúmes.

— Meus medos, como você os chama, não são da sua


conta. — Afastou-se completamente dele.

— Elizabeth, — sua voz era suplicante, baixa — não


guarde tudo isto dentro de você. Já lhe disse, eu sou um bom
ouvinte, fale comigo, me diga o que a assustou tanto.

Ela se apoiou na parede rochosa que tinha a suas costas.


A massa sólida a fez se sentir bem, dava-lhe uma sensação de
realidade.

— Por que mandou que os outros nos deixassem para


atrás?

LRTHistóricos 147
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Um brilho de ira cruzou os olhos dele.

— Para não ter testemunhas quando eu te estuprasse.


Por que outra razão acha que os mandei? — Quando viu que
ela não estava muito segura de seu sarcasmo, moveu os braços
com desespero. — Venha, vamos a Larenston. — Ele agarrou
seu braço com muita força. — Sabe o que precisa Elizabeth?
Precisa de alguém para fazer amor com você, para mostrar que
seu medo é muito pior do que a realidade.

— Nunca faltaram voluntários para a tarefa. — Sibilou


ela.

— Pelo que eu vi, você conheceu somente estupradores,


não amantes.

Momentos depois a jogava sobre a sela e montava à


garupa do cavalo.

LRTHistóricos 148
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Capítulo Oito
Elizabeth levou uma mão na sua testa e abriu os olhos
lentamente. O imenso quarto onde estava deitada estava vazio
e escuro. Já tinha se passado várias horas desde que ela e
Miles chegaram a fortaleza do clã MacArran. O lugar era antigo
e estava localizado na borda do penhasco, como uma águia
gigante que usasse suas garras para sustentar-se. Uma
mulher que parecia tão velha como o castelo deu a Elizabeth
uma bebida quente fervida com ervas, e quando a mulher
estava de costas, Elizabeth preferiu arrojar a bebida entre os
juncos atrás de um banco. Elizabeth sabia um pouco de ervas
e podia imaginar muito bem o que continha a bebida.

A nodosa anciã, a quem Bronwyn chamava Morag, tinha


observado Elizabeth com olhos penetrantes, e depois de uns
momentos ela fingiu sonolência e deitou-se na cama.

— Precisa descansar. — Observou Bronwyn. — Nunca vi


ninguém que ficasse tão louca como ela, quando Stephen a
puxou de debaixo das pedras que caíram. Parecia que o
demônio tinha entrado no corpo.

Morag lançou um curto bufo.

— Você lutou muito tempo com Stephen quando o


conheceu.

LRTHistóricos 149
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Mas isso é outra coisa. — Insistiu Bronwyn. — Miles


conseguiu acalmá-la, mas teve que sacudi-la várias vezes.
Sabia que quebrou os dedos do pé de Sir Guy?

— E também sei que as duas discutiram. — Replicou


Morag.

Bronwyn ficou à defensiva.

— Ela se atreveu a defender a Roger Chatworth em minha


presença. Depois do que ele fez...

— Ele é irmão dela! — Rugiu Morag. — Se supõe que deve


lhe ser leal, mas você parece pensar que ela deveria entender
seu ponto de vista ao primeiro momento. Bronwyn, as coisas
podem ver vista de distintos ângulos na vida. — Se inclinou e
cobriu Elizabeth com uma grande manta escocesa azul e verde.
— Vamos deixá-la em paz. Chegou um mensageiro do irmão
mais velho de Stephen.

— Por que não me disse isso antes? — Disse Bronwyn,


zangada porque era tratada como uma criança e mais zangada
ainda porque sabia que mereceu.

Elizabeth permaneceu deitada e completamente quieta


depois que a porta se fechou, atenta à respiração de qualquer
outra pessoa que pudesse esconder-se no quarto. Algumas
vezes tinha ocorrido que os homens fingiam que abandonavam
seu quarto, mas em realidade se escondiam nos cantos
escuros. Quando teve certeza de que estava completamente

LRTHistóricos 150
Anjo Audaz — Jude Deveraux

sozinha, virou-se e cautelosamente abriu os olhos.


Indubitavelmente não havia ninguém mais ali.

Saltou da cama e se dirigiu à janela. Fora estava


escurecendo, e a luz da lua começava a pratear as paredes
íngremes do castelo de pedras cinzentas. Este era o momento
de escapar, agora, antes que se estabelecesse uma rotina,
antes que todos os MacArran se inteirassem de que ela era
uma prisioneira.

Enquanto observava, viu passar quatro guardas, os


corpos envoltos em mantas escocesas. Com um sorriso,
Elizabeth começou a elaborar um plano. Uma rápida e
silenciosa busca no quarto revelou um baú de homem. Ela
levantou a tampa e estava repleto de roupas de homem.
Levantou sua saia de seda e a atou em torno da cintura, depois
vestiu uma ampla camisa de homem e grossas meias de lã. Por
um segundo olhou os joelhos nus e pestanejou ante a ideia de
aparecer assim em público, mostrando tanta pele e sem que
nada a cobrisse decentemente. Não havia sapatos, então ela
teve que se contentar com seus próprios sapatos macios, os
dedos dos pés apertados com uma maior quantidade de meias.
Enrolou a manta para que formasse uma saia, passou pelos
ombros e para segurar corretamente à cintura levou tempo e
esforço, já que a manta escocesa era excessivamente grande.

Contendo o fôlego, abriu a porta cautelosamente, rezando


para que ainda não tivessem colocado um guarda vigiando-a.
A sorte seguia a acompanhando e Elizabeth deslizou pela porta

LRTHistóricos 151
Anjo Audaz — Jude Deveraux

entreaberta para o escuro corredor. Ela memorizou o interior


do castelo quando Miles a conduziu ao seu quarto, e agora,
muito atentamente, concentrou-se em qualquer som que
pudesse lhe chegar.

Muito longe, para sua esquerda e abaixo, podia ouvir


vozes. Lentamente, quase se fundindo com as paredes,
deslizou escada abaixo para a saída principal.

No preciso momento em que estava atravessando


silenciosamente o salão de onde provinham as vozes, ouviu o
nome de Chatworth. Olhou a porta que conduzia para fora,
mas ao mesmo tempo queria informação. Como se fosse uma
sombra aproximou-se para poder escutar melhor.

Quem estava falando era Stephen.

— Malditos sejam os dois, Miles! — A ira fazia tremer sua


voz. — Gavin tem tão pouco senso comum quanto você. Vocês
dois estão ajudando Chatworth a realizar o que ele quer. Cada
dia está mais próximo de destruir nossa família.

Miles permanecia silencioso. Bronwyn pôs sua mão sobre


os ombros de Miles.

— Por favor, deixa-a ir. Lady Elizabeth pode retornar a


Inglaterra com uma guarda armada, e quando Gavin saiba que
foi liberada, permitirá que Roger Chatworth se vá.

Miles seguia sem abrir a boca.

— Maldição! — Gritou Stephen. — Responda-nos!

LRTHistóricos 152
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Os olhos de Miles se acenderam.

— Eu não vou libertar Elizabeth. O que faça Gavin com


Roger Chatworth é assunto de meu irmão. Elizabeth é minha.

— Se não fosse meu irmão... — começou a dizer Stephen.

— Se não fosse seu irmão, nada do que fizesse teria efeito


algum sobre você. — Miles parecia bastante acalmo, e só seus
olhos cintilavam.

Stephen agitou os braços com desespero.

— Fale você com ele. — Disse a Bronwyn. — Nenhum de


meus irmãos tem o mínimo de senso comum.

Bronwyn se firmou diante de seu marido.

— Uma vez lutou contra Roger Chatworth pelo que


acreditava que te pertencia. Agora Miles está fazendo
exatamente o mesmo, no entanto, você se enfurece com ele.

— As coisas eram diferentes nesse momento. — Disse


Stephen com voz grave. — Você me foi dada pelo rei.

— E Elizabeth me foi entregue! — Interrompeu Miles com


paixão. — Bronwyn sou bem-vindo aqui? Se não for assim,
meus homens e eu partiremos... com Lady Elizabeth.

— Sabe bem que é bem-vindo. — Disse Bronwyn com


doçura. — A menos que Chatworth esteja preparado para uma
guerra, não atacará os MacArran. — Voltou-se para Stephen
— E quanto a que Gavin tenha prisioneiro Chatworth, me

LRTHistóricos 153
Anjo Audaz — Jude Deveraux

alegro. Já se esqueceu o que Chatworth fez a sua irmã Mary,


ou de que me teve cativa um mês?

Elizabeth decidiu não escutar mais. Agora iriam descobrir


que ela não era a dócil prisioneira que todos imaginavam.

Fora havia uma densa neblina proveniente do mar, e ela


deu graças ao Senhor em silencio por sua ajuda. Sua primeira
necessidade era conseguir um cavalo, já que não poderia sair
da Escócia caminhando. Ficou muito quieta pensando onde
poderia encontrar os estábulos.

Elizabeth era bastante hábil roubando cavalos, praticou


bastante no curso de sua curta vida. Os cavalos eram como
crianças. Teria que lhe falar com doçura, com calma, sem fazer
movimentos bruscos. Em um extremo das cavalariças havia
dois homens rindo e falando em voz baixa, certamente de suas
últimas conquistas amorosas.

Com grande cautela, Elizabeth tomou pela brida a um


cavalo que se encontrava mais afastado no comprido estábulo.
Retirou uma sela do compartimento da parede e esperou até
estar fora para pô-la sobre o animal. Agradeceu ao céu o ruído
que fazia toda essa gente que habitava em uma extensão de
terreno tão reduzida. Passou uma carreta, um homem que
conduzia quatro cavalos, atou aos animais não muito longe dos
estábulos, mas dois desses cavalos começaram a dar-se coices.
Como consequência disto, três homens começaram a gritar e a
dar chicotadas no ar. Nenhum deles olhou sequer para onde

LRTHistóricos 154
Anjo Audaz — Jude Deveraux

se achava a magra figura, entre as sombras, com a cabeça bem


coberta pela manta escocesa.

Quando Elizabeth montou, ficou tranquilamente atrás do


homem da carreta, que se dirigia para os portões abertos de
Larenston, e levantou uma mão para saudar os guardas que
se encontravam sobre as torres. Os soldados estavam aí para
evitar que entrassem estranhos, não estavam interessados nas
pessoas que saíam do lugar.

O único acesso à fortaleza dos MacArran era através de


um caminho extremamente estreito. O coração de Elizabeth
pulsava com tanta força que parecia querer sair do peito. A
carreta que ia diante dela era extremamente estreita e,
entretanto, suas rodas seguiam sobre a borda do atalho,
correndo o perigo de que se houvesse um só erro, uns
centímetros para um lado ou para o outro, o homem, a carreta
e o cavalo cairiam ao vazio.

Quando chegou ao final da passagem, emitiu um suspiro


de alívio por várias razões: tinha terminado o caminho
traiçoeiro e, até o momento, ao que parecia não tinham dado
nenhum alarme.

O carreteiro olhou por cima de seu ombro e sorriu.

— Sempre me alegro depois de cruzar esta passagem.


Viaja nesta direção?

Justo diante dela se abria o caminho que ia pela zona das


cabanas dos aldeãos, que poderiam dar uma boa informação

LRTHistóricos 155
Anjo Audaz — Jude Deveraux

sobre sua passagem pelo local, a uma eventual patrulha que


saísse em sua busca. Para a direita começava o caminho do
escarpado, que Miles e ela tinham percorrido.

Cavalgar de noite pelos escarpados...

— Não! — Disse ela com sua voz mais varonil ao


carreteiro. Certamente, se viajava na mesma direção, o homem
ia querer iniciar uma conversação. E apontou para os
escarpados, com um braço bem coberto pela manta.

— Ah, os jovens! — O homem riu entre dentes. — Bem,


que tenha boa sorte, rapaz. A luz da lua é boa, mas de todas
as formas, tome cuidado. — Açulou a seu cavalo e se afastou.

Elizabeth não perdeu tempo em considerar seu próprio


medo, mas sim, dirigiu sua égua para a negra solidão que se
estendia diante dela. De noite o caminho parecia pior do que
recordava. Seu cavalo se inquietou, e, sem pensar duas vezes,
Elizabeth desmontou e começou a guiá-lo pelas rédeas.

— Maldito Miles Montgomery! — Resmungou. — Por que


tinha que me trazer para um lugar tão selvagem como este? Se
queria ter a alguém cativo, ao menos podia haver se limitado a
manter em um lugar civilizado.

O uivo de um lobo diretamente sobre sua cabeça a deixou


paralisada e a fez parar de murmurar. Sobre o escarpado
apareceram as silhuetas de três lobos, que a olhavam com as
cabeças baixas. A égua começou a corcovear, e Elizabeth

LRTHistóricos 156
Anjo Audaz — Jude Deveraux

enrolou as rédeas no pulso. À medida que avançava, os lobos


avançavam com ela, e um quarto animal se somou à alcateia.

Elizabeth tinha a sensação de ter viajado vários


quilômetros, mas ainda não podia vislumbrar sequer o fim do
penhasco. Por um momento se recostou contra o muro de
pedra, tratando de acalmar os agitados batimentos de seu
coração.

Os lobos uivaram ao uníssono, entendendo que sua


vítima aceitou a derrota. A égua empinou, arrancando as
rédeas do pulso de Elizabeth. Ela tentou chegar à égua, mas
escorregou o pé e caiu metade sobre a borda do penhasco e
metade no vazio. A égua se afastou trotando pelo atalho.

Ela ficou imóvel uns segundos, tratando de acalmar-se e


pensar em como sair dessa situação. Agarrou-se
precariamente a borda do penhasco, enquanto uma de suas
pernas se balançava no ar e com a outra tratava de obter um
apoio firme. Com os braços se aferrava às rochas, sobre uma
das quais mantinha apoiada a cabeça. Moveu o braço
esquerdo, e quando o fez, começaram a desmoronar pedras
debaixo dela. Aterrorizada, moveu a perna direita tratando de
encontrar algum apoio... mas não havia nada. Outra pedra se
desprendeu, e ela soube que tinha que fazer algo.

Usando toda a força de seus braços, tentou elevar-se


pouco a pouco, avançando os quadris para a esquerda.
Quando seu joelho esquerdo tocou rocha sólida, saltaram

LRTHistóricos 157
Anjo Audaz — Jude Deveraux

lágrimas de alívio dos olhos. Centímetro a centímetro,


conseguiu subir seu corpo machucado até o atalho novamente.

Arrastando-se sobre as mãos e os pés, procurou o refúgio


da parede rochosa no lado oposto e ali se sentou, as lágrimas
rolando pelas bochechas e sem poder controlar sua respiração
agitada. O sangue escorria por seus braços e ardiam os joelhos
esfolados.

Por cima da cabeça chegou o uivo de animais brigando.


Olhando para cima, viu um animal atacando os lobos.

— Aquele grande cão de Bronwyn. — Ofegou, e fechou os


olhos um momento rezando em silêncio.

Não ficou sentada por muito tempo. Muito em breve iram


notar seu desaparecimento, e ela devia estar o mais longe
possível de seus inimigos, os Montgomery.

Quando ficou de pé, percebeu que estava mais


machucada do que pensou. Tinha a perna esquerda rígida e
doía o tornozelo. Quando enxugou as lágrimas do rosto, a luz
da lua permitiu ver suas mãos ensanguentadas. Com as
palmas esfoladas, começou a seguir seu caminho. Não confiava
em sua vista e precisava avançar apoiando-se na parede
rochosa para que servisse de guia.

A lua se ocultou quando chegou ao final do caminho, mas


em lugar de sentir-se atemorizada, o espaço negro e vazio a
sua frente pareceu uma bênção. Envolveu-se melhor na

LRTHistóricos 158
Anjo Audaz — Jude Deveraux

manta, e ignorando a dor de suas pernas debilitadas, começou


a caminhar.

Quando dois pontos luminosos brilharam frente a ela, à


altura de seu peito, deteve-se e procurou algo que pudesse
parecer-se com uma arma. Durante alguns segundos seus
olhos ficaram cravados nos do animal, fosse o que fosse,
estavam quase frente a frente, o animal estava quase a tocando
antes de perceber que era o cachorro de Bronwyn.

O cão inclinou a cabeça para ela interrogativamente e


Elizabeth quis chorar de alívio.

— Você matou aos lobos, verdade? — Disse ela. — Bom


menino. Você é amigável? — Ela estendeu a mão, com a palma
para cima, e foi recompensada com uma lambida da língua do
cão. Começou a acariciar sua enorme cabeça, e o cão tentou
empurrá-la novamente para o atalho do penhasco.

— Não, rapaz! — Sussurrou ela. Ao ficar quieta sentia


com mais intensidade seus cortes e machucados. E morria de
sono. — Quero seguir por este caminho, não desejo voltar para
casa de Bronwyn.

O cão emitiu um latido agudo quando ouviu o nome de


sua ama.

— Não! — Disse ela com firmeza.

LRTHistóricos 159
Anjo Audaz — Jude Deveraux

O cachorro a observou por um momento, como se


estivesse considerando suas palavras, depois se virou para a
floresta a frente deles.

— Bom menino. — Sorriu. — Talvez possa me mostrar o


caminho para sair deste lugar. Me leve para outro clã onde me
devolvam a meu irmão em troca de uma recompensa.

Caminhava atrás do cão, mas quando ela começou a


tropeçar ele se deteve e ficou ao seu lado para que Elizabeth
pudesse apoiar-se em seu lombo.

— Qual é seu nome, rapaz? — Sussurrou cansada. —


Chama-se George ou Oliver, ou tem algum nome escocês que
eu nem sequer conheço? — O cão diminuiu ainda mais o passo
para manter-se ao ritmo dela.

— O que acha de Charlie? — Perguntou-lhe ela. — Charlie


é um nome que eu gosto bastante.

Assim que terminou de dizer estas palavras, caiu como


uma pedra ao cão, adormecida, ou talvez desmaiada.

O cão a empurrou, cheirou-a, lambeu-lhe o rosto


ensanguentado, e quando viu que nada podia despertá-la,
deitou-se ao seu lado e dormiu.

O sol estava bem alto quando Elizabeth abriu os olhos e


viu a grande cabeça peluda do cão. Os olhos do animal
pareciam fazer uma pergunta, como se fosse humano. Debaixo

LRTHistóricos 160
Anjo Audaz — Jude Deveraux

de um dos olhos do cão aparecia um feio corte coberto de


sangue seco.

— Conseguiu isso quando brigou com os lobos? — Sorriu


ao animal e acariciou suas orelhas. Quando quis levantar-se,
as pernas não a sustentaram e teve que se apoiar no cão. —
Que bom que seja tão forte Charlie. — Disse ela, usando o
lombo do animal como ponto de apoio.

Quando finalmente estava de pé deu uma olhada em suas


roupas e grunhiu. A saia estava uma metade bem segura a
cintura, e a outra metade pendurada até os tornozelos. Tinha
o joelho esquerdo cortado, e ainda sangrando, enquanto que o
joelho direito estava somente esfolado. Com determinação
jogou a manta sobre os braços, sem olhar o estado em que se
encontrava. Quando tocou o cabelo, sentiu crostas de sangue
seco, retirou a mão rapidamente.

— Poderia encontrar um pouco de água, Charlie? —


Perguntou ao cão. — Água?

Instantaneamente o cão se afastou através da paisagem


rochosa, retornando quando percebeu que Elizabeth só podia
avançar a passo de tartaruga. As cicatrizes recém-cicatrizadas
haviam se aberto, e magros fios de sangue corriam pelo corpo.

O cão a guiou até um pequeno arroio, onde ela se lavou o


melhor que pôde. Queria estar o mais apresentável possível
para quando se encontrasse com seus libertadores.

LRTHistóricos 161
Anjo Audaz — Jude Deveraux

O cão e ela caminharam durante horas, mantendo-se


muito perto das rochas e das poucas árvores que havia nestas
paragens. Quando escutaram o ruído de cavalos aproximando-
se, instintivamente Elizabeth se ocultou, levando o cão
consigo. Não havia nenhuma maneira de deter o cão se este
quisesse partir, mas no momento o animal parecia contente
com sua companhia.

Ao pôr-do-sol, as poucas forças que ficavam


abandonaram-na, e pouco importava que o cão ladrasse a algo
que ela não podia ver.

— Certamente é Miles ou sua ama. — Disse pesadamente


e caiu no chão, fechando os olhos.

Quando os abriu novamente, um homem completamente


desconhecido estava de pé frente a ela, com as pernas
separadas e as mãos nos quadris. A luz do sol formava um halo
sobre seus cabelos grisalhos e destacava sua forte mandíbula.

— Bem Rab, — disse com voz profunda, acariciando ao


cão — o que me trouxeste desta vez?

— Não me toque. — Murmurou Elizabeth quando o


homem se inclinou para ela.

— Jovenzinha, se temer que te faça mal, esquece-o. Sou


o Laird MacGregor e está em minhas terras. O que faz o cão
de Bronwyn contigo? — Olhou com atenção as roupas inglesas
dela.

LRTHistóricos 162
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Elizabeth estava cansada, débil, faminta, mas não estava


morta. Pelo tom com que o homem tinha pronunciado o nome
de Bronwyn, deu-se conta de que eram amigos. As lágrimas
começaram a rolar por suas bochechas.

Agora ela nunca chegaria a seu lar. Nenhum amigo dos


MacArran a devolveria a Inglaterra, e a captura de Roger por
um Montgomery podia dar começo a uma guerra privada.

— Não fique assim, moça. — Disse o Laird MacGregor . —


Logo estará em um lugar seguro. Alguém vai cuidar de seus
cortes e nós vamos alimentar você e... por mil demônios!

Elizabeth, ao ver que o homem se aproximava, tinha


tirado a adaga de sua bainha, lançando-a contra a barriga dele.
Foi simplesmente seu estado de debilidade que a fez falhar.

Lachlan MacGregor esquivou-se, tirou-lhe o punhal e


jogou-a sobre seu ombro num movimento rápido.

— Não me dê mais trabalho, moça. — Ordenou quando


ela começou a lutar. — Na Escócia não devolvemos a
hospitalidade cravando adagas em ninguém.

Pôs Elizabeth sobre seu cavalo, assobiou chamando Rab


e os três partiram a toda velocidade.

LRTHistóricos 163
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Capítulo Nove
Elizabeth se encontrava sozinha, sentada em um grande
quarto no castelo MacGregor, a porta de carvalho estava
fechada. O quarto se achava virtualmente vazio, salvo por uma
grande cama, um arca e três cadeiras. Contra uma das paredes
havia uma lareira cheia de troncos, mas não havia um fogo
aceso que esquentasse as frias pedras.

Elizabeth se aconchegou em uma das cadeiras, envolta


na manta de Bronwyn, com os joelhos encolhidos sobre o peito.
Já tinham passado várias horas desde que o Laird MacGregor
a encerrou neste quarto. Não tinham mandado mantimentos,
nem água para lavar-se, e Rab, o cão, partiu logo que tinha
visto a fortaleza MacGregor. Elizabeth estava muito cansada
para dormir e a cabeça dava voltas de tanto pensar.

Quando ouviu a voz tão conhecida, amortecida pela


pesada porta, sua primeira reação foi de alívio. Mas se repôs
rapidamente. Miles Montgomery era tão inimigo dela como
qualquer outro.

Quando Miles abriu a porta e caminhou para ela,


Elizabeth já estava preparada. Jogou-lhe uma taça de cobre e
prata que encontrou sobre a lareira.

Miles pegou o objeto com a mão esquerda e continuou


andando em sua direção. Jogou um pequeno escudo que

LRTHistóricos 164
Anjo Audaz — Jude Deveraux

estava pendurado na parede, e desta vez ele o apanhou com a


mão direita.

Com um pequeno sorriso de triunfo, Elizabeth agarrou


um capacete quebrado, também da lareira, e se preparou para
jogá-lo. Ele não tinha mão livre para apanhar este objeto. Mas
antes que pudesse lhe lançar o capacete, Miles estava em
frente a ela, abraçando-a contra si.

— Estava muito preocupado com você. — Sussurrou ele,


seu rosto contra o dela. — Por que fugiu dessa forma? A
Escócia não é como a Inglaterra. É um país traiçoeiro.

Ele não a abraçava muito forte, pelo menos não o


suficiente para fazer com que ela quisesse lutar, mas sim, pelo
contrário, desejou que ele a apertasse mais contra seu corpo.
Por isso ficou muito quieta, temendo que ele a soltasse. Mas
quando ouviu suas palavras idiotas, afastou-se um pouco dele.

— Atacaram-me os lobos, quase caio no mar, um homem


me carrega como se fosse um saco de trigo, e você diz que este
é um país traiçoeiro!

Miles tocou sua têmpora, e ela não fez nada para afastar-
se. Os olhos dele brilhavam com uma luz muito especial.

— Elizabeth, você cria seus próprios problemas.

— Eu não pedi que me entregassem nas mãos de meus


inimigos, nem que me trouxessem como prisioneira a estas
terras hostis, nem que esse homem...

LRTHistóricos 165
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Miles a interrompeu.

— Laird MacGregor estava bastante irritado com o fato


de você querer lhe cravar uma adaga. Faz poucos meses quase
morreu porque Bronwyn o atacou com uma adaga.

— Pois me pareceu que eram amigos.

Antes que pudesse dizer outra palavra, a porta da câmara


se abriu e entraram dois escoceses corpulentos que traziam
uma tina de carvalho. Atrás dos homens havia uma dúzia de
mulheres que carregavam baldes de água quente. A última das
mulheres levava uma bandeja com três decantadores e duas
taças.

— Sabendo da sua propensão para tomar banho, tomei a


liberdade de pedir um banho para você. — Miles sorriu.

Elizabeth não respondeu, mas sim levantou o queixo e


caminhou até a lareira fria.

Quando a quarto ficou vazio de pessoas, exceto pelos


dois, Miles colocou a mão em seu ombro.

— Venha tomar banho enquanto a água está quente,


Elizabeth.

Ela se voltou furiosa para ele.

— O que lhe faz pensar que vou fazer por você o que não
tenho feito por outros homens? Fuji de você em Larenston e
agora você parece pensar que vou pular em seus braços,
porque simplesmente lhe ocorreu aparecer por aqui. Que

LRTHistóricos 166
Anjo Audaz — Jude Deveraux

diferença há entre ser a prisioneira do Laird MacGregor ou de


um Montgomery? E para falar a verdade, prefiro o Laird
MacGregor.

Miles apertou a mandíbula e seus olhos escureceram.

— Acredito que chegou o momento de esclarecer algumas


coisas entre nós. Fui mais que paciente com você. Não disse
nada quando feriu Sir Guy. Compartilhei meu filho com você.
Permaneci como observador enquanto causava tumulto a todo
o clã dos MacArran, e agora quase fere o Laird MacGregor. A
paz entre os MacGregor e os MacArran é muito recente e frágil.
Poderia ter destruído o que a Stephen levou um ano consolidar.
E olhe para você, Elizabeth! Viu o aspecto que têm? Está
completamente coberta de sangue seco, evidentemente está
exausta e perdeu peso. Acredito que já é hora de deixar de
consentir todos os seus caprichos.

— Meus...! — Ela balbuciou. — Não quero ser prisioneira!


Entende? Pode captar algo com essa cabeça dura? Eu quero ir
para casa com meus irmãos e vou fazer tudo o que esteja a
meu alcance para obtê-lo.

— A casa! — Disse Miles com os dentes apertados — Têm


alguma ideia do que significa essa palavra? É o lugar onde
aprendeu a quebrar os dedos dos homens? Onde aprendeu a
usar tão eficazmente uma adaga? Que tem feito você pensar
que todos os homens são criaturas perversas? Por que não
tolera que nenhum homem te toque?

LRTHistóricos 167
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Elizabeth apenas olhou para ele com tristeza.

— Edmund está morto. — Ela disse depois de um tempo.

— Você sempre irá viver entre as nuvens, Elizabeth? —


Sussurrou ele, olhando-a brandamente. — Vai sempre ver
apenas o que quer ver? — Depois de um profundo suspiro,
estendeu-lhe a mão. — Venha e se banhe antes que a água
esfrie.

— Não. — Disse ela lentamente. — Não quero me banhar.

Ela devia estar acostumada com a extraordinária rapidez


de Miles, mas como de costume não estava preparada para
isso.

— Já foi suficiente, Elizabeth. — Disse antes de arrancar


a manta úmida dela. — Fui paciente e atento, mas de agora em
diante vai aprender um pouco de obediência... e de confiança.
Não vou lhe machucar, jamais fiz mal a uma mulher, mas não
posso permanecer indiferente vendo como você faz mal a si
mesma.

Dizendo isto, ele rasgou a frente de seu vestido, expondo


seus seios. Elizabeth ofegou e cruzou os braços, dando um
salto para trás.

Sem nenhuma dificuldade Miles a alcançou e com outros


dois puxões a deixou nua. Parecia não prestar nenhuma
atenção ao seu corpo nu, enquanto a elevava em seus braços
e a depositava brandamente dentro da tina.

LRTHistóricos 168
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Sem uma palavra tomou um tecido, ensaboou-o e


começou a lavar gentilmente seu rosto.

— Se lutar fará com que entre sabão nos olhos. — Disse


ele, fazendo-a ficar imóvel.

Ela se negou a lhe dirigir a palavra enquanto ele


ensaboava a parte superior de seu corpo, consolando-se
porque a espuma do sabão cobria suas bochechas
ruborizadas, quando ele deixou suas mãos deslizarem por seus
seios altos, firmes.

— Como se feriu? — Perguntou ele amigavelmente,


enquanto ensaboava sua perna esquerda, tomando cuidado
com os feios cortes e machucados de seu joelho.

A água estava conseguindo relaxá-la e não havia


nenhuma razão para não responder. Recostou-se na tina,
fechou os olhos e contou a noite que tinha passado no atalho
do penhasco. Quando ia pela metade do relato, sentiu uma
taça de vinho na mão e bebeu sedenta. O vinho imediatamente
subiu à cabeça e ela continuou falando, sonhadora.

— Rab ficou comigo. — Terminou dizendo, e bebeu mais


vinho. — O cão entendeu que eu não queria voltar para a casa
de Bronwyn, mas em vez disso ele me levou até seus amigos.
— O vinho a relaxou tanto que já não se sentia zangada nem
contra o cão, nem contra os MacGregor, nem contra ninguém
mais.

LRTHistóricos 169
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Miles, — perguntou tranquilamente, conversando, sem


se dar conta do prazer que dava a ele em usar seu nome de
batismo. — Por que não golpeia as mulheres? Não posso
acreditar ter conhecido a um homem que não usa a força para
conseguir o que quer.

Ele estava suavemente lavando os dedos dos seus pés.

— Talvez eu use um tipo diferente de força.

Isso foi tudo o que disse, e por um momento


permaneceram silenciosos. Elizabeth não percebeu que ele
mantinha sua taça cheia o tempo todo, e ela já tinha bebido
quase um decantador inteiro de vinho.

— Por que não respondeu a seu irmão esta manhã? Ou


foi ontem pela manhã?

Miles fez uma leve pausa em seu trabalho e era o único


sinal de que ouvira sua pergunta. Nunca lhe fizeram uma
pergunta tão pessoal, mostrando interesse nele.

— Meus três irmãos mais velhos são homens muito


teimosos. Gavin jamais escuta a opinião de ninguém e Raine
gosta de imaginar que é o mártir de todas as causas perdidas.

— E Stephen? — Perguntou ela, tomando mais vinho e


olhando-o por entre seus cílios abaixados. As mãos dele sobre
seu corpo, estava gostando tanto, tanto.

— Stephen engana as pessoas a acreditar que elas podem


modificar seu ponto de vista, mas quando chega o momento

LRTHistóricos 170
Anjo Audaz — Jude Deveraux

das decisões, sempre insiste no que quer e acredita. Só com


Bronwyn se mostrou disposto a escutar uma opinião distinta,
e ela teve que lutar com ele, e ainda o faz, por tudo. Ele ri de
tudo o que é importante para ela.

Elizabeth ficou pensando no que ouvia por um momento.

— E você é seu irmãozinho pequeno. Sem dúvida eles


sempre vão considerar você alguém a quem permanentemente
têm que ensinar as coisas, a quem têm que cuidar.

— E a você trataram também da mesma forma? —


Sussurrou ele brandamente.

A bebida, a água quente, a fizeram afrouxar a língua.

— Roger considera que não tenho mais que um quarto de


cérebro. Perdi a outra metade por ser mulher, e a metade dessa
porção que considera, ainda recorda de quando usava fraldas.
Quando contei o que Edmund estava fazendo comigo, ele não
tinha certeza se acreditava em mim. Ou talvez fosse porque
não queria ver as coisas que fazia seu próprio irmão ou o que
este permitia que acontecessem. Maldição! — Disse ela,
levantando-se da tina. Com toda sua força jogou a taça,
fazendo que arrebentasse na dura parede de pedra. — E sou
uma mulher pela metade. Sabe o que sinto quando olho
Bronwyn e seu irmão, quando vejo que riem e se amam?
Quando fazem carícias um no outro acreditando que ninguém
os olha. Sempre que um homem me toca, eu... — Ela gritou,
os olhos arregalados, a cabeça turvada pela bebida. — Faça

LRTHistóricos 171
Anjo Audaz — Jude Deveraux

amor comigo, Miles Montgomery. — Murmurou roucamente.


— Faça com que não tenha medo.

— Já tinha planejado isso. — Respondeu ele gravemente,


estreitando-a em seus braços.

Ela ainda estava de pé na tina quando a boca de Miles


posou sobre a dela, devolveu-lhe o beijo... beijou-o com toda a
paixão, com toda a fúria que sentia porque tinham arrebatado-
lhe a possibilidade de ter uma atitude normal em relação ao
amor. Enquanto as outras mulheres aprendiam a flertar, o
irmão de Elizabeth apostava no jogo a virgindade da irmãzinha
para o vencedor, e Elizabeth aprendeu a usar uma adaga.
Tinha preservado sua preciosa virgindade, mas para quê? O
convento? Para ir convertendo-se pouco a pouco em uma
mulher dura e raivosa até chegar a ser como uma pedra... uma
inútil anciã sem amor?

Miles se afastou dela ligeiramente, controlando o beijo,


evitando que ela se machucasse esmagando seus lábios contra
os dentes dele. As mãos de Miles acariciavam suas costas
molhada, o nascimento da coluna.

Os lábios dele se moveram até a comissura de sua boca e


com a ponta da língua a tocou, subindo até suas bochechas,
beijando-lhe enquanto suas mãos brincavam com a pele dela.

Elizabeth inclinou cabeça para trás e para um lado,


permitindo que a beijasse no pescoço e nos ombros.
Possivelmente esta fosse a verdadeira razão que nunca

LRTHistóricos 172
Anjo Audaz — Jude Deveraux

permitiu que um homem a tocasse. Possivelmente ela soubesse


que por mais que lutasse como um demônio, sucumbiria
imediatamente, desenfreadamente, irresponsavelmente, sem
indício de vergonha.

— Miles! — Suspirou ela. — Miles.

— Sempre. — Ele murmurou, mordiscando sua orelha.

Com um movimento rápido e suave, a tirou da tina e a


levou para a cama. Seu corpo estava molhado e os cabelos
colados às costas, mas Miles a envolveu em uma toalha e
começou a enxugá-la. A vivacidade com que Miles a enxugava
enviava ondas de calor pelo corpo, e cada vez que ele a tocava,
ela o desejava mais. Tinha que ressarcir-se de toda uma vida
de fugir de qualquer contato.

De repente, Miles estava ao seu lado, nu, com sua


esplêndida pele, morna e escura, convidativo.

— Sou teu Elizabeth, como você é minha. — Sussurrou


enquanto colocava a mão dela sobre seu peito.

— Tanto cabelo. — Ela soltou uma risadinha. — Tanto,


tanto cabelo. — Enterrou os dedos no arbusto de pelo,
puxando o aproximou dela. Obediente, Miles se aproximou
mais e aconchegou seu corpo dourado ao lado do dele.

— O que se sente? — Perguntou ela com ansiedade.

LRTHistóricos 173
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Não saberá tão rápido. Não terá duvidas por muito


tempo. — Sorriu. — Quando formos um, já não haverá medo
em seus olhos.

— Quando formos um. — Sussurrou ela enquanto Miles


beijava seu pescoço. Beijou-a no pescoço por um tempo muito
longo antes de mover para seu braço, sua língua fazendo
pequenos movimentos rodopiantes dentro da carne sensível de
seu cotovelo. Ela se surpreendeu ao sentir uma ligeira vibração
que partia de seus dedos, percorria-lhe os seios e terminava
nas pontas dos dedos da outra mão.

Ela estava deitada com os olhos fechados, os braços e as


pernas abertas enquanto Miles a tocava. Essas grandes mãos
que podiam brandir uma espada, proteger a uma criança de
qualquer dano, controlar um cavalo indisciplinado, lentamente
e com grande ternura estavam acendendo seu corpo de paixão.

Quando a mão dele passou de sua garganta a bochecha,


ela girou a cabeça e beijou sua palma, pegou com suas duas
mãos a dele e levando-a a boca começou a fazer amor com essa
mão dura e ao mesmo tempo delicada, esfregando-a contra
seus lábios, saboreando sua pele, passando a língua por seus
cabelos no dorso da mão. Ela foi recompensada por um som
primitivo de Miles, que colocou seu coração acelerado.

— Elizabeth! — Ele murmurou gemendo. — Elizabeth


quanto esperei por isto.

LRTHistóricos 174
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Elizabeth decidiu que não desejava esperar mais.


Instintivamente tentou mexer-se debaixo de Miles, mas ele não
permitiu. Em vez disso, trouxe os lábios sobre seus seios e
Elizabeth quase saltou da cama.

Miles riu entre dentes ante sua reação e ela sentiu que
sua risada percorria seu corpo de cima a baixo. Amor e riso,
pensou. Isso era o que Miles acrescentou à sua vida.

Suavemente, os lábios de Miles em seus seios a fizeram


parar de pensar. Apoiado em seus joelhos, ele acariciou seus
quadris, colocando as mãos na sua cintura, apertando,
acariciando, e lentamente começou a penetrá-la com seus
dedos, usando a outra mão para guiar os quadris dela num
movimento lento, ondulante.

Ela captou o ritmo com facilidade. Sua respiração se fez


mais profunda e apertou com mais força os braços de Miles.

O corpo dele próximo ao seu, morno, duro, escultural, era


o único de que tinha consciência, enquanto toda ela começou
a mover-se com sensualidade.

— Miles. — Ela sussurrou, suas mãos acariciando seus


cabelos. Com muita pouca delicadeza atraiu a cabeça dele para
a sua, procurou seus lábios e o beijou de uma forma que
jamais podia ter sonhado. Ambos estavam cobertos de suor,
um suor salgado, quente.

Elizabeth levantou seus joelhos e rodeou com as pernas


os quadris de Miles, e quando o fez, ele a penetrou.

LRTHistóricos 175
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Não sentiu dor, já que estava mais que preparada para


ele, mas por um momento tremeu com a força de sua reação.
Miles ficou imóvel, também ligeiramente trêmulo, até que
Elizabeth começou com o ritmo lento que ele ensinou
momentos atrás.

Lentamente, os dois juntos, fizeram amor. Depois de


poucos segundos Elizabeth se perdeu em um mar paixão que
jamais sonhou que poderia existir.

Quando Miles passou a um ritmo mais exigente,


aumentando sua velocidade, ela travou as pernas ao redor dele
e se deixou transportar por seus sentidos. E em uma explosão
cega, o corpo de Elizabeth se convulsionou e as pernas
começaram a tremer violentamente. Miles a seguiu.

— Shhh... — Miles a acalmou, apoiando-se em um


cotovelo e acariciando suas têmporas. — Silêncio, meu anjo!
Oh, meu anjo. Está segura agora.

Ele se retirou e puxou-a em seus braços.

— Meu anjo prometido. — Sussurrou. — Meu anjo de


chuva e relâmpago.

Elizabeth não compreendeu completamente suas


palavras, mas sim, pela primeira vez em sua vida, sentiu-se
segura. Caiu adormecida instantaneamente, com o corpo tão
colado ao de Miles que tinha muita dificuldade para respirar.

LRTHistóricos 176
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Quando Elizabeth despertou, esticou-se luxuosamente,


sentindo cada músculo de seu corpo, e gemeu quando estirou
a pele rasgada dos joelhos.

Abriu os olhos, e o primeiro que viu foi uma larga mesa,


repleta de comida quente. Nunca antes em sua vida tinha tido
tanto apetite. Agarrou a manta escocesa de Bronwyn, envolveu
seu o corpo com ela e se aproximou para ver o que havia na
mesa.

Tinha a boca cheia de salmão defumado quando a porta


se abriu e Miles entrou. Elizabeth ficou petrificada, com a mão
na metade do caminho para a boca, porque começou a
recordar o ocorrido na noite anterior. E no rosto de Miles se lia
uma expressão de tal conhecimento que Elizabeth começou a
irritar-se. Mas antes que pudesse expressar seus sentimentos,
Miles começou, tranquilamente, a tirar as roupas escocesas
que ela vestia. Que direito tinha...!? Pensou Elizabeth,
sufocando com o salmão enquanto tentava falar. Mas ele, sim,
tinha direito. Depois da forma em que ela atuou na noite
anterior, tinha todo o direito de pensar o pior dela. Mas mesmo
assim, desejava com todas suas forças apagar essa expressão
do seu rosto.

Elizabeth, em realidade, não se deteve para pensar no que


ia fazer. Junto a ela havia duas bandejas com tortas quentes e
doces, assadas até ter um tom dourado e totalmente cobertas
com frutas de verão. Com um sorriso cravou os olhos nos de

LRTHistóricos 177
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Miles, deslizou uma mão por debaixo de uma das tortas e,


ainda sorrindo, lançou-a contra Miles com todas suas forças.

Ele não estava esperando que lhe lançassem nenhum


projétil, e a torta bateu no seu pescoço, salpicando sua
bochecha e fazendo jorrar pelo peito uma massa quente de
cerejas e suco.

Elizabeth sabia que se algo acontecesse agora valia a


pena simplesmente por ver a expressão de Miles. Ele estava
total e completamente estupefato. Tampando a boca com a
mão para não rir, Elizabeth lançou outras duas tortas, uma
pegou em seu quadril e a outra se esfarelou contra uma cadeira
que se encontrava atrás dele.

Miles olhou para Elizabeth com uma expressão estranha,


descartando o resto de torta de suas roupas continuou
caminhando para ela.

A manta que Elizabeth usava caiu, e ela, com os olhos


arregalados, começou novamente a jogar tortas, desta vez com
ambas as mãos. Não tinha certeza, mas pareceu que esses
olhos cinza tinham um olhar assassino.

Miles continuou avançando, movendo-se somente para se


esquivar das tortas que voavam para seu rosto. Todo seu corpo
estava coberto por uma mistura de pêssegos, cerejas, amoras,
maçãs, tâmaras, ameixas, que caíam por todo corpo
musculoso em uma magnífica exuberância de cores... e de
sabores, pensou Elizabeth impertinentemente.

LRTHistóricos 178
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Quando ele chegou à mesa, seus olhos penetrantes se


cravaram nos dela, e Elizabeth não se atreveu a se mover. Ele
deu a volta para ficar ao lado dela, e Elizabeth contendo o
fôlego, olhou-o. Mas neste preciso momento, uma cereja,
branda e suculenta, escorregou por sua testa, deslizou pelo
nariz e ficou pendurada por um segundo, até que finalmente
caiu no chão. Outra risada escapou de Elizabeth.

Lentamente, com ternura. Miles tomou-a em seus braços.

— Ah, Elizabeth — murmurou ele — é a alegria de minha


vida.

Quando seus lábios se aproximaram dos dela, fechou os


olhos, recordando vividamente as sensações da noite anterior.
Ele a inclinou para trás em seus braços e Elizabeth se deixou
levar por sua força. Ele tinha poder sobre ela. Tudo o que tinha
que fazer era tocá-la para que começasse a tremer.

Mas os lábios dele não tocaram os dela. Em vez disso,


Elizabeth sentiu junto a si um rosto cheio de suculenta torta
de pêssego e jorros melados de frutas.

Enquanto os pêssegos escorregavam pelas orelhas dele,


abriu desmesuradamente os olhos. Dando um ofego, levantou
o rosto e olhou a expressão diabólica de Miles.

Antes que pudesse protestar, com um pequeno sorriso


perverso, ele a levantou e colocou-a sobre a mesa... justo em
cima da segunda bandeja de tortas. O suco das frutas escorria
por suas pernas e de alguma forma fez o impossível, salpicou

LRTHistóricos 179
Anjo Audaz — Jude Deveraux

suas costas. Tinha as mãos cobertas de nata e os pêssegos


escorriam pelo queixo, o cabelo estava completamente colado
ao seu corpo.

Com um gesto de profundo desgosto, levantou as mãos,


as esfregou uma contra a outra, viu que nada conseguia fazer
para que ficasse bem, e depois de pensar um segundo, comeu
duas rodelas de maçã que descansavam em seus pulsos.

— Um pouco doce demais. — Disse com seriedade,


olhando Miles. — Talvez devêssemos nos queixar do
cozinheiro.

Miles, nu diante dela, mostrou que tinha outra coisa em


mente que nada tinha a ver com o cozinheiro. Os olhos de
Elizabeth se arregalaram e se sentiu desamparada.

Era difícil, se não impossível, manter a compostura


enquanto estava sentada em uma poça de tortas de frutas. Ela
abriu os braços para seu amante pegajoso e ele veio até ela.

Quando Elizabeth beijou o pescoço de Miles, afastou-se


quando encontrou uma cereja que pegou com a boca,
começaram a rir em uníssono. Miles começou a comer
pêssegos da testa dela, enquanto Elizabeth mordiscava
ameixas dos ombros dele.

Miles a agarrou, deitou-a sobre suas costas, em meio a


um grande barulho de pratos e comida derramada, e a colocou
sobre sua masculinidade ereta. Já não houve mais risadas,
porque seus pensamentos se serenaram e fizeram amor com

LRTHistóricos 180
Anjo Audaz — Jude Deveraux

vigor, mudando duas vezes de posições para terminar com


Elizabeth agachada sobre Miles, ela ficou muito quieta sobre
ele, débil, exausta, pensando que morreria se tivesse que fazer
algum movimento.

Mas Miles, com um gemido, levantou a ambos e removeu


uma tigela de barro, debaixo dele, que tinha contido algum tipo
de molho e atirou-a contra o piso.

Elizabeth se ergueu e, com ar ausente, coçou a coxa.

— Você é um espetáculo Miles Montgomery. — Disse ela,


sorrindo, tirando uma parte de ovo cozido de seu cabelo. A
gema estava esmagada contra o crânio dele.

— E você não está exatamente pronta para se apresentar


na corte. — Com um gemido, tirou um garfo de serviço de
debaixo de suas nádegas.

— O que acha que vai pensar o Laird MacGregor de tudo


isto? — Perguntou Elizabeth, separando-se de Miles. Sentou-
se ao seu lado, as pernas cruzadas, e examinou com um olhar
o quarto. As paredes, o piso, os móveis, tudo estava coberto de
tortas destroçadas e a mesa era um desastre, com tudo
derramado, pingando, pendurando... exceto um par de pratos
que se encontravam no final da mesa. Avançando
engatinhando, Elizabeth se dirigiu para a única comida que
tinha ficado, emitiu um chiado quando Miles acariciou
suavemente suas nádegas, e voltou com uma tigela cheia de

LRTHistóricos 181
Anjo Audaz — Jude Deveraux

frango cozido com amêndoas e uma pequena fatia de pão de


trigo.

Miles, que ainda permanecia deitado de costas sobre a


mesa, apoiou-se em um cotovelo.

— Ainda está com fome? — Ele brincou.

— Morro de fome. — Ela agarrou uma colher que aparecia


debaixo de um de seus tornozelos e a afundou no guisado, e
quando Miles lhe dirigiu um olhar suplicante, começou a
alimentá-lo também.

— Não se acostume com isso. — Advertiu, colocando


outra colherada em sua boca.

Miles apenas sorria para ela e ocasionalmente beijava


seus dedos. Apesar de todo o transtorno, encontraram um
pouco de comida intacta.

Elizabeth alcançou outro prato, com costelas de cordeiro,


e teve que cortar e dar-lhe na boca. Elizabeth se pendurou
sobre um lado, com Miles segurando-a pelo tornozelo e um
pulso e recuperou uma perdiz assada que tinha colado na
perna da mesa. Miles se recusou a comer e Elizabeth foi
"forçada" a alimentá-lo, até mesmo a arrancar a carne dos
ossos da perdiz.

— Um inútil é o que você é. — Disse Elizabeth, coçando-


se. A comida colada em seu corpo começava a secar e produzia
ardência e coceira.

LRTHistóricos 182
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— O que você precisa — disse ele enquanto começava a


beijar seus braços — é...

— Não quero escutar nenhuma de suas sugestões,


Montgomery! — Advertiu-lhe. — Ontem à noite me embebedou,
me colocou e atacou em uma tina, e agora... isto! — Não havia
palavras para descrever a bagunça perfumada ao redor, era
indescritível. — Maldição! — Protestou ela, usando as duas
mãos para coçar a coxa. — Não há nada de normal contigo?

— Nada. — Confirmou ele enquanto distraidamente


descia da mesa e começava a se vestir. — Há um lago perto
daqui. Você gostaria de nadar?

— Eu não tenho ideia de como nadar.

Ele a segurou pela cintura e a desceu da mesa.

— Eu te ensinarei. — Disse tão lascivo que Elizabeth riu


e o afastou de um empurrão.

— Embaixo da água? — Perguntou ela, e quando parecia


que Miles tomava a sério a sugestão, saiu correndo de seu lado,
escorregando em uma mancha de fígado de bacalhau e
agarrando-se com força à mesa para não cair. Em tempo
recorde vestiu uma saia, uma camisa cor açafrão e jogou uma
manta sobre os ombros. A saia esteve na linha de fogo de uma
torta de queijo.

— Pareço-me tão mal como você? — Perguntou ela


enquanto seguia tirando comida do cabelo.

LRTHistóricos 183
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Pior. Mas ninguém nos verá. — Com essa sentença


enigmática se dirigiu a uma das tapeçarias que estava
pendurada na parede oposta, puxou-a para o lado e revelou
uma escada construída dentro das grossas paredes de pedra.
Tomou a mão de Elizabeth e a guiou pela escura e fria
passagem.

LRTHistóricos 184
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Capítulo Dez
Duas horas mais tarde estavam perfeitamente lavados e
Miles secava Elizabeth com uma manta.

— São bastante úteis, não acha? — Murmurou ela,


enrolando o tecido ao redor de seu corpo frio. O verão dos
escoceses não era o mais indicado para passear nus.

— Muitas das coisas dos escoceses são tanto práticas


como agradáveis... se você lhes dar uma pequena
oportunidade.

Ela deixou de secar o cabelo.

— E o que pode importar para você se os escoceses forem


de meu agrado ou não? Entendo seu interesse por fazer com
que eu compartilhe seu leito, mas não compreendo esta
constante preocupação, digamos, por meu bem-estar.

— Elizabeth, se eu só quisesse você na minha cama, eu


poderia tê-la levado naquele primeiro dia em que você foi
entregue a mim.

— E talvez tivesse perdido uma parte de sua anatomia


com o machado que tinha em minhas mãos. — Replicou ela.

Depois de um momento de surpresa Miles começou a rir.

LRTHistóricos 185
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Você e aquele machado! Oh, Elizabeth, estava tão


encantadora com sua perna no ar e todo esse seu cabelo solto.
Parecia...

— Não vejo por que tem que rir tanto. — Disse ela
rigidamente. — Não me pareceu nada gracioso. E te advirto que
ainda posso escapar de você.

Isso foi suficiente para que a expressão dele se tornasse


séria. Fez Elizabeth sentar no chão ao seu lado.

— Não quero ter que passar outras noites como essa. Rab
tinha desaparecido e encontramos lobos mortos no escarpado,
além disso, sua égua voltou mancando. Todos temeram que
tivesse escorregado pelo precipício.

Ela o empurrou, porque a estava abraçando tão forte que


quase não a deixava respirar. Quando o olhou, franziu o cenho.
Sempre pensou que se um homem tomasse sua virtude, ela o
odiaria, mas não era ódio absolutamente o que sentia por
Miles. Agora havia entre eles uma cálida sensação de
compartilhar, como se sempre tivessem estado juntos e sempre
seria desta forma.

— Sempre é assim? — Sussurrou ela, olhando para às


árvores acima deles.

Houve uma pausa, e depois Miles respondeu.

— Não! — Ele disse tão suavemente que poderia ter sido


o vento.

LRTHistóricos 186
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Ela soube que ele tinha compreendido sua pergunta.


Talvez estivesse mentindo, talvez amanhã se transformasse
novamente em seu inimigo, mas no momento não era.

— Nunca tive dias como este enquanto meu irmão vivia.


— Confidenciou ela e já que começou, não pôde se deter.
Embora tivesse lutado contra Miles em cada uma das
oportunidades que se apresentou, agora sabia que em nenhum
momento esteve em perigo... o perigo que tinha experimentado
durante boa parte de sua vida. Nas poucas semanas
transcorridas conheceu a cortesia, tinha visto o amor entre
Stephen e Bronwyn, entre Miles e seu filho... esse tipo de amor
que tão pouco pedia em troca era algo que ela jamais conheceu.

Em lugar de contar uma história de horror de todas as


atrocidades que Edmundo cometeu, relatou como ela e seus
dois irmãos varões se mantiveram muito unidos. Roger não era
muito velho quando seus pais morreram e ficaram sob a tutela
de seu traiçoeiro irmão. Ele fazia todo o possível para salvar
seus irmãos mais novos, mas ao mesmo tempo desejava viver
sua própria vida. Cada vez que Roger diminuía sua vigilância,
Elizabeth era tirada do convento e utilizada nos desagradáveis
jogos de seu irmão Edmund. Roger, sentindo remorsos e culpa
por seus descuidos, o enfrentava com ferocidade e renovava
seu juramento de cuidar de Elizabeth e Brian, mas as formas
viciosas de Edmund sempre tinham conseguido ultrapassar
em astúcia às boas intenções de Roger.

LRTHistóricos 187
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Ele nunca teve ninguém além de nós. — Disse


Elizabeth. — Roger tem vinte e sete anos, mas jamais esteve
apaixonado, nunca teve tempo sequer de tomar para si uma
tarde livre de verão. Já era um velho aos doze anos.

— E quanto a você? — Perguntou Miles. — Não


considerou alguma vez que tinha direito a algum tempo para
rir e aproveitar um pouco da vida?

— Aproveitar. — Ela sorriu, aconchegando-se contra ele.


— Não acredito lembrar de nada divertido em minha vida, até
o momento em que um jovem que conheço rolou colina abaixo
comigo.

— Kit é um menino maravilhoso. — Disse ele com


orgulho.

— Kit, não! Eu me refiro a alguém mais velho, que mesmo


rolando, cuidava de proteger sua espada.

— Notou isso, não é? — Disse ele com suavidade,


passando uma mecha de cabelo por detrás da sua orelha.

Por um momento ficaram silenciosos, enquanto Elizabeth


o olhava com curiosidade.

— Você não é um sequestrador. — Disse por fim. — Te


observei com homens e com mulheres e, se alguma virtude
tiver, é que é amável com elas. Então por que não me liberta?
É porque, como você disse, tenho tantos... problemas? — Ela
disse com certa rigidez.

LRTHistóricos 188
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Ele ouviu sua pergunta e parecia meditar, sim, pensou


um momento antes de responder.

— Durante toda a minha vida, gostei da companhia das


mulheres. Não há nada que eu goste mais que ter uma bela
mulher em meus braços. Meus irmãos pareciam pensar que
isto me fazia menos homem, mas suponho que ninguém pode
mudar sua forma de ser. Quanto a você, Elizabeth, vi algo que
nunca antes tinha encontrado: o ódio e a fúria contra um
homem. Minha cunhada Judith provavelmente poderia
organizar toda a Inglaterra, mas ela precisa da força do meu
irmão para amar. Bronwyn ama as pessoas e sempre obtém
que todos façam o que ela deseja, mas não está segura de si
mesma e necessita a confiança obstinada de Stephen, para
sentir-se apoiada. — Fez uma pausa. — Mas você, Elizabeth, é
diferente. Você provavelmente poderia lidar com isso sozinha,
mas não chegaria a conhecer as coisas boas da vida.

— Então, por que...? — Começou ela. — Por que ter


prisioneira a uma pessoa como eu? Certamente uma mulher
suave, mais dócil, seria mais do seu agrado.

Ele sorriu ante seu tom insultante.

— Paixão, Elizabeth. Estou convencido de que é a mulher


mais apaixonada da terra. Pode odiar violentamente, e tenho
certeza de que pode amar com a mesma violência.

Ela tentou afastar-se, mas ele a sentou novamente ao seu


lado, seu rosto junto ao dela.

LRTHistóricos 189
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Você amará só uma vez na sua vida. — Disse ele. —


Tomará sua vida em dar esse amor, mas uma vez que o tenha
feito, nenhum poder sobre a terra, ou o inferno, poderá apagar
a força desse amor.

Ela ficou quieta junto a ele, olhando para as profundas


esferas cinza que a transpassavam.

— Eu quero ser esse homem. — Disse ele brandamente.


— Quero mais que seu corpo, Elizabeth Chatworth. Quero seu
amor, sua mente, sua alma.

Quando se inclinou para beijá-la, ela afastou o rosto.

— Não acha que pede muito, Montgomery? Você teve mais


do que eu dei a qualquer outro homem, mas acredito que isso
é tudo o que tenho para dar. Minha alma pertence a Deus,
minha mente a mim mesma, e meu amor é para minha família.

Ele se afastou e começou a vestir-se.

— Você me perguntou por que eu a mantenho prisioneira,


e dei a resposta. Agora voltaremos para a fortaleza dos
MacGregor e conhecerá seus homens. Laird MacGregor está
zangado contigo porque o atacou com uma adaga, e você vai se
desculpar.

Ela não gostou de sua atitude.

— Ele é amigo dos MacArran, que está relacionado com


meus inimigos, os Montgomery — sorriu com doçura — é

LRTHistóricos 190
Anjo Audaz — Jude Deveraux

também meu desafeto e, portanto, tinha todo o direito de tratar


de me proteger.

— Muito certo. — Ele concordou, entregando-lhe as


roupas. — Mas se o Laird MacGregor não for apaziguado, pode
haver problemas entre os clãs.

Ela começou a vestir-se mal-humorada.

— Eu não gosto disso. — Resmungou. — E não vou entrar


sem uma arma em um salão cheio de homens desconhecidos.

— Elizabeth, — disse Miles pacientemente — não pode


brandir um machado cada vez que encontrar um grupo de
homens reunidos. Além disso, estes escoceses têm suas
próprias mulheres bonitas. Talvez não enlouqueçam tanto com
seus encantos para cometer atos luxuriosos indescritíveis.

— Não quis dizer isso! — Replicou ela, dando as costas.


— Você deve rir de...?

Ele colocou a mão em seu ombro.

— Não era minha intenção rir de você, mas você tem que
começar a perceber o que é normal e o que não é. Eu estarei lá
para proteger, você.

— E quem vai me proteger de você?

Ouvindo isto, seus olhos se iluminaram e ele passou a


mão pelo contorno dos seus seios.

LRTHistóricos 191
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Tenho o prazer de comunicar que não haverá ninguém


que possa protegê-la de mim.

Ela se afastou dele e terminou de se vestir.

O que Miles planejou para Elizabeth era, aos olhos dela,


uma pura tortura. Ele cravou os dedos no seu cotovelo até que
todo seu braço esteve dolorido e a obrigou a estreitar a mão de
mais de cem homens dos MacGregor. Quando terminou, ela
desabou em uma cadeira contra a parede e, com mão tremente,
bebeu o vinho que Miles lhe oferecia. Quando ele a elogiou
como se ela fosse um cachorro que tinha feito um truque
corretamente, ela fez um aceno depreciativo, o que o fez beijar
seus dedos e rir.

— Agora será mais fácil. — Disse ele com confiança.

E, na verdade, as coisas foram mais fáceis, mas levou


semanas. Miles não a perdeu de vista nem um momento. Ele
se recusou a deixá-la caminhar atrás dos homens e quando ela
se voltava constantemente para verificar o paradeiro dos
guerreiros, ele chamava sua atenção.

Eles cavalgaram em uma caçada e dado momento


Elizabeth ficou separada de Miles.

Três MacGregor a encontraram e se mostraram muito


cordiais, mas quando reencontrou Miles, tinha medo refletido
nos olhos. Instantaneamente ele a passou ao seu cavalo,
abraçou-a e tentou tranquilizá-la, mas quando isto não
resultou suficiente, fez-lhe amor sob uma árvore de faia.

LRTHistóricos 192
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Miles a advertiu unicamente a respeito de um dos


MacGregor: Davy MacArran, o irmão de Bronwyn. Tinha uma
antipatia feroz pelo garoto que era realmente mais velho que
ele. Miles disse, cheio de desprezo, que Davy tentou matar sua
própria irmã.

— Embora meus irmãos sejam extraordinariamente


arrogantes, — disse Miles — qualquer um deles daria sua vida
por mim, como eu daria a minha por eles. Adoece-me os
homens que são contra sua própria família.

— Como você está me pedindo para fazer? — Replicou ela.


— Está me pedindo que esqueça a meus irmãos e que te
entregue meu corpo e minha alma.

Os olhos de Miles brilharam de fúria, antes de deixá-la


sozinha no grande quarto que compartilhavam.

Elizabeth se aproximou da janela para olhar aos homens


que se encontravam abaixo, no pátio. Sentia-se estranha em
pensar que, se desejasse, poderia caminhar por esse pátio sem
ser incomodada. Sem o temor de ver-se obrigada a lutar por
sua vida. Não havia nenhum impulso de sua parte para testar
se esse conhecimento era certo, mas de qualquer jeito era
agradável considerar desta forma.

O Laird MacGregor passeava de um lado a outro exibindo-


se, e essa vaidade excessiva fez com que Elizabeth sorrisse.
Laird MacGregor tinha tido que controlar-se quando se viu
obrigado a dar primeiro a mão a Bronwyn e depois a Elizabeth,

LRTHistóricos 193
Anjo Audaz — Jude Deveraux

e quando Miles praticamente a empurrou para que se


adiantasse a saudá-lo, ele mal a olhou. Isto nunca tinha
acontecido anteriormente, e antes de perceber o que estava
fazendo, encontrou-se praticamente persuadindo-o a falar com
ela. Em poucos momentos ele se rendeu a sua simpatia.
Gostava das mulheres bonitas, mas como já se considerava um
velho, se perguntava se as mulheres bonitas gostavam dele.
Elizabeth dissipou a ideia muito breve.

Mais tarde Miles se mostrou aborrecido.

— Que rápido trocaste de um coelhinho assustado a uma


tentadora de homens. — Brincou com ela.

— Você acha que sou uma boa tentadora? — Ela


provocou. — Lachlan MacGregor é viúvo. Talvez...

Não pôde terminar de falar, porque Miles a beijou com


tanta ferocidade que quase machucou seus lábios. Tocando o
lábio inferior, ficou olhando os largos ombros dele, enquanto
Miles se afastava... e sorriu. Estava começando a perceber que
tinha um certo poder sobre Miles, embora não soubesse até
onde podia chegar.

Neste momento, enquanto olhava o pátio de armas,


alguns homens que usavam as insígnias dos MacArran
entraram cavalgando na área. Os MacGregor se mostraram
falsamente cordiais, mas Elizabeth observou que todos os
homens mantinham as mãos muito perto do punho de suas

LRTHistóricos 194
Anjo Audaz — Jude Deveraux

espadas. Neste momento Miles saía da casa de pedra dos


MacGregor e falou com os MacArran.

Elizabeth olhou um momento mais e com um suspiro se


afastou da janela para começar a guardar todos os pertences
de Miles. Estava absolutamente segura de que partiriam a
qualquer momento.

Miles abriu a porta, fez uma pausa, viu o que ela estava
fazendo e se apressou a ajudá-la.

— Meu irmão Gavin chegou a Larenston.

— Com o Roger? — Ela se deteve um momento, com uma


capa de veludo em seus braços.

— Não, seu irmão fugiu.

Ela se voltou rapidamente para ele.

— Ileso? Com todas as partes do corpo dele?

Os olhos de Miles se arregalaram por um momento,


surpreendido.

— Tanto quanto eu sei, tudo está em seu lugar. — Tomou


suas mãos. — Elizabeth...

Ela se afastou.

— Será melhor que procure algumas das belas criadas


dos MacGregor para que arrumem suas finas roupas. — Com
estas palavras, saiu correndo pelas escadas que se escondiam
atrás da tapeçaria.

LRTHistóricos 195
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Apesar de todos seus esforços, não pôde evitar chorar.


Lançou-se à negra escuridão, esteve a ponto de cair quando
tropeçou e terminou por sentar-se em um frio degrau de pedra,
ao perceber o ruído de ratos que chiaram em protesto a sua
perturbação.

Sentada ali, chorando como se sua vida fosse terminar a


qualquer momento, soube que não tinha nenhuma razão para
soluçar assim. Seu irmão já não estava prisioneiro como ela,
além disso, estava ileso. E agora Gavin Montgomery tinha
chegado e o mais provável era que tratasse de convencer a seu
irmão mais novo que a libertasse. Talvez amanhã a estas horas
estaria a caminho de casa. Já não teria que ver-se obrigada a
saudar homens estranhos. Já não seria uma cativa, e poderia
retornar para casa com sua própria família.

Um som na parte superior da escada a fez voltar-se, e


mesmo que não pudesse vê-lo, soube que Miles estava ali.
Instintivamente, estendeu os braços para ele.

Miles a abraçou com tanta força que ela temeu por suas
costelas, mas o único que fez foi aferrar-se a ele com mais
desespero. Eram como dois meninos escondendo-se de seus
pais, temerosos do amanhã, aproveitando o momento
presente.

Para eles não houve pó nem sujeira, nem olhos furiosos


que os observassem enquanto arrancavam as roupas um do
outro, com as bocas sempre juntas. A violência com que juntos
chegaram ao clímax foi algo novo para Elizabeth porque Miles

LRTHistóricos 196
Anjo Audaz — Jude Deveraux

sempre se mostrou tenro com ela, mas quando cravou as


unhas nas suas costas, ele reagiu. As escadas rangeram atrás
dela enquanto Miles levantava seus quadris e a tomava com
uma paixão cega, com ferocidade, e a resposta dela não foi
menos apaixonada. Ela apoiou os pés contra os degraus e
elevou como pôde seu jovem e vigoroso corpo.

O flash de luz que os transpassou os deixou débeis,


tremendo, abraçados como se fossem morrer se se
separassem.

Miles foi o primeiro em recuperar-se.

— Temos que ir. — Sussurrou com cansaço. — Nos


esperam abaixo.

— Sim. — Disse ela. — O irmão mais velho quer nos ver.


— Mesmo na escuridão, podia sentir os olhos de Miles
observando-a.

— Não deve temer Gavin, Elizabeth.

— O dia em que um Chatworth tema a um Montgomery...


— ela começou, mas Miles a silenciou com um beijo.

— Assim eu gosto! Agora, se você puder manter as mãos


longe de mim o suficiente cavalgaremos até Larenston.

— Você! — Ela começou a golpeá-lo, mas ele subiu


correndo as escadas antes que ela o alcançasse, e quando
Elizabeth tentou mover-se, gemeu pela dor de seus muitos
machucados. Saiu por detrás da tapeçaria dobrada, as mãos

LRTHistóricos 197
Anjo Audaz — Jude Deveraux

na parte de atrás de suas costas. A presunçosa risada de Miles


a fez endireitar dolorosamente. — Se não fosse porque as
mulheres sempre têm que estar por baixo... — disse zangada,
e parou em seco quando viu que o Laird MacGregor estava ali,
apoiado em uma arca.

— Eu vim dizer que espero que tenha gostado de sua


visita, Lady Elizabeth. — Os olhos do homem brilharam
alegremente, e Elizabeth se concentrou tanto na tarefa de
preparar suas coisas, ignorando-o intencionalmente, que não
notou quando ele se moveu a suas costas. Quando ele tocou
seus ombros com suas grandes mãos, ela ofegou, mas Miles a
pegou pelo braço fazendo uma muda advertência com o olhar.

— Foi um prazer tê-la aqui, Elizabeth. — Disse o Laird


MacGregor enquanto tirava-lhe o broche que usava no ombro
e o substituía por outro redondo, de prata, com a insígnia dos
MacGregor.

— Obrigada. — Disse ela docilmente e para grande


surpresa dos três, depositou um rápido beijo na bochecha do
homem.

A mão de Miles no braço dela se apertou ainda mais e ele


a olhou com tal deleite que pareceu que todo seu corpo ia
derreter.

— Doce menina, venha me ver de novo.

— Virei! — Disse ela, e sorriu abertamente, porque na


verdade pensava retornar algum dia.

LRTHistóricos 198
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Os três juntos desceram para o pátio de armas, onde os


cavalos esperavam.

Elizabeth olhou com curiosidade a todos os MacGregor,


porque sabia que ia sentir falta deles. Sentindo-se estranha,
teve o impulso de dar a mão a alguns deles. Miles se mantinha
perto dela e Elizabeth estava muito consciente de sua
presença, se sentia agradecida por isso, mas seu medo de tocar
os homens e ser tocada por eles era apenas isso, medo, não
terror.

Quando percorreu toda a fila de homens se alegrou em


montar seu cavalo. Atrás dela estavam os homens de Bronwyn,
a quem não conhecia, e sentiu desejos de gritar diante da
injustiça de ter que abandonar um lugar onde começou a se
sentir segura.

Miles inclinou-se e apertou-lhe a mão.

— Recorda que estou aqui. — Disse.

Ela assentiu com a cabeça, esporeou seu cavalo e


partiram.

Por quanto tempo mais ele estaria ali? Teve desejo de


perguntar. Sabia muito sobre Gavin Montgomery. Era um
homem ambicioso, traiçoeiro, cuja desilusão de Alice
Chatworth quase a deixara louca. E Gavin era o chefe da
família Montgomery. Apesar das presunções de Miles, ele só
tinha vinte anos e Gavin tinha a tutela de seu jovem irmão.
Será que Gavin iria levá-la embora, usá-la para seus próprios

LRTHistóricos 199
Anjo Audaz — Jude Deveraux

propósitos contra a família Chatworth? Miles acreditava que


Roger matou Mary Montgomery. Aproveitaria Gavin a ocasião
para vingar-se dos Chatworth?

— Elizabeth, — a chamou Miles — o que está planejando?

Ela não se incomodou em responder e manteve a cabeça


erguida quando entraram em Larenston. Miles a ajudou a
desmontar.

— Certamente meu irmão mais velho está lá dentro,


ansioso para colocar as mãos em mim. — Disse Miles com os
olhos brilhando.

— Como pode rir desta situação?

— A única maneira de lidar com meu irmão é rindo. —


Disse ele com toda seriedade. — Vou até você mais tarde.

— Não! — Exigiu ela. — Enfrentarei a seu irmão contigo.

Miles inclinou a cabeça, estudando-a.

— Acredito suspeitar que tenta me proteger de meu


irmão.

— Você é um homem gentil e...

Miles riu tão alto que assustou os cavalos. Beijou-a


efusivamente na bochecha.

— É uma criança bonita e doce. Vamos então, e me


proteja se assim o desejar, mas em todo caso vou ficar de olho
nos dedos dos pés de Gavin.

LRTHistóricos 200
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Gavin, Stephen e Sir Guy esperavam por eles no andar de


cima do solar. Gavin era tão alto como Miles, mas seus traços
eram mais duros e tinha uma expressão de clara fúria.

— É ela Elizabeth Chatworth? — Perguntou com os


dentes apertados. Não esperou uma resposta. — Tirem-na
daqui. Guy acompanhe-a.

— Ela fica. — Miles disse em uma voz fria, sem se


preocupar em olhar para qualquer um de seus irmãos. —
Elizabeth sente-se.

Ela obedeceu, sentando-se em uma cadeira que a deixava


menor em estatura.

Depois de um olhar irritado para Elizabeth, Gavin virou-


se para Miles, que estava servindo uma taça de vinho.

— Maldito seja você e que Deus te leve para o inferno e


não te deixe escapar, Miles! — Gritou Gavin. — Entra aqui
tranquilamente, como se não tivesse quase causado uma
guerra privada entre nossas famílias, e traz consigo a esta...
esta...

— Dama. — Miles disse, seus olhos ficando escuros.

— Se era uma dama, eu juro que ela não é agora, depois


de ter passado semanas com você.

Os olhos de Miles se tornaram negros como a noite.


Aproximou a mão do punho de sua espada, mas a mão de Sir
Guy o deteve.

LRTHistóricos 201
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Gavin, — advertiu Stephen — não tem o direito de


insultar ninguém. Diga o que veio dizer ou fazer.

Gavin se aproximou mais de Miles.

— Sabe o preço que está pagando nossa família por esta


tua escapada? Raine não pode mostrar seu rosto e tem que
esconder-se em uma floresta, e eu passei todo o mês anterior
em companhia desse bastardo do Chatworth, tratando de
salvar sua maldita pele.

Elizabeth esperava que Miles replicasse a Gavin que ele


não tinha culpa de que Raine estivesse proscrito, mas ele
permaneceu silencioso, os olhos, ainda escuros, cravados nos
de seu irmão.

Na mandíbula de Gavin, um músculo tremia


freneticamente.

— Você vai libertá-la e entregá-la a mim imediatamente e


eu vou devolvê-la a seu irmão. Esperava que a estas alturas
tivesse recuperado o seu senso comum e a tivesse deixado
partir. Tenho certeza que você tomou a sua virgindade e vou
ter que pagar um alto preço por isso, mas...

— Vai custar a você ou a Judith? — Perguntou Miles com


calma, virando as costas para seu irmão.

Um denso silêncio caiu sobre o salão, e até Elizabeth


conteve o fôlego.

LRTHistóricos 202
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Já basta, os dois! — Intercedeu Stephen. — E, pelo


amor de Deus, Gavin, se acalme! Já sabe como fica Miles
quando insultam sua mulher do momento. E você Miles, está
provocando Gavin. Miles, Gavin manteve prisioneiro
Chatworth a fim de te dar algum tempo e para que decidisse
libertar Lady Elizabeth, e já pode imaginar que ele teve uma
grande decepção quando Chatworth fugiu e ainda assim, Lady
Elizabeth continuava contigo. Tudo o que tem que fazer é
enviá-la de volta com Gavin e tudo vai ficar bem.

Elizabeth conteve outra vez o fôlego enquanto observava


as costas de Miles e sentia os olhos de Gavin sobre ela. Foi
então que decidiu que não gostava do homem. E devolveu o
olhar com arrogância. Ao mesmo tempo viu que Miles
observava a ambos.

— Não vou deixá-la partir — disse Miles com suavidade.

— Não? — Gritou Gavin. — A família não significa nada


para você? Prefere arriscar nosso nome, o nome de gerações de
Montgomery, simplesmente pelo traseiro de uma mulher?

Gavin não esperava o punho que explodiu no seu rosto,


mas em poucos segundos se recuperou e saltou como uma fera
contra Miles.

LRTHistóricos 203
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Capítulo Onze
Stephen e Sir Guy tiveram que usar todas suas forças
para separar aos dois homens.

Foi Gavin quem se acalmou primeiro. Sacudiu os braços


de Stephen e se aproximou da janela, e quando novamente se
voltou, tinha recuperado o controle sobre si mesmo.

— Levem Lady Elizabeth daqui. — Disse com calma.

Sir Guy libertou Miles e este fez um aceno com a cabeça


para Elizabeth. Ela quis protestar, mas soube que não era o
momento, Miles não tinha intenção de devolvê-la a seu irmão,
disso tinha certeza.

Quando os homens ficaram sozinhos, Gavin desabou em


uma cadeira.

— Irmão contra irmão. — Disse abatido. — Chatworth


adoraria saber o que está acontecendo entre nós. Stephen me
sirva um pouco de vinho.

Com a taça na mão, continuou.

— O rei Henry ordenou que esta inimizade entre os


Montgomery e os Chatworth finalize. Aleguei que nossa família
é absolutamente inocente. Raine atacou Chatworth pelo que
foi feito a Mary, e sei que você não teve nada a ver com o
sequestro de Elizabeth.

LRTHistóricos 204
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Gavin tomou um comprido trago. Estava acostumado a


estes monólogos com seu jovem irmão. Tirar de Miles uma
palavra era muito mais difícil que arrancar um dente.

— Disse alguma coisa, sua Elizabeth, a respeito da jovem


cantora que estava com ela quando Pagnell a enrolou no
tapete? Deveria lhe perguntar, porque essa cantora muito
recentemente se casou com Raine.

Os olhos de Miles se mostraram ligeiramente


interessados.

— Ah! Por fim tenho alguma resposta de meu irmão.

— Gavin! — Advertiu Stephen. — Como a esposa de Raine


está envolvida em tudo isso?

Gavin fez um aceno com a mão.

— Pagnell a perseguia por alguma razão, encerrou-a em


um porão e Elizabeth Chatworth tentou salvá-la. Ao fazê-lo,
também a apanharam, e para fazer uma brincadeira maldosa
enviaram-na a nosso pequeno irmão luxurioso. Pelos dentes de
Deus, por que não a devolveu a Chatworth quando soube quem
era?

— Como ele devolveu minha irmã? — Perguntou Miles


calmamente. — Desde quando começou a ser um pacificador?

— Desde que vi como minha família pode terminar


destroçada por causa deste ódio. Não te ocorreu pensar que o
rei pode ter algo a dizer de tudo isto? Castigou Raine fazendo

LRTHistóricos 205
Anjo Audaz — Jude Deveraux

dele um proscrito e impôs a Chatworth uma multa muito forte.


O que acha que fará contigo quando souber que está retendo
a esta Chatworth?

— Miles, — disse Stephen — a preocupação de Gavin é


por você. Sei que se afeiçoou a moça, mas há mais aqui do que
você pensa.

— Elizabeth merece mais do que ser devolvida a esse


buraco infernal que é a casa Chatworth. — Disse Miles.

Neste momento, Gavin gemeu fechou os olhos.

— Esteve muito tempo perto de Raine. Para você não


importa o que tenha feito a Elizabeth, não importa o que pensa
que Chatworth tenha feito, ele o fez com a crença de que estava
certo. Passei várias semanas com ele e...

— Todos sabem bem que está do lado dos Chatworth. —


Miles disse sinceramente, referindo-se à longa relação amorosa
de Gavin com Alice Chatworth. — Não vou deixá-la partir e
nada do que diga vai me convencer do contrário. A mulher é
minha. E agora, se me permitirem, queria ver Bronwyn.

Apesar de ter certeza de que ela não precisava permissão


para ficar junto a Miles, Elizabeth percorria o quarto de um
extremo a outro. Amaldiçoou-se porque sabia que queria ficar
na Escócia, queria ficar em um lugar onde não sentisse medo.
Roger, ela pensou, querido, protetor e furioso estaria em alguma
parte da Inglaterra procurando-a, frenético por encontrá-la,

LRTHistóricos 206
Anjo Audaz — Jude Deveraux

entretanto, ela desejava com todo seu coração que ele não
tivesse sucesso.

— Só um pouco mais de tempo. — Sussurrou. — Se


pudesse ter mais um mês, logo iria de bom grado. E teria
lembranças que me durariam toda a vida.

Estava tão absorta em seus próprios pensamentos que


não ouviu a porta que se abria a suas costas, e quando escutou
as suaves pisadas atrás dela, girou furiosa para começar uma
batalha.

—Você gostou de estar com os MacGregor? — Gaguejou


Kit, sem entender a ira que se refletia no rosto dela.

Instantaneamente a expressão de Elizabeth mudou.


Ajoelhou-se, abriu os braços e abraçou o menino muito, muito
calidamente.

— Eu senti tanto a sua falta, Kit. — Sussurrou ela.


Quando clareou a visão, afastou-o um pouco de si. — Me
deram um quarto muito grande com uma escada secreta, e seu
papai e eu fizemos uma guerra de torta e fomos nadar em um
lago muito frio.

— Bronwyn me deu um potro — respondeu Kit — e o tio


Stephen me levou para dar uma volta, e que tipo de tortas? —
Inclinou-se para frente e falou em voz alta. — Fez papai zangar-
se?

LRTHistóricos 207
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Não. — Sorriu ela. — Nem sequer quando eu o atingi


no rosto com uma torta de cerejas. Vem, e sente-se ao meu
lado e te contarei como o cão de Bronwyn me salvou dos lobos.

Um tempo depois Miles os encontrou juntos,


adormecidos, e ambos pareciam perfeitamente satisfeitos.
Miles os observou um longo tempo. Quando ouviu os sons
abafados de cavalos no pátio de armas, soube que Gavin estava
partindo, inclinou-se e depositou um beijo na testa de
Elizabeth.

— Dar-te-ei mais filhos, Elizabeth. — Murmurou, tocando


a bochecha de Kit. — Já verá que sim.

— De maneira nenhuma! — Disse Elizabeth a Miles, com


o rosto sombrio. — Quase me matei fazendo o que você queria,
mas não vou aceitar ficar aqui sozinha enquanto anda pelo
campo caçando e se divertindo.

— Elizabeth, — disse Miles pacientemente — vou de


caçada e não vai ficar aqui sozinha. Todos os MacArran...

— MacArran! — Gritou ela. — Todos esses homens juntos


de mim durante três dias! Não, não ficarei. Irei caçar contigo.

— Sabe que eu adoraria tê-la comigo, mas acredito que


precisa ficar aqui. Haverá momentos em que não poderá estar
comigo e precisa aprender... — deteve-se quando ela lhe deu
as costas.

LRTHistóricos 208
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Não preciso de você, ou de qualquer outro homem,


Montgomery. — Respondeu ela com os ombros rígidos.

Miles quis tocá-la, mas ela afastou-se.

— Elizabeth, passamos muitas coisas juntos e não quero


que algo assim nos distancie. Acredito que deveria ficar aqui
com Kit e os homens e tentar se sobrepor a seus temores. Se
achar não ser capaz de fazê-lo, diga-me isso e é obvio que te
levarei comigo. Estarei lá embaixo.

Elizabeth não voltou a olhá-lo e ele abandonou o quarto.


Quase tinham transcorrido dois meses desde que Gavin tinha
ido buscá-los, e durante esse tempo Elizabeth compreendeu o
significado da felicidade. Ela, Miles e Kit tinham passado dias
maravilhosos juntos, brincando na neve recém caída, rindo
juntos. E o Natal ultrapassou todas as suas expectativas...
havia sido um Natal em família.

Bronwyn tinha lhe ensinado muitas coisas, não por


palestras, mas por exemplo. Elizabeth tinha cavalgado com
Bronwyn algumas vezes, para acompanhá-la em suas visitas
às cabanas da comarca. Teve momentos de pânico, e uma vez
Elizabeth desembainhou uma adaga contra um homem que a
seguia muito de perto, mas Bronwyn interveio, acalmando-a.
Depois disso não se repetiram as cenas iniciais de hostilidade
entre elas. Bronwyn parecia adotar Elizabeth como se fosse
uma irmã mais nova, e não a considerava uma rival em
potencial. Quando Bronwyn começou a dar ordens a Elizabeth,
como fazia com todo mundo, Miles e Stephen relaxaram. Três

LRTHistóricos 209
Anjo Audaz — Jude Deveraux

vezes Elizabeth tinha dito que podia jogar-se de cabeça pelo


escarpado, e as três vezes Bronwyn riu jovialmente.

Parecia que Rab também adotou Elizabeth e com


frequência se recusava a obedecer a ambas as mulheres,
escondendo-se nas sombras. Quando Stephen disse que o cão
era um covarde, ambas as mulheres se voltaram contra ele.

E dia a dia Miles e Elizabeth se sentiam mais perto um


do outro. Algumas vezes, enquanto observava o treinamento
de Miles, com a parte superior de seu corpo nu, brilhando pelo
suor, ela sentia debilitar seus joelhos. Ele sempre percebia sua
presença, e os olhares ardentes que lhe dirigia a faziam tremer.
Em uma ocasião a lança de Stephen tinha passado a poucos
centímetros da cabeça de Miles porque este estava concentrado
na luxuriosa presença de Elizabeth. Stephen ficou tão furioso
que quase estrangulou Miles.

— Outro centímetro e eu poderia ter te matado. —


Vociferou Stephen fora de si.

Tanto Bronwyn, Elizabeth, Rab, além de Sir Guy, viram-


se envolvidos na briga. Stephen, com todo seu corpo vermelho
de fúria, exigiu a Miles que tirasse Elizabeth do campo de
treinamento. Miles, completamente imperturbável pelo estado
de fúria de seu irmão concordou prontamente. E que tarde
memorável foi aquela! Apesar da calma exterior de Miles, a
fúria tão fora do habitual de Stephen o perturbara, e ele
alternadamente atacava Elizabeth e se agarrava a ela.

LRTHistóricos 210
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Fizeram amor na cama, sobre uma cadeira cujo braço


quase rompeu suas costas, contra a parede. Por desgraça,
Miles jogou Elizabeth contra uma tapeçaria e ela se agarrou a
esta para não cair. O pesado tapete, carregado de pó tinha
caído sobre eles, prendendo-os no chão... mas eles
continuaram com sua tarefa, até que a tosse os deteve.
Obstinados um no outro, rastejaram para fora da tapeçaria e
seguiram fazendo amor sobre o frio chão de pedra. Essa noite,
quando desceram para jantar, ruborizados e exaustos, todo o
clã MacArran estourou em estrepitosas gargalhadas. Stephen
ainda continuava zangado, e só abriu a boca para ordenar que
a partir daquele momento, Elizabeth tinha que manter-se
longe do campo de treinamento.

Dois meses inteiros e uma semana juntos, quase cinco


meses desde sua "captura", pensou ela. Mas agora tinha a
sensação de que estava acabando seu tempo.

Gavin enviou um mensageiro a Miles. Roger Chatworth e


Pagnell se apresentaram juntos, diante do rei, e Roger havia
dito ao rei Henry que Raine estava tentando levantar um
exército contra o rei e que Miles tinha Elizabeth como refém. O
rei tinha declarado que se Miles não libertasse Elizabeth, seria
declarado traidor e todas suas terras seriam confiscadas. E
quanto a Raine, o rei ameaçou queimar toda a floresta.

Gavin rogou a Miles que libertasse Elizabeth. Miles


passou muitos dias sem falar, mas ocasionalmente a olhava
com saudade, e Elizabeth soube que seus dias juntos estavam

LRTHistóricos 211
Anjo Audaz — Jude Deveraux

contados. Miles começou a exigir que ela passasse mais tempo


com os MacArran, como se quisesse prepará-la para o
momento da separação... para um futuro sem ele.

Elizabeth se sentia destroçada. Queria aprender a lidar


com o terror que sentia pelos os homens, mas ao mesmo tempo
desejava passar cada momento de sua vida com Miles e Kit.

— Maldição! — Resmungava na solidão de seu quarto.


Como tinha passado de ser independente a esta situação de
total dependência?

Gavin voltara novamente à Escócia, desta vez em um


estado de fúria nada comparável a sua primeira visita, e pela
primeira vez Elizabeth se sentiu culpada por desejar
permanecer no tranquilo lar dos MacArran. Quando Miles
entrou no quarto, pediu que permitisse que ela retornasse com
Gavin. Tinha pensado em dizer que dessa forma salvariam
ambas as famílias, mas Miles não lhe deu a mais mínima
chance. Nem a fúria de Stephen e Gavin juntos pôde igualar-
se a de Miles. Ele amaldiçoou em três idiomas, jogou objetos
pelo ar, destroçou uma cadeira com suas próprias mãos,
atacou uma mesa a machadadas. Ela chamou Tam e Sir Guy
para que pudessem acalmá-lo.

Gavin e Stephen, obviamente, já tinham visto antes seu


irmão mais novo em um estado de fúria semelhante. Até
mesmo Gavin depois da cena de Miles, deu-se por vencido e
retornou a seu lar. E Elizabeth foi deixada, enfraquecida,

LRTHistóricos 212
Anjo Audaz — Jude Deveraux

olhando com lágrimas nos olhos o espetáculo do abatimento


de Miles.

Roger e Miles, pensava uma e outra vez, Miles e Roger.


Tinha um lar e dois irmãos, um dos quais estava revolvendo
toda a Inglaterra para encontrá-la, e, entretanto, ali estava ela,
chorando pelo inimigo, um homem que a protegeu, que se
mostrou paciente e gentil e que ensinou que a vida podia ser
boa.

Miles abriu os olhos, sonolento.

— Assustei-te? — Perguntou roucamente.

Ela só assentiu com a cabeça.

— Eu me assusto de mim mesmo. Isso acontece muitas


vezes.

Ele pegou sua mão, segurou-a em seu rosto como um


brinquedo de criança.

— Não volte a me deixar, Elizabeth. Você me foi entregue,


pertence-me. — Com aquele refrão frequentemente repetido,
ele escorregou para o sono.

Isso aconteceu quatro dias atrás, um mero curto espaço


de só quatro dias atrás, e agora ele planejava deixá-la sozinha,
durante três dias inteiros, enquanto ele e Stephen sairiam para
caçar javalis. Talvez Miles não chegasse a captar seu medo.
Possivelmente estava tão seguro de si mesmo que considerava
que sempre ia poder mantê-la ao seu lado. Mas Roger já tinha

LRTHistóricos 213
Anjo Audaz — Jude Deveraux

partido para Escócia com seu exército, e então o que fariam?


Ela poderia simplesmente ficar olhando como os MacArran
lutavam contra seu irmão? Poderia presenciar uma luta frente
a frente entre Roger e Miles? Sustentaria Kit em seus braços
enquanto Miles morria, ou se abraçaria a ele pelas noites,
saboreando o gosto do sangue de seu irmão?

— Elizabeth, — chamou Bronwyn da porta — Miles disse


que não vai caçar com eles.

— Não. — Disse amargamente. — Devo ficar aqui e me


rodear de homens. Homens atrás de mim, ao meu lado,
olhando todos os meus movimentos.

Bronwyn ficou em silêncio por um momento, observando


a mulher loira.

— Está preocupada com Miles ou com seu irmão?

— Por ambos. — Respondeu Elizabeth com honestidade.


— E você alguma vez esteve preocupada em trazer contigo um
marido inglês aqui, em meio de seus escoceses? Você se
perguntou se poderia confiar nele?

Os olhos de Bronwyn dançaram com alegria.

— Esse pensamento cruzou minha mente. Tudo o que


desejava Stephen era que eu admitisse que o amava. Mas para
mim o amor era algo mais que um sentimento indefinível.

— E existe?

LRTHistóricos 214
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Sim. — Respondeu Bronwyn. — Acredito que algumas


mulheres amam a um homem não importando o que este seja,
mas quanto a mim, precisava saber se Stephen era o homem
que meu clã necessitava, além de meus sentimentos para ele.

— O que teria acontecido se você o tivesse amado, amado


profundamente, e seu clã o tivesse odiado? O que teria feito se
ao ficar com Stephen tivesse colocado em perigo seu clã?

— Eu teria escolhido meu clã. — Respondeu Bronwyn,


olhando fixamente Elizabeth. — Eu desistiria de muitas coisas,
até da minha própria vida para evitar começar uma guerra
interna no clã.

— E é isso o que acha que devo fazer? — Perguntou


asperamente. — Você acha que devo retornar para meu irmão.
Agora, enquanto Miles sai de caça seria o momento perfeito. Se
pudesse contar com alguns de seus homens poderia... —
deteve-se, enquanto cravava seus olhos nos de Bronwyn.

Finalmente Bronwyn falou.

— Eu respeito o irmão de meu marido. Não te ajudarei a


escapar.

Elizabeth pôs os braços em volta de Bronwyn.

— O que devo fazer? Já viu como reagiu Miles quando


disse que devia retornar para Roger. Deveria tentar escapar
novamente? Oh, Senhor! — Afastou-se. — Também é minha
inimiga.

LRTHistóricos 215
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Não! — Sorriu Bronwyn. — Eu não sou sua inimiga, e


tampouco os Montgomery. Todos aqui aprendemos a te amar.
Kit é capaz de te seguir até o fim do mundo. Mas chegará o
momento em que terá que escolher. Até que este momento
chegue, ninguém poderá te ajudar. Agora desça comigo e dê a
Miles um beijo de despedida antes que ele comece novamente
a destruir os móveis. Já é suficiente com o que tem feito. E me
diga, como chegou ao chão essa tapeçaria?

O rosto repentinamente vermelho de Elizabeth fez com


que Bronwyn descesse as escadas rindo até não poder mais.

— Elizabeth. — Sorriu Miles, puxando-a para um canto


escuro e beijando-a com paixão. — Estarei fora só por três dias.
Você sentirá minha falta?

— Você é o menor dos males. Se você voltar e meia-dúzia


de homens tiverem seus dedos do pé quebrados, será sua
culpa.

Ele acariciou sua bochecha.

— Depois da experiência de Sir Guy, eu não acho que eles


iriam se importar.

— O que quer dizer com isso?

— Bronwyn colocou esse gigante feio em mãos de uma


moça para que o atendesse, e agora os dois são inseparáveis.
Ela tem carregando água para ele e não há dúvida de que se

LRTHistóricos 216
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Guy soubesse sustentar uma agulha, estaria lhe bordando os


pescoços das camisas.

Elizabeth quase chutou Miles pelo que havia dito, porque


a camisa que usava debaixo da manta escocesa foi ela quem
tinha bordado.

— E agora, minha pequena cativa, te comporte, ou te


enviarei de retorno para casa.

Os olhos dela endureceram, mas Miles riu e acariciou seu


pescoço.

— O que sente se reflete no olhar. Beije-me outra vez e


muito em breve estarei de volta.

Minutos depois Elizabeth ficava com os braços vazios e


um grande peso no coração. Mas algo ia acontecer, e ela sabia.
Seu primeiro impulso foi esconder-se em seu quarto,
permanecer lá durante esses três dias, mas sabia que Miles
tinha razão. Esse era um bom momento para tentar superar
alguns de seus medos.

A primeira hora da tarde tinha arrumado sua própria


expedição. Ela e Kit sairiam a cavalgar com dez homens,
incluído Tam, para visitar uma ruína que Bronwyn tinha
falado. Kit poderia explorar a gosto e ela trataria de engolir o
medo.

Quando chegaram às ruínas, o coração de Elizabeth


pulsava com força, mas pôde sorrir a Tam quando este a

LRTHistóricos 217
Anjo Audaz — Jude Deveraux

ajudou a desmontar. Quando ouviu um homem a suas costas,


em lugar de voltar-se rapidamente, como era seu costume,
tentou atuar de forma normal. Girou para encarar Jarl, e seu
prêmio foi um grande sorriso de orgulho do jovem. Ela soltou
uma pequena risada.

— Então, todos sabem o que acontece comigo? —


Perguntou a Tam.

— Meu clã tem muito respeito por você, porque pode


escorregar pelo bosque silenciosamente como qualquer
escocês e, além disso, porque nós gostamos de gente com
espírito combativo.

— Espírito combativo! Mas me submeti a meus inimigos.

— De maneira nenhuma, moça. — Riu Tam. — Só


entrastes em razão e finalmente compreendeu que os
escoceses são gente boa e, em um grau menor, também os
Montgomery.

Elizabeth se uniu a sua risada, e o mesmo fizeram os


outros homens ao seu redor.

Mais tarde, enquanto Elizabeth permanecia sentada em


uma grande pedra do antigo castelo em ruínas, observando aos
homens que estavam um pouco mais abaixo, deu-se conta de
que em realidade não os temia, e se alegrou disso.

Na verdade, devia muito a Miles Montgomery.

LRTHistóricos 218
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Como estava muito concentrada no que estava olhando e,


como já não se mantinha em estado de alerta permanente
durante os últimos meses, no princípio não ouviu o assobio
que provinha de entre as árvores as suas costas. Quando por
fim penetrou em seu cérebro cheio de paz, todas as células de
seu corpo ficaram tensas. Primeiro observou com cuidado se
algum dos MacArran escutou algo. Kit estava brincando com o
jovem Alex e fazia muito ruído, e outros os olhavam com afeto.

Lentamente, como se não estivesse indo para lugar


nenhum em particular, Elizabeth se levantou das pedras e
desapareceu entre as árvores de forma totalmente silenciosa.
Na espessura da floresta, permaneceu muito quieta, e sua
mente voltou para os tempos de sua infância.

Brian sempre tinha sido o que necessitava amparo. Era


mais velho que Elizabeth, mas parecia ser mais jovem, e nunca
conseguiu desenvolver suas próprias técnicas defensivas como
Elizabeth. Se um homem a atacava, ela não tinha problemas
em atacá-lo com sua adaga, mas Brian não podia. Com muita
frequência Elizabeth resgatou Brian dos homens que Edmund
estava acostumado a levar para casa. Enquanto Edmund
gargalhava, gritando insultos ao fraco e adoentado de seu
irmão, Roger e Elizabeth se ocupavam em acalmá-lo.

Brian permaneceu escondido durante tantos dias, sem


comida ou bebida, que havia inventado uma maneira de
comunicar-se. Roger e Elizabeth eram os únicos que

LRTHistóricos 219
Anjo Audaz — Jude Deveraux

conheciam esse assobio agudo, e sempre tinham ido até ele


quando recebiam a chamada de Brian.

Agora, Elizabeth se deteve onde estava esperando Brian


aparecer. Estaria sozinho ou teria vindo com o Roger?

O jovem que se aproximou na clareira do bosque era um


estranho para Elizabeth e por um momento não o reconheceu,
o recebeu com um sopro de surpresa. Brian sempre tinha sido
bonito embora de traços delicados, mas agora parecia um
espectro e seu rosto parecia o de um fantasma.

— Brian? — Sussurrou ela.

Ele deu-lhe um curto aceno de cabeça.

— Você parece saudável. Sente-se bem no cativeiro?

Elizabeth ficou muda, quase chocada e sem palavras


diante de sua saudação. Nunca ouviu seu irmão falar nesse
tom com ninguém, muito menos a ela.

— Roger... está contigo?

As feições escuras de Brian se fizeram mais tenebrosas.

— Não volte a pronunciar esse nome vil em minha


presença.

— Como? — Perguntou ela, aproximando-se dele. — Do


que você está falando?

LRTHistóricos 220
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Por um momento os olhos dele se fizeram mais suaves e


levantou uma mão para tocar a têmpora de sua irmã, mas
deixou que caísse antes que a tocasse.

— Muitas coisas aconteceram desde a última vez que nos


vimos.

— Me conte. — Sussurrou ela.

Brian se afastou alguns passos.

— Roger sequestrou Mary Montgomery.

— Já ouvi falar isso, mas não posso acreditar que Roger...

Brian virou-se e a enfrentou com olhos como se fossem


brasas.

— Acredita que não há nele nem um pouco do sangue de


Edmund? Acredita que algum de nós teve a oportunidade de
escapar da maldade que havia em nosso irmão mais velho?

— Mas Roger... — começou ela.

— Não quero ouvir seu nome. Eu amava Mary, amava-a


como nunca voltarei a amar a ninguém. Era boa e gentil e não
desejava prejudicar a ninguém, mas ele, seu irmão, a
estuprou, e ela, horrorizada, jogou-se de uma janela.

— Não. — Disse Elizabeth calmamente. — Não posso


acreditar. Roger é bom. Não faz mal às pessoas. Ele nunca quis
esta guerra entre os Montgomery e os Chatworth. Tomou conta
de Alice quando sua própria família se negou a fazê-lo. E ele...

LRTHistóricos 221
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Ele atacou Stephen Montgomery pelas costas. Mentiu


para a Laird Bronwyn MacArran e durante muito tempo a
deixou prisioneira. Quando Mary morreu, libertei Bronwyn e
levei para Gavin o cadáver de sua irmã. Eles contaram para
você a fúria de Miles Montgomery quando viu o corpo de sua
irmã? Isso durou vários dias.

— Não! — Sussurrou Elizabeth, imaginando vividamente


a ira de Miles. — Não falaram muito em relação à guerra. —
Depois dos primeiros dias ela e Miles tinham chegado a um
acordo silencioso de não mencionar os problemas entre suas
famílias. — Brian, — disse ela brandamente — parece cansado
e desgastado. Venha comigo para Larenston e descanse.
Bronwyn...

— Não voltarei a descansar enquanto seu irmão tiver vida.

Elizabeth o olhou, atônita.

— Brian, eu não posso acreditar no que está falando. Nós


entraremos em contato com Roger, então vamos sentar e falar
sobre isso.

— Você não entende, não é? Tenho intenção de matar


Roger Chatworth.

— Brian! Não pode esquecer toda uma vida no bem pelo


que aconteceu em um só dia. Recorda como Roger estava
acostumado a nos proteger? Lembra como ele arriscou sua
vida para te salvar no dia em que Edmund te derrubou e
esmagou sua perna?

LRTHistóricos 222
Anjo Audaz — Jude Deveraux

O rosto de Brian não perdeu nada de sua dureza.

— Eu amava Mary, e Roger a assassinou. Algum dia


compreenderá o que isso significa.

— Eu posso amar uma centena de pessoas, mas isso não


vai me fazer parar de amar Roger, que tem feito muito por mim.
Inclusive agora me está procurando.

Brian a olhou com ar dúbio.

— Você se afastou com muita facilidade de seus guardas.


Se não a vigiam tão estreitamente, por que não escapa e volta
para Roger?

Elizabeth se afastou alguns passos dele, mas Brian a


agarrou pelo braço.

— Os homens Montgomery lhe atraem tanto assim? De


qual você gosta? O casado ou o jovem?

— Miles está muito longe de ser um jovem! — Exclamou


ela — Às vezes a idade é enganosa. — Interrompeu-se quando
viu a expressão do Brian.

— Se esquece de que eu estive nas terras dos


Montgomery? Então é a Miles a quem ama. Boa eleição. É um
homem com caráter suficiente para combinar com seu
temperamento.

— O que eu sinto por qualquer um dos Montgomery não


muda o que sinto por Roger.

LRTHistóricos 223
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— E o que é que sente? O que te impede de voltar para


ele? Estes escoceses não devem ser muito difíceis de enganar.
Você enganou Edmund durante anos.

Ela ficou silenciosa por um momento.

— Não é só Miles. Aqui há uma paz como eu nunca antes


conheci. Aqui ninguém me coloca uma adaga na garganta. Em
Larenston não se ouvem alaridos distantes. Posso caminhar
pelos corredores sem ter que me esconder nas sombras.

— Uma vez tive uma visão assim, — sussurrou Brian —


mas Roger a aniquilou, e agora vou matá-lo.

— Brian! Deve descansar e pensar no que está dizendo.

Ele a ignorou.

— Sabe onde se encontra Raine Montgomery agora?

— Não. — Disse ela, surpresa. — Está escondido em um


bosque. Faz um tempo conheci uma cantora que esteve com
ele.

— Sabe onde posso encontrá-la?

— Por que você se importa onde está Raine? Ou ele fez


alguma coisa com você?

— Tenho pensado em lhe suplicar que me ensine a


combater.

— Para que possa enfrentar Roger? — Ela ofegou,


boquiaberta, e logo sorriu. — Brian, Roger jamais combaterá

LRTHistóricos 224
Anjo Audaz — Jude Deveraux

contigo, e olhe para você. Não tem nem a metade do físico de


Roger e, além disso, parece que perdeu peso. Fique aqui,
descanse uns dias e...

— Não queira me proteger Elizabeth. Sei muito bem o que


estou fazendo. Raine Montgomery é forte e sabe como treinar-
me. Ele me ensinará o que preciso aprender.

— Você realmente espera que eu ajude você? —


Perguntou ela, zangada. — Você acha honestamente que eu
diria onde está esse Montgomery, se soubesse? Não estou
disposta a participar desta loucura.

— Elizabeth, — disse ele docemente — eu vim dizer


adeus. Tenho esperado nestes bosques por semanas pela
oportunidade de te ver, mas você está sempre fortemente
guardada. Agora que te vi posso partir. Vou lutar com o Roger
e um de nós tem que morrer.

— Brian, por favor, tem que reconsiderar isto.

Como se ele fosse um velho, beijou sua testa.

— Viva em paz, minha irmãzinha, e me recorde com afeto.

Elizabeth estava muito aturdida para responder, mas


quando Brian girou para entrar no bosque, os escoceses
começaram a desprender-se das árvores. Stephen
Montgomery, com a espada na mão, parou na frente de Brian
Chatworth.

LRTHistóricos 225
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Capítulo Doze
— Não o machuquem! — Disse Elizabeth com força, sem
temer absolutamente que Stephen fosse machucar a seu
irmão.

Stephen fez caso de sua petição e embainhou novamente


a espada.

— Vá com meus homens e eles vão alimentá-lo. — Disse


a Brian.

Brian olhou pela última vez Elizabeth e abandonou a


clareira, cercado por MacArran.

Elizabeth ficou com o olhar fixo em Stephen e começou a


compreender muitas coisas.

Stephen teve a cortesia de parecer um pouco


envergonhado. Com um sorriso tímido se recostou contra uma
árvore, pegou o punhal da bainha em sua panturrilha e
começou a golpear um pau.

— Miles não sabe nada sobre isto. — Disse ele.

— Quer dizer que me usou como isca para capturar meu


irmão, não é? — Saltou ela.

— Poderia dizer que sim. Esteve no bosque durante vários


dias, espreitando, andando por aí, desprotegido, vivendo do

LRTHistóricos 226
Anjo Audaz — Jude Deveraux

que encontrava, e nos intrigava saber quem era e o que queria.


Duas vezes enquanto você estava com Miles se aproximou, mas
meus homens o fizeram fugir. Decidimos deixá-la ir até ele. Em
nenhum momento esteve sozinha, meus homens e eu
estávamos diretamente sobre sua cabeça, com as espadas
desembainhadas e os arcos e flechas preparadas.

Elizabeth se sentou em uma enorme rocha.

— Eu não gosto muito que me utilizem desta forma.

— Teria preferido que o matássemos assim que o


víssemos? Até pouco tempo nenhum inglês podia aventurar-se
pelas terras dos MacArran e viver para contá-lo. Mas o rapaz
parecia tão... decidido que quisemos saber mais a respeito
dele.

Ela pensou um momento. Não gostou do que ele tinha


feito, mas sabia que teve razão.

— E agora que está em seu poder, o que pensa fazer com


ele? — Levantou a cabeça. — Bronwyn está a par deste jogo de
gato e rato?

Ela não tinha certeza, mas acreditava que Stephen


empalideceu um pouco.

— Como amo minha vida, dou graças a Deus porque ela


não sabe de nada. — Disse com veemência. — Bronwyn não
faz coisas em segredo... ao menos não muitas. Ela teria levado
o rapaz a Larenston, e Miles... — interrompeu-o.

LRTHistóricos 227
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— O ódio de Miles pelos Chatworth é muito profundo. —


Terminou ela.

— Só pelos homens. — Sorriu. — Roger Chatworth foi o


causador da morte de nossa irmã e Miles não tem intenção de
perdoá-lo. Você só conhece a imagem dele que mostra às
mulheres. Quando enfrenta algum homem que fez mal a uma
mulher, fica irracional.

— Então, você estava seguro de que Brian era um


Chatworth?

— Ao menos isso acreditava, por sua aparência.

Elizabeth ficou calada um momento. Brian realmente era


um pouco parecido com Roger, com esse aspecto desafiante e
sua fúria, encoberta por uma expressão de eu-não me importo.

— Você ouviu o que Brian disse. Não poderíamos retê-lo


aqui e mantê-lo afastado de Roger?

— Acredito que ficaria louco. Mas bem me pareceu que


não estava muito distante disso.

— Não. — Disse ela, séria. — Não acredito. — Olhou para


Stephen com olhos espectadores.

— Acredito que vou fazer exatamente o que Brian pede:


vou levá-lo para o meu irmão Raine.

— Não! — Disse Elizabeth, ficando bruscamente de pé. —


Raine Montgomery o matará. Não atacou acaso a Roger?

LRTHistóricos 228
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Elizabeth, — Stephen acalmou-a — Raine não fará


nenhum dano ao rapaz, porque ele ajudou Mary. Se há algo
que Raine tem, é um alto senso de justiça. E além disso, —
disse Stephen com um pequeno sorriso — meu irmão fará
Brian trabalhar tanto que não ficará tempo para odiar. Em três
dias Brian estará tão esgotado que só pensará em dormir.

Ela o estudou por um momento.

— Por que está disposto a ajudar um Chatworth? Mary


era sua irmã também.

— Eu acreditei que você pensava que nós os Montgomery


mentíamos quando falávamos sobre o envolvimento de seu
irmão na morte de Mary.

— Se Miles matasse à irmã de um estranho, odiaria seu


irmão sem sequer perguntar a ele por que o fez? Talvez Roger
tenha estado envolvido, mas talvez tivesse alguma razão para
atuar como o fez. Eu não odeio e nem odiarei a nenhum de
meus irmãos sem uma causa justa.

— Bem falado. — Stephen assentiu com a cabeça. — Eu


não tenho nenhum afeto por seu irmão Roger pelo que fez, mas
minha briga é com ele, não com sua família. Meus irmãos não
sentem o mesmo, e por essa razão Gavin foi tão rude com você.
Para ele, a família é tudo.

— E Raine é assim também? Odiará Brian assim que o


veja?

LRTHistóricos 229
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Talvez, e por isso vou com ele. Poderei falar com Raine,
e se conheço um pouco meu irmão, terminará por adotar ao
jovem Brian. — Jogou longe o pau e embainhou a adaga. — E
agora tenho que ir. Levará dias encontrar meu irmão.

— Agora? — Perguntou ela. — Você vai embora antes que


Bronwyn e Miles voltem da caçada.

— Oh, sim! — Deu uma piscada. — Eu não quero estar


por perto quando minha encantadora esposa descobrir que a
enganei para deixar Larenston, para que pudesse cuidar
sozinho deste intruso inglês.

— Ou Miles. — Disse ela, com os olhos brilhantes. — Não


acredito que ele aceite isto com calma.

Stephen gemeu, fazendo-a rir.

— Você, Montgomery, é um covarde! — Apontou.

— Do pior tipo! — Aceitou ele imediatamente, e então


ficou sério. — Você vai orar por mim enquanto eu estiver fora?
Talvez se Raine e Brian se derem bem, possamos fazer algum
progresso para que esta guerra finalize.

— Isso me faria muito feliz. — Respondeu ela. — Brian é


um jovem doce e gentil, e Roger o ama muito. Stephen, — disse
em voz baixa — se lhes fizer uma pergunta, vai me responder
com franqueza?

— É o que merece.

— Alguém viu Roger?

LRTHistóricos 230
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Não. — Respondeu Stephen. — Ele desapareceu. Os


MacGregor estão procurando por ele e meus homens estão
sempre alertas. Uma vez quase perdemos você e não
permitiremos que volte a acontecer. Mas não, até agora não
soubemos nada de Roger Chatworth.

Por um momento ficaram quietos, olhando um para o


outro. Há alguns meses esse homem era seu inimigo, igual
como eram todos os homens. Ela deu um passo adiante e se
aproximou, colocando uma mão sobre sua bochecha.

Stephen parecia entender o impacto total da honra que


ela lhe concedia. Ele capturou sua mão, beijou-a na palma.

— Nós, Montgomery, somos rompedores de coração. —


Disse com os olhos muito brilhantes. — Terminaremos esta
guerra com palavras de amor em lugar de espadas.

Ela se afastou dele como se a tivesse insultado, mas não


pôde evitar rir.

— Prometo-lhe que rezarei por você. Agora vá antes que


meu Miles te encontre e te dê uma boa surra.

Ele levantou uma sobrancelha.

— Pobre irmãozinho, quando uma mulher decide que é


dona dele... — Com estas palavras deixou-a sozinha na clareira
do bosque.

Elizabeth permaneceu sentada por algum tempo, e agora


sim, prestava atenção aos sons perto dela, percebeu a

LRTHistóricos 231
Anjo Audaz — Jude Deveraux

presença dos MacArran. Ainda ficavam dois homens nas


árvores, acima dela. Mais longe ouviu a risada de Kit e a
resposta rouca e profunda de Tam.

Nos últimos meses seus sentidos adormeceram muito.


Diante dela apareceu o rosto furioso de Brian e soube que,
tempos atrás, ela mesma havia sentido um ódio comparável ao
de seu irmão. Desejava com todo seu ser que Stephen fosse
capaz de tirar um pouco do ódio de Brian, ou talvez Raine
Montgomery pudesse fazê-lo.

Com um peso no coração, retornou às ruínas e as risadas


de Kit. Em poucos dias teria que enfrentar a fúria de Miles, e
isso tiraria sua mente de seus problemas.

Bronwyn retornou a Larenston no dia seguinte e o


primeiro que fez foi visitar seu filho Alexander, de cinco meses.
O menino tinha uma babá, já que Bronwyn estava fora com
muita frequência, para alimentá-lo apropriadamente, mas se
certificava de que o menino soubesse quem era sua mãe.
Enquanto ela o embalava nos braços, com Rab aos seus pés,
Elizabeth contou tudo a respeito de Brian e como Stephen
decidiu acompanhá-lo ao acampamento do Raine.

O rosto do Bronwyn ficou vermelho de repente, e seus


olhos brilharam.

— Maldito seja! — Resmungou, mas se acalmou quando


o menino começou a chorar assustado. — Silêncio, amor. —
Sussurrou ela. Quando Alexander se acalmou, olhou

LRTHistóricos 232
Anjo Audaz — Jude Deveraux

novamente para Elizabeth. — Não gosto que a tenha


manipulado. Deveria ter trazido seu irmão aqui. Stephen se
esqueceu de que Brian Chatworth me salvou das garras de seu
irmão. Eu não teria feito nenhum mal ao rapaz.

— Acredito que Stephen estava mais preocupado por


Miles. Por que ele poderia prejudicar Brian. — Elizabeth se
inclinou para frente e acariciou o cabelo sedoso de Alex.

Os olhos de Bronwyn não passavam nada despercebido.

— E para quando espera nascer o seu bebê? — Perguntou


tranquilamente.

Elizabeth encarou os olhos de Bronwyn, que a olhavam


fixamente. Bronwyn ficou de pé e levou seu filho para o berço.

— Morag disse-me que você não teve nenhum fluxo desde


que chegou aqui. Você está doente?

— Não. Não sabia ao certo o que havia de errado comigo


no começo, mas não demorei muito para sabê-lo. A quem mais
disse?

— A ninguém. Nem sequer a Stephen. Especialmente a


Stephen. Sem dúvida ele teria querido celebrá-lo. Tem em
mente se casar com Miles?

Elizabeth envolveu a suave manta ao redor dos pezinhos


de Alex.

— Ele não me pediu, mas mesmo se ele fizesse, há outras


coisas pendentes entre nós além de casar e ter filhos. Roger

LRTHistóricos 233
Anjo Audaz — Jude Deveraux

não vai desistir deste problema simplesmente porque eu me


converti em uma Montgomery. Ele vai querer ter certeza de que
me caso por minha própria vontade, que ninguém me forçou.

— E Miles teria que forçá-la? — Perguntou Bronwyn com


calma.

Elizabeth sorriu.

— Sabe tão bem quanto eu que Miles não me obrigou a


nada. Mas não acredito que Miles esteja interessado em
contrair matrimônio comigo. Eu exigiria fidelidade por parte de
meu marido, e Miles Montgomery não conhece o significado
dessa palavra.

— Eu não subestimaria a nenhum dos Montgomery. —


Respondeu Bronwyn. — Podem parecer arrogantes, inflexíveis,
mas têm muito mais que rostos bonitos ou corpos viris.

— Sim, é assim como os descreveria. — Elizabeth riu


quando saíram do quarto.

No dia seguinte Bronwyn voltou para a caçada, e


enquanto Elizabeth era uma pobre donzela em desgraça e Kit
a estava salvando de um dragão de três cabeças que lançava
chamas pela boca, sentiu algo estranho e ficou muito quieta.

— Elizabeth! — Chamou-a Kit, impaciente, enquanto


brandia uma espada de madeira sobre sua cabeça.

Ela não podia explicar o que estava ocorrendo, mas todo


seu corpo tremia.

LRTHistóricos 234
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Miles! — Sussurrou. — Aqui! — Disse à mulher que


sustentava Alex nos braços. — Cuide de Kit.

Com isso ela desceu a escada e dali ao pátio de armas.


Quando chegou aos estábulos, já tinha suas mãos sobre uma
sela antes que Douglas se aproximasse.

— Não posso deixar você sair. — Disse Douglas, com voz


triste.

— Fora de meu caminho, estúpido! — Resmungou ela. —


Miles está em perigo e vou por ele.

Douglas não perdeu tempo em perguntar como sabia que


Miles estava em perigo, já que não tinha chegado nenhum
mensageiro vindo da caçada, mas saiu do estábulo, lançou três
assobios baixos e em poucos segundos dois de seus irmãos
estavam no lugar.

Elizabeth não estava acostumada a selar seu próprio


cavalo e era um processo lento, mas os homens não a
ajudaram. Douglas checou que a cilha estivesse bem ajustada
e logo a segurou pelo pé e virtualmente a jogou sobre a sela.
Elizabeth nem sequer pestanejou quando o homem a tocou.

Quando partiram, Elizabeth não se deteve para pensar


aonde se dirigia, mas sim limpou sua mente, visualizado Miles
e partiu em um ritmo assustador, a toda velocidade.

Douglas, Jarl e Francis a seguiam de perto. Os quatro


cavalos corriam trovejando pelo caminho estreito e inclinado

LRTHistóricos 235
Anjo Audaz — Jude Deveraux

que os tirava de Larenston, dobraram à direita e se dirigiram


para o precipício.

Elizabeth não sentia temor pelo caminho e tampouco se


preocupava com os homens que seguiam atrás dela. Quando
estiveram novamente em terreno plano, fez uma pausa de
alguns segundos. Para a esquerda estavam as terras dos
MacGregor, e para a direita se estendia um território
desconhecido. Ela esporeou seu cavalo para a direita, intuindo
que essa era a rota correta.

Em dado momento, um dos homens lançou um grito de


advertência, e ela, colada ao pescoço suado do cavalo, se
esquivou por muito pouco de um ramo baixo que cruzou no
caminho. Salvo por este incidente, os homens permaneciam
silenciosos e tratavam por todos os meios acompanhá-la.

Depois de cavalgar por um longo período, Rab apareceu


dentre os arbustos, ladrando muito forte. Parecia que estava
esperando Elizabeth para guiá-la na última parte do caminho.

Elizabeth se viu forçada a diminuir a velocidade de seu


cavalo para um trote rápido, quando os quatro e Rab tiveram
que cavalgar entre uma vegetação densa, até chegarem a um
grupo de árvores tão cerrada, que não deixava passar a luz do
sol.

Rab começou a ladrar novamente antes que pudessem


ver um grupo de pessoas. Bronwyn e seus homens estavam de

LRTHistóricos 236
Anjo Audaz — Jude Deveraux

pé, juntos, olhando algo que se achava no chão. Sir Guy estava
de joelhos.

Bronwyn se voltou ao ouvir ladrar seu cão e com grande


surpresa, observou Elizabeth.

Seu cavalo não tinha terminado de deter-se quando ela


saltou ao chão e corria, abrindo caminho entre o grupo de
pessoas.

Miles jazia no chão, com os olhos fechados e todo seu


corpo coberto de sangue. Suas roupas estavam rasgadas, e ela
pôde ver grandes cortes em sua carne, em seu quadril
esquerdo, em seu lado direito.

Afastou Sir Guy de um empurrão, ajoelhou-se, apoiou a


cabeça de Miles em seus joelhos e começou a limpar o sangue
de seu rosto com a bainha de sua saia.

— Acorde Montgomery! — Disse ela com firmeza, sem


nenhuma compaixão ou piedade em sua voz. — Acorde e me
olhe.

Passou uma eternidade até que as pálpebras de Miles se


movessem. Quando a olhou, dedicou-lhe um pequeno sorriso
e fechou os olhos novamente.

— Anjo. — Sussurrou, e voltou a ficar calado.

— Água. — Pediu Elizabeth aos rostos atônitos que a


rodeavam. — Vou precisar de água para lavar suas feridas e,
há por aqui perto alguma cabana? — Bronwyn só teve tempo

LRTHistóricos 237
Anjo Audaz — Jude Deveraux

de assentir antes que Elizabeth continuasse. — Vão e


preparem o lugar. Levem os aldeãos que moram lá a Larenston
e me deixem sozinha com ele. Que venha Morag com suas
ervas, e também vou precisar agulhas resistentes de aço e fio.
Sir Guy! Procure uma manta grande para levá-la até a cabana.
Bem! — Urrou. — Movam-se todos.

Instantaneamente, os homens partiram em todas as


direções.

Bronwyn lançou a Elizabeth um olhar divertido.

— Tem certeza de que não é escocesa? — Com estas


palavras partiu rapidamente para Larenston.

Elizabeth, que tinha ficado sozinha por um momento,


segurou Miles.

— Você vai ficar bem Montgomery. — Sussurrou. — Eu


me encarregarei disso.

Não perdeu mais tempo em sentimentalismos, mas sim,


tomou a adaga que havia no chão junto a ele e começou a
cortar as roupas para poder examinar suas feridas. Estava
completamente coberto de sangue. Havia mais cortes do que
podia aguentar um corpo humano.

Rab se aproximou dela enquanto rasgava a camisa de


Miles.

— De onde é todo este sangue, Rab? — Perguntou. — Vá


e averigue o que ou quem fez isto a Miles.

LRTHistóricos 238
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Com dois sonoros latidos, o cão os deixou sozinhos.

Para alívio de Elizabeth, só havia uma incisão na parte


superior do corpo de Miles, e não era profunda, embora teria
que ser costurada. Havia também dois compridos cortes em
seu braço esquerdo, mas não eram nada sérios. As pernas
eram outra história. A ferida da coxa era profunda e feia, e
tinha outros cortes nos tornozelos.

Tentou virá-lo para ver se tinha outras feridas. Com um


gemido de dor, Miles abriu os olhos e a olhou.

— Tem que se colocar de outra forma Elizabeth, ou então


vou te banhar em sangue. — Disse ele, olhando seu corpo
quase nu.

— Quieto! — Ordenou-lhe ela. — Economize as forças


para se curar.

Enquanto falava, Rab começou a arrastar a carcaça de


um enorme javali, de grandes presas, para a clareira. A cabeça
do animal estava coberta de sangue e havia várias feridas de
adaga em seu lado.

— Então você ganhou a batalha contra o javali. — Disse


ela com desgosto, agasalhando-o meigamente com a manta
que levava sobre seus ombros. — Suponho que não te ocorreu
nem por um momento não cavalgar sozinho.

LRTHistóricos 239
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Antes que pudesse dizer outra palavra, Rab arrastou


outra carcaça de javali, também esfaqueado, e o deixou junto
ao primeiro.

Elizabeth começou a limpar o rosto sujo de Miles.

— Vamos levá-lo a um lugar muito perto daqui onde


estará abrigado e quente. E agora quero que descanse.

Sir Guy, acompanhado por um homem e uma mulher,


apareceu correndo através dos arbustos, trazendo várias
mantas grosas.

— Há um bom e forte caldo de centeio no fogo, — disse a


mulher — e tortas de farinha de aveia no fogão. Bronwyn pode
mandar mais mantas, se precisar delas.

Sir Guy, ficou de joelhos, retirou a manta que cobria Miles


e inspecionou as feridas, e olhou com surpresa como Rab
arrastava a terceira carcaça de javali para a clareira.

— Quantos javalis há? — Perguntou Elizabeth.

— Cinco. — Respondeu Sir Guy. — Seu cavalo deve tê-lo


jogado no meio de uma família de javalis. Ele só tinha sua
espada e uma adaga pequena, mas pôde matar aos cinco e
conseguiu se arrastar até aqui. Rab nos conduziu até os
javalis, mas foi antes que encontrássemos Lorde Miles.

— Veio nos buscar? — Perguntou Elizabeth. — Pode


carregar Miles?

LRTHistóricos 240
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Sem demonstrar esforçar-se muito, Sir Guy levantou com


cuidado a seu jovem amo, como se ele fosse uma criança.
Instantaneamente, suas feridas voltaram a jorrar sangue.

— Com cuidado! — Elizabeth gritou, mas o olhar que lhe


dirigiu Guy a fez calar.

Sir Guy ia indicando o caminho através do bosque para a


cabana que os aguardava, e uma vez ali o depositou
brandamente sobre uma cama de armar. Era uma cabana
pequena, escura, de um só cômodo, a lareira aberta era a única
fonte de luz. Havia uma mesa rústica com duas cadeiras e
nenhum outro mobiliário. Sobre o fogo fervia uma grande
panela com água. Imediatamente, Elizabeth mergulhou panos
limpos que haviam sido deixados para ela na água e começou
a lavar Miles. Sir Guy o levantou e a ajudou a tirar os restos
das roupas que ficaram aderidas a suas costas. Para grande
alívio de Elizabeth, não havia outras feridas nessa área, além
de alguns arranhões.

Já quase tinha terminado de lavá-lo quando Morag e


Bronwyn chegaram juntas, Morag vinha carregada com um
grande cesto repleto de remédios.

— Já não posso ver tão bem como antes. — Comentou


Morag, olhando Miles nu, com suas duas feridas sangrentas.
— Uma das duas terá que cuidar dele.

— Eu o farei. — Disse Elizabeth rapidamente. — Me diga


o que fazer e eu seguirei suas instruções.

LRTHistóricos 241
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Costurar carne humana era muito diferente de costurar


tecidos, descobriu Elizabeth rapidamente. Todos os músculos
de seu corpo ficavam tensos cada vez que tinha que cravar a
agulha na pele de Miles.

Miles permanecia quieto, sem se mover e apenas


respirando, muito pálido pela perda de sangue. Bronwyn
enfiava as agulhas, cortava e ajudava a fazer os nós.

Quando Elizabeth por fim terminou, estava tremendo.

— Beba isto. — Ordenou Bronwyn.

— O que é? — Perguntou Elizabeth.

— Só Deus sabe. Faz tempo que aprendi a não perguntar


o que Morag coloca em suas poções. Seja o que for, terá um
gosto horrível, mas te fará sentir melhor.

Elizabeth bebeu o preparado encostada contra a parede,


sem deixar de observar Miles. Quando Morag tentou aproximar
uma taça aos pálidos lábios de Miles, ela deixou sua bebida
com Bronwyn e se aproximou dele.

— Beba isto. — Sussurrou, sustentando sua cabeça. —


Tem que recuperar suas forças.

Os olhos dele se moveram e seus cílios mal se separaram


para olhá-la.

— Vale a pena. — Murmurou, enquanto tomava a


beberagem de Morag.

LRTHistóricos 242
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Morag soprou, rindo.

— Ele ficará aí deitado por um ano se continuar


mimando-o.

— Basta, deixe-o em paz! — Replicou Elizabeth.

Bronwyn riu.

— Venha sentar-se, Elizabeth e descansar. Eu quero


saber como você sabia que Miles tinha sido ferido. Acabávamos
de encontrá-lo quando você chegou.

Elizabeth se sentou no chão, junto à cabeça de Miles,


recostou-se contra a parede e encolheu os ombros. Não tinha
ideia de como soube que Miles estava ferido... mas não se
equivocou.

Seu tempo de descanso foi muito breve. Poucos


momentos depois, Morag preparou outra beberagem para que
Elizabeth desse a Miles.

Chegou a noite e Bronwyn retornou a Larenston.


Elizabeth sentou-se ao lado de Miles, observando-o, segura
que ele não dormia, enquanto Morag cochilava em uma
cadeira.

— Como...? — Sussurrou Miles. — Como é a esposa de


Raine?

Elizabeth acreditou que ele delirava, pois nunca tinha


conhecido Raine ou sua esposa.

LRTHistóricos 243
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Cantora... — disse Miles — Pagnell...

Essas palavras foram o suficiente, como uma chave, para


fazê-la entender. Surpreendeu-se de que um Montgomery se
casasse com uma cantora plebeia. Elizabeth contou a Miles
como conheceu Alyxandria Blackett, como escutou sua voz
maravilhosa, e seu posterior intento de resgatá-la das garras
de Pagnell... que terminou com sua própria captura.

Ao ouvir isto, Miles sorriu e procurou sua mão. Ainda a


tocando, ele adormeceu assim que o sol começou a se erguer.

Morag se levantou e começou a misturar outros molhos


de ervas, cogumelos secos e outros ingredientes que Elizabeth
não reconheceu.

Juntas trocaram as bandagens sangrentas das feridas de


Miles, e Morag aplicou panos mornos e úmidos sobre as feridas
costuradas.

Miles voltou a dormir durante a tarde e então Elizabeth


saiu pela primeira vez da pequena cabana. Sir Guy estava
sentado sob uma árvore e lançou um olhar interrogante
quando a viu.

— Está descansando. — Explicou ela.

Sir Guy balançou a cabeça e olhou para o espaço.

— Não são muitos os jovens que caem em meio de uma


família de javalis e vivem para contá-lo. — Disse com orgulho.

LRTHistóricos 244
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Havia lágrimas nos olhos de Elizabeth quando colocou


uma mão trêmula no ombro do gigante.

— Farei tudo o que estiver ao meu alcance para que fique


bem.

Sir Guy assentiu, sem olhá-la.

— Você não tem nenhuma razão para ajudá-lo. A


tratamos mau.

— Não, — respondeu ela — recebi muito mais que simples


cortesia. Recebi amor. — Com estas palavras, girou e se dirigiu
para o arroio que cruzava as terras dos MacArran. Lavou-se,
arrumou o cabelo, sentou-se para descansar um momento,
envolveu-se na manta e quando novamente ficou de pé já era
noite. Sir Guy estava sentado sobre um tronco, não muito
longe dela.

Vencida pelo sono, retornou rapidamente à cabana.

Miles estava acordado, e o cenho de desgosto se evaporou


quando a viu.

— Aqui está ela. — Resmungou Morag. — Agora


possivelmente se decida tomar um pouco desta porção.

— Elizabeth. — Disse Miles.

Ela se aproximou e segurou sua cabeça enquanto ele


bebia quase a taça completa da beberagem, e continuou a
segurá-lo até que ele adormeceu.

LRTHistóricos 245
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Capítulo Treze
— Não vou permitir que caminhe. — Disse Elizabeth a
Miles com firmeza. — Fiquei muitas noites sem dormir para
curar essas feridas e não vou permitir que faça nada para que
voltem a abrir.

Ele a olhou com olhos cativantes.

— Por favor, Elizabeth.

Por um momento esteve a ponto de ceder, mas logo riu.

— É um homem traiçoeiro. E agora fica quieto ou te


amarrei na cama.

— Oh?! — Disse ele, arqueando as sobrancelhas com


zombaria. Elizabeth se ruborizou pelo que ele obviamente
estava pensando.

— Se comporte! Quero que coma mais. Nunca vai ficar


bem se não comer.

Ele pegou sua mão e com força surpreendente a atraiu


para si. Ou talvez fosse porque Elizabeth não tinha desejo de
resistir Ele estava quase sentado, apoiado contra alguns
travesseiros, as pernas estiradas na cama de armar. Com
cuidado, ela se deitou ao seu lado. Fazia quatro dias que Miles
se acidentou, mas sua juventude e seu vigor natural tinham

LRTHistóricos 246
Anjo Audaz — Jude Deveraux

feito com que se recuperasse rapidamente. Ainda estava débil,


dolorido, mas estava começando a curar.

— Por que você ficou comigo? — Perguntou ele. —


Qualquer uma das mulheres de Bronwyn poderia ter me
cuidado.

— Para que se deitasse na cama contigo e abrissem todos


os pontos? — Perguntou ela indignada.

— Eu vou rasgar meus pontos se você me faz rir. Como


eu poderia ter tocado outra mulher quando você está tão perto?

— Quando eu for embora, tenho certeza que você


conseguirá reunir sua coragem para isso.

A mão dele acariciou seus cabelos, fez-lhe baixar a cabeça


e sua boca se apossou avidamente da dela.

— Ainda não se convenceu de que é minha? — Murmurou


entre dentes. — Quando vai admiti-lo?

Ele não lhe deu oportunidade de responder por que a


beijou novamente, e boa parte de toda a preocupação que
Elizabeth sentiu durante esses quatro dias se evaporou com
esse beijo intenso.

O toque do frio aço contra a garganta de Miles fez com


que se separassem. Instintivamente, ele lançou a mão em
busca de sua espada, mas só encontrou sua própria carne nua
debaixo da manta.

LRTHistóricos 247
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Junto a eles se encontrava Roger Chatworth, seus olhos


cheios de ódio, enquanto apertava com sua espada a veia do
pescoço de Miles.

— Não o faça! — Disse Elizabeth, separando-se de Miles.


— Não o machuque.

— Eu gostaria de matar todos os Montgomery. — Disse


Roger Chatworth.

Miles, com um movimento rápido, moveu-se de lado e


conseguiu pegar o pulso de Chatworth.

— Não! — Gritou Elizabeth, e agarrou-se ao braço de seu


irmão.

As ataduras de Miles começaram a tingir-se de vermelho.

— Está ferido. — Explicou Elizabeth. — Mataria a um


homem que não pode se defender?

Roger voltou toda sua atenção para ela.

— Você se tornou um deles? Os Montgomery lhe


envenenaram contra os de seu próprio sangue?

— Não Roger, claro que não. — Tentou se manter calma.


Roger mostrava um aspecto tão selvagem que temeu fazê-lo
zangar-se. Miles estava deitado contra a parede, mas ela sabia
que a qualquer momento ele saltaria de novo para se defender
e se abririam suas feridas. — Você veio me buscar?

LRTHistóricos 248
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Subitamente se fez um profundo silêncio na cabana, e os


dois homens se voltaram para olhá-la. Ela precisava partir com
Roger. Se não o fizesse, Roger mataria Miles. Ela sabia disso
muito bem. Roger estava cansado, furioso, incapaz de
raciocinar com prudência.

— Será bom voltar para casa. — Disse ela, forçando um


sorriso.

— Elizabeth! — Advertiu-lhe Miles.

Ela o ignorou.

— Vamos, Roger, o que espera? — O coração pulsava com


tanta violência que mal podia escutar sua própria voz.

— Elizabeth! — Gritou Miles, tocando com a mão a ferida


do peito.

Por um momento Roger olhou de um para o outro,


hesitando.

— Estou me impacientando, Roger. Não já estive longe de


casa tempo suficiente? — Girou sobre os calcanhares para sair
e ao chegar à porta, deteve-se.

Tinha os olhos fixos em Roger e não se atrevia a olhar


para Miles. Não podia correr o risco de olhá-lo nenhuma vez,
ou perderia sua determinação.

Lentamente, com ar intrigado, Roger começou a segui-la.


Fora da cabana um cavalo aguardava obedientemente.
Elizabeth não tirou a vista do animal, não ousando olhar em

LRTHistóricos 249
Anjo Audaz — Jude Deveraux

volta porque sabia que veria o corpo de Sir Guy. Só a morte


podia ter evitado que o gigante protegesse seu amo.

Outro grito, que fez tremer as pedras, ouviu-se do interior


da cabana.

ELIZABETH!!!

Engolindo o nó que tinha na garganta, Elizabeth permitiu


que Roger a ajudasse a montar.

— Temos que conseguir comida. — Disse Roger, e se


afastou dela.

— Roger! — Gritou Elizabeth a suas costas — Se lhe fizer


mal, eu... — começou, e viu que ele estava ignorando-a.
Desmontou apressadamente e foi atrás dele... mas não chegou
a tempo.

Roger Chatworth passou a espada pelo braço de Miles e,


enquanto Miles caia sangrando, Roger disse:

— A esposa de Raine salvou minha vida, e é a ela que você


deve sua imunda vida agora. — Voltou-se para Elizabeth, que
estava petrificada na entrada. — Volta para o cavalo ou
terminarei essa tarefa, se é que ele não sangrará até a morte,
como deve ser.

Tremendo, sentindo-se muito doente, Elizabeth


abandonou a cabana e montou. Em poucos segundos Roger
estava com ela e ambos partiram a todo galope.

LRTHistóricos 250
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Elizabeth estava sentada diante de seu bastidor,


trabalhando em uma toalha para o altar com o desenho de São
Jorge matando o dragão. Em um canto havia um menino
extremamente parecido com Kit, e São Jorge, o santo... tinha
os olhos de Miles Montgomery. Elizabeth se deteve um
momento quando o bebê em seu ventre começou a chutar.

Enfrente a ela se encontrava Alice Chatworth com um


espelho na mão, olhando a metade do rosto que não estava
marcado com cicatrizes.

— Eu era tão linda! — Disse Alice. — Não havia homem


que pudesse me resistir. Todos estavam prontos para dar sua
vida por mim. Tudo o que tinha que fazer era insinuar algo que
queria, e me davam.

Girou o espelho para a parte deformada de seu rosto.

— Até que os Montgomery me fizeram isto! — Sibilou. —


Judith Revedoune estava com ciúmes da minha beleza. Ela é
uma coisa tão feia, sardenta, ruiva, e estava preocupada com
o amor de meu querido Gavin. E fazia bem em não se sentir
segura.

Elizabeth lançou um bocejo exagerado, ignorou o olhar de


ódio de Alice e se voltou para seu irmão, que estava de pé junto
à lareira com uma taça de vinho na mão, cabisbaixo.

LRTHistóricos 251
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Roger, você gostaria de dar uma volta comigo nos


jardins?

Como de costume, Roger olhou seu ventre antes de fixar


a vista em seu rosto.

— Não, tenho que falar com meu mordomo. —


Murmurou, sem deixar de olhá-la.

Ela podia sentir o que ele queria dizer, o que disse muitas
e muitas vezes: Você mudou.

Fazia duas semanas que retornou com seu irmão e para


sua "família", e todos notavam quanto tinha mudado nos cinco
meses que passou com os Montgomery. Durante esse tempo
não se produziram mudanças importantes na casa Chatworth,
mas Elizabeth evidentemente não era a mesma.

Apesar da insistência dela em que Roger era muito


diferente de Edmund, deu-se conta de que seu irmão não
levava as rédeas de sua casa como deveria ser. Em muitos
aspectos, a casa Chatworth funcionava exatamente igual a
quando Edmund vivia. A razão pela qual Roger permitia que
Alice vivesse com ele era simplesmente porque não prestava a
menor atenção nela. Roger vivia em um torvelinho interior e
dedicava todo seu amor a Elizabeth e Brian, desta forma, não
era totalmente consciente do que acontecia ao seu redor.

Assim que Elizabeth desmontou de seu cavalo, cansada


depois de vários dias de viagem, dois dos homens de Roger,
que uma vez tinham servido a Edmund, começaram a fazer

LRTHistóricos 252
Anjo Audaz — Jude Deveraux

comentários maliciosos sobre ela. Era evidente, pelos seus


comentários, que esperavam ansiosos o momento de poder
apanhá-la sozinha.

A primeira reação de Elizabeth tinha sido de temor. Era


como se nunca tivesse se afastado da casa Chatworth. Sua
mente percorreu todo o repertório de defesa pessoal que estava
acostumada a usar com os homens. Mas também recordou Sir
Guy e seus dedos dos pés quebrados e como mancou durante
semanas. Depois o viu sentado junto a ela com os olhos
úmidos de lágrimas de preocupação pelo homem que ambos
tanto amavam.

Não voltaria para sua atitude de espreitar e temeridade.


Tinha obtido, com muito esforço, a conquista de superar seu
medo dos homens e não tinha intenção de estragar seu
progresso. Ela se voltou para Roger e exigiu que ele mandasse
os homens embora imediatamente.

Roger se mostrou muito surpreso e a tirou rapidamente


dos estábulos. Tratou de acalmá-la, mas Elizabeth não quis
escutar. O fato de que sua irmãzinha mais nova lhe replicasse
o incomodou e ao mesmo tempo feriu. Segundo seu ponto de
vista, ele acabava de resgatá-la do inferno e ela não fazia mais
que queixar-se sem demonstrar nenhum agradecimento.

Pela primeira vez em sua vida, Elizabeth contou a seu


irmão toda a verdade sobre Edmund. O rosto de Roger ficou
pálido, depois vermelho como se estivesse escorrendo sangue,
ele cambaleou e teve que arrastar-se até uma cadeira,

LRTHistóricos 253
Anjo Audaz — Jude Deveraux

mostrando o aspecto de um homem que alguém tivesse


espancado. Todos esses anos esteve convencido de que
protegia adequadamente a sua irmã, mas na verdade, ela viveu
no inferno, em meio de um perigo constante. Não tinha ideia
de que Edmund a tirava do convento cada vez que ele saía de
viagem. Não sabia que ela tinha que defender-se de seus
homens dessa maneira.

Quando Elizabeth terminou seu relato, Roger desejava e


estava pronto para matar aos homens do estábulo.

A fúria de Roger Chatworth era perigosa. Em três dias


tinha conseguido infundir temor a todo o pessoal da casa.
Muitos homens tiveram que abandonar o lugar, e se algum se
atrevesse sequer a pousar seus olhos em Elizabeth, esta
contava a seu irmão. Já não pensava tolerar mais esse tipo de
insolência.

Antes, não tinha ideia de como devia ser tratada uma


dama, já que sua única experiência tinha sido a que viveu com
Edmund, mas agora passou cinco meses em um lugar onde
não teve que sentir-se atemorizada por passear sozinha por um
jardim.

Roger ficou surpreso com suas exigências, e ela percebeu


como ela e Brian sempre o tinham protegido. Roger podia ser
muito gentil, mas ao mesmo tempo muito cruel. Tentou em
uma oportunidade falar dos Montgomery, mas Roger teve uma
terrível explosão de fúria, a tal ponto que Elizabeth temeu por
sua vida.

LRTHistóricos 254
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Como passou cinco meses sem vê-la, ele notou


imediatamente as mudanças no corpo dela, o peso que
ganhou. Elizabeth manteve sua cabeça erguida, e sem nenhum
remorso, anunciou que estava grávida de Miles Montgomery.

Ela esperou uma reação de ira, estava preparada para


isso, mas a dor que viu refletido nos olhos de seu irmão a pegou
despreparada.

— Vai! Me deixe sozinho. — Sussurrou ele, e ela


obedeceu.

Sozinha em seu quarto, Elizabeth chorou até ficar


adormecida, como acontecia todas as noites desde que
abandonou Miles. Será que Miles percebeu que ela partiu para
salvar sua vida? Ou a odiaria? O que teriam dito a Kit com
respeito a sua partida? Enquanto ficava deitada em sua cama,
pensava em todas as pessoas que chegou a amar na Escócia.

Ansiava poder enviar uma mensagem a Escócia, mas não


encontrava ninguém em quem depositar sua confiança.
Entretanto, no dia anterior enquanto dava seu passeio
vespertino, uma anciã a quem não tinha visto antes lhe
ofereceu uma cesta de pão. Ela começou a dizer que não estava
interessada quando a mulher levantou o pano que cobria o pão
e mostrou a insígnia dos MacArran. Elizabeth pegou
rapidamente a cesta e a anciã partiu antes que ela pudesse
agradecer. Ansiosa, procurou dentro da cesta.

LRTHistóricos 255
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Encontrou uma mensagem de Bronwyn onde lhe dizia


que compreendia muito bem por que retornou com Roger...
embora Miles não quisesse entender. Sir Guy tinha recebido
três flechadas, mas todos acreditavam que sobreviveria.
Quando Miles ficou sozinho na cabana, sofreu um ataque de
ira tão intenso que conseguiu que se abrissem todos os pontos.
Quando Morag o encontrou, tinha febre e durante três dias se
debateu entre a vida e a morte. Stephen havia retornado do
acampamento de Raine logo que se inteirou de que Miles
estava ferido. Contava que Raine tinha tomado ao jovem Brian
sob seu amparo e que Stephen acreditava que muito em breve
reinaria a paz entre as duas famílias. Bronwyn acrescentava
que Miles se recuperava lentamente e que se negava a
pronunciar o nome de Elizabeth.

Agora, enquanto Elizabeth recordava esta última frase,


sentia que todo seu corpo estremecia.

— Você deveria ter um manto. — Disse Roger a suas


costas.

— Não, — murmurou ela — minha manta escocesa é


suficiente.

— Por que você exibe aquela coisa na minha frente? —


Roger explodiu. — Não é suficiente que leve um Montgomery
dentro de você? Tem que me lançar uma bofetada cada vez que
falamos?

— Roger quero que este ódio termine. Quero...

LRTHistóricos 256
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Quer ser a rameira de meu inimigo. — Ele rosnou.

Ela lançou um olhar furioso e se afastou. Roger a agarrou


pelo braço e seus olhos se suavizaram ao olhá-la.

— Não pode ver esta questão do meu ponto de vista?


Passei meses angustiadíssimo te buscando. Estive com Raine
Montgomery para que me desse notícias suas, e ele
desembainhou sua espada contra mim. Se sua esposa não
houvesse se colocado entre nós, a esta hora eu estaria morto.
Ajoelhei-me frente ao rei, e te asseguro que não foi fácil. Não
tenho amor pelo homem desde que me multou tão sem piedade
pelo que aconteceu com Mary Montgomery, mas por você eu
teria me colocado de joelhos até diante do Diabo.

Fez uma pausa colocando ambas as mãos sobre os


braços.

— Além disso, entrar e sair da Escócia tampouco foram


tarefas fáceis e, entretanto, quando te encontrei, estava
aconchegada ao lado de Montgomery, como se quisesse fazer
parte dele. E a peça de teatro que você fez! Senti-me como se
eu fosse o inimigo, porque eu estava resgatando minha própria
irmã de um homem que a manteve cativa e tomou sua virtude.
Explique tudo isso para mim, Elizabeth. — Sussurrou.

Ela inclinou a cabeça e a apoiou no peito dele.

— Como poderia? Como poderia te dizer o que me


aconteceu nestes últimos meses? Conheci o amor e...

LRTHistóricos 257
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Amor! — Disse ele. — Você acha que se um homem te


leva para sua cama, ele te ama? Jurou Montgomery te amar
até a morte? Pediu-te que te case com ele?

— Não, mas... — começou ela.

— Elizabeth, sabe tão pouco dos homens. Foi um peão


nesta luta. Não se dá conta de que os Montgomery estão rindo
porque uma Chatworth está grávida de um deles? Estão
convencidos de terem triunfado.

— Triunfado! — Replicou ela, afastando-se. — Odeio que


tudo isto seja tomado como um jogo. O que devo dizer a meu
filho, que ele não era mais que uma peça de xadrez entre a
antipatia e a guerra boba de duas famílias?

— Antipatia? Como pode dizer isso quando Brian anda


sozinho por aí, me odiando certamente, por causa dos
Montgomery?

Ela não disse sobre a conversa com seu irmão na Escócia.

— Roger, alguma vez te ocorreu pensar que talvez fosse


você a causa de ele ter partido? Eu gostaria de ouvir sua versão
do que aconteceu com Mary Montgomery.

Ele lhe deu as costas.

— Eu estava bêbado. Foi um terrível acidente. — Voltou-


se para olhá-la, com olhos suplicantes. — Não posso fazer
reviver a essa mulher, o rei me castigou severamente com suas
multas. Brian me abandonou e você retorna as minhas mãos

LRTHistóricos 258
Anjo Audaz — Jude Deveraux

gravida de meu inimigo, e em vez de demostrar o amor que


sempre me professou, o único que faz é me questionar, duvidar
de mim. O que mais de punição você acha que mereço?

— Sinto muito Roger. — Disse com suavidade. — Talvez


eu tenha mudado. Não sei se Miles me ama. Não sei se gostaria
de casar-se comigo para que a criança tivesse um nome, mas
sei que eu o amo, e que se me pedisse isso, o seguiria em
qualquer lugar que fosse.

Só os olhos de Roger deixaram transparecer a dor que


sentia pelas palavras de sua irmã.

— Como pode se voltar contra mim tão completamente?


Esse homem é tão bom na cama que seus gemidos de prazer a
têm feito esquecer o amor que te tenho e que sempre terei?
Será que cinco meses com ele apagaram dezoito anos comigo?

— Não, Roger. Eu te amo. Sempre te amarei, mas eu


quero a ambos.

Ele sorriu ao escutar suas palavras.

— Que jovem é, Elizabeth. Você quer um homem que,


segundo eu ouvi, também é requerido por mais da metade das
mulheres da Inglaterra. Quer a um homem que te leva a cama,
faz-te um filho e não menciona a palavra matrimônio. E em
todo caso, que tipo de matrimônio seria este? Você vai cuidar
de todos os seus bastardos como cuidou de seu filho mais
velho?

LRTHistóricos 259
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— O que sabe de Kit?

— Eu sei muito sobre meus inimigos. Miles Montgomery


gosta das mulheres. Você é só uma entre muitas, e respeito o
homem, porque pelo menos não mentiu dizendo que você seria
seu único amor.

Ele tocou seu braço.

— Elizabeth, se deseja um marido eu posso encontrar


alguém adequado para você. Conheço alguns homens que a
desposariam embora leve o filho de outro homem e eles seriam
bons para você. Com o mais jovem dos Montgomery você seria
infeliz em menos de um ano.

— Talvez. — Respondeu ela, tratando de pensar com


racionalidade. Possivelmente as mãos de Miles sobre seu corpo
a tinham feito perder o senso comum. Ele sempre foi gentil com
ela, mas também era gentil com as mulheres que o serviam. Se
ela abandonasse seu irmão por um Montgomery, Roger a
odiaria, e que sentimentos abrigaria por Miles dali a alguns
anos? O que aconteceria se alguém mais fizesse uma
brincadeira e lhe "entregasse" outra moça bonita? Decidiria
que ela também era de sua propriedade? Levá-la-ia a casa de
ambos, sorrindo, esperando que ela cuidasse da moça como
cuidava de seus filhos bastardos?

— Deixe-me encontrar alguém para você. Apresentar-te-


ei vários homens e você escolherá quem mais lhe convenha.

LRTHistóricos 260
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Pelo menos olhe para eles. E se desejar ficar solteira, não me


oporei.

Ela o olhou com amor. O povo riria dele por permitir que
sua irmã tivesse um filho fora do casamento. Alguns diriam
que ela deveria ser morta se ela se recusasse a se casar. Roger
tinha sofrido muitas desgraças nos últimos anos e, entretanto,
estava disposto a correr mais riscos pelo bem-estar dela.
Quando Elizabeth sorriu, ele fez um aceno, satisfeito, e pela
primeira vez pareceu que tinha uma razão para viver.

— Sim, conhecerei os homens que queira me apresentar.


— Disse ela com convicção. Trataria com todas suas forças se
apaixonar por algum deles. Teria um marido gentil, amoroso,
filhos a quem amar e a seus irmãos, porque de algum jeito
terminaria os conflitos entre Roger e Brian.

Nos dias que seguiram Elizabeth aprendeu muito sobre o


amor. Nunca, antes de conhecer Miles, tinha tido uma ideia do
que era o amor. Jamais pensou em amar a um homem, mas
então apareceu Miles e tudo mudou. Em cinco meses,
mostrando paciência e amor, ele tinha feito que ela o amasse.
Ela sabia que Miles seria sempre seu ponto débil, mas no
mundo havia muitos outros homens bons e gentis. Tudo o que
teria que fazer seria apaixonar-se por um deles, e todos os seus
problemas ficariam resolvidos.

Mas Elizabeth se subestimava.

LRTHistóricos 261
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Roger começou a desfilar homens diante dela como se


fossem servos que teriam que servi-la. Havia homens altos,
baixos, magros, gordos, feios, homens tão bonitos que a
deixavam sem fôlego, fanfarrões, calvos, homens que a faziam
rir, e até um que cantava deliciosamente. Passavam um após
o outro. Sem parar, eles vieram.

Inicialmente Elizabeth ficou lisonjeada por suas atenções,


mas depois de uns poucos dias, seus antigos medos
reapareceram. Se um homem lhe roçava o ombro, ela saltava
e tomava a pequena adaga que levava a seu lado. Depois de
uma semana começou a procurar desculpas para ficar em seu
quarto, ou não aceitava separar-se de Roger.

De repente, sem prévio aviso, Roger saiu de viagem. Não


disse nada a sua irmã e partiu a todo galope, acompanhado
por oito homens. Um criado disse que Roger recebeu uma
mensagem de um homem sujo, de dentes pretos, e que tinha
saído imediatamente. A mensagem foi jogada no fogo.

Elizabeth estava perto das lágrimas sabendo que no piso


de baixo havia onze convidados homens e que ela devia fazer
às vezes de anfitriã. Não podia falar com nenhum homem com
certa coerência, porque ao mesmo tempo tinha que estar
atenta do que faziam todos os outros. Os meses de paciente
treinamento de Miles estavam desaparecendo. Em uma
ocasião golpeou a um homem na cabeça com um vaso de
bronze porque se atreveu a caminhar atrás dela. Com as saias
voando, fugiu para o seu quarto e se negou a retornar ao salão.

LRTHistóricos 262
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Ficou deitada na cama por muito tempo e tudo o que


conseguia pensar era em Miles. Cada vez que conhecia um
homem, não podia evitar compará-lo com Miles. Podiam lhe
apresentar a um homem maravilhosamente bonito, e
imediatamente encontrava algum defeito ridículo. E uma noite
permitiu que um homem a beijasse no jardim. Conteve-se bem
a tempo, porque esteve a ponto de lhe dar um terrível golpe nos
dedos dos pés, mas não pôde evitar passar a mão pela boca
para limpar o beijo. O pobre homem se sentiu profundamente
insultado.

Elizabeth fez seu melhor esforço, mas nenhum de todos


esses homens a atraía. À medida que passavam os dias,
começou a desejar que Bronwyn estivesse perto para pedir
conselho. Estava pensando em escrever uma carta a ela,
quando todo seu mundo ruiu. Um Roger desfeito, exausto,
retornou trazendo consigo o corpo mutilado de Brian.

Elizabeth saiu para recebê-lo, mas Roger apenas notou


sua presença, carregou o corpo de Brian nos braços, levou-o
ao seu quarto e se trancou com ele. Dois dias permaneceu
dentro do quarto com o corpo de seu irmão, e quando por fim
saiu, seus olhos estavam afundados e seu olhar era negro.

— Seus Montgomery fizeram isto. — Disse


grosseiramente, enquanto passava por onde se encontravam
Elizabeth e Alice.

LRTHistóricos 263
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Nessa tarde enterraram Brian, mas Roger não voltou a


aparecer. Elizabeth plantou rosas na tumba e derramou
lágrimas por seus dois irmãos.

Alice perseguia Elizabeth sem piedade, gritando que


todos os Montgomery deveriam morrer pelo que tinham feito.
Ela estava fascinada em manipular lamparinas cheias de
azeite fervendo, e as sacudia maniacamente. Disse que o filho
de Elizabeth nasceria com a marca de Satanás e que seria
maldito por toda a eternidade.

Um por um, os homens convidados foram deixando a


casa enlutada dos Chatworth, com seu ambiente
enlouquecido, e Elizabeth ficou sozinha com sua cunhada.

No início de março, alguns mensageiros chegaram com


uma mensagem do rei.

Foi um dia antes que Elizabeth ordenasse aos homens


uma busca para encontrar Roger, que se refugiou na cabana
de pedra de um pastor.

Parecia um esqueleto, com as bochechas magras debaixo


da barba, o cabelo comprido e sujo, seu olhar era selvagem e
aterrador.

Ele silenciosamente leu a mensagem na presença de


Elizabeth, e então a jogou na lareira.

— Digam ao rei que não. — Disse com calma, antes de


abandonar o salão.

LRTHistóricos 264
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Elizabeth não pôde fazer nada, salvo se perguntar qual


teria sido a mensagem do rei. Com toda a tranquilidade
possível se despediu dos homens do rei e se sentou para
esperar. O que Roger se negou a fazer logo seria notificado,
quando o rei se inteirasse da negativa de seu irmão. Pôs as
mãos sobre seu ventre, cada vez mais volumoso, e se
perguntou se seu filho teria que viver com a carga de ser
chamado de bastardo.

LRTHistóricos 265
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Capítulo Quatorze
Seis dias depois da chegada e pronta partida dos
mensageiros do rei, Elizabeth estava sozinha no jardim. Não
tinha visto Roger durante dias e tampouco sabia nada dele, a
morte de Brian fez Alice perder a pouca sanidade que tinha.
Não era que a mulher tivesse gostado de Brian, mas sim pelo
o fato de que os Montgomery tivessem algo a ver com sua
morte. Elizabeth pensou em Raine com ódio.

Uma sombra se moveu pelo atalho e ela, assustada,


levantou a vista... para encontrar-se com os olhos intensos e
escuros de Miles Montgomery. Olhou-a desdenhosamente de
cima a baixo, notando o vestido de cetim cor marfim, as fileiras
duplas de pérolas, e o rubi vermelho sangue que adornavam o
peito.

Elizabeth sentiu que o queria devorar, que nada poderia


fazê-la se cansar dele. Havia sombras escuras debaixo dos
olhos dele, e estava mais magro. Obviamente não se recuperou
totalmente da febre.

— Venha. — Disse ele com voz rouca.

Elizabeth não duvidou, e o acompanhou pelo jardim até


chegarem ao parque florestal da propriedade Chatworth.
Supostamente, essas fronteiras eram guardadas, mas Miles
conseguiu entrar sem que se notasse sua presença.

LRTHistóricos 266
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Ele não falou com ela, não olhou para ela, e só quando
chegaram aonde dois cavalos os esperavam, ela se deu conta
do que acontecia: ele a odiava. Seu corpo rígido, a frieza de
seus olhos eram indícios mais que claros.

Ela mesma ficou rígida quando chegaram junto aos


cavalos.

— Aonde quer me levar? — Perguntou-lhe.

Ele se virou para ela.

— O rei ordenou que nos casássemos. Seu irmão se negou


a cumprir essa ordem. Se desobedecermos, tanto seu irmão
como eu seremos declarados traidores e nossas terras serão
confiscadas. — Seus olhos se fixaram no rubi. — Não deve
temer. Depois da cerimônia vou devolvê-la ao seu precioso
irmão porque já deixou claro que você não gostaria que a
despojassem de todas as coisas que lhe são tão queridas.

Ele se afastou dela. Elizabeth tentou montar seu cavalo,


mas sua saia longa e os tremores de seu corpo não o
permitiram. Miles se aproximou por atrás e, tocando-a o menos
possível, depositou-a sobre a sela.

Elizabeth estava muito atônita, em um profundo estado


de choque, para pensar enquanto partiam rapidamente para o
norte. Tinha os olhos tão secos que lhe ardiam, e tudo o que
ela pensava era na maneira como a crina do cavalo chicoteava
no vento.

LRTHistóricos 267
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Menos de uma hora depois se detiveram nos subúrbios


de uma pequena aldeia, diante de uma agradável casinha que
estava em frente a uma igreja. Miles desmontou e não a olhou,
enquanto ela lutava para descer do cavalo.

Um sacerdote lhes abriu a porta.

— Miles, então esta é a encantadora noiva. — Disse. —


Venha, eu sei como você é impaciente.

Miles entrou primeiro, ignorando Elizabeth, e ela correu


atrás dele, pegando-o pelo braço. O olhar que Miles lhe lançou
a fez conter o fôlego. Deixou cair à mão.

— Depois que terminarmos, poderíamos conversar? —


Sussurrou ela.

— Se não for levar muito tempo, — respondeu ele


friamente — meu irmão está esperando por mim.

— Não. — Respondeu ela, tratando de recuperar sua


dignidade. — Não te deterei por muito tempo. — Com isso, ela
juntou as saias e caminhou à frente dele.

A cerimônia terminou em poucos minutos. Não houve


testemunhas de nenhuma das duas famílias, só alguns
homens conhecidos do sacerdote. A julgar pelo sentimento com
que cada um dos noivos pronunciou as palavras necessárias,
poderiam ter estado tratando de um negócio de venda de grãos.
Quando o sacerdote os declarou marido e mulher, Miles se
voltou para Elizabeth e ela conteve o fôlego.

LRTHistóricos 268
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Acredito que poderemos falar na sacristia. — Foi tudo


o que disse. Elizabeth, com a cabeça erguida, segui-o.

Quando estiveram sozinhos no pequeno quarto, ele se


recostou distraidamente sobre uma das paredes.

— Agora tem a oportunidade de dizer tudo o que queira.

O primeiro impulso dela foi gritar onde poderia passar o


resto de sua vida, mas se conteve.

— Não sabia que o rei ordenou que nos casássemos. Se


estivesse a par desta ordem, eu não teria recusado. Estou
disposta a muito para que termine esta inimizade.

— Até dormir com seu inimigo? — Ele provocou.

Ela apertou os dentes.

— Roger esteve muito mal e furioso com a morte de Brian.


— Por um momento, os olhos dela lançaram chamas.

Miles tinha a respiração agitada.

— Talvez você não tenha ouvido que Raine quase não


sobreviveu ao veneno que lhe deu seu irmão.

— Veneno! — Bufou ela. — E agora do que está acusando


Roger?

— Não ao Roger. — Disse Miles. — Foi seu irmão Brian


quem envenenou Raine.

LRTHistóricos 269
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Pois bem, parece que Brian pagou pelo que fez! Ouvi
que Raine é um homem musculoso. Divertiu-se muito fazendo
em pedaços a meu irmão? Gostou de ouvir o ruído dos ossos
que se rompiam?

Os olhos de Miles endureceram.

— Eu vejo que mais uma vez você ouviu apenas um lado.


Roger disse que Raine matou Brian?

— Não com todas as letras, mas...

Miles se afastou da parede.

— Então pergunte a ele. Faça com que seu irmão perfeito


te diga a verdade sobre quem matou Brian Chatworth. Agora,
se você não tem mais nada para me acusar, devo ir.

— Espera! — Falou ela. — Por favor, me dê algumas


notícias. Como está Sir Guy?

Os olhos de Miles ficaram negros.

— Que diabos te importa? Desde quando te interessa


alguém que não seja seu traiçoeiro irmão? Guy quase morreu
pelas flechas de seu irmão. Talvez devesse praticar mais sua
pontaria. Outra polegada e teria atravessado o coração de Guy.

— E Kit? — Sussurrou ela.

— Kit! — Disse ele com os dentes apertados. — Kit chorou


durante três dias depois de que você partiu e agora nem sequer

LRTHistóricos 270
Anjo Audaz — Jude Deveraux

aceita que a babá de Philip entre em seu quarto. O nome da


babá é Elizabeth.

— Eu nunca quis... — começou a dizer ela. — Eu amo Kit.

— Não, Elizabeth, não ama. Não éramos nada para você.


Vingou-se de todos nós por retê-la contra sua vontade. Você,
depois de tudo, é uma Chatworth.

A fúria explodiu nela.

— Não penso tolerar uma só insinuação a mais! O que


você supõe que eu poderia fazer quando meu irmão tinha sua
espada contra sua garganta? Deveria ter ficado contigo? Para
que ele tivesse te matado? Você não pode entender que eu fui
com ele para salvar sua miserável vida?

— E você supõe que tenho que acreditar nisso? — Disse


em voz baixa. — Está diante de mim pingando pérolas, usando
um rubi que custa mais que tudo o que eu possuo e me diz
que partiu com seu irmão para me salvar. O que te faz pensar
que sou um estúpido?

— Então, me diga — ela disparou de volta — o que eu


deveria ter feito?

Ele estreitou os olhos.

— Você alega que seu irmão te ama tanto, deveria ter dito
que queria permanecer comigo.

Ela elevou as mãos com desespero.

LRTHistóricos 271
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Oh, sim! Isso teria dado excelentes resultados. Sem


dúvida Roger teria embainhado sua espada e muito docilmente
teria retornado para casa. Roger tem um temperamento tão
forte quanto o seu. E, Montgomery, como eu poderia saber que
você queria que eu permanecesse com você?

Ele ficou em silêncio por um momento.

— Meus desejos sempre estiveram muito claros. Eu ouvi


rumores que você estava dormindo com muitos homens. Tenho
certeza que seu estado civil de casada não vai interferir com
suas atividades, embora meu filho por um tempo mais será um
estorvo.

Com muita calma, muito lentamente, Elizabeth se


aproximou e deu-lhe uma bofetada no rosto.

Quando Miles endireitou a cabeça para olhá-la, havia


chamas em seus olhos. Com um gesto violento e rápido
agarrou suas mãos e a empurrou contra a parede de pedra.
Seus lábios se apertaram contra os dela com força, famintos,
saqueando.

Elizabeth reagiu com todos os seus desejos adormecidos


e apertou seu corpo contra o dele, ansiosamente, avidamente.

Seus lábios fizeram uma trilha quente em seu pescoço.

— Você me ama, não é verdade, Elizabeth?

— Sim. — Murmurou ela.

LRTHistóricos 272
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Quanto? — Sussurrou ele, tocando o lóbulo da orelha


com a ponta da língua.

— Miles, — ofegou ela — por favor. — Tinha as mãos


seguras contra a parede, sobre sua cabeça, e desejava
desesperadamente rodeá-lo com seus braços. — Por favor! —
Repetiu.

Abruptamente se afastou dela, deixando cair seus braços.

— Como você se sente sendo rechaçada? — Disse


friamente, mas uma veia em seu pescoço pulsava. — Como se
sente quando ama alguém e este te rechaça? Eu implorei para
que você ficasse comigo, mas escolheu seu irmão. Agora vamos
ver se ele pode te dar o que precisa. Adeus, Elizabeth...
Montgomery. — Com estas palavras deixou a sacristia e fechou
a porta atrás de si.

Por um longo momento Elizabeth se sentiu muito fraca


para mover-se, mas finalmente pôde chegar a uma cadeira e
sentar-se. Estava atordoada quando entrou o sacerdote,
obviamente muito agitado.

— Lorde Miles teve que partir, mas fora te espera uma


escolta. E deixou isto para você. — Como Elizabeth não reagia,
o sacerdote pegou sua mão e fechou-a em torno de algo frio e
pesado. — Viva agora seu tempo querida, os homens podem
esperar.

Só depois de alguns minutos Elizabeth pôde ficar de pé.


O objeto que tinha na mão caiu sobre o piso de pedra.

LRTHistóricos 273
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Ajoelhou-se e o recolheu. Era um pesado anel de ouro, do


tamanho de seu dedo, com uma grande esmeralda que tinha
os três leopardos dos Montgomery esculpidos na lateral.

Seu primeiro impulso foi arrojá-lo longe, mas com um


aceno de resignação deslizou-o no dedo anelar da mão
esquerda e saiu da sacristia para encontrar-se com a escolta
que a esperava.

Roger encontrou-a a meia milha da propriedade com uma


guarda armada e as espadas desembainhadas. Ela esporeou
seu cavalo para aproximar-se.

— Morte a todos os Montgomery! — Gritou ele. Elizabeth


segurou as rédeas do cavalo dele e, depois de uma resistência
que quase arranca seu braço do lugar, conseguiu detê-lo.
Ambos tiveram que tranquilizar as suas montarias.

— Por que está cavalgando com homens de Montgomery?


— Gritou Roger.

— Porque sou uma Montgomery. —Gritou ela a sua vez.

Essa afirmação fez com que Roger se detivesse.

— Como se atreveu a não me dizer que o rei ordenou que


me casasse com Miles?! — Vociferou ela. — O que mais você
mentiu para mim? Quem matou Brian?

A fúria de Roger fez que seu rosto ficasse de cor púrpura.

— Um Montgomery... — começou ele.

LRTHistóricos 274
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Não! Quero a verdade!

Roger olhou para a guarda armada que estava atrás de


Elizabeth como se estivesse planejando suas mortes.

— Vai me dizer a verdade aqui e agora, ou vou com eles


de volta para Escócia. Acabo de me casar com um Montgomery
e meu filho tem todo o direito de ser criado como um
Montgomery.

Roger estava respirando com tanta força, seu peito estava


inchando ao tamanho de um barril.

— Eu matei Brian. — Gritou ele, e imediatamente se


tranquilizou. — Matei a meu próprio irmão. É isso o que queria
ouvir?

Elizabeth esperava qualquer resposta, exceto aquela, e


sentiu-se pasma.

— Voltemos para casa Roger e falaremos.

No castelo, a sós, Elizabeth exigiu que Roger contasse


tudo referente às guerras entre os Chatworth e os Montgomery.
Não era uma história fácil de escutar, e tampouco simples para
Roger contar as coisas exatamente como tinham sido, a
verdade imparcial. O ponto de vista de Roger sobre os fatos
estava colorido e entremeado com suas próprias emoções.

Na Escócia acreditou que tinha a oportunidade de casar-


se com a Laird Bronwyn MacArran, que acreditava que seria a
companheira ideal para ele. Contou à mulher algumas

LRTHistóricos 275
Anjo Audaz — Jude Deveraux

mentiras para que ela o tivesse em melhor conceito... mas o


que eram umas poucas mentiras quando se tratava de cortejar
alguém? Até provocou que Stephen Montgomery combatesse
por ela, mas quando Stephen triunfou com tanta facilidade,
Roger perdeu o controle e o atacou pelas costas. A humilhação
que teve que sofrer por este fato tinha sido muito difícil de
suportar. Raptou Bronwyn e a Mary somente para dar uma
lição aos Montgomery. Jamais pensou em fazer mal às
mulheres.

— Mas sim, fez mal a Mary — disse Elizabeth, com raiva.

— Brian queria desposá-la! — Defendeu-se Roger. —


Depois de tudo o que eu sofri por causa dos Montgomery, tinha
que suportar que meu irmão quisesse casar-se com essa moça
mais velha, simples, sem nenhum caráter. Ninguém na
Inglaterra queria nada com ela. Você pode imaginar como os
Chatworth teriam sido ridicularizados?

— Seu orgulho me adoece. Brian está morto em vez de


casado. Você conseguiu o que queria?

— Não. — Sussurrou ele.

— Eu tampouco. — Sentou-se. — Roger, quero que me


escute, e que me escute bem. A guerra entre os Chatworth e os
Montgomery terminou. Agora meu nome é Montgomery e meu
filho será um Montgomery. Já não haverá mais lutas.

— Ele vai tentar outra vez de te levar... — começou Roger.

LRTHistóricos 276
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Me levar! — Ficou de pé tão rapidamente que a cadeira


caiu para trás. — Esta manhã roguei a Miles Montgomery que
me levasse com ele, mas se negou. E não o culpo! Sua família
perdeu a alguém a quem amavam muito, por sua culpa e,
entretanto, não o mataram como provavelmente deveriam ter
feito.

— Brian...

— Você matou Brian! — Gritou ela. — Você foi o causador


de tudo, e por Deus se voltar sequer olhar a um Montgomery
de mau modo, eu mesma desembainharei uma espada contra
você. — Dizendo isto, saiu do salão, tropeçando em Alice, que
como de costume, estava bisbilhotando atrás da porta.

Passaram-se três dias até que Elizabeth pudesse


controlar sua raiva o suficiente para pensar.

Quando conseguiu raciocinar, decidiu avaliar toda a


situação e ver o que podia fazer. Não permitiria que seu filho
crescesse como tinha acontecido com ela. Provavelmente
nunca pudesse viver com Miles, de maneira que o mais
próximo a um pai que a criança teria seria seu irmão Roger.

Encontrou Roger cabisbaixo junto da lareira, e se ela


fosse um homem, o teria levantado aos empurrões da cadeira
e lhe dado umas boas palmadas no traseiro.

— Roger, — disse com voz doce como o mel — não tinha


notado até agora, mas tem um barrigão.

LRTHistóricos 277
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Ele colocou a mão, surpreso, no estômago plano.


Elizabeth teve que conter a risada. Roger era um homem muito
bonito e estava acostumado que as mulheres o olhassem.

— Talvez na sua idade os homens engordem e seus


músculos se debilitem.

— Mas não sou tão velho. — Disse ele, ficando de pé e


olhando o estômago.

— Isso era algo que eu gostava na Escócia. Os homens se


mantinham em perfeito estado físico.

Ele inclinou a cabeça para ela.

— O que está tratando de fazer, Elizabeth?

— Estou tratando de evitar que se afunde em um mundo


de autopiedade, Brian está morto, e embora todas as noites
caia bêbado na cama, pelo resto de seus dias, não será capaz
de trazê-lo de volta. Agora vá buscar aqueles cavaleiros
preguiçosos e ponha-os a treinar.

Havia apenas uma sugestão de um sorriso em seus olhos.

— Talvez esteja precisando de um pouco de exercício. —


Disse, e saiu do salão.

Seis semanas depois, Elizabeth deu à luz a um menino


muito grande, saudável, a quem chamou Nicholas Roger.
Imediatamente ficou evidente que o menino herdou as altas
maçãs do rosto de Gavin Montgomery. Roger se entusiasmou
como se o menino fosse dele.

LRTHistóricos 278
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Quando Elizabeth pôde se levantar, começou a trabalhar


para preparar um belo lar ao pequeno Nicholas. O primeiro que
fez foi ordenar que um guarda permanecesse junto ao menino,
porque Alice parecia acreditar que Nicholas era filho de Judith
e Gavin, e Elizabeth não tinha confiança no que a pobre louca
pudesse fazer.

Nicholas tinha apenas um mês de idade quando chegou


a primeira carta de Judith Montgomery. Era uma carta
reservada em que perguntava pelo menino e lamentava não
conhecer Elizabeth, embora Bronwyn falasse muito bem dela.
Não falava nada sobre Miles.

Imediatamente, Elizabeth respondeu a carta, elogiando


muito ao pequeno Nick, contando que ele se parecia com Gavin
e perguntando se Judith teria algum bom conselho para uma
mãe novata.

Judith respondeu enviando um baú repleto de lindas


roupas de bebê que seu filho, que já tinha dez meses, deixou
de usar.

Elizabeth, em um leve desafio, mostrou as roupas a Roger


e disse que iniciou uma correspondência com Judith
Montgomery. Roger, empapado de suor porque acabava de
voltar do campo de treinamento, não disse uma palavra... mas
Alice tinha muito a dizer, embora todos a ignorassem.

Foi somente na quinta carta de Judith que ela mencionou


Miles e só de passagem. Contava que Miles estava vivendo com

LRTHistóricos 279
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Raine, que ambos estavam sem suas esposas e que ambos se


sentiam terrivelmente mal.

Essa notícia fez a semana inteira de Elizabeth parecer


maravilhosa. Ria com Nick e lhe contava tudo referente a seu
pai e seu meio irmão Kit.

Em setembro, Elizabeth enviou a Judith uns bulbos para


seu jardim, e escondido dentro, um lindo gibão para Kit,
similar ao dos homens grandes, que ela mesma tinha feito.
Judith escreveu de volta que Kit amava o gibão, mas que tanto
ele como Miles acreditavam que tinha sido Judith quem o
confeccionou, que isto tinha feito rir muito Gavin, porque
Judith estava sempre muito ocupada e não tinha paciência
para sentar-se e costurar.

Pouco depois do Natal, Judith enviou uma carta longa e


muito séria. Raine e sua esposa tinham por fim feito as pazes,
e Miles tinha ido visitá-los antes de voltar para suas próprias
propriedades. Judith ficou surpresa pela mudança sofrida por
Miles. Sempre tinha sido um solitário, mas agora quase não
falava com ninguém. E o que era pior, seu amor pelas mulheres
desapareceu. As mulheres ainda se sentiam atraídas por ele,
mas Miles as olhava com suspeita e sem o mínimo interesse.
Judith tentou falar com ele sobre isso, mas tudo o que ele tinha
respondido foi: Sou um homem casado, recorda-o? Os maridos
e esposas devem permanecer fiéis um ao outro sempre. Logo,
riu e se afastou. Judith rogava a Elizabeth que perdoasse

LRTHistóricos 280
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Miles, advertindo ao mesmo tempo, que todos os Montgomery


eram incrivelmente ciumentos.

Elizabeth respondeu com outra longa carta, em que se


refletia toda sua frustração. Miles era o único homem que a
tocou, que rogou que a levasse com ele depois das bodas, mas
ele se negou. Contou como teve que partir com Roger para
salvar a sua vida. Escreveu páginas inteiras explicando que
idiota tinha sido por acreditar tão cegamente em seu irmão,
mas era Miles quem a queria longe de si, não ela.

Assim que Elizabeth enviou a carta com o mensageiro,


desejou tê-la de volta. Para falar a verdade, ela não conhecia
Judith Montgomery. Se apenas uma pequena parte do que
Alice contava de Judith fosse certo, a mulher devia ser um
monstro. Poderia arruinar todas as suas probabilidades de um
acerto com Miles.

Quando passaram dois meses sem receber uma resposta,


Elizabeth sentiu que ia enlouquecer. Roger não fazia mais que
perguntar o que era que estava errado.

Alice fez mais que isso. Entrou furtivamente no quarto de


Elizabeth, encontrou as cartas de Judith, leu-as e logo fez um
relato detalhado delas a Roger. Quando Roger optou por não
lhe prestar maior atenção, Alice teve um ataque de fúria que
durou quase um dia inteiro.

A resposta de Judith a Elizabeth foi curta: Miles ia estar


acampando a vinte milhas da propriedade Chatworth em 16 de

LRTHistóricos 281
Anjo Audaz — Jude Deveraux

fevereiro, nos arredores da aldeia do Westermore. Sir Guy


estava disposto a ajudar Elizabeth em tudo o que pudesse.

Elizabeth dormia com esta carta, levava consigo a todas


as partes e finalmente a escondeu atrás de uma pedra da
lareira. Durante uns dias se sentiu entre nuvens, e depois
conseguiu pôr os pés sobre a terra. Por que tinha que pensar
que Miles a quereria de volta? O que ela podia fazer para que
ele a quisesse?

É minha Elizabeth! — Havia dito ele. — Me foi entregue.

Em sua mente começou a se formar um plano. Não, não


poderia, pensou. Uma risadinha escapou dela. Não acreditava
ter coragem suficiente. Mas o que aconteceria se ela se "desse”
novamente a Miles?

Enquanto Elizabeth estava no salão, pensando em visões


deliciosas e mágicas, Alice estava no quarto de Elizabeth,
espiando e procurando. Quando encontrou a última carta de
Judith, levou a Roger, e desta vez ele prestou atenção. Durante
os dias que se seguiram, três pessoas na casa Chatworth
maquinavam seus planos... todos com distintos objetivos uns
dos outros.

LRTHistóricos 282
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Capítulo Quinze
— De maneira nenhuma! — Disse Sir Guy enquanto
observava Elizabeth. Seu tom de voz era baixo, mas parecia
mais forte que um grito.

— Mas Judith disse que estava disposto a me ajudar.

Sir Guy se ergueu em toda sua altura A cicatriz que lhe


cruzava o rosto estava de cor púrpura.

— Lady Judith, — enfatizou a palavra— não tinha ideia


de que você pudesse me pedir semelhante coisa. Como pôde
lhe ocorrer algo assim? — Disse com a voz carregada de
recriminação.

Elizabeth lhe deu as costas e deu um rápido pontapé no


tapete no chão. Tinha parecido uma boa ideia: faria que Sir
Guy a entregasse novamente a Miles, nua, envolta em um
tapete. Talvez a repetição da cena o fizesse rir e perdoá-la. Mas
Sir Guy se negava a cooperar.

— E então o que posso fazer? — Ela perguntou com tom


cansado. — Sei que não vai querer me ver se peço diretamente
um encontro.

— Lady Alyx enviou sua filha a Lorde Raine, e a menina


atuou de emissária.

LRTHistóricos 283
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Oh, não. Não vou permitir que Miles ponha as mãos


em Nick. Miles contrataria outra babá e adicionaria o menino
a sua coleção. Nunca mais voltaria a ver nem a Miles, nem o
Nick. — Recostou-se contra uma árvore e tentou pensar. Se ela
organizasse um encontro com Miles, duvidava que ele a
ouvisse.

Sua única oportunidade verdadeira era fazer que ele


escurecesse os olhos de paixão e que não pudesse se controlar.
Talvez então pudesse falar, depois de fazerem amor.

Enquanto pensava, brincava com sua longa capa negra


de veludo, adornada com visom da mesma cor. Cobria-a dos
pés à cabeça. Olhou de novo Sir Guy e havia uma nova luz em
seus olhos.

— Pode me dar algum tempo a sós com Miles, não na sua


tenda, mas no bosque? E que seja realmente a sós! Sem dúvida
ele chamará a seus guardas, mas quero que não apareça
ninguém.

— Eu não gosto da ideia. — Disse Sir Guy teimoso. — O


que acontecerá se aparece um perigo real?

— Muito certo! — Disse ela com sarcasmo. — Poderia


jogá-lo no chão e pôr uma adaga na sua garganta.

Sir Guy levantou uma sobrancelha e ostentosamente


mudou de posição o pé que Elizabeth tinha quebrado.

Elizabeth deu-lhe um pequeno sorriso.

LRTHistóricos 284
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Por favor, Guy, não tenho feito mal a um homem em


muito tempo. Miles é meu marido e o amo, e só trato de que
ele volte a me amar.

— Eu acredito que Lorde Miles a ama muito, quase está


obcecado por você, mas feriu seu orgulho. Nunca nenhuma
mulher lhe tinha causado problemas.

— Não vou me desculpar por haver partido da Escócia


com Roger. Naquele momento era o que eu tinha que fazer.
Agora, vai fazer o necessário para que tenha um momento a
sós com meu marido?

Sir Guy demorou antes de assentir uma vez.

— Sem dúvida vou me arrepender disso.

Elizabeth sorriu amplamente, com o rosto iluminado.

— Será o padrinho de nosso próximo filho.

Sir Guy resmungou.

— Em uma hora Lorde Miles estará neste lugar. Dou-lhe


uma hora com ele.

— Então nos encontrará em uma situação embaraçosa.


— Disse ela com franqueza. — Quero seduzir meu marido. Dê-
nos pelo menos três horas sozinhos.

— Você não é nenhuma dama, Elizabeth Montgomery. —


Disse ele, mas havia brilhos em seu olhar.

LRTHistóricos 285
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Nem tampouco tenho orgulho. — Esteve de acordo ela.


— Vai agora, enquanto me preparo.

Quando ficou sozinha, Elizabeth perdeu um pouco de seu


sangue-frio. Talvez esta fosse sua única oportunidade de
recuperar seu marido, e rezava para que tudo saísse bem. Com
mãos trementes começou a desabotoar seu vestido.

Esperava conhecer Miles o suficiente para saber que ele


poderia resistir a ela com sua lógica, mas não fisicamente.

Escondeu suas roupas debaixo de alguns arbustos e,


nua, envolveu-se inteira na capa negra. Para o mundo seria
uma dama decorosa. Quando estava preparada, sentou-se em
uma pedra e esperou.

Quando ouviu os passos de alguém que se aproximava,


ficou rígida, porque reconheceu a forma de caminhar de Miles,
rápido, forte, decidido. Ficou de pé para recebê-lo.

Quando ele a viu, seus olhos deram as boas-vindas,


ansiosos, mas imediatamente sua visão escureceu, olhando-a
friamente.

— Deixou de lado seu irmão? — Perguntou-lhe.

— Miles arrumei este encontro para te perguntar se seria


possível que vivêssemos juntos como marido e mulher.

— Os três juntos?

— Sim. — Sorriu. — Nós dois e nosso filho Nicholas.

LRTHistóricos 286
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Já vejo. E, se pode saber, o que vai fazer seu irmão sem


a irmã pelo que tantas vezes matou?

Ela se aproximou alguns passos.

— Passou muito tempo da última vez que nos vimos, e


esperava que já tivesse superado seus ciúmes.

— Não estou com ciúmes! — Replicou ele. — Teve que


tomar uma decisão e tomou. Agora, vou fazer que a escoltem
de novo a sua casa. Guardas!

Um olhar de perplexidade cruzou o rosto de Miles quando


nenhum homem apareceu a sua chamada, mas antes que ele
pudesse dizer uma palavra, Elizabeth abriu a capa, revelando
seu corpo nu. Miles ficou com a boca aberta e só atinou em dar
um ofego.

Elizabeth deixou que a capa caísse semiaberta,


mostrando desde sua cintura até os pés. Lentamente, como
uma caçadora, aproximou-se dele e colocou uma mão na sua
nuca.

Involuntariamente, a mão dele foi tocar a pele acetinada


de seu quadril.

— Vou ter que te suplicar Miles? — Sussurrou ela,


olhando seus lábios. — Eu tenho errado em tantas coisas. Já
não tenho orgulho. Amo-te e quero viver contigo. Quero mais
filhos.

LRTHistóricos 287
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Lentamente, os lábios de Miles se aproximaram dos dela.


Estava usando toda sua força de vontade para resistir.

— Elizabeth! — Murmurou ele, roçando sua boca


levemente.

O fogo longamente reprimido e acumulado se acendeu


entre eles. Os braços de Miles deslizaram debaixo da capa e a
levantou do chão, apertando-a contra si e beijando-a mais
profundamente. Sua boca percorreu seu rosto, como se
quisesse devorá-la.

— Eu senti sua falta, oh Deus, houve momentos em que


pensei que enlouqueceria.

— Eu tenho certeza que enlouqueci. — Respondeu ela,


rindo e chorando. — Por que não pôde perceber que amava só
a você? Nunca permiti que nenhum outro homem me tocasse.

Ele beijou suas lágrimas.

— Inteirei-me de que John Bascum teve que dar quatorze


pontos na cabeça porque você o golpeou.

Ela o beijou na boca e não permitiu que seguisse falando.


Sem que nenhum dos dois percebesse, começaram a
escorregar para o chão. Os dedos de Elizabeth estavam
enterrados nas amarras das roupas de Miles, enquanto suas
mãos percorriam ansiosamente seu corpo.

— Tire as mãos de cima dela! — Ouviu-se uma voz mortal.

LRTHistóricos 288
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Elizabeth e Miles levaram um momento para


compreenderem quem tinha falado. Roger Chatworth segurava
sua espada em Miles.

Miles dirigiu a Elizabeth um olhar duro e começou a ficar


de pé.

— Ela é sua. — Disse a Roger, com o peito agitado.

— Maldito seja, Roger! — Elizabeth gritou para seu irmão,


pegando um punhado de pedras e jogando-as em sua cabeça.
— Só uma vez, você não pode ficar fora da minha vida? Guarda
essa espada antes que alguém saia machucado!

— Vou ferir um Montgomery se ele...

— Pode tentá-lo. — Soprou Miles, desembainhando sua


espada.

— Não! — Gritou Elizabeth, e saltou em meio dos dois


homens, de frente a seu irmão. — Roger, vou deixar isso claro:
Miles é meu marido e eu vou voltar para sua casa com ele, isto
é, se me permitir isso, depois de como você nos fez de tolo, a
ambos.

— Que modelo de marido. — Riu Roger entre dentes. —


Faz meses que não te vê, nem sequer conhece seu próprio filho.
É isso o que quer Elizabeth? Vai deixar seu lar por um homem
que não se importa nada de você? Quantas mulheres deixou
grávidas desde que viu Elizabeth pela última vez, Montgomery?

LRTHistóricos 289
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Mais do que você poderia engravidar em toda sua vida.


— Repôs Miles com calma.

Elizabeth se aproximou mais de Miles quando Roger se


ergueu ameaçador.

— Se tivesse um pouco de sentido comum, mandaria a


ambos ao inferno. — Resmungou Roger.

— Deixa que te liberte dele. — Disse Roger, mas quando


a ponta de sua espada tocou a capa de Elizabeth, ficou muito
quieto. — Você não tem vergonha? Você cumprimentou este
homem... assim?

— Roger, você é um idiota que só compreende o que se


mete na cabeça pela força. — Girando com seus veludos e seus
visons, ficou nas pontas dos pés e plantou sua boca contra a
de Miles.

Miles estava começando a compreender que desta vez


Elizabeth o escolhia e não a seu irmão. Apertou-a contra si tão
forte que quase rompeu suas costelas e a beijou com
promessas de um novo amanhã.

Roger, zangado, tão furioso que não podia parar de


tremer, não notou o homem que se esgueirava atrás dele. Nem
tampouco escutou o assobio do pau que o golpeou na cabeça.
Sem emitir um som, caiu ao chão.

LRTHistóricos 290
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Miles e Elizabeth envolvidos um no outro, não teriam


percebido o estrondo de uma árvore caindo ao seu redor, mas
algo fez que Elizabeth abrisse os olhos repentinamente.

Um pau estava a ponto de golpear a cabeça de Miles.


Empurrou-o rapidamente para a esquerda, de maneira que o
pau a golpeou e não a ele.

Miles não percebeu em primeiro lugar o que tinha deixado


Elizabeth tão completamente inerte. Sustentando-a com uma
mão, voltou-se, mas não conseguiu se esquivar do golpe que
desta vez ia dirigido a ele.

Os três homens, sujos e corpulentos, ficaram olhando aos


dois homens e à mulher que jaziam aos seus pés.

— Qual é Montgomery? — Perguntou um deles.

— Como quer que eu saiba?

— Então o que vamos fazer? Quem levaremos?

— A ambos! — Disse o terceiro homem.

— E a rameira? — Perguntou um deles, enquanto que


com o pau abria a capa de Elizabeth.

— A levaremos com eles. A mulher Chatworth disse que


poderia haver uma mulher e que devíamos nos desfazer
também dela. Estou planejando fazê-la pagar por cada um dos
corpos. Agora, tirem as roupas desse homem enquanto eu me
encarrego deste outro.

LRTHistóricos 291
Anjo Audaz — Jude Deveraux

O terceiro homem cortou uma mecha dos loiros cabelos


de Elizabeth e o introduziu em um bolso.

— Vejamos, apresse-se. A carreta não vai esperar o dia


todo.

Quando Elizabeth despertou, a dor de sua cabeça era tão


intensa que desejou ter seguido inconsciente. Até parecia que
o chão debaixo dela se movia. Quando começou a sentar-se,
caiu para trás, golpeando a cabeça não contra o chão, a não
ser contra madeira.

— Quieta querida! — Veio a voz de Miles atrás dela.

Ela se voltou e encontrou o olhar penetrante de Miles. Ele


estava nu, salvo por sua roupa interior, e tinha os braços
amarrados às costas, formando um ângulo pouco natural,
seus tornozelos estavam atados. Ao seu lado, roncando, estava
Roger, também preso.

À medida que a cabeça de Elizabeth foi clareando,


percebeu de que ela também estava atada pelos pulsos e os
tornozelos.

— Onde estamos? — Sussurrou, tratando de não mostrar


o medo que sentia.

A voz de Miles era profunda, forte, reconfortante.

LRTHistóricos 292
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Estamos no porão de um navio e imagino que vamos


para a França.

— Mas quem planejou isso? E por quê? — Gaguejou ela.

— Talvez seu irmão saiba. — Disse Miles com calma. —


No momento temos que tratar de nos libertar. Eu vou rolar
para você e usar meus dentes para desamarrar suas mãos,
então você poderá me libertar.

Elizabeth assentiu com a cabeça, tratando de recuperar


a calma. Se Roger tivesse alguma coisa a ver com a captura
deles não estaria também neste lugar, disse a si mesma.

Quando teve as mãos livres, suspirou aliviada, virou-se


para Miles e, em lugar de liberá-lo, abriu sua capa, apertou
seu corpo nu contra o dele e o beijou.

— Pensou um pouco em mim? — Ela sussurrou contra


seus lábios.

— A cada momento. — Faminto, inclinou-se para frente


para beijá-la novamente.

Rindo, ela lhe deu um empurrão.

— Não deveria desamarrar você?

— A parte que necessito, já está livre. — Disse ele,


enquanto movia seus quadris mais perto dos dela.

LRTHistóricos 293
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Elizabeth enterrou os dedos nos ombros dele e invadiu


sua boca com a sua. Somente os gemidos altos e as queixas de
Roger conseguiram fazer com que se separasse dele.

— Se eu não odiasse seu irmão antes, iria começar a odiá-


lo agora mesmo. — Disse Miles com veemência quando
Elizabeth se sentou, inclinou-se sobre ele e começou a desatá-
lo.

— O que é isto? — Exigiu saber Roger. Sentou-se, caiu


novamente para trás e finalmente pôde manter-se erguido. —
O que você fez agora, Montgomery?

Miles não respondeu, mas esfregou os pulsos enquanto


Elizabeth desatava seus próprios tornozelos. Quando Miles
começou a soltar seus tornozelos, Roger explodiu de novo.

— Vocês dois planejam se libertar e me deixar aqui?


Elizabeth, como pode esquecer...?

— Fique quieto, Roger. — Disse Elizabeth. — Você já fez


mais do que o suficiente de dano. Tem alguma ideia de onde
pensa nos levar este navio?

— Pergunte ao seu amante, tenho certeza de que foi ele


quem planejou isso.

Miles não se deu ao trabalho de responder a Roger


enquanto se voltava para Elizabeth.

LRTHistóricos 294
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Eu quero saber se tenho a sua lealdade para o


momento. Se alguém abrir a escotilha, atacá-lo-ei, enquanto
você usa as cordas para atá-lo. Posso confiar em você?

— Pode acredita ou não, você sempre teve minha


lealdade. — Elizabeth disse em uma voz fria.

— Você tentou exigir que nos libertassem? — Perguntou


Roger. — Ofereça-lhes dinheiro.

— E você vai esvaziar seus bolsos com eles? — Olhando


para a pequena tira de pano que Roger usava como tapa sexo.

Ninguém disse uma palavra mais, porque alguém abriu a


escotilha e um pé apareceu na escada.

— Baixem! — Miles ordenou, e Roger e Elizabeth fingiram


dormir, deitando-se sobre o chão de madeira, Miles
silenciosamente deslizou para o lado mais distante da escada.

O marinheiro introduziu a cabeça e pareceu satisfeito ao


ver os dois prisioneiros adormecidos, baixou outro degrau e
neste instante percebeu que faltava um dos cativos. Miles
agarrou o homem por ambos os pés e o jogou no chão. Não se
produziu nenhum som, exceto, um golpe amortecido, que se
perdeu entre os rangidos e gemidos do navio.

Roger não perdeu tempo em entrar em ação e levantou


pelos cabelos a cabeça do homem.

— Estará fora de combate por um tempo.

Miles começou a desabotoar as roupas do homem.

LRTHistóricos 295
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— E você espera que eu fique aqui enquanto pega suas


roupas e escapam? — Perguntou Roger de mau modo. — Não
vou ficar à mercê de um Montgomery.

— Pois o fará! — Sibilou Elizabeth. — Roger, estou doente


de tanta desconfiança de sua parte. Você é o único que tem
causado a maioria dos problemas entre os Montgomery e
Chatworth, e se agora quisermos sair desta, terá que aprender
a cooperar. O que podemos fazer Miles?

Miles a observava enquanto lutava para vestir as roupas


muito pequenas. Em geral os marinheiros eram escolhidos por
seus corpos não serem muito desenvolvidos, porque dessa
forma poderiam moverem-se melhor dentro dos limites de um
navio.

— Voltarei assim que descobrir alguma coisa. — Dizendo


isto, desapareceu pela escada.

Elizabeth e Roger amarraram e amordaçaram o


marinheiro inconsciente e o deixaram em um canto.

— Você sempre vai ficar do lado dele? — Perguntou-lhe


Roger de mau humor.

Elizabeth se recostou contra a parede do navio. Doía-lhe


a cabeça e seu estômago vazio começava a revolver-se pelo
movimento.

— Tenho muito que reparar com respeito ao meu marido.


Talvez Miles tenha razão e eu pudesse ter feito outra coisa no

LRTHistóricos 296
Anjo Audaz — Jude Deveraux

dia em que você foi me procurar na cabana. Você nunca foi o


tipo de pessoa que escuta a razão, mas possivelmente eu
deveria ter tentado.

— Insulta-me! Sempre fui uma boa pessoa contigo.

— Não! Sempre se aproveitou por ter me protegido. Agora


me escute. Como nos metemos nesta confusão, temos que sair
dela. Tem que cooperar.

— Com um Montgomery?

— Com dois Montgomery! — Ela murmurou.

Roger ficou quieto um momento.

— Alice! — Ele murmurou. — Ela me trouxe a carta da


esposa de Gavin Montgomery, ela sabia onde você estava
encontrando seu...

— Marido. — Esclareceu Elizabeth. — Oh, Roger! —


Suspirou com força. — Nicholas! Ele está sozinho com Alice,
devemos voltar para o meu filho.

Roger pôs uma mão no ombro dela.

— O menino tem um guarda e têm ordens de não permitir


que Alice se aproxime. Não me desobedecerá.

— Mas o que vai acontecer com ele se não voltarmos?

— Sem dúvida os Montgomery vão assumir sua tutela.

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

Os olhos de ambos se encontraram, e Roger percebeu o


que acabava de dizer. Estava muito perto de admitir que,
talvez, ele estivesse equivocado em suas acusações contra os
Montgomery. Possivelmente tudo o que Elizabeth vinha
dizendo começou a penetrar em sua cabeça.

Voltaram-se, contendo o fôlego quando a porta da


escotilha se abriu, e respiraram tranquilos quando Miles
entrou.

Elizabeth voou para ele e abraçou seu pescoço, e quase


lhe fez derrubar o que trazia nos braços.

— Achamos que foi Alice quem planejou tudo isso. Oh,


meu Miles, não está ferido?

Miles olhou para ela com desconfiança.

— Troca de parecer com muita rapidez do quente ao frio


e de volta. Não, não tive nenhum problema. Trouxe comida e
roupas.

Jogou a Roger uma fatia de pão duro e deu a Elizabeth


algumas roupas. Depois de olhar para o marinheiro atado e
amordaçado, em silêncio, os olhos arregalados de medo, Miles
sentou-se com Roger e Elizabeth.

Além do pão havia carne seca e uma bebida de


desagradável sabor que Elizabeth deixou de lado.

— O que você viu? — Perguntou Roger. Miles percebeu


que Roger estava engolindo seu orgulho ao fazer essa pergunta.

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

— É um navio velho, caindo aos pedaços, e é dirigido por


uma tripulação que está basicamente bêbada ou morrendo. Se
eles sabem que somos prisioneiros, não estão interessados.

— Eles soam como o tipo de homens que Alice poderia


conhecer. — Disse Elizabeth com desgosto. — Dirigimo-nos a
França como pensava?

— Sim. Reconheço o litoral. Quando escurecer


deslizaremos a coberta, tomaremos um dos botes e remaremos
até a costa. Não quero que nos arrisquemos a uma festa de
boas-vindas quando o navio chegue a doca. — Olhou para
Roger e este assentiu com a cabeça.

— E como voltaremos para a Inglaterra? — Perguntou


Elizabeth, mastigando.

— Tenho parentes a mais ou menos quatro dias de viagem


de onde desembarcaremos. Se conseguirmos chegar a eles,
estaremos a salvo.

— É óbvio que não temos nem cavalos, nem comida para


a viagem. — Disse Roger, enquanto bebia avidamente a
desagradável bebida.

— Talvez possamos arrumar algo. — Disse Miles em voz


baixa tomando a taça.

Enfatizou levemente a palavra "possamos".

— Sim, talvez possamos. — Respondeu Roger, igualmente


tranquilo.

LRTHistóricos 299
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Comeram em silêncio e quando terminaram, Roger e


Elizabeth vestiram as roupas de marinheiro. A camisa listrada
de algodão apertava os seios de Elizabeth, e gostou de ver um
brilho no olhar de Miles. Já provou que embora ele estivesse
zangado com ela, ainda a desejava... e não havia dito que
pensou nela a ‘cada momento’?

Quando a escuridão foi ainda maior na pequena adega


fedorenta, Miles subiu de novo pela escada e desta vez
demorou um bom momento em voltar. Foi um tempo
assustadoramente longo. Retornou com as mãos vazias.

— Abasteci o bote com toda a comida que pude encontrar.


— Olhou para Roger. — Devo confiar em você para proteger
minhas costas. Elizabeth estará entre nós dois.

Roger, igual a Miles, era muito alto para poder estar


completamente erguido na adega. Miles podia passar como um
marinheiro com suas roupas mal ajustadas, um dia de barba
negra por fazer em suas bochechas, seus olhos selvagens e
ferozes, mas Roger não conseguiria.

O corpo mais robusto de Roger tinha aberto as costuras


da camisa, e sua brancura aristocrática não podia confundir-
se com a cor de algum sujo marinheiro. E Elizabeth, com seus
traços delicados e a roupa marcando sua figura não tinha
nenhuma esperança de passar por um homem.

Sob os olhos atentos do marinheiro atado, que estava


tentando passar despercebido, subiram pela escada. Miles se

LRTHistóricos 300
Anjo Audaz — Jude Deveraux

adiantou alguns passos, sustentando uma pequena adaga em


suas mãos. Era a única arma que tinha conseguido, e não deu
nenhuma explicação de como conseguiu.

O ar fresco da noite fez Elizabeth perceber o quanto


tinham respirado o ar bolorento da adega, e sua cabeça
começou a clarear com a brisa marinha. Miles pegou seu
braço, dando um ligeiro empurrão impaciente, e ela voltou sua
atenção ao que estava ocorrendo.

Havia três homens no convés. Um no leme, dois


caminhando em lados opostos do navio.

Miles se agachou e desapareceu entre um emaranhado de


enormes cordas, e instantaneamente Elizabeth e Roger
seguiram seu exemplo. Agachados até as pernas doerem,
foram avançando centímetro a centímetro, muito lentamente,
com grande cuidado, para não fazer nenhum ruído.

Quando Miles se deteve, fez um aceno com a mão e Roger


pareceu compreender. Deslizou-se pelo lado do navio e
Elizabeth conteve o fôlego, esperando ouvir algum ruído
quando Roger caísse, mas nada aconteceu.

Em seguida, Miles também fez um sinal para ela. Sem


pensar duas vezes passou uma perna pela amurada do navio
e depois o resto do corpo. Roger a sustentou e silenciosamente
a depositou no assento do bote.

Seu coração batia forte, enquanto observava como Roger,


ajudado de cima por Miles, começava a fazer baixar o bote pelo

LRTHistóricos 301
Anjo Audaz — Jude Deveraux

lado do navio. Os músculos dos braços de Roger se


endureceram pelo esforço de baixar o bote sem deixá-lo cair
com força na água, fazendo barulho. Elizabeth fez um intento
para ajudar, mas Roger a colocou de um lado. Enquanto
voltava para seu assento, enganchou o pé em algo. Quase solta
um grito quando viu uma mão muito perto de seu pé, a mão
de um marinheiro morto.

De repente o bote se sacudiu e ela ouviu a respiração


agitada de Roger enquanto lutava por controlar a queda do
bote na água. Por alguma razão, Miles soltou abruptamente as
cordas, lançando a sobrecarga para Roger, que conseguiu com
grande esforço que o bote se apoiasse na água sem o menor
ruído. Imediatamente, olhou para a amurada do navio.

Miles não estava na linha de visão por nenhum lado, e


por um momento Elizabeth sentiu pânico. Qual seria a
profundidade do ódio de Roger? Poderia ela lutar contra Roger
se ele decidisse deixar Miles para trás?

Mas Roger não fez mais que ficar de pé no bote, com o


olhar ansioso voltado para cima e suas pernas bem separadas
para não perder o equilíbrio.

Quando Elizabeth estava perto das lágrimas de


preocupação, Miles apareceu pelo convés, viu onde estava
Roger e no instante seguinte jogou um corpo em seus braços.
Parecia que era precisamente isto o que Roger estava
esperando, porque quando o corpo caiu sobre ele, nem sequer
cambaleou. Imediatamente Miles começou a descer pela corda

LRTHistóricos 302
Anjo Audaz — Jude Deveraux

com a velocidade de um relâmpago, e assim que pisou dentro


do bote, Roger começou a remar. Miles chutou o corpo do
marinheiro morto junto ao outro cadáver, tomou o outro remo
e também começou a remar.

Elizabeth não pôde pronunciar uma só palavra ao ver


como os dois trabalhavam juntos e o bote deslizava para longe,
dentro da noite.

LRTHistóricos 303
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Capítulo Dezesseis
— Temos que nos desfazer deles. — Foram às primeiras
palavras que se pronunciou depois de uma hora de silêncio.

Miles assentiu e continuou remando enquanto Roger


jogava os dois corpos na água.

Roger voltou a tomar o remo.

— Temos que conseguir outras roupas. Algo simples que


não desperte suspeitas.

— Suspeitas do quê? — Perguntou Elizabeth. — Acha que


os marinheiros tratarão de nos encontrar?

Roger e Miles intercambiaram um olhar que ela não pôde


compreender.

— Se alguém chegar a saber que somos Montgomery ou


Chatworth, — explicou Roger com paciência — em poucos
minutos nos fariam prisioneiros para pedir resgate. Como
viajamos sem guarda, devemos viajar incógnitos.

— Como músicos, talvez. — Disse Elizabeth. —


Deveríamos ter Alyx conosco.

A menção a nova cunhada de Miles fez que Roger


recordasse o momento em que ela salvou sua vida. O relato

LRTHistóricos 304
Anjo Audaz — Jude Deveraux

levou até o amanhecer, quando os homens finalmente


chegaram à praia francesa.

— Mantenha sua capa bem fechada e fique perto de mim.


— Ordenou Miles em voz baixa. — Muito em breve instalarão
um mercado aqui, e veremos se podemos conseguir algumas
roupas.

Estava começando a clarear, mas a praça do povoado


fervia de gente que conduzia mercadorias para a venda. Roger,
em suas roupas com as costuras rasgadas e sua forma
arrogante de caminhar, atraiu muitos olhares, o mesmo que
Elizabeth, com seus cabelos sujos e despenteados, mas
coberta com uma capa muito cara. Mas foi Miles quem chamou
mais a atenção... das mulheres.

Uma moça jovem e bela, rodeada de homens, levantou a


vista e deu uma olhada aos olhos escuros de Miles. Elizabeth
deu um passo adiante, suas mãos transformadas em garras.
Com uma risada, Miles pegou seu braço.

— Você gostaria de ter o vestido dessa senhora?

— Eu gostaria de ter sua pele pendurada em minha porta.

Miles dirigiu a Elizabeth um olhar tão carregado de desejo


que seu coração começou a pulsar com força.

— Se comporte e me obedeça. — Disse ele, caminhando


para a mulher que o olhava provocativamente.

LRTHistóricos 305
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— E o que posso fazer por você? — Perguntou a mulher


em um francês vulgar.

— Poderia persuadi-la para que tire a roupa? —


Murmurou Miles, enquanto seus dedos acariciavam um
enorme repolho, em um francês clássico perfeito.

Elizabeth poderia ter jogado a mulher no chão por toda a


atenção que deu a Miles.

— Sim, você poderia. — Respondeu ela, colocando sua


mão sobre a de Miles. — E o que me ofereceria em troca?

Miles recuou, seus olhos brilhantes, aquele meio sorriso


que Elizabeth conhecia tão bem em seus lábios.

— Trocaremos uma capa adornada com peles por três


jogos de roupas e provisões.

A mulher olhou Elizabeth de cima a baixo.

— A capa dela? — Resmungou.

Neste momento, dois homens se aproximavam do grupo,


e por sua aparência, pareciam serem os irmãos da mulher.
Elizabeth, zangada pelo flerte de Miles, embora fosse por uma
boa causa, olhou aos homens por entre seus espessos cílios.

— Tivemos um acidente muito desafortunado. — Disse


ela em francês, não tão bom como o de Miles, mas bastante
adequado. — Esperávamos trocar esse manto indigno por
algumas roupas, embora talvez, as de sua irmã fossem um
pouco pequenas. — Dizendo isto, deixou que a capa se

LRTHistóricos 306
Anjo Audaz — Jude Deveraux

entreabrisse até os quadris, deixando à vista a camisa que se


colava ao corpo e as calças mais ajustadas ainda.

Miles, de mau humor, voltou a subir a capa até seus


ombros, mas os homens olhavam Elizabeth com admiração.

— Fazemos o trato? — Disse Miles com os dentes


apertados, sem olhar para Elizabeth.

Os irmãos concordaram prontamente, a irmã sendo


empurrada para o fundo.

Poucos minutos depois, Elizabeth entrou em uma porta e


mudou de roupa, cobrindo-se com a capa. O vestido que usava
era simples, liso, solto, confortável, recatado.

Quando Miles e Roger também usavam roupas simples,


embora as ajustadas calças de meia marcavam os músculos
das panturrilhas, encheram bolsas com mantimentos e
partiram rumo ao sul.

Já estavam bem longe do povoado quando Miles falou


com Elizabeth.

— Aprendeu esse truque na casa de seu irmão? Você


parece ter superado rapidamente seu medo dos homens.

— E o que eu deveria fazer? Ficar parada e deixar que


essa puta te manuseasse? Sem dúvida você a teria possuído
contra a árvore se ela tivesse pedido esse preço.

— Talvez. — Foi tudo o que Miles disse e caiu em um de


seus silêncios irritantes.

LRTHistóricos 307
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Por que me acusa de tantas ações perversas? Jamais


fiz algo para merecer sua desconfiança. Fiquei contigo em
Escócia e...

— Você fugiu e quase matou o Laird MacGregor. Depois


partiu com seu irmão. — Disse Miles secamente.

— Mas eu tinha que ir! — Insistiu Elizabeth.

Roger estava caminhando do outro lado de Elizabeth, em


silêncio até agora.

— Eu teria matado você, Montgomery, se ela não tivesse


partido comigo. E não teria acreditado em nenhuma palavra se
tivesse me dito que queria ficar com você.

— Por que você está me contando isso? — Perguntou


Miles a Roger depois de uma pausa.

— Porque Elizabeth me criticou por um longo tempo e


insiste no muito... equivocado que estou. Possivelmente exista
alguma verdade em suas palavras.

Caminharam em silencio por algum tempo mais, sem que


nenhum se decidisse a expressar seus pensamentos.

Quando o sol estava alto no céu, detiveram-se para comer


e tomarem água de um arroio que corria junto a estrada.
Elizabeth sentiu várias vezes que Miles a observava, e se
perguntou o que ele estava pensando.

No caminho cruzaram com vários viajantes, ricos


mercadores com burros carregados de ouro, muitos

LRTHistóricos 308
Anjo Audaz — Jude Deveraux

camponeses, músicos, ferreiros e um nobre escoltado por vinte


cavaleiros. Uma hora depois, Roger e Miles continuavam
fazendo comentários pejorativos sobre os cavaleiros, criticando
desde as cores de seus emblemas até suas armaduras
passadas de moda.

Quando o sol começou a declinar, os homens começaram


a procurar um lugar apropriado para passar a noite. Embora
se arriscassem a serem atacados por invasores, Roger e Miles
decidiram ficarem nos bosques do rei, longe de outros
acampamentos que se localizavam a borda do caminho.

Enquanto comiam, Roger e Miles falavam sobre seus


treinamentos, mencionavam as pessoas que ambos conheciam
e em geral atuavam como se fossem velhos amigos. Elizabeth
se afastou um momento na espessura da floresta e nenhum
dos dois notou. Alguns minutos depois estava a ponto de
romper em pranto quando se apoiou contra uma árvore ao
escutar os sons da noite.

Quando Miles tocou o ombro, ela saltou pela surpresa.

— Algo está errado? — Perguntou ele.

— Errado! — Sibilou ela, com os olhos cheios de lágrimas.


— Como poderia alguma coisa estar errada? Manteve-me
prisioneira durante meses, fez com que me apaixonasse por
você, e quando sacrifiquei tudo para salvar sua miserável vida,
odiou-me. Dei à luz a seu filho, conspirei com seus parentes e
com seu homem de confiança para te recuperar, e tudo o que

LRTHistóricos 309
Anjo Audaz — Jude Deveraux

consigo de você são amostras de frieza. Beijei-te e você me


correspondeu, mas não me ofereceu nada de sua parte. O que
devo fazer para te demonstrar que não te traí? Que eu não
escolhi meu irmão sobre você? Você ouviu Roger dizer que teria
te matado se eu não tivesse ido com ele. — Não pôde continuar,
porque as lágrimas a afogavam.

Miles se recostou contra uma árvore, a alguns metros de


distância dela. A luz da lua dava reflexos prateados ao seu
cabelo e seus olhos.

— Eu acreditava que só meus irmãos estavam sujeitos ao


velho demônio do orgulho. Eu pensava que Raine era um tolo
quando se negava a perdoar a sua esposa, porque tinha ido
rogar ao rei por perdão para ele. Eu poderia te perdoar se
tivesse ido ao rei, mas você escolheu a outro homem em vez de
mim, outro lar que não era o meu. E quando ouvi as versões,
segundo as quais tinha se deitado com uma infinidade de
homens, senti desejo de te matar.

Quando ela começou a protestar, ele levantou uma mão.

— Talvez seja porque eu lidei com tantas esposas infiéis,


mulheres que levantaram da minha cama e vestiram seu
vestido de bodas. Talvez seja isso o que distorceu minha
opinião de todas as mulheres. E finalmente, você era minha
prisioneira, mas se entregou muito facilmente.

— Eu lutei contigo! — Disse ela acaloradamente,


sentindo-se insultada.

LRTHistóricos 310
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Miles não fez mais que sorrir.

— Raine disse que eu estava com ciúmes, e a ironia de


toda a questão era que eu estava com ciúmes do mesmo
homem que ele. Raine acreditava que sua esposa Alyx sentia
um grande afeto por Roger Chatworth.

— Tenho certeza de que Roger não sabia nada disso.

— Isso imaginei quando contou a história de como Alyx


salvou sua vida. Alyx fez isso para salvar Raine, porque meu
irmão é um homem apaixonado e teimoso, que jamais escuta
a razão.

— Raine! — Resmungou Elizabeth. — Será que ele teria


tanta raiva ao ponto que abrisse seus pontos? Será que ele
teria que ser drogado para fazê-lo dormir?

Miles sorriu vivamente, e os dentes brilharam na noite.

— Quando Raine está zangado quebra suas lanças. Eu


tenho meus próprios costumes. — Ficou em silêncio por um
longo momento.

— Como está nosso filho? — Ele perguntou calmamente.

— Tem as maçãs do rosto altas como seu irmão Gavin.


Não há nenhuma dúvida da semelhança com a sua família.

— Nunca o duvidei, nunca em realidade. Elizabeth?

— Sim? — Sussurrou ela.

LRTHistóricos 311
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Por que me deixou? Por que não voltou para mim


depois de uma semana ou mais? Eu esperei todos os dias, rezei
para que retornasse. Kit chorava até que caía adormecido.
Foram tantas as mães que o deixaram.

As lágrimas corriam pelas bochechas de Elizabeth.

— Tinha medo de Roger. Ele não estava em pelo juízo.


Brian jurou matar Roger, e eu estava com medo que se não
estivesse lá para detê-lo, Roger declararia guerra a todos os
Montgomery. Desejava poder fazê-lo compreender a verdade,
desejava conhecer os verdadeiros motivos do ódio que existe
entre nossas famílias.

— E os homens? — Disse Miles. — Pagnell contou a todos


como você foi entregue a mim, e todos os homens que a
cortejaram se asseguraram bem de que me inteirasse de todos
os detalhes de quando estavam na casa de Chatworth.

Elizabeth levantou uma mão.

— Você não foi somente o primeiro homem a fazer amor


comigo, como foi o primeiro que falou comigo sem lascívia, o
primeiro que me fez rir, o primeiro que foi afetuoso comigo. Até
você mesmo disse que eu não sabia nada de homens.

— Então, começou a averiguar sobre eles. — Disse ele


com amargura.

— De certa forma, assim foi. Pensei nisso sem entusiasmo


e sabia que seria melhor que amasse a qualquer homem que

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

não fosse um Montgomery. Se estivesse casada com algum


outro, Roger terminaria por esquecer que eu carregava dentro
de mim teu filho, e talvez algum dia seu ódio terminaria. Decidi
conhecer outros homens e averiguar se te amava somente
porque foi o primeiro.

Miles permanecia silencioso, os olhos cravados nela.

— Alguns desses homens me fizeram rir, outros foram


amáveis, outros me fizeram sentir bonita, mas nenhum deles
obteve junto, tudo isto. À medida que passavam as semanas,
em vez de te apagar de minha mente, tudo o que tinha a ver
contigo foi se fazendo cada vez mais claro. Eu recordava cada
gesto seu e comecei a comparar os outros homens contigo.

— Até mesmo no tamanho do...

— Maldito! — Elizabeth o cortou em seco. — Não fui para


cama com nenhum deles e estou segura de que você sabe, mas
insiste em que seja eu quem o diga.

— E por que não os levou para sua cama? Alguns dos


homens que conheceu têm muito sucesso com as mulheres.

— Como você? — Rugiu ela. — Aqui está você, me


exigindo celibato, mas quanto a você? Quando disser que não
houve outros homens, vai permitir que me aproxime de sua
cama pura? Esta mesma manhã tive que te arrancar dos
braços de uma mulher. Como acha que me sentia enquanto
tinha seu filho nos braços e pensava que poderia estar na cama
com uma, duas, ou mais mulheres?

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Mais? — Brincou ele, e baixou a voz sedutoramente. —


Não tive nenhuma mulher desde que você partiu.

Elizabeth acreditou que não ouviu bem.

— Não? — Ela disse com os olhos arregalados.

— Meu irmão Raine e eu nos instalamos em uma de suas


propriedades e como estávamos os dois furiosos, mandamos
embora todas as mulheres, inclusive às lavadeiras.
Passávamos o dia todo treinando, todas as noites bebendo, e
amaldiçoávamos as mulheres constantemente. Raine foi o
primeiro a entrar em razão quando sua esposa mandou a filha
de ambos a propriedade. A pequena Catherine fez com que eu
sentisse saudades de meus próprios filhos, de maneira que
retornei à casa de Gavin para passar o Natal, e Judith... —
passou uma mão pelo cabelo. — Eu estava acostumado a
pensar que Gavin era muito duro com sua doce e pequena
esposa, mas é que não conhecia sua língua afiada. A mulher
não me deixou tranquilo nem por um momento. Foi desumana.
Não fazia mais que falar de nosso filho, suspirava porque o
filho dela jamais conheceria seu primo, e até chegou a
contratar um homem para que pintasse o retrato de um anjo
loiro de cabelos compridos, que sustentava a um menino na
parte interior de meu escudo. Em meu escudo, incrível! Disse
a Gavin que ia torcer o bonito pescoço de sua esposa se ele não
fizesse algo a respeito, mas Gavin riu tanto que nunca voltei a
tocar no tema. Quando ela recebeu a carta em que disse que
estava disposta a me perdoar, lançou-se sobre mim com

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renovadas forças. — Miles fechou um momento os olhos,


recordando. — Ela convenceu Alyx para que a ajudasse, e esta
compôs uma dúzia de canções sobre dois amantes que
estavam separados por um homem estúpido e não era de
casualidade que era exatamente igual a mim. Uma noite,
durante o jantar, Alyx dirigiu a vinte e dois músicos e cantou
uma canção que fez rir tanto a todos, que dois homens caíram
de suas cadeiras e quebraram as costelas. Alyx estava feliz.

Elizabeth estava tão surpresa com sua história que quase


não podia falar.

— E você o que fez?

Ele fez um aceno com a cabeça, recordando.

— Muito calmamente subi na mesa e agarrei Alyx pela


garganta.

— Não! — Ela ofegou. — Alyx é tão pequena, tão...

— Raine e Gavin desembainharam suas espadas contra


mim. Enquanto eu estava ali, prestes a matar essa linda e
pequena cantora, e as espadas de meus irmãos estavam na
minha garganta, percebi que não era eu mesmo. No dia
seguinte Judith arrumou o encontro entre nós. — Seus olhos
brilharam. — Esse encontro em que você queria que Sir Guy
te entregasse a mim envolta em um tapete.

Elizabeth preferiu não olhá-lo. Acreditou que Sir Guy


estava do seu lado e, entretanto, todo o tempo esteve

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

informando a Miles... e rindo. Como os dois devem ter dado


tapas nas costas um do outro, festejando porque ela queria
seduzir seu próprio marido. O que aconteceu com aquela
mulher orgulhosa, que uma vez esteve na borda de um
precipício e jurou não se submeter jamais a nenhum homem?

— Desculpe-me. — Sussurrou, enquanto se afastava de


Miles para retornar para onde estava Roger. Miles a tomou em
seus braços, apertando-a contra si.

Quando Elizabeth viu que ele estava sorrindo para ela


com um pequeno sorriso tão conhecido, deu-lhe uma forte
cotovelada nas costelas e se regozijou com seu gemido de dor.

— Eu odeio você, Montgomery! — Gritou-lhe no rosto. —


Me fez implorar e chorar, e tirou todo meu orgulho. — Tentou
golpeá-lo novamente, mas ele agarrou seus braços ao seu lado
e ela não conseguiu se mover.

— Não, Elizabeth! — Disse ele, aproximando seus lábios


aos dela. — Você me ama. Ama-me tanto que está disposta a
se humilhar diante mim. Tenho-te feito gritar de paixão e
derramar lágrimas de alegria.

— Humilhaste-me. — Ela disse.

— E você a mim. — Ele a sustentava, enquanto ela lutava


para se libertar. — Todas as mulheres vieram para mim
docilmente, só você me deu trabalho. Só com você eu fiquei
zangado, ciumento, possessivo. Foste-me entregue e é minha,
Elizabeth, e nunca mais permitirei que você esqueça disso.

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Nunca o esqueci... — Replicou ela, mas ele a


interrompeu com um beijo. Uma vez que seus lábios tocaram
os dela, estava perdida. Já não podia mais discutir com ele e
nem sair correndo.

Os braços dele se afrouxaram um pouco, apenas o tempo


suficiente para ela deslizar os braços sobre seu pescoço e
puxá-lo mais contra si

— Nunca, nunca volte a esquecê-lo, Montgomery. —


Sussurrou ele no ouvido dela. — Me pertencerá sempre... neste
século e no vindouro. Para sempre!

Elizabeth quase não o escutava enquanto ficava nas


pontas dos pés para chegar a sua boca.

Ela não tinha ideia do quanto sentiu falta dele


fisicamente. Era o único homem no mundo em quem podia ter
confiança, o único homem que não a molestava. Todos os
meses que passou em reserva, afloraram em sua ansiedade,
sua ferocidade. Ela colocou as mãos em seus cabelos, sentindo
como se enrolavam em seus dedos, e puxando sua cabeça para
mais perto.

Uma risada baixa e rouca veio de Miles.

— Você disse uma árvore? Você disse que eu levaria a


mulher contra uma árvore? — Disse ele.

Miles sabia o que ela queria. Não um ato de amor doce,


gentil, a não ser um com toda a fúria que ela sentia. As mãos

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

dele começaram a arrancar sua roupa, uma de suas mãos,


ocupada com a roupa interior dela, e a outra, com suas
próprias calças de meia.

Elizabeth continuou beijando-o com paixão, sua boca


colada em torno da dele, suas línguas entrelaçadas.

Quando as costas dela se chocou contra uma árvore, ela


não se alterou e pôs seus dentes sobre o pescoço de Miles,
mordiscando sua pele como se quisesse devorá-lo.

Miles a ergueu, colocou suas pernas ao redor de sua


cintura, a saia dela ficou entre os dois. Nenhum deles se
importava em não tirar completamente as roupas. Com suas
mãos nas nádegas dela, levantou-a mais e colocou-a sobre seu
membro viril, com a força com que joga uma âncora à água.

Elizabeth ofegou, enterrou seu rosto no pescoço de Miles


e se aferrou desesperadamente a ele, enquanto seus braços
fortes a elevavam para cima e para baixo.

Jogou a cabeça para trás quando sentiu que um grito


crescia dentro dela. Miles começou a transpirar, molhando-a,
deixando seus cabelos colados. Com um último e poderoso
impulso que enviou Elizabeth para um êxtase, Miles a atraiu
para si, suado, estremecendo, seu corpo unido ao dela.

Elizabeth, convulsionada por ondas de prazer, sentiu


lágrimas em suas bochechas. Lentamente voltou para a terra,
sentindo suas pernas muito débeis e doloridas por haver
apertado-as contra Miles com todas as suas forças. Ele se

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inclinou para olhar para ela, acariciou os cabelos molhados,


beijou sua têmpora.

— Eu te amo! — Ele disse ternamente, então sorriu


maliciosamente. — E, além disso, você é a melhor...

— Compreendo. — Ela riu. — Agora vai me pôr


novamente no chão ou vai me manter contra esta árvore?

Com mais um beijo, Miles a pôs de pé, mas lançou uma


gargalhada de orgulho muito pouco cavalheiresca quando as
pernas dela se dobraram e teve que segurá-la para que não
caísse.

— Presunçoso! — Sibilou ela, aferrando-se a ele, mas


sorriu e beijou a mão que a segurava. — É verdade que sou a
melhor? — Ela perguntou como se isso não significasse nada.
— Ainda me acha atraente, embora já tenha tido um filho?

— Bastante tolerável. — Disse Miles, muito sério.

Elizabeth riu, arrumou as saias e tentou recuperar a


compostura, para retornar aonde Roger os esperava.

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Capítulo Dezessete
Os três caminhavam juntos, já há dois dias, que foram
muito felizes para Elizabeth. Havia noites de amor e dias de
ternura. Miles deu-lhe toda a sua atenção. Entrelaçavam as
mãos e falavam em sussurros ou riam estrepitosamente por
qualquer tolice. Fizeram amor junto a um arroio e mais tarde
se banharam em suas águas geladas.

Roger os observava com ar indiferente, e algumas vezes


Elizabeth sentia uma pontada de culpa pela dor que sabia que
estava causando. Algumas vezes ele fez observações sobre o
comportamento pouco cavalheiresco de Miles, mas este
respondeu que até que não se reunissem com seus parentes,
não era outra coisa além de um camponês sem preocupações.

Avançavam lentamente, e a viagem de quatro dias a


cavalo estava se transformando em muitos dias por terem que
caminhar.

No quarto dia, o trio deixou a beira da estrada pouco


antes do meio-dia para descansar e se refrescar. Roger, depois
de dirigir um olhar despercebido e de desprezo para sua irmã
e Miles, entrou no bosque.

Quando ele ouviu, pela primeira vez, que sua irmã foi
tomada como prisioneira, sua dor tinha sido grande, mas agora

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

ele podia ver que a perdeu mais completamente do que se ela


fosse uma prisioneira.

Fazendo uma recontagem de seus problemas, passou por


um terreno junto ao arroio sem prestar a mínima atenção.
Caminhou mais alguns passos, antes de perceber, que ali
houve luta. Os sinais eram óbvios. Voltando-se, examinou a
terra.

Esteve caminhando pela borda de uma abrupta


ribanceira que caía em um arroio de águas corrente e
turbulentas e, sem dúvida nenhuma, nessa borda havia sinais
de que alguém havia caído. Muitas vezes, depois de uma
batalha, Roger teve que procurar seus homens que foram
feridos e perdidos, e agora seus instintos de cavaleiro
despertaram totalmente. Imediatamente, começou a descer
pelo lado do despenhadeiro, escorregando em sua pressa.

O que viu no fundo não era o que esperava. Sentada em


um tronco podre, com os pés escondidos sob um amontoado
de rochas, podia ver uma bonita jovem, ricamente vestida de
veludo, com adornos de ametistas no pescoço. Seus olhos
escuros, talvez muito grandes para seu rosto, encararam Roger
com alegria.

— Sabia que viriam. — Disse em um inglês agradável e


de acento suave.

Roger piscou, confundido, mas ignorou seu comentário.

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Você caiu do barranco? Machucou-se? — Perguntou


preocupado.

Ela sorriu para ele, fazendo seus olhos se transformarem


em líquidos. Parecia muito jovem, uma menina em realidade,
que usava um vestido muito mais adequado para uma mulher
de mais idade. Seu cabelo escuro deixava entrever debaixo de
uma touca bordada de pérolas. E mais pérolas pendiam na
frente de seu vestido.

— Meus pés estão presos e não consigo movê-los.

Mulheres! Pensou Roger, aproximando-se para examinar


as rochas que aprisionavam seus pés.

— Você deve ter me ouvido quando passei aqui por cima


faz um momento. Por que não me chamastes?

— Porque eu sabia que você viria por mim.

Louca, pensou Roger. A pobre moça estava possuída por


espíritos malignos.

— Quando eu levantar esta rocha, quero que tire seu pé.


Compreende-me? — Perguntou como se falasse com uma
idiota.

Ela apenas sorriu em resposta, e quando a rocha se


moveu retirou seu pé de debaixo dela.

Seu pé direito estava preso de forma diferente e Roger viu


que, se movesse a rocha que o cobria, outra cairia e
possivelmente rompesse seu tornozelo. Ela era muito pequena

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

e Roger duvidava de que seus ossos frágeis pudessem suportar


muito.

— Não tenha medo de me dizer o que seja. — Sussurrou


ela. — A dor não me é estranha.

Roger se voltou para olhá-la e se encontrou com esses


grandes olhos que o olhavam cheios de confiança, e essa
confiança deixou-o assustado e ao mesmo tempo poderoso.

— Qual é o seu nome? — Ele perguntou, estudando e


considerando as pedras em torno de seu pequeno pé.

— Christiana, milorde.

Roger levantou a cabeça bruscamente. As roupas sujas


de camponês não a tinham enganado, de maneira que talvez a
moça não tivesse nada de tola.

— Chris, então. — Ele sorriu. — Poderia me emprestar


sua adaga de comer? Vou tentar segurar essas rochas
enquanto movo estas outras aqui. — Ele apontou.

Ela entregou-lhe rapidamente a adaga, e ele mordeu os


lábios para não lhe dizer que não era correto que desse a sua
adaga a um estranho com tanta facilidade. As joias de seu
vestido valiam uma fortuna, e seu colar de pérolas era sem
igual.

Ele se moveu alguns metros dela para cortar vários ramos


de árvores. Tirou o gibão, depois a camisa, e cortou tiras de

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

tecido para construir uma plataforma que encaixasse bem


debaixo das rochas.

— Por que ninguém está procurando por você? —


Perguntou enquanto trabalhava.

— Talvez o estejam fazendo, não sei. Ontem à noite sonhei


com você.

Ele deu-lhe um olhar afiado, mas não disse nada. As


jovens pareciam estar sempre cheias de ideias românticas a
respeito de como eram resgatadas por um cavaleiro.

— Sonhei — continuou ela — com este bosque e este


lugar. Eu vi você em meus sonhos e sabia que teria que vir.

— Possivelmente o homem de seu sonho era de pele clara


e só se parecia comigo. — Disse Roger, condescendente.

— Vi muitas coisas. A cicatriz do seu olho você a recebeu


quando estava brincando com seu irmão e era apenas um
garoto.

Involuntariamente, a mão de Roger foi para a cicatriz


curvada que tinha junto ao seu olho esquerdo. Ele chegou
perto de perder o olho naquele dia, e poucos dos que sabiam o
que ocorreu ainda viviam. Estava convencido de que nem
sequer Elizabeth sabia como aconteceu tudo.

Christiana apenas sorriu ante seu olhar de surpresa.

— Esperei toda a minha vida por você. — Ela disse


suavemente.

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Roger sacudiu a cabeça para esclarecer as ideias.

— Essa foi uma boa dedução. — Disse ele. — Me refiro à


cicatriz. E agora fica muito quieta enquanto eu levanto estas
rochas. — Não havia necessidade de pedir que permanecesse
quieta, pois ela quase não se moveu desde que Roger apareceu.

As rochas não eram pequenas e Roger teve que usar todas


as suas forças para mover a maior. E quando essa finalmente
rolou, outras caíram sobre a débil plataforma que Roger
construiu. Com a velocidade de um raio saltou para
Christiana, empurrou-a para trás e a tirou do caminho das
rochas que caíam. Tudo ocorreu muito rápido, e pôde ouvir o
gemido dela quando alguns fragmentos de pedra lhe rasgavam
a pele.

O ruído das rochas encheu o ar e Roger cobriu o corpo de


Christiana com o seu, protegendo-a do pó e fragmentos de
rocha. Quando o perigo passou, ele começou a se afastar dela,
mas ela colocou as mãos em seu rosto e aproximou seus lábios
dos dele.

Durante muito tempo, a única preocupação de Roger foi


cuidar do seu irmão e irmã, e não teve tempo para dedicar-se
às mulheres. Ele não tinha ideia de que seus desejos estavam
tão reprimidos dentro dele. Anos atrás, sem nenhuma
preocupação, passou algum tempo em encontros clandestinos
com belas moças, mas sua fúria contra os Montgomery mudou
tudo isso.

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

No primeiro contato com os lábios da moça, Roger só pôde


pensar uma coisa: isto vai a sério. Ela podia parecer ser pouco
mais que uma menina, mas em realidade, era toda uma
mulher e seus propósitos eram de seriedade. Ela o beijou com
tanta intensidade que ele se afastou.

— Quem é você? — Sussurrou ele.

— Eu te amo e sempre esperei te conhecer. — Ela


murmurou em voz baixa.

Roger, deitado sobre ela, olhou profundamente seus


olhos escuros, olhos que pareciam querer arrancar sua alma,
e sentiu temor. Afastou-se para um lado.

— Será melhor que a devolva a seus parentes.

— Não tenho pais. — Disse ela, sentando-se.

Roger desviou o olhar desses olhos que pareciam estar


dizendo que não a abandonasse. Uma parte dele desejava
afastar-se desta estranha mulher, e a outra estava pronta para
brigar até a morte para conservá-la ao seu lado.

— Deixe-me ver seu tornozelo — disse ele finalmente.

Obedientemente, ela se virou e estendeu o pé para ele.

Ele franziu a testa quando viu seu tornozelo, porque


estava cortado, raspado, e o sangue corria livremente.

— Por que não me mostrou isso antes? — Perguntou ele,


alarmado. — Tome — devolveu a adaga — corte umas tiras de

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

suas anáguas. Não posso perder toda minha camisa. É a única


que tenho no momento.

Ela sorriu e começou a cortar algumas partes de suas


delicadas anáguas.

— O que faz na França, vestido assim? Onde estão seus


homens?

— Diga-me isso você. — Ele disse maliciosamente, tirando


as tiras dela. — Talvez esta noite sonhe o resto de minha vida.

Assim que ele se virou para o arroio lamentou suas


palavras, mas, maldição! Essa mulher lhe dava calafrios.
Ainda podia sentir seu beijo, uma estranha combinação de
mulher que queria deitar-se em sua cama e bruxa que
procurava apoderar-se de sua alma.

Sorriu diante destes pensamentos. Estava ficando


fantasioso. Ela era uma jovenzinha que necessitava de sua
ajuda, nem mais, nem menos. O mais apropriado seria
enfaixar o tornozelo e devolvê-la aos seus guardiães.

Quando voltou até onde ela se encontrava, com as tiras


de tecidos umedecidos, viu as lágrimas que apareciam em seus
olhos e imediatamente se sentiu arrependido.

— Sinto muito, Chris. — Ele disse, como se a conhecesse


sempre. — Maldição! Dê-me seu tornozelo.

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

Um pequeno sorriso apareceu entre suas lágrimas e ele


não pôde evitar sorrir também. O rosto dela se alegrou mais
ainda quando pôs o pé em sua mão.

— Deixe-me ter outra vez sua adaga para cortar suas


meias. — Disse ele, depois que suavemente removeu sua fina
sandália bordada.

Sem uma palavra, Christiana levantou lentamente o


vestido até sua coxa e soltou a meia. Seus olhos fixos em Roger,
e os dele na curva de sua perna, enquanto ela tirava a meia
para liberar o tornozelo ensanguentado. Quando chegou à
panturrilha, ela levantou sua perna.

— Você pode remover o resto.

Roger sentiu, repentinamente, todo seu corpo empapado


em suor pela imprevista onda de desejo que o invadiu, fazendo
com que suas veias ficassem em chamas. Com as mãos
trêmulas, ele removeu sua meia, uma mão no tecido, a outra
na parte de trás de seu joelho nu.

A visão de sangue no tornozelo o acalmou um pouco.

— Você está brincando com coisas que não compreende.


— Disse ele com os dentes apertados, molhando a parte
machucada para terminar de tirar a meia rasgada.

— Eu não pratico brincadeiras infantis. — Disse ela


brandamente.

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

Roger tentou concentrar-se na tarefa que tinha diante


dele enquanto limpava cuidadosamente seu tornozelo, e então
o enfaixou bem.

— Agora devemos lhe devolver aonde pertence. — Ele


disse como se fosse seu pai, mas sua mão esquerda ainda
estava em seu tornozelo e começava a acariciar sua perna.
Voltou a pôr a adaga na bainha em sua cintura.

Os olhos dela se cravaram nos dele. Não se moveu, mas


toda sua atitude era incitante. Roger recuperou a prudência e
levantou-se abruptamente. Por muito atrativa que fosse essa
jovenzinha, não iria arriscar sua vida por ela. Muito em breve
apareceriam os que a buscavam, e se ele, com toda a aparência
de um camponês, fosse encontrado fazendo amor com uma
nobre, iriam cravar uma espada no seu coração sem fazer
muitas perguntas. E, além disso, não estava muito seguro de
querer ter nada íntimo com essa estranha mulher. O que
aconteceria, seriamente, se fosse uma bruxa e procurasse
apoderar-se de sua alma?

— Por que você parou milorde? — Perguntou ela com voz


profunda.

Rapidamente baixou sua saia.

— Porque é uma menina e eu... Você sempre se oferece a


estranhos?

Ela não respondeu à pergunta, mas a resposta estava nos


olhos dela.

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Eu sempre amei você e sempre o amarei. Estou aqui


para obedecê-lo.

Roger sentiu que começava a zangar-se.

— Agora me escute bem, jovenzinha! Não sei quem você


pensa que eu sou e não sei quem é você, mas acredito que o
melhor será que retorne com seu povo e eu para o meu. E
espero que peça a Deus, se você crê nele, que perdoe sua
conduta.

Com estas palavras se inclinou sobre ela, colocou-a sobre


seus ombros e começou a subir pela abrupta ribanceira.
Quando chegou ao topo, sua fúria e sua paixão se acalmaram.
Era um homem mais velho e muito sensato, e não podia
permitir que uma jovenzinha romântica o incomodasse.

Colocou-a de pé frente a ele, sustentando-a pelos ombros


para ver se se podia apoiar bem, e sorriu.

— E agora vai me dizer onde quer que a leve? Recorda o


caminho de volta?

Por um momento ela pareceu confundida.

— É obvio que lembro o caminho. Por que você está me


mandando embora? Poderia me beijar outra vez? Poderia me
beijar como se você também me amasse?

Roger a manteve a distância.

— Você é muito direta, e não, não vou beijá-la outra vez.


Deve me dizer de onde vêm.

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Eu te pertenço, mas... — deteve-se ao ouvir um som de


trombeta longínquo. Seus olhos expressaram medo e seu olhar
se tornou selvagem. — Tenho que ir. Meu marido me chama.
Ele não deve te encontrar aqui. Tome!

Antes que ele pudesse falar, ela tirou a pequena adaga de


seu lado e cortou a ametista maior da parte da frente de seu
vestido. Um buraco feio e irreparável ficou no fino e caro
veludo.

— Tomem isto — ela ofereceu com urgência.

Roger ficou rígido.

— Não aceito presentes das mulheres.

A trombeta voltou a soar e o medo de Christiana se


acentuou.

— Tenho que ir! — Ela ficou na ponta dos pés,


rapidamente beijou seus lábios apertados. — Tenho um belo
corpo, — disse ela — e meu cabelo é muito suave. Vou mostrar-
lhe em algum momento.

Quando a trombeta se ouviu pela terceira vez, ela


levantou as saias e começou a correr como pôde com seu
tornozelo machucado. Não tinha ido muito longe quando ela se
virou e jogou a ametista para ele. Ele não fez nenhum
movimento para recolhê-la.

— Dê isso à mulher que viaja com você. Ela é sua irmã


ou sua mãe?

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

Disse estas palavras por sobre seu ombro e desapareceu


de sua vista.

Roger ficou quieto, enraizado no mesmo lugar por algum


tempo, olhando intensamente o lugar por onde ela
desapareceu. Tinha uma sensação estranha na cabeça, de
leveza, como se acabasse de passar por uma experiência irreal.
Essa moça existia realmente ou ele dormiu e sonhou com ela?

— Roger! — Ouviu-se a voz de Elizabeth a suas costas. —


Estamos procurando por você por uma hora. Está preparado
para seguir viagem? Algumas horas antes de cair à noite.

Lentamente, Roger se voltou para ela.

— Roger, sente-se bem?

Miles tinha se afastado de sua esposa e olhava pela área.


Algumas vezes os homens a quem acabavam de ferir
mostravam a mesma aparência que Roger pouco antes de
caírem. Miles viu a ametista no chão, mas antes que pudesse
tocá-la, Roger a recolheu, fechando fortemente os dedos ao
redor dela.

— Sim, estou preparado para partir. — Disse


sinceramente. Antes de partir jogou uma última olhada para o
bosque, enquanto esfregava a ametista em sua mão. — Seu
marido! — Ele murmurou com raiva. — Que belo amor! —
Pensou em arrojar a ametista, mas algo o impediu.

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

Miles tinha dado conta do humor estranho de Roger essa


noite. Apanhou um coelho e o estava cozinhando, enquanto os
três se sentavam ao redor do fogo. Não queria preocupar
Elizabeth dizendo que havia perigo, e de fato, a vida de
camponês francês parecia despreocupada comparada à vida
na casa de seu irmão, embora ele se mantivesse sempre alerta
por algo. À noite ele dormia levemente, e Roger ganhou seu
respeito quando Miles viu que o cavaleiro também estava
cauteloso.

Elizabeth estava dormindo, com a cabeça no colo de seu


marido. Roger permanecia sentado um tanto afastado deles,
dando voltas a algo que tinha na mão. Miles não tinha por
costume fazer perguntas sobre questões que não lhe
pertenciam, mas Roger sentiu a curiosidade do jovem.

— Mulheres! — Roger finalmente disse com grande


desgosto, e meteu a ametista no bolso. Mas, estendendo-se no
frio chão da floresta, sua mão procurou a joia e segurou-a
durante toda a noite.

O dia amanheceu limpo e claro, e Elizabeth, como de


costume, mostrou-se extraordinariamente contente. Outro dia
de viagem e chegariam aos domínios dos Montgomery
franceses. Então poderiam retornar a Inglaterra e ao seu filho,
e como em um conto de fadas, viveriam felizes para sempre.

— Hoje parece especialmente feliz. — Miles sorriu para


ela. — Acredito que você gosta da vida dos camponeses.

LRTHistóricos 333
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Por um tempo, — replicou ela — mas não tenha à ideia


de que vou usar roupas como esta todo o tempo. Sou uma
mulher de gostos finos. — Ela revirou os olhos para ele,
flertando.

— Terá que ganhar o pão! — Ele respondeu com


arrogância, olhando-a de cima a baixo.

— Eu faço isso bem o suficiente. Eu...

Ela parou quando o barulho de muitos cavalos e muitos


homens os forçou a saírem para o lado da estrada. Obviamente
era um grupo de homens ricos, com seus cavalos drapejados
em sedas e suas armaduras reluzentes. Havia cerca de cem
homens e carretas de bagagem, e no meio deles havia uma
jovem com as mãos amarradas às costas, seu rosto
machucado, mas ela manteve a cabeça erguida. Elizabeth
estremeceu ao recordar o que se sentia sendo uma cativa, mas
esta moça parecia ter sido espancada.

— Chris! — Sussurrou Roger junto a ela, e as palavras


saíram de dentro do mais profundo de si.

Miles estava observando Roger atentamente e quando ele


avançou, Miles o reteve pelo braço.

— Agora não! — Miles disse calmamente.

Elizabeth voltou-se para a procissão de passagem. Tantos


homens para guardar uma menina tão pequena, pensou com
tristeza. E girou a cabeça rapidamente.

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Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Não! — Soprou, olhando para Miles. — Você não pode


estar pensando em resgatar a garota.

Miles olhou para os cavaleiros e não respondeu a


Elizabeth. Quando ela falou novamente, ele a olhou com olhos
tão penetrantes que as palavras congelaram em seus lábios.

O trio ficou de pé por algum tempo depois que os


cavaleiros passaram. A mente da Elizabeth seguia gritando
não, não, não! Miles não podia arriscar sua vida por uma
mulher que não conhecia.

Quando pararam de andar de novo, Elizabeth começou


sua súplica tão calma e racionalmente quanto podia.

— Logo estaremos na casa de seus parentes, e eles


saberão quem é a moça, quem a mantém prisioneira e por que.
Talvez matou uma centena de pessoas. Talvez mereça o
castigo.

Tanto Miles como Roger seguiram olhando para frente.


Elizabeth se agarrou ao braço de Miles.

— Eu estive prisioneira uma vez, e as coisas não


resultaram tão mal. Talvez...

— Cale-se, Elizabeth! — Ordenou-lhe Miles. — Não me


deixa pensar.

Elizabeth sentiu que começava a tremer. Como ele


poderia resgatar a jovem, desarmado como estava e tendo que
enfrentar a cem cavaleiros com armaduras?

LRTHistóricos 335
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Miles se voltou para Roger.

— Devemos oferecer nossos serviços como coletores de


madeira? Assim ao menos poderemos entrar em seu
acampamento.

Roger deu a Miles um olhar calculista.

— Esta não é sua luta, Montgomery. A moça foi castigada


por minha culpa e vou por ela sozinho.

Miles continuava a olhar para Roger, os olhos brilhando,


e depois de um momento Roger se rendeu. Depois de um curto
aceno de cabeça, Roger desviou o olhar.

— Não sei quem ela é, salvo que seu nome é Christiana.


Deu-me uma joia que cortou de seu vestido, e certamente por
isso a golpearam. Tem um marido, e sente terror dele.

— Um marido! — Elizabeth ofegou. — Roger, por favor, os


dois, escutem a voz da razão. Não podem arriscar suas vidas
por uma mulher casada. Desde quando a conhece? O que
significa para você?

— Vi-a ontem pela primeira vez. — Sussurrou Roger. —


E não significa nada para mim... ou talvez sim. Mas não posso
permitir que a castiguem por minha culpa.

Elizabeth começou a perceber que não havia sentido em


argumentar mais. Jamais tinha visto Roger fazer algo tão tolo,
mas sim, tinha certeza de que Miles era capaz de arriscar sua
vida por uma serva sem importância.

LRTHistóricos 336
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Respirou profundamente.

— Uma vez, enquanto viajava, uma camponesa me


ofereceu um buquê de flores e o guarda permitiu que ela
entrasse para que me entregasse.

— Você não vai participar disto. — Disse Miles, dando por


concluído o tema.

Elizabeth não respondeu, mas levantou a cabeça,


desafiante. As oportunidades de triunfar seriam melhores se
três pessoas atacassem cem cavaleiros, e não que houvesse
apenas dois.

LRTHistóricos 337
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Capítulo Dezoito
Seguiram aos guardas quase até o pôr-do-sol, quando o
grupo se deteve para acampar, com bastante facilidade Miles e
Roger, deixando de lado a postura erguida de nobres,
escorregaram-se entre os cavaleiros com os braços carregados
de lenha. Elizabeth observava das sombras das árvores. Sua
oferta de ser útil em algo tinha caído no vazio. Agora, enquanto
observava a todos esses homens, teve a sensação de que nunca
abandonou a casa de seu irmão. Inclusive estando bem
escondida, jogou um olhar sobre seu ombro para assegurar-se
de que não havia nenhum homem a suas costas, preparado
para saltar sobre ela.

Miles e Roger tinham dado instruções estritas de que, em


nenhuma circunstância, não importasse o que acontecesse,
não deveria abandonar seu esconderijo. Deixaram bem claro
que já tinham o suficiente para fazer sem se preocupar com ela
também. Roger lhe entregou a ametista da moça e Miles
indicou como chegar até seus parentes, em caso de que algo
acontecesse com um dos dois. Elizabeth havia sentido uma
pontada de pânico diante das palavras deles, mas não permitiu
que se dessem conta. Os homens queriam que ela esperasse
em algum lugar afastado, mas ela insistiu, obstinadamente,
em que buscassem um lugar de onde pudesse observar o que
ocorria. Eles se recusaram a contar a ela o plano deles, e

LRTHistóricos 338
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Elizabeth começou a suspeitar que eles não tinham nenhum


plano real. Sem dúvida, Miles pretendia manter os homens na
ponta da espada enquanto Roger fugia com a garota.

De seu ponto de observação, viu um estranho ancião que


arrastava os pés, e não pôde acreditar que se tratasse de seu
orgulhoso irmão, que se movia lentamente para onde estava
amarrada a jovem. Ela estava contra uma árvore, sentada,
amarrada de mãos e pés e com a cabeça inclinada.

Quando Roger deixou cair sua carga completa de lenha


aos pés dela, Elizabeth conteve o fôlego. Não sabia que tipo de
contato teve seu irmão com a moça, e parecia muito jovem para
ter muito senso comum. Delataria a seu irmão?

Uma faísca de entendimento cruzou o rosto da moça —


também pôde ter sido um aceno de dor — e em seguida se
acalmou novamente. Elizabeth quase sorriu. A moça,
felizmente, não era estúpida. Não se moveu nem expressou
nada mais enquanto Roger recolhia a madeira que deixou cair.

Um cavaleiro, amaldiçoando Roger, chutou-o nas pernas,


e quando Roger caiu, voltou a chutar suas costelas. E
enquanto recebia os golpes, Elizabeth pôde ver o brilho de uma
folha de adaga e como Roger cortava as ataduras dos pés da
jovem, oculto pela madeira caída.

Mas Elizabeth também viu algo que Roger não podia


observar, detrás dele, um homem mais velho ricamente
vestido, cheio de joias e com suas roupas bordadas com fios de

LRTHistóricos 339
Anjo Audaz — Jude Deveraux

ouro, não perdia de vista nem por um momento a jovem cativa.


O sol do entardecer fez brilhar levemente a adaga de Roger.

No outro lado do acampamento. Miles chutou um tronco


ardente da fogueira, fazendo com que a erva começasse a
incendiar. Conseguiu escapulir antes de ser notado, e vários
cavaleiros começaram a combater o fogo.

Mas a distração não foi suficiente. Os homens que


vigiavam à moça não olhavam o fogo... e o homem mais velho
não deixava de olhá-la com os olhos cheios de ódio.

A noite parecia cair com rapidez, mas ainda havia luz


suficiente para que Elizabeth pudesse ver como Miles tirava a
espada de uma bainha.

Ele planejou lutar! Ela pensou. Planejou criar confusão


para que Roger pudesse escapar com a jovem. Se o truque do
fogo não desse resultado, talvez o ruído do entrechocar de aços
desse seus frutos.

Elizabeth se levantou de seu esconderijo, rezou


brevemente pedindo perdão por pecar e começou a desabotoar
seu grosso vestido de lã, quase até a cintura. Talvez ela
pudesse chamar a atenção dos homens, e especialmente a do
ancião.

Sua entrada foi rápida e espetacular. Ela correu para a


clareira e passou tão perto de uma das fogueiras que esteve a
ponto de queimar-se. Com as mãos nas coxas e as pernas
separadas se inclinou para frente, o corpete aberto, e

LRTHistóricos 340
Anjo Audaz — Jude Deveraux

praticamente tocou a cabeça do velho homem com os seios.


Com lentidão, sedutoramente, começou a mover os ombros de
um lado a outro, caminhando para trás, aproximando-se da
fogueira. Com uma mão tirou a touca de lã da cabeça e deixou
que seus cabelos caíssem em cascata até os joelhos. Seu cabelo
parecia vermelho à luz das chamas.

Quando ela se endireitou, com as mãos insolentemente


postas em seus quadris, lançou uma risada, uma risada
profunda, arrogante, desafiante, e viu com alegria que todos os
homens tinham a atenção nela. O ancião a olhava com
interesse, e por fim seus olhos já não estavam fixos na outra
jovem, que se achava a muito curta distância de Elizabeth.

Elizabeth nunca tinha dançado antes, mas havia visto


muitos espetáculos lascivos na casa de seu irmão e sabia
muito bem o que fazer. Um dos cavaleiros começou a tocar um
alaúde e outro um tambor. Elizabeth começou a ondular
lentamente, não só seus quadris, mas também todo o corpo,
movendo-se da cabeça aos pés. Usava sua magnífica cabeleira,
sacudindo de um lado a outro e passando-a pelo rosto dos
soldados. Quando um dos cavaleiros se aproximou muito,
Elizabeth se agachou, tomou uma pedra, fechou o punho e
golpeou o estômago do homem.

Todos riram alucinadamente ao ver a dor no rosto do


homem, e o que se seguiu foi mais uma caçada que uma dança.
Para Elizabeth, era um pesadelo feito realidade. Estava de volta
na casa de seu irmão e seus homens a perseguiam. Esqueceu

LRTHistóricos 341
Anjo Audaz — Jude Deveraux

os últimos meses de liberdade e regrediu a uma época em que


sua única preocupação era sobreviver.

Nas pontas dos pés, girou em torno de um cavaleiro e


conseguiu tirar a espada de sua cintura. Com roupas voando,
cabelos enrolando-se em seu corpo, ela esquivou-se dos
homens que tentavam pegá-la. Não feriu nenhum deles, mas
arranjou para fazer um pequeno corte aqui, outro lá. Obrigou-
se a rir e a continuar a manter a farsa da dança. De um salto,
subiu a uma mesa cheia de comida e bebida e começou a
afastar os pratos e as taças a um lado e outro. Quando a mão
de um dos cavaleiros tocou seu tornozelo, ela se afastou, e
"acidentalmente", ao descer da mesa seu calcanhar
esmagaram os dedos do pé do atrevido. Este lançou um rugido
de dor.

Os nervos de Elizabeth estavam a ponto de romper-se,


enquanto os homens marcavam o ritmo com as mãos.
Inclinando-se ao compasso de seus aplausos, fez girar sua
larga cabeleira uma e outra vez. Desejando que Roger e Miles
tivessem conseguido libertar à cativa, levantou a saia mais
alto, enquanto os homens gritavam e aplaudiam alvoroçados
diante da visão de suas pernas, e saltou para o chão
diretamente na frente do ancião.

Inclinou-se ante ele em uma profunda reverência, e todo


seu cabelo também caiu como uma cortina. Com a respiração
agitada, esperou.

LRTHistóricos 342
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Com grande cerimônia, o homem se levantou e sustentou


o queixo de Elizabeth com uma mão ossuda. Pela extremidade
do olho Elizabeth viu que a jovem desapareceu e que não
passaria muito tempo para que notassem sua ausência.

Elizabeth se ergueu, e em um afã de ganhar um pouco


mais de tempo, agitou os ombros e deixou que a parte superior
de seu vestido se entreabrisse até a cintura.

Fez-se um silêncio de morte entre os cavaleiros, que


estavam em sua maioria atrás dela. Os olhos ambiciosos do
ancião passearam lentamente por seus deliciosos seios, firmes
e altos. Então, com um sorriso que deixou ver seus dentes
enegrecidos, tirou sua capa e colocou-a sobre os ombros de
Elizabeth.

Segurando os laços da capa de maneira degradante,


começou a puxar Elizabeth para a escuridão da floresta.

Escondida em sua mão, Elizabeth tinha a adaga que tirou


de um dos cavaleiros. Quando o ancião se virou, percebeu que
a moça prisioneira já não estava, mas antes que pudesse dar
voz de alarme, Elizabeth mordeu o lóbulo da sua orelha e pôs
a adaga contra suas costelas.

— Caminhe! — Ordenou-lhe.

As sombras já os envolviam quando ouviram os gritos


provenientes do acampamento.

LRTHistóricos 343
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Corra! — Grunhiu Elizabeth, apertando mais a adaga


contra o lado do ancião.

Rapidamente, o homem virou-se e deu um tapa no rosto


de Elizabeth.

Mas antes que ele pudesse mover-se, Roger saltou de


uma árvore e suas mãos grandes se apertaram em torno da
garganta do velho. Possivelmente pela surpresa, ou pela
excitação da dança, assim que Roger o tocou, o homem caiu
morto aos seus pés.

Roger não perdeu tempo, agarrou Elizabeth pela cintura


e a fez subir em uma árvore.

Os cavaleiros vasculhavam pelo bosque abaixo deles,


suas espadas brilhando à luz da lua. Roger passou um braço
pelos ombros de Elizabeth e a apertava contra si, ela enterrou
a cabeça em seu pescoço. Tremia incontrolavelmente, e até
agora, na segurança dos braços de seu irmão, podia sentir as
mãos dos homens tratando de apanhá-la.

— Miles. — Sussurrou para Roger.

— A salvo. — Foi tudo o que respondeu seu irmão,


abraçando-a ainda mais forte.

Esperaram algum tempo enquanto observavam correria e


gritaria pela morte do ancião. Finalmente, dois cavaleiros
levaram o corpo do ancião de volta ao acampamento, e a busca

LRTHistóricos 344
Anjo Audaz — Jude Deveraux

se deu por finalizada quando os homens selaram seus cavalos


e se afastaram do lugar.

Roger não soltou sua irmã até que o bosque não esteve
em completo silêncio.

— Venha, — ordenou ele — Montgomery nos espera.

Roger desceu primeiro e depois baixou sua irmã, que


ainda usava o manto do velho. Envolta em veludo, correu atrás
de Roger pelo bosque escuro e úmido.

Elizabeth não percebeu o quanto estava preocupada pela


segurança de Miles até que o viu novamente. Este emergiu de
uma lagoa estagnada, segurando a mão da jovem. Ambos
estavam molhados, viscosos, com as roupas coladas ao corpo,
e os dentes da jovenzinha tocavam castanholas.

Depois de olhar a Miles, agradecida por vê-lo a salvo,


Elizabeth tirou a capa e a pôs sobre os ombros da moça.

— Isso é dele! — Disse Christiana, afastando-se da capa


como se tivesse visto o diabo.

Roger pegou a capa, jogou-a de volta para Elizabeth e


tirou o seu próprio gibão, envolvendo nele a jovem. Ela se
derreteu nos braços de Roger, como se formasse parte de sua
pele.

— Temos que ir. — Disse Miles, pegando a mão de


Elizabeth. — Muito em breve voltarão por ela.

LRTHistóricos 345
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Viajaram toda a noite. Elizabeth se sentia exausta, mas


seguiu adiante, às vezes olhando de soslaio a jovem que tinha
sido a causadora de semelhante alvoroço.

Usando o gibão de Roger, que a deixava parecer


pequenina, parecia ainda mais jovem e frágil do que pareceu à
primeira vista. Nunca se afastava mais que alguns poucos
centímetros de Roger, embora às vezes os ramos atingissem
seu rosto. Quanto a Roger, tampouco, parecia querer que ela
estivesse a distância.

Elizabeth quase não se atreveu a olhar para Miles, porque


seus olhos desprendiam labaredas de fúria, e em alguns
momentos parecia que ia esmagar sua mão entre as dele. Uma
vez, tentou falar com ele e explicar por que teve que
desobedecer suas ordens, tomando parte ativa no resgate, mas
Miles a olhou com os olhos negros de fúria, de maneira que ela
voltou atrás e procurou o amparo da capa.

Pela manhã, Miles disse que se uniriam aos viajantes da


estrada e que tentariam conseguir roupas para a jovem.

Christiana ainda usava seu vestido ricamente bordado


com joias, e pérolas ao redor do pescoço. De algum jeito seus
adornos ressaltava sua perda de posição de nobre, porque o
fino vestido estava rasgado, seu cabelo emaranhado, as
bochechas machucadas, e o lodo do lago estava seco e ainda
agarrado as suas roupas e pele.

LRTHistóricos 346
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Quando finalmente pararam ao lado da estrada, perto de


um grande grupo de viajantes que acabavam de despertar,
Elizabeth quase desabou de cansaço. Miles a atraiu para si e
a puxou para o colo dele.

— Se alguma vez voltar a fazer algo semelhante, esposa...


— começou, mas se deteve para beijá-la com tanta força que
feriu seus lábios.

As lágrimas nublaram seus olhos, lágrimas de alegria por


vê-lo a salvo. Houve um momento, quando viu que Miles
desembainhava a espada, em que acreditou que nunca mais o
veria com vida.

— Eu arriscaria tudo por você. — Ela sussurrou e


adormeceu em seus braços.

Parecia ter passado apenas alguns minutos antes de


Elizabeth acordar novamente. Pouco tempo depois,
caminhavam a uma prudente distância do grupo de viajantes.
A jovem Christiana agora usava um grosso vestido de lã áspera
e um gorro que lhe ocultava o rosto.

Ao meio-dia fizeram um alto e os homens deixaram


sozinhas às mulheres, enquanto foram negociar com os
viajantes um pouco de pão e queijo, em troca da odiada capa.

Elizabeth se recostou contra uma árvore e tentou relaxar,


mas a proximidade de Christiana não o permitiu. Não podia
evitar sentir ressentimento contra a garota que quase causou
a morte de todos eles.

LRTHistóricos 347
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Você vai me odiar por muito tempo, Elizabeth? —


Perguntou Christiana brandamente.

Elizabeth a olhou com surpresa, para logo desviar a vista.

— Eu não te odeio.

— Não está habituada a mentir. — Disse a jovem.

Elizabeth voltou-se para ela.

— Meu marido poderia ter sido morto salvando você! —


Disse-lhe com ferocidade. — Assim como meu irmão! Que
relação tem com Roger? Enfeitiçou-o?

Christiana não sorriu e tampouco franziu o cenho. Seus


grandes olhos brilhavam intensamente.

— Sempre sonhei com um homem como Roger. Sempre


soube que ele viria para mim. No ano passado meu tio me
casou com um homem cruel, mas mesmo assim segui
esperando-o. Eu sabia que Roger viria. Três noites atrás eu
sonhei e vi seu rosto. Ele viajava com roupas toscas e com uma
mulher que era da família dele. Soube que finalmente veio por
mim.

Elizabeth olhou a jovem como se ela fosse uma bruxa.

Chris continuou.

— Você me amaldiçoa por ter colocado em perigo a vida


do homem que ama, mas quantos riscos correria para estar
com seu homem? Possivelmente, se eu tivesse sido mais

LRTHistóricos 348
Anjo Audaz — Jude Deveraux

valente, teria aceitado a tortura constante e a morte de meu


marido iria proporcionar-me riqueza, mas em vez disso me
sentei no acampamento, atada a uma árvore e rezava com
todas as minhas forças que meu Roger viesse me resgatar.

Ela desviou o olhar, pelo caminho para onde Miles e Roger


estavam se aproximando, e seu olhar cobrou luz interior.

— Deus me deu Roger para reparar tudo o que sofri até


agora. Esta noite eu vou deitar com Roger e depois disso estou
pronta para abandonar esta vida, se necessário. Eu arrisquei
sua vida, e a de seu gentil marido, por esta noite com meu
amado.

Ela pôs uma de suas mãos sobre as de Elizabeth e a olhou


com olhos suplicantes.

— Perdoe-me por ter pedido muito de todos vocês.

A fúria de Elizabeth se evaporou. Sua mão pegou a de


Christiana.

— Não fale de morte. Roger precisa de amor talvez mais


que você. Fique ao lado dele.

Pela primeira vez, Chris fez um gesto parecido a um


sorriso, e uma covinha apareceu em sua bochecha esquerda.

— Só a força me afastará dele.

Elizabeth olhou para cima e viu Roger de pé ante elas,


seu rosto refletindo perplexidade. Está assombrado por tudo o

LRTHistóricos 349
Anjo Audaz — Jude Deveraux

que passou, pensou Elizabeth. Chris o confundiu tanto quanto


a nós.

Descansaram uns minutos, comeram apressadamente e


continuaram em marcha de novo.

Aquela noite, quando Elizabeth se aconchegou nos braços


de Miles, ela teve a primeira oportunidade de conversar com
ele.

— O que pensa desta jovem por quem arriscou sua vida?


— Perguntou-lhe.

— Eu sei que ela é perigosa. — Respondeu ele. — Ela era


casada com o duque de Lorillard. Quando era menino estava
acostumado a escutar histórias sobre sua crueldade.
Desposou a seis ou sete mulheres de linhagem. Todas
morreram em poucos anos de matrimônio.

— Chris é uma dama de linhagem? — Perguntou


Elizabeth.

Miles soprou.

— Ela é descendente de gerações de reis.

— Como você sabe tudo isso?

— Por meus parentes franceses. Já tiveram alguns


problemas com a família Lorillard. Elizabeth, — disse
solenemente — quero que guarde isto contigo. — Fechou sua
mão sobre a larga volta de pérolas que Christiana usou no dia

LRTHistóricos 350
Anjo Audaz — Jude Deveraux

anterior. — Amanhã a tarde chegaremos a casa de meus


parentes, mas em caso que não...

— Não! — Começou a contestar, mas ele colocou um dedo


sobre os lábios dela para que não falasse.

— Quero te dizer a verdade para que esteja preparada. A


família Lorillard é poderosa, e nós tiramos a vida de um de
seus membros, além de abrigar a outro. Se algo acontecer,
pegue as pérolas e volte para a Inglaterra com meus irmãos.
Eles vão cuidar de você.

— E os seus parentes franceses? Não posso confiar neles?

— Eu vou te contar a história algum dia, mas, por agora,


digamos simplesmente que os Lorillard me conhecem. Se me
capturarem, a via de acesso a minha família daqui ficará
bloqueado. Vá para casa com meus irmãos. Você vai jurar isso?
Não quero intentos de me resgatar, mas sim retorne e fique a
salvo.

Ela se negou a responder.

— Elizabeth!

— Juro que voltarei para a Inglaterra e irei para a casa de


seus irmãos. — Ela suspirou.

— E que outra coisa mais?

— Não farei mais promessas! — Sibilou ela, e levantou o


rosto para que ele a beijasse.

LRTHistóricos 351
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Fizeram amor lenta e deliberadamente, como se fosse a


última vez. As palavras de advertência de Miles fizeram com
que Elizabeth se sentisse desesperada, como se só restassem
poucas horas juntos. Duas vezes pôs-se a chorar de frustração,
ao pensar que estiveram tão perto da salvação e que a luxúria
de uma mulher os tinha colocado de novo em perigo.

Miles beijou suas lágrimas e sussurrou que ela devia viver


o momento e deixar sua fúria e seu ódio para mais adiante. Ela
adormeceu segurando Miles o mais forte que podia, e seu sono
foi intranquilo. Ele despertou, sorriu, beijou-lhe a cabeça, tirou
uma mecha de cabelo dela da sua boca, fez-lhe uma carícia e
voltou a dormir.

Roger despertou antes do amanhecer, e ao olhá-lo,


Elizabeth tinha certeza de que ele não dormiu durante toda a
noite. Christiana apareceu entre as árvores, seus olhos
brilhantes, os lábios cheios e avermelhados, e suas bochechas
e pescoço irritados pelo roce das costeletas masculinas.
Quando começaram a caminhar, Elizabeth viu que Roger
lançava a jovem olhares de admiração e prazer. Por volta do
meio-dia, ele tinha o braço ao redor da garota e a mantinha
bem apertada contra si. E, para surpresa de Elizabeth,
estreitou-a em seus braços e a beijou apaixonadamente.

Roger sempre foi um homem decoroso, consciente de seu


lugar na vida, de seus votos de cavaleiro, e nunca tinha feito
demonstrações de afeto em público.

LRTHistóricos 352
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Miles pegou Elizabeth, puxou-a para longe do lugar onde


ela estava de boca aberta espiando a seu irmão.

Uma hora antes de pôr-do-sol, um grande número de


homens desceram das árvores, com as espadas nas mãos, e as
apontaram às gargantas dos quatro viajantes.

Um homem velho, desagradável, abriu caminho entre os


cavaleiros.

— E bem, Montgomery, voltamos a nos encontrar.


Apanhem-no! — Ordenou.

LRTHistóricos 353
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Capítulo Dezenove
Elizabeth estava muito quieta sobre seu cavalo, olhando
através das lágrimas a antiga fortaleza. Tantas coisas
mudaram nas últimas semanas que já não estava segura de
que a Inglaterra ou o grande castelo seguissem em seu lugar.

O cavalo de um dos três homens atrás dela deu coices,


fazendo-a voltar para a realidade. Elizabeth soltou um grito, as
pontas de suas rédeas como um chicote e esporeou seu cavalo.
Apesar de que nunca tinha visitado a fortaleza Montgomery,
conhecia muito bem sua distribuição. Na Escócia, Miles falou
muito do lugar, e até tinha feito um desenho no chão.

Dirigiu-se à porta traseira, fortemente vigiada, que era a


entrada da família. Quando chegou aos muros que ladeavam a
estreita entrada, diminuiu a velocidade de sua cavalgadura.
Imediatamente os guardas, com seus arcos e flechas
apontadas, ficaram em posição ameaçadora.

— A esposa de Miles Montgomery. — Gritou para cima


um dos homens que a acompanhavam.

Seis flechas aterrissaram ante o cavalo de Elizabeth, e o


fatigado animal empinou, quebrando duas delas com os
cascos. Elizabeth teve que empregar toda sua força para
controlar o assustado animal.

LRTHistóricos 354
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Agora, três cavaleiros armados se interpunham entre ela


e a entrada fechada.

— Sou Elizabeth Montgomery e estes homens estão


comigo. — Disse com impaciência, mas respeitosamente. Não
havia lugar que estivesse tão bem guardado como esse.

Como se fossem estátuas, os cavaleiros permaneceram


firmes em seus lugares enquanto outros homens desciam dos
muros e apontavam com suas espadas os homens que
acompanhavam Elizabeth.

Quando tinha vinte cavaleiros reunidos, um guarda


dirigiu a palavra a Elizabeth.

— Só você pode entrar. Seus homens esperarão aqui.

— Sim, é obvio. Desejo ver Gavin. Ele poderá me


identificar.

As rédeas do cavalo de Elizabeth foram tiradas e a


conduziram a um espaçoso e limpo pátio de armas frente a
uma imensa casa. Havia mais edifícios dentro do perímetro das
muralhas.

Um dos guardas entrou na casa e momentos mais tarde


apareceu uma bonita mulher, o rosto manchado de farinha, e
sementes de gergelim pulverizadas por seus cabelos.

— Leve-me ao seu lorde. — Ordenou Elizabeth. — Tenho


notícias que são de sua incumbência.

LRTHistóricos 355
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— É Elizabeth? — Perguntou a mulher. — Tem notícias


de Miles? Disseram-nos que ambos foram mortos. Henry
ajude-a a sair de seu cavalo e traga os homens com ela para
dentro e alimente-os.

Neste momento apareceu Bronwyn e, detrás dela, a


pequena cantora que Elizabeth conheceu tanto tempo atrás,
Alyx.

— Elizabeth! — Gritou Bronwyn, correndo para ela.

Elizabeth quase desmaiou nos braços de sua cunhada.

— Estou tão feliz em vê-la! Foi uma viagem tão longa.


Onde está Stephen? Temos que voltar e salvar Miles e Roger.
Estão prisioneiros de um duque francês e temos que pagar um
resgate, ou resgatá-los, ou...

— Mais devagar. — Disse Bronwyn.

Entra e te daremos algo para comer, logo faremos planos.


— Ordenou a mulher que se encontrava atrás de Elizabeth. —
Henry procura meu padrasto e Sir Guy. Faz que venham aqui
e prepara sete cavalos para sair de viagem. Envie
imediatamente um cavaleiro com ordens de ter um navio
preparado para viajar a França. Não quero nenhuma demora.
Compreendeste?

Elizabeth ficou quieta, boquiaberta, olhando à mulher a


quem em um primeiro momento pensou que fosse uma criada.

LRTHistóricos 356
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Posso te apresentar Lady Judith? — Disse Bronwyn,


divertida.

Judith passou a mão por uma mecha de cabelo, e uma


infinidade de douradas sementes de gergelim caíram ao chão.

— Sabe onde está Miles?

— Sim, precisamente acabei de vir de lá.

— E cavalgou sem descanso, podemos ver só em olhá-la.


— Disse Bronwyn.

— Olá, Alyx. — Acrescentou Elizabeth, estendendo a mão


à calada mulher que se colocou atrás de Bronwyn.

Alyx devolveu a saudação e sorriu timidamente. Nunca


antes se sentira tão insignificante, rodeada por suas
deslumbrantes cunhadas.

Neste momento chegou Sir Guy correndo. O gigante


parecia ter perdido peso. Atrás dele veio Tam, e parecia que o
piso tremia sob os passos deste homem tão corpulento.

— Têm notícias de Lorde Miles? — Gritou Sir Guy, os


olhos percorrendo Elizabeth. — Nos disseram que os dois
tinham morrido.

— E quem disse isso? — Perguntou Elizabeth, levantando


a voz. — Não saiu ninguém em nossa busca?

— Vem para dentro. — Interrompeu Judith, com a mão


no braço de Elizabeth. — Conte-nos o que aconteceu.

LRTHistóricos 357
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Minutos depois, Elizabeth sentou-se em uma grande


mesa, comendo vorazmente a grande quantidade de comida
que colocaram frente a ela, enquanto relatava o ocorrido.
Estavam com ela suas três cunhadas, um homem a quem não
conhecia, John Bassett, marido da mãe de Judith, Sir Guy e
Tam.

Com a boca cheia, contou apressadamente como os três


foram jogados no porão de um navio, como tinham escapado e
viajado para o sul, até que Roger decidiu arriscar suas vidas
por uma jovem, que era esposa de outra pessoa.

Bronwyn interrompeu para dizer algo odioso de Roger


Chatworth, mas Tam ordenou que se calasse.
Surpreendentemente, Bronwyn obedeceu ao homem mais
velho.

Brevemente, Elizabeth relatou como resgataram a jovem


Christiana.

Judith fez muitas perguntas, algumas sobre a


participação de Elizabeth no resgate e outras a respeito de
Christiana.

— Conheço-a. — Disse Judith. — E conheço o marido e a


sua família. O mais jovem dos irmãos, não o duque, odeia a
Miles.

— Por quê? — Quis saber Elizabeth.

— Por causa de uma mulher que...

LRTHistóricos 358
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Elizabeth fez um aceno com a mão para interrompê-la.

— Não desejo saber mais. Deve ser o jovem que tem


prisioneiro Roger e Miles. O duque morreu nas mãos de Roger.

— Ele gosta de matar! — Disse Bronwyn.

Elizabeth não perdeu tempo defendendo seu irmão, mas


sim, continuou com sua história, relatando a imprevista morte
do duque. Deixou de comer quando passou a contar sua
captura nas mãos do irmão do duque morto. Miles tinha sido
ferido quando lutou com um cavaleiro, desmontou-o de seu
cavalo, jogou Elizabeth na sela, e deu um golpe nas ancas do
animal, tirando-a do lugar onde se desenrolava os fatos.
Quando pôde controlar o animal, viu meia dúzia de homens
que a perseguiam. Ela esporeou seu cavalo e durante as
seguintes horas tratou de escapar de seus perseguidores.

Elizabeth saltou os detalhes dos dez dias seguintes. Usou


as pérolas de Christiana para pagar sua volta a Inglaterra.
Rezando para que não estivesse apressando sua própria morte,
decidiu contratar três homens, antigos soldados, que seu
mestre tinha morrido e o sucessor queria homens mais jovens,
para que o protegessem.

Juntos, os quatro cavalgaram noite e dia, trocando


cavalos muitas vezes, dormindo não mais que duas horas por
vez.

Quando chegaram à costa, Elizabeth pagou dez pérolas


por um navio e uma tripulação, para que os levassem a

LRTHistóricos 359
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Inglaterra e dormiu os três dias seguidos que durou a


travessia. Chegaram ao sul da Inglaterra, compraram cavalos
e mantimentos e partiram novamente, sem deter-se até que
chegaram aos domínios dos Montgomery.

— De maneira que — concluiu Elizabeth — vim procurar


os irmãos de Miles. Temos que retornar a França
imediatamente.

Neste momento entrou um cavaleiro, sussurrou algo no


ouvido de Judith e se foi.

— Lady Elizabeth, — disse Judith — aconteceram coisas


que desconhece. Pouco depois que você, Miles e seu irmão
foram encerrados no navio, Alice Chatworth — quase se
engasgou ao pronunciar o nome — não pôde resistir de se
gabar sobre o que tinha feito. Enviou-nos um mensageiro com
uma carta nos contando tudo.

Alyx falou pela primeira vez com voz doce, mas


claramente audível.

— Raine, Stephen e Gavin partiram imediatamente para


a França, enquanto nós — assinalou com a cabeça Judith e
Bronwyn — ficamos aqui reunidas esperando notícias.

— Então já se encontram na França? — Perguntou


Elizabeth, ficando de pé. — Devo partir agora. Se me der alguns
homens, vou encontrar os irmãos de Miles e levá-los até onde
ele é mantido prisioneiro.

LRTHistóricos 360
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Conhece o castelo do duque de Lorillard? Sabe onde


vive seu irmão? — Perguntou Judith, inclinando-se para a
frente.

— Não, mas certamente... — começou Elizabeth.

— Não podemos nos arriscar. O duque era um "amigo" de


meu pai. — Judith fez um aceno depreciativo. — Sei onde estão
as propriedades dos quatro Lorillard e duvido que algum outro
Montgomery os conheça. Talvez Raine, porque esteve na
França participando de torneios, mas se os homens se
separaram... não, está decidido! — Ficou de pé.

— Decidido um inferno! — Rugiu o homem que tinha ao


seu lado, John Basset, levantando-se ameaçadoramente.

Judith piscou ao escutá-lo, mas manteve a calma.

— Os cavalos estão preparados e logo partiremos.


Bronwyn tem suficiente dessas camisas escocesas e mantas
que usam em sua terra? Serão muito cômodas nesta comprida
viagem.

John a agarrou pelo braço com rudeza.

— Não vai andar por aí arriscando sua vida novamente.


— Disse ele. — Você quase nos matou quando foi atrás de
Gavin. Desta vez, moça, você vai ficar aqui e deixar os homens
lidarem com isso.

Os olhos de Judith se tornaram tão quentes quanto o


ouro derretido.

LRTHistóricos 361
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— E onde se supõe que vai procurar meu marido? — Ela


fervia. — Alguma vez você já esteve na França? E se por acaso
o encontra, como saberá indicar onde procurar Miles? Usa o
senso que tem John! Deixe que as outras mulheres fiquem
aqui, mas Elizabeth e eu devemos ir contigo.

Alyx olhou para Bronwyn e soltou um grito de "NÃO!” que


fez as paredes tremerem e a poeira do teto cair. O rosto de Alyx
se ruborizou e baixou os olhos para suas mãos.

— Quero dizer que Bronwyn e eu também devemos lhes


acompanhar. Talvez possamos ser úteis. — Ela sussurrou.

— Bronwyn... — começou Tam, enquanto Sir Guy olhava


intimidativamente a Elizabeth. Instantaneamente, todos
começaram a discutir ao mesmo tempo.

Alyx, que não tinha nenhum dos homens perto, escapuliu


sem ser vista, subiu correndo as escadas para o quarto de
Bronwyn e Stephen e tirou várias mantas de uma arca.
Inclusive no andar superior se ouvia a discussão das vozes
altas embaixo.

Impulsivamente, ela pegou uma gaita de fole da parede.


Com os tartans multicoloridos nos ombros, começou a tocar a
gaita de fole enquanto descia as escadas. Quando chegou ao
salão principal, todos os olhos estavam voltados para ela.

Reinava o silêncio.

Deixou a gaita de fole e falou.

LRTHistóricos 362
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Se os homens cavalgarem sem nós, — disse no meio


do silêncio espectador — iremos sozinhas, uma hora depois.
Assim, cavalgarão conosco ou nos precederão?

Os homens ficaram calados, as mandíbulas apertadas e


os lábios transformados em uma linha fina.

— Enquanto estamos aqui perdendo o tempo, — seguiu


Alyx — Miles segue prisioneiro, ou talvez esteja sendo
torturando neste preciso momento. Sugiro que partamos...
AGORA!!!

Judith se adiantou, pegou o rosto de Alyx entre as mãos,


beijou as bochechas de sua cunhada.

— Vamos todos! — Declarou Judith, tomando as mantas


de Alyx e jogando uma para Elizabeth. — John cuide dos
suprimentos. Guy procure meu mordomo. Vamos necessitar
ouro para esta viagem. Tam certifique-se de que temos flechas
em abundância e verifique as cordas nos arcos. Bronwyn
certifique-se de que temos cavalos preparados para viajar. Alyx
traga algum instrumento para tocar um pouco de música.
Poderemos necessitá-lo.

Elizabeth começou a rir quando ouviu a primeira ordem.

— E eu? — Perguntou ela, enquanto todos começavam a


andar em diferentes direções para obedecer a Judith.

— Venha comigo. — Disse Judith, subindo as escadas.

LRTHistóricos 363
Anjo Audaz — Jude Deveraux

No meio da escada, Judith fez uma pausa, posando seus


olhos em Elizabeth.

— Alice Chatworth contraiu varíola, e embora tenha


sobrevivido, a parte sã de seu rosto ficou completamente cheia
de marcas. — Judith fez uma pausa. — Ela tirou a própria vida
atirando-se da ameia de uma de suas propriedades. — Desviou
a vista e, contendo o fôlego, disse. — A mesma muralha de
onde caiu Ella, sua antiga donzela.

Elizabeth não compreendeu a última frase, mas enquanto


seguia Judith escada acima, alegrou-se de que Alice estivesse
morta. Pelo menos agora podia ter certeza de que seu filho
estaria a salvo.

Elizabeth ouviu falar de como trabalhava Judith


Montgomery, mas logo chegou à conclusão de que ela era um
demônio em atividades. Não permitia a menor fraqueza de
alguém... ninguém podia descansar.

Chegaram ao sul da Inglaterra em apenas dois dias,


trocando os cavalos com frequência. Falava-se pouco, e a única
preocupação era percorrer o trajeto o mais rapidamente
possível. Em muitos lugares os caminhos estavam em muito
más condições ou quase não existiam, por isso se lançaram a
travessarem campos recém-arados e terrenos cultivados
enquanto os camponeses levantavam os punhos com raiva. Em
duas ocasiões Tam e Guy saltaram de seus cavalos e usaram

LRTHistóricos 364
Anjo Audaz — Jude Deveraux

machados de batalha para cortar cercas. Atrás deles as


ovelhas pastavam.

— O dono levará Judith a julgamento. — Disse Elizabeth,


porque obviamente estavam invadindo propriedade de gente
rica.

— Esta terra pertence à Judith. — Esclareceu Bronwyn


por sobre o ombro, enquanto esporeava seu cavalo.

Alyx e Elizabeth intercambiaram olhares de assombro


antes de lançar, também elas, os cavalos a todo galope.

Chegaram ao sul da Inglaterra, ao amanhecer do terceiro


dia, uma balsa os esperava para transportá-los até a ilha onde
viviam mais Montgomery.

— Meu clã é pequeno comparado com esta família. —


Disse Bronwyn cansada, antes de sentar-se no fundo úmido
da balsa, puxando a manta sobre a cabeça e adormecendo.

Uma hora depois foram despertadas novamente e, como


sonâmbulas, montaram em cavalos descansados e cavalgaram
para a propriedade dos Montgomery.

A pesar do cansaço que sentia, Elizabeth notou a


antiguidade e a serenidade da fortaleza, com suas pedras
colocadas há mais de duzentos anos pelo cavaleiro conhecido
como o Leão Negro.

Dentro dos portões, Judith tocou o braço de Elizabeth e


acenou com a cabeça em direção a uma menina que espiava

LRTHistóricos 365
Anjo Audaz — Jude Deveraux

da entrada de uma porta. Ela tinha cerca de um ano e meio de


idade, com cabelos sujos, roupas rasgadas e o olhar cauteloso
de um cão faminto.

— Um dos filhos de Miles. — Judith disse, observando o


rosto de Elizabeth.

Uma onda de raiva atingiu Elizabeth.

— Ela será minha quando eu voltar. — Com um último


olhar, Elizabeth passou diante dos outros e entrou na
fortaleza.

Eles ficaram no velho castelo, apenas o tempo suficiente


para comer e, em seguida, partiram no navio que os
aguardava. Todos os sete imediatamente se enrolaram nas
mantas, no convés e foram dormir.

Muitas horas depois, mais refrescadas, as mulheres


começaram a discutir seus planos.

— Teremos que ter acesso ao castelo. — Disse Judith. —


A música de Alyx nos abrirá as portas. Algum sabe cantar ou
tocar algum instrumento?

Bronwyn jurou que tinha boa voz, Judith admitiu carecer


totalmente de ouvido musical.

— Eu posso dançar. — Elizabeth sussurrou, com a


garganta seca.

— Boa! — Judith declarou. — Uma vez que estejamos


dentro...

LRTHistóricos 366
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Você não fará nada. — Disse John Basset a suas


costas. — Você vai mostrar a propriedade do novo duque para
nós e vamos encontrar seus maridos e trazê-los a esse lugar.
Eles resgatarão Lorde Miles. — Com estas palavras, deu meia
volta e se foi.

Judith deu a suas cunhadas um pequeno sorriso.

— Faz alguns anos tive alguns problemas quando tentei


resgatar Gavin. John nunca me perdoou, e como se casou com
minha mãe, sente-se responsável por mim. — Inclinou-se para
frente. — Teremos que ser mais discretas na preparação de
nossos planos.

Elizabeth inclinou-se contra o lado do navio e reprimiu


uma risada. Aí estava Judith, tão bonita, tão diminuta, com
suas mãos nos joelhos, com todo o aspecto de uma dama
recatada e impotente. E, entretanto, tinha um espírito
indomável. Bronwyn permanecia de pé apoiada na amurada, o
sol brilhando na água e destacando sua beleza forte. Elizabeth
conhecia Bronwyn pela mulher apaixonada, corajosa e leal que
era. E Alyx, tão calada e tímida, parecia ter medo de todos eles,
mas Elizabeth tinha visto vislumbres de seu caráter na
magnífica voz que possuía.

E Elizabeth? Encaixava entre estas mulheres?


Perguntou-se se passaria no exame de Judith.

Assim que chegaram à França, compraram cavalos e


Judith os guiou para o sudoeste. No último dia, Judith

LRTHistóricos 367
Anjo Audaz — Jude Deveraux

concordou com tudo o que os homens disseram. Em uma


ocasião, Bronwyn deu uma cotovelada em Elizabeth para que
ela observasse como John Bassett inchava o peito enquanto
dava instruções a Judith. Tam também deu a Bronwyn ordens
estritas.

Sir Guy falou apenas uma vez com Elizabeth.

Olhando para ele através de seus cílios e com expressão


recatada e angelical perguntou-lhe como estavam os dedos de
seus pés. A cicatriz do gigante empalideceu, e este partiu sem
responder. Bronwyn segurou suas costelas, porque sentiu que
podiam quebrar de tanto rir. Judith, quando se inteirou da
história do pé de Guy dirigiu a Elizabeth um olhar especulativo
de admiração.

Alyx simplesmente afinou seu alaúde e, esse ato por si só,


pareceu mostrar quem ela acreditava que ganharia essa
batalha de vontades.

John Bassett alugou quartos em uma estalagem que não


estava muito afastada das propriedades do duque, onde,
segundo os habitantes do lugar, ele estava em casa esses dias.
Os três homens tiveram que deixar sozinhas às mulheres
quando partiram em busca dos maridos. John parecia que ia
chorar quando se encontrou com o teimoso silêncio de Judith
em resposta a sua petição de que jurasse por Deus que
esperaria ali a volta dos homens.

LRTHistóricos 368
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Terei que deixar um guarda para que as vigie? —


Perguntou John, exasperado. Judith se limitou a olhá-lo.

— Não me importaria te levar comigo, mas teremos que


nos separar e é preciso mais do que um mero homem, para
controlar um demônio como você. Por Deus, deveria haver um
Santo especial para proteger maridos como Gavin.

— Está perdendo tempo, John. — Disse Judith


pacientemente.

— Ela tem razão. — Disse Guy, sem olhar a nenhuma das


mulheres.

John se aproximou de Judith e a beijou na testa.

— Que o Senhor te proteja. — Com isto, os três homens


se foram.

Judith se encostou na porta e soltou um profundo


suspiro.

— Ele só deseja nosso bem. E agora, vamos começar a


trabalhar?

Elizabeth não demorou a perceber que magnífica


planejadora era Judith... e como sabia usar seu ouro. Ela
contratou um total de vinte e cinco pessoas para que
corressem a voz de que ali se encontrava a cantora mais
famosa do mundo e a bailarina mais exótica do universo.
Esperava que a excitação e a expectativa fossem febris para
que quando Alyx e Elizabeth aparecessem, todos os olhos

LRTHistóricos 369
Anjo Audaz — Jude Deveraux

estivessem nelas, enquanto ela e Bronwyn escapulissem sem


serem notadas.

No início da tarde, Judith trocou suas roupas por


farrapos, enegreceu um dente da frente com uma desagradável
mistura de goma e fuligem, e foi entregar pão fresco no castelo
do duque. Retornou com magníficas notícias.

— Miles está vivo. — Disse, se coçando e tirando as


imundas roupas. — Parece que o duque sempre tem
prisioneiros e os instala no alto da torre. Isto tem um gosto
horrível! — Acrescentou, esfregando os dentes. — Parece que
toda a família Lorillard é perita em torturas, e neste momento
estão se ocupando da jovem.

— Sinto muito, Elizabeth. — Acrescentou Judith


rapidamente. — Pelo que se murmura, não pude saber se ela
ainda está viva ou não, mas os dois homens sim, estão vivos.

— Soubeste algo da ferida de Miles? — Perguntou


Elizabeth.

Judith estendeu suas mãos, com as palmas para cima.

— Não pude perguntar tudo diretamente, e tudo o que


pude averiguar é que os prisioneiros são sempre mantidos no
alto da torre.

— Parece ser fácil. — Disse Bronwyn. — Tudo o que temos


que fazer é anexar asas aos nossos cavalos e voar para o topo.

— Há uma escada — esclareceu Judith.

LRTHistóricos 370
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Sem guardas? — Inquiriu Bronwyn.

— A porta que leva aos quartos onde estão os prisioneiros


está custodiada, mas há outro lance de escada que chega ao
telhado. — Judith passou uma camisa limpa pela cabeça. —
Há janelas nos quartos, e se pudéssemos descer do telhado...

Só Bronwyn notou as rígidas linhas brancas apertadas,


que se formaram nas comissuras da boca de Judith. Ela, por
momentos, parecia não temer a nada, mas tinha um terror
absoluto de lugares altos. Bronwyn tocou no braço de Judith.

— Você fica e dança enquanto Alyx canta. Elizabeth e eu


desceremos do telhado e...

Judith levantou uma mão.

— Tenho tanto talento para dançar como poderia fazer os


cavalos voarem. Alyx começaria a cantar, eu não poderia seguir
o ritmo e começaria a observar as mesas e a fazer os cálculos
de quantos caixotes de comida foram necessários para
armazenar a quantidade de comida servida. Provavelmente me
esqueceria de dançar e começaria a dar ordens aos servos.

As três mulheres tentaram, sem êxito, reprimir


risadinhas, tanto pela precisão de Judith quanto por seu ar
desventurado. Judith lhes lançou um olhar.

— Sou forte e pequena ao mesmo tempo, e posso


facilmente descer por uma corda e entrar por uma janela.

LRTHistóricos 371
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Nenhum argumento poderia persuadir Judith a mudar de


ideia, e muito em breve se sentaram a descansar, cada uma
com seus próprios pensamentos sobre os perigos que teriam
que enfrentar. Elizabeth não falou do medo que tinha que os
homens a tocassem e não voltaram a mencionar o terror de
Judith pelas alturas.

Quando se aproximava o crepúsculo, Judith ficou de


joelhos e começou a orar, e imediatamente as outras mulheres
se uniram a ela.

LRTHistóricos 372
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Capítulo Vinte
Alyx foi a que mais surpreendeu às mulheres. Durante os
últimos dias quase não falou, e seguiu docilmente suas
expressivas cunhadas sem fazer sugestões, nem emitir queixa.
Mas no momento em que um instrumento musical caía em
suas mãos, e alguém pedia que tocasse, ultrapassava
amplamente a todas as suas parentas em esplendor.

Judith e Bronwyn, vestidas com farrapos sujos,


escondendo-se, se misturaram à procissão que seguia Alyx e
Elizabeth.

Elizabeth, que já chamava a atenção por seu corpo


magnificamente bem-dotado, usava roupas toscas e
chamativas, de cores tão brilhantes que teriam atraído a
atenção por conta própria.

Assim que Alyx entrou no grande salão do velho castelo,


lançou uma nota que silenciou a todos. Bronwyn e Judith
nunca tinham escutado a potência da voz de Alyx e
permaneceram quietas um momento, com expressão de
respeito.

— Eu vou te dar um ritmo. — Sussurrou Alyx a Elizabeth.


— Siga-o com seu corpo.

LRTHistóricos 373
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Todos os olhos estavam cravados em Alyx e na bonita


mulher que a acompanhava. Abruptamente Alyx deixou que
sua voz saísse, e novamente o público começou a respirar e,
entre risadas e aplausos, começaram a mover-se.

— Agora! — Disse Judith a Bronwyn, e as duas mulheres


desapareceram por um buraco escuro na parede.

Com as pesadas saias sustentadas com as mãos,


começaram a subir pelos velhos degraus de pedra, um lance,
dois lances, até acima, mas quando quase chegavam a sua
meta, um ruído as fez esmagarem-se contra a parede.

Escutando com todos os poros do corpo, esperaram que


o guarda passasse pela abertura.

Judith apontou para uma fenda negra a esquerda, longe


do guardião que vigiava. Deslizaram pela abertura sem um
ruído. Os ratos protestaram ante as intrusas, e Bronwyn
chutou escada abaixo a um deles.

No topo das escadas havia uma porta... fechada.

— Maldição! — Sussurrou Judith. — Precisamos de uma


chave.

Mas antes de emitir qualquer som, Bronwyn se


aproximou da porta e começou a percorrer as bordas com seus
dedos. Quando chegou no final da borda, voltou-se e dirigiu a
Judith um sorriso triunfante. Na escuridão, seus dentes e seus
olhos brilhavam. Bronwyn puxou um ferrolho de ferro e a porta

LRTHistóricos 374
Anjo Audaz — Jude Deveraux

se abriu com facilidade. Um ruído alto de um rato fez que se


detivessem, mas não escutaram ruídos de passadas nas
escadas. Passaram por uma abertura e chegaram no telhado.

Fizeram uma pequena pausa e respiraram


profundamente o ar limpo da noite. Bronwyn se voltou para
Judith e viu que ela estava olhando para as muralhas com
medo em seus olhos

— Deixe-me ir. — Disse Bronwyn.

— Não. — Judith negou com a cabeça. — Se alguma coisa


acontecer e tiver que te içar, não poderia fazê-lo, mas em troca
você sim, pode me puxar.

Bronwyn assentiu, porque o raciocínio de Judith era


correto. Sem falar mais, tiraram as ásperas saias de lã que
usavam sobre as anáguas e começaram a desenrolar uma
corda pesada a partir do quadril para cima. Judith pagou a
quatro mulheres para que trabalhassem toda a tarde
costurando essas saias. Agora a luz da lua brilhava sobre suas
saias de manta escocesa, azul e verde para Bronwyn, dourada
e marrom para Judith.

Assim que a corda de Bronwyn formou um cilindro em


espiral no chão, esta começou a caminhar pela torre redonda
para observar abaixo das ameias.

— Há quatro janelas. — Informou a Judith. — Qual será


a de Miles?

LRTHistóricos 375
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Deixe-me pensar. — Disse Judith, sustentando a corda


em seu antebraço. — Aquela janela está sobre as escadas, a
outra de frente para as escadas, então a cela deve ser uma
daquelas duas. — Ela apontou para a direita e para a
esquerda.

Nenhuma das duas mencionaram que se Judith


aparecesse na janela equivocada, poderia significar sua morte.

— Vamos, vamos! — Disse Judith, como se caminhasse


para sua própria execução.

Bronwyn tinha usado cordas toda sua vida, e com


facilidade, fazendo alguns nós, conseguiu fazer uma espécie de
assento para Judith. Passou a saia do tartan entre suas pernas
e a ajustou com o grosso cinturão de couro. Com o coração
pulsando loucamente, Judith deslizou pelos nós da corda, uma
parte ao redor de sua cintura, a outra entre suas pernas.

Bronwyn, de pé frente às ameias, sorriu-lhe.

— Concentre-se no seu trabalho e não pense sobre onde


você se encontra.

Judith apenas balançou a cabeça, já que o medo tinha


feito um nó na sua garganta. Bronwyn envolveu uma ponta da
corda ao redor de uma das ameias e usou para fazer descer
lentamente Judith.

Judith rezava salmos em silêncio, reafirmando sua fé em


Deus, enquanto procurava algum ponto de apoio com os pés.

LRTHistóricos 376
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Três vezes se desprenderam partes da muralha sob seus pés,


e em cada vez, seu coração pulou para a garganta, esperando
que a qualquer momento aparecesse um guarda por cima dela
para cortar a corda que segurava sua vida.

Depois de longos momentos, que transcorreram muito


lentamente, chegou à janela, e quando seus pés se apoiaram
no parapeito, uma mão se aferrou ao seu tornozelo.

— Silêncio! — Ordenou uma voz, quando Judith ofegou


de terror.

As mãos fortes pegaram suas panturrilhas, depois seus


quadris, e puxaram-na para dentro da janela. Judith, tão
contente de estar novamente em chão firme, agarrou o interior
do peitoril da janela com tanta força que ameaçou quebrar os
dedos.

— Não é você que tem pavor às alturas?

Judith se voltou para encarar o rosto tranquilo de Roger


Chatworth. Sua camisa pendia em trapos sobre seu corpo
musculoso.

— Onde está Miles? — Ela disse em um meio-ofego, meio-


grunhindo.

Um som vindo do lado de fora da cela fez que Roger a


abraçasse protetoramente.

LRTHistóricos 377
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Já está falando sozinho, Chatworth? — Gritou o


guarda, mas não se deu ao trabalho de caminhar em direção à
cela.

— Com ninguém melhor que comigo mesmo. —


Respondeu Roger em voz alta, abraçando o corpo tremente de
Judith.

— Quem está acima? — Sussurrou-lhe Roger ao ouvido.

— Bronwyn.

A resposta de Judith foi recompensada por uma maldição


afogada de Roger. Ela queria soltar-se de seus braços, mas
neste momento algo que a confortasse era bem recebido. Roger
a puxou, ainda presa à corda, para um canto distante da
pequena sala.

— Miles está na cela da frente. — Sussurrou ele. — Está


ferido e não sei se terá forças suficientes para subir por sua
corda. O guarda vai dormir logo e nós vamos sair. Eu irei
primeiro e depois lhes içarei. Mas você não pode ficar nesta
sala sozinha. Terá que se sentar no parapeito, e se o guarda
chegar a olhar para dentro, terá que saltar. Entendeu? Assim
que eu chegar ao topo vou puxá-la para cima — repetiu.

Judith deixou que suas palavras penetrassem em seu


cérebro. Este era o inimigo de sua família, era o causador da
morte de Mary Montgomery. Talvez tivesse em mente matar
Bronwyn e cortar a corda que a sustentava.

LRTHistóricos 378
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Não... — começou.

— Têm que confiar em mim, Montgomery! Bronwyn não


pode puxá-la para cima e você jamais poderia subir pela corda.
Malditas mulheres! Por que não mandaram homens em seu
lugar?

Isso foi suficiente. Os olhos dela relampejaram.

— Ingrato...

Ele pôs uma mão na sua boca.

— Boa garota! Tudo o que eu não gosto nos Montgomery,


gosto nas suas mulheres. Agora não percamos mais tempo. —
Dizendo isto, levou Judith para a janela, levantou-a e a sentou
no parapeito.

— Coloque as mãos aqui, — indicou a borda do parapeito


— e sustente firme. Quando começar a te puxar para cima, use
as mãos e os pés, para não se chocar contra a parede. —
Sacudiu-a levemente, porque ela não podia deixar de olhar o
chão, que ficava muito, muito abaixo. — Pense na fúria de seu
marido quando ele descobrir que você salvou um Chatworth
antes de seu irmão.

Judith quase sorriu ao escutar isto... quase. Conseguiu


levantar a cabeça e visualizou Gavin, imaginando-se em seus
braços protetores. Jurou que jamais voltaria a fazer algo tão
estúpido como tentar resgatar um homem novamente. A
menos, é obvio, que Gavin precisasse dela. Ou seus irmãos.

LRTHistóricos 379
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Ou alguma de suas cunhadas. Ou talvez, também, sua mãe.


E, sem dúvida nenhuma, seus filhos. E...

O puxão da corda quando Roger começou a subi-la quase


a faz voar pelo ar.

— Se concentre em seu trabalho, mulher! — Ordenou ele.

Ela encolheu os pés, novamente alerta, e com a cabeça


levantada observava como ele ia subindo, palmo a palmo.

Bronwyn recebeu Roger no telhado com uma adaga


apontada à garganta, e segurou-a lá enquanto ele se balançava
suspenso na corda.

— O que você fez com Judith? — Bronwyn rosnou.

— Ela espera por mim para puxá-la para cima e cada


minuto que você demora em me ajudar, sua vida corre mais
perigo.

Neste momento aconteceram várias coisas. Uma delas,


Judith, que por medo ou por necessidade, lançou-se do
parapeito da janela e o impulso quase fez Roger perder o
controle e soltar a corda.

— Guardas! — Ouviu-se um grito mais abaixo.

— A porta! — Disse Roger, lutando para manter-se na


parede. — Tranque a porta!

Bronwyn reagiu imediatamente, mas quando chegou à


porta, um guarda já a tinha atravessado. Não duvidou um

LRTHistóricos 380
Anjo Audaz — Jude Deveraux

momento em cravar a adaga entre suas costelas. O guarda


caiu, e Bronwyn teve que empurrá-lo para o lado para poder
travar a porta.

Voltou correndo até onde Roger se encontrava, puxando


a corda de Judith, e se inclinou sobre as ameias para ajudar.

— O que aconteceu? — Perguntou Bronwyn antes que


Judith chegasse sã e salva no telhado.

— Alyx e Elizabeth foram jogadas na cela com Miles, eu


fiquei e escutei o máximo que pude, mas quando o guarda quis
ver Chatworth, ele gritou e veio para aqui. O que aconteceu
com ele?

Bronwyn ajudou Judith a subir no telhado.

— Aí está. — Ela acenou com a cabeça para o corpo do


homem.

— Alguém o ouviu gritar? — Quis saber Roger.

— Acredito que ninguém. — Explicou Judith. — Vamos!


Devemos tirá-los desse lugar.

— Não há tempo. Onde estão seus maridos? — Perguntou


Roger.

— Aqui na França, mas... — começou Judith, mas se


deteve quando Roger agarrou o segundo cilindro de corda do
piso do telhado e o atou a ameia. — Eles estão do outro lado.

Roger a ignorou.

LRTHistóricos 381
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Não há tempo. O velho estará aqui em poucos minutos.


Temos que baixar e voltar com ajuda.

— Seu covarde! — Sibilou Bronwyn. — Escape você.


Judith e eu vamos resgatar a nossa família.

Roger a agarrou pelo braço com rudeza.

— Feche a boca, idiota! Esquece que Elizabeth é minha


irmã? Não há tempo para discutir, mas se todos nós somos
apanhados, não haverá ninguém para liderar um resgate. E
agora, podem descer por essa corda?

— Sim, mas... — começou Bronwyn.

— Então façam! — Quase a jogou no outro lado do muro,


enquanto segurava firmemente suas mãos. — Desça,
Bronwyn! — Ele ordenou, então deu-lhe um sorriso rápido. —
Mostre-nos um pouco do seu sangue escocês.

Assim que Bronwyn desapareceu por um lado do muro,


Roger tomou Judith por debaixo dos braços e a elevou.

— Bem! Não pesa mais que minha armadura. —


Agachou-se. — Segure-se em minhas costas com todas as suas
forças.

Judith assentiu com a cabeça e obedeceu, enterrou o


rosto nos ombros de Roger e fechou os olhos. Não olhou
quando ele passou ao outro lado do muro. O pescoço do
homem começou a transpirar e Judith se deu conta de que
estava fazendo um tremendo esforço.

LRTHistóricos 382
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Vai permitir que um inglês ganhe de você? — Urrou


Roger, pendurado no vazio, para Bronwyn.

Judith abriu um olho e olhou a sua cunhada com


admiração. Bronwyn tinha a corda enrolada em um tornozelo
e deslizava para baixo com facilidade. Quando ouviu as
palavras de Roger, apressou-se mais.

Judith não tinha intenção de deixar o amparo das largas


costas de Roger mesmo que já tivesse colocado o pé em terra.
Como se fosse algo que ele fizesse todos os dias, deslocava
primeiro as mãos, depois as pernas na descida.

Tremendo, Judith observou que ele corria para a corda de


Bronwyn. Ela ainda estava a alguns metros do chão.

— Salte escocesa! — Ordenou Roger. Bronwyn duvidou


um instante, mas em seguida obedeceu, soltou a corda e
aterrissou pesadamente nos braços de Roger.

— Você deve pesar o mesmo que meu cavalo —


murmurou, enquanto a depositava no piso. — Seria muito
esperar que houvessem trazido algum cavalo?

— Venha, inimigo. — Disse Bronwyn, fazendo um gesto


com o braço.

Roger pegou o braço de Judith porque ela ficou imóvel,


olhando para cima, horrorizada, à alta torre por onde
desceram.

LRTHistóricos 383
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Corram! — Ele disse, e lhe deu uma forte palmada nas


nádegas. — Tirem a minha irmã e Chris daqui!

Miles estava de pé em meio da cela, como se as estivesse


esperando, quando a porta se abriu repentinamente e
Elizabeth e Alyx foram empurradas para dentro.

— Para que te façam companhia, Montgomery. — O


guarda riu. — Aproveite esta noite porque provavelmente vai
ser a última vivo.

Miles conseguiu apanhar a Elizabeth antes que esta


caísse, e logo sustentou Alyx.

Sem uma palavra se sentou no piso e passou seus braços


pelos ombros das duas mulheres, enquanto Elizabeth
começava a beijá-lo com frenesi.

— Disseram-me que você estava morto. — Disse Elizabeth


entre beijos. — Oh, Miles, não sabia se voltaria a vê-lo
novamente.

Miles, sorrindo ligeiramente, os olhos brilhando,


depositou um beijo na testa de cada mulher.

— Agora posso morrer em paz.

— Como pode brincar... — começou a dizer Elizabeth,


mas Miles a beijou nos lábios e ela se acalmou.

LRTHistóricos 384
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Os três ficaram alerta quando o guarda gritou e subia a


escada correndo, para o terraço da torre. Um ruído surdo
seguiu ao desaparecimento do homem.

No meio do silêncio, olhando para cima, Miles perguntou:

— Bronwyn?

Ambas as mulheres concordaram com a cabeça. Miles


respirou fundo e suspirou.

— Por que não me contam o que fizeram?

Alyx permaneceu calada enquanto Elizabeth contava


tudo referente ao plano de resgate, como Judith tinha que
descer pela parede e entrar na cela de Miles. Alyx olhava a
Miles, apoiava-se em seus fortes ombros, feliz por seu conforto,
e viu como seus olhos escureceram. Raine me torceria o pescoço
se soubesse deste plano, pensou ela, e lágrimas quentes
caíram de seus olhos.

— Alyx? — Disse Miles, interrompendo o relato de


Elizabeth. — Sairemos daqui. Meus irmãos, neste momento...

Ela enxugou os olhos com as costas da mão.

— Eu sei. Só pensava que Raine me arrancará a pele por


isso.

Os olhos de Miles brilharam.

— Sim, ele vai.

LRTHistóricos 385
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Você está ferido! — Exclamou Elizabeth


repentinamente ao descobrir uma suja bandagem que envolvia
suas costelas. Não havia muito da camisa dele, mas o que
havia, Elizabeth estava explorando.

Ela se afastou dele. Só recebiam um pouco da luz da lua,


mas até na penumbra, pôde ver todas as cicatrizes. Passou os
dedos sobre uma delas, e disse:

— Você não tinha cicatrizes quando nos conhecemos, e


todas as que têm agora, recebeu por minha culpa.

Ele beijou sua mão.

— Também vou colocar algumas cicatrizes em você... dos


vinte meninos que penso ter contigo. Agora quero que vocês
duas descansem porque imagino o que o amanhã trará... novos
eventos.

A maior preocupação de Elizabeth tinha sido voltar a ver


Miles são e salvo, e agora que estava recostada junto a ele,
sabendo que estava vivo e bem, sentia-se satisfeita. Fechou
seus olhos cansados e dormiu imediatamente.

Não foi o mesmo com Alyx. Ela não esteve viajando tanto
como Elizabeth e não se sentia tão cansada. Fechou os olhos e
ficou quieta, mas sua mente trabalhava febrilmente.

Depois de uma hora, quando apenas um fio de luz


iluminava a cela. Miles se separou das mulheres com

LRTHistóricos 386
Anjo Audaz — Jude Deveraux

suavidade e ficou frente à janela. Alyx observava com os olhos


entrecerrados seus estranhos movimentos.

— Venha se juntar a mim, Alyx. — Sussurrou ele,


surpreendendo-a, porque não acreditava que ele soubesse que
estava acordada.

Alyx passou por cima de uma Elizabeth adormecida e


quando se aproximou de Miles, este a puxou para si, o braço
pelos seus ombros e a apertou contra si.

— Você arriscou muito para me salvar, Alyx, e agradeço


isso.

Ela sorriu, e esfregou sua bochecha contra a mão dele.

— Por minha culpa nos apanharam. O duque me viu


tocar e cantar na Inglaterra, em alguma ocasião, recordou-me
e também recordou que agora sou uma Montgomery. O que
você acha que Bronwyn disse quando viu Roger no telhado em
vez de você? — Moveu-se entre seus braços. — Acha que
conseguiram escapar, não é? Não havia guardas esperando-os
abaixo, não é assim? Virá Raine?

Sorrindo, ele a pôs de frente para a janela.

— Sei que conseguiram passar. Olhe lá, para o oeste.

— Não vejo nada.

— Na névoa, veja os pequenos brilhos?

— Sim. — Disse ela, excitada. — O que são?

LRTHistóricos 387
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Eu poderia estar errado, mas eu acredito que eles são


homens com armaduras. E ali também, mais para o norte.

— Mais brilhos! Oh, Miles. — Ela se virou, abraçou-lhe o


peito com força e bruscamente o soltou. — Você está ferido,
pior do que disse a Elizabeth. — Disse acusadoramente.

Ele tentou sorrir, mas a dor se refletia em seu rosto.

— Você vai dizer a ela e dar-lhe mais razão para se


preocupar? Ela foi corajosa dançando para todos aqueles
homens estranhos, não foi? — Disse com orgulho.

— Sim. — Respondeu Alyx, e ficou junto a ele, olhando o


amanhecer, observando os pequenos pontos de luz à medida
que se aproximavam cada vez mais.

— Quem são eles? — Quis saber Alyx. — Sei que há


Montgomery na França, mas parece haver centenas de
cavaleiros se aproximando. Quem são os outros?

— Duvido que haja outros. — Respondeu Miles. — Há


Montgomery por toda a França, na Espanha e na Itália.
Quando era um rapaz e ganhei minhas esporas, incomodava-
me que em qualquer lugar que fosse houvesse um tio e alguns
primos colados a mim, mas neste momento sinto que todos os
meus parentes são fantásticos.

— Estou de acordo contigo.

— Olhe lá! — Disse, apontando para frente. — Você viu


isso?

LRTHistóricos 388
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Não, não vi nada.

Ele sorriu alegremente.

— É o que eu estava esperando para ver. Lá está de novo!

Brevemente, por menos de um segundo, Alyx viu um


reflexo diferente.

— É o estandarte de meu tio Etienne. Sempre rimos dele,


porque seu estandarte é do tamanho de uma casa, mas
Etienne disse que a simples visão dos três leopardos dourados
faz com que todos fujam imediatamente... e ele quer dar ao
duque tempo de fazê-lo.

— Eu vi! — Exclamou Alyx. No horizonte apareceram três


reflexos dourados, um acima do outro. — Os leopardos. —
Murmurou. — Quem você acha...? — Começou a perguntar.

— Raine está à frente com o tio Etienne. Stephen se


aproxima com os homens do norte e Gavin chega pelo sul.

— E você como sabe?

— Conheço meus irmãos. — Ele sorriu. — Gavin vai


esperar alguns quilômetros de distância por meus irmãos e os
três exércitos atacarão simultaneamente.

— Atacar? — Perguntou ela, com os dentes apertados.

— Não se preocupe. — Acariciou-lhe brandamente uma


têmpora. — Não acredito que nem sequer o duque de Lorillard
se atreva a enfrentar as forças combinadas dos Montgomery.

LRTHistóricos 389
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Ele terá a oportunidade de render-se pacificamente. Além


disso, sua luta é sobre Christiana, não com os Montgomery.

— Christiana, a moça a quem resgatou Roger Chatworth?


O que aconteceu com ela?

— Eu não sei, mas vou descobrir. — Disse Miles com


tanta veemência que Alyx preferiu calar. Sabia muito bem que
era inútil tentar discutir com um dos Montgomery quando
tomaram uma decisão. Juntos observaram os exércitos de
cavaleiros que se aproximavam, e quando Elizabeth despertou,
Miles a abraçou também. Tentando levantar seu ânimo, fez
brincadeiras sobre as roupas delas.

— Se Judith e Bronwyn libertaram Roger Chatworth e os


três foram em busca de ajuda, qual irmão você acha que eles
encontraram primeiro? — Perguntou Alyx.

Nem Miles nem Elizabeth tiveram uma resposta para ela.

— Rogo que não seja Raine. — Sussurrou Alyx. —


Acredito que Raine atacaria primeiro e faria as perguntas
depois.

Em silêncio, ficaram olhando como se aproximavam seus


salvadores.

LRTHistóricos 390
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Capítulo Vinte e Um
Cavalgando junto a Raine e Etienne Montgomery se
encontrava Roger Chatworth, sua boca uma linha apertada,
seu braço direito — o braço da espada — enfaixado fortemente,
mas ainda sangrando, e ao seu lado, Bronwyn ostentando o
que muito em breve seria um magnífico exemplo de olho negro.
O sangramento do braço de Roger tinha sido o resultado de
seu encontro com Raine, e o olho de Bronwyn tinha sido a
consequência de ficar no meio de ambos. Judith teria se
juntado a disputa, mas John Bassett saltou de seu cavalo,
atirou-a ao chão e ali a manteve com firmeza.

Foram necessários quatro homens para segurar Raine e


não permitirem que despedaçasse Chatworth, mas por fim ele
se acalmou um pouco e permitiu que Judith e Bronwyn, que
cuidava do olho golpeado, contassem o que aconteceu.

Quando a história estava pela metade, todos os


Montgomery estavam de novo sobre suas montarias. Quando
Judith contou que Alyx terminou na mesma cela que Miles,
Raine voltou a saltar outra vez do cavalo e se lançar contra
Roger. Roger o manteve na raia com uma espada que
sustentava com sua mão esquerda, e os parentes de Raine
acalmaram a ambos.

LRTHistóricos 391
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Agora, enquanto se aproximavam do velho castelo


Lorillard, estavam todos calados.

Gavin Montgomery estava montado em seu cavalo,


absolutamente calado, com trezentos homens a suas costas,
observando como se aproximavam os outros Montgomery. Ao
seu lado se encontrava Sir Guy e o rosto cicatrizado do gigante
estava rígido como uma pedra. Guy preferia não recordar a
explosão de Gavin quando descobriu que Judith tinha vindo
para a França com outros homens.

— Ela não tem nenhuma experiência nesses assuntos! —


Rugiu Gavin. — Acredita que fazer uma guerra é como limpar
um lago de peixes. Oh, Senhor! — Ele orava com fervor olhando
o céu. — Se ainda estiver viva quando a encontrar, vou matá-
la com minhas próprias mãos. Adiante!

Stephen ordenou a seus homens que se aproximassem do


lado leste do castelo, enquanto que ele e Tam cavalgaram para
onde Gavin esperava pelo sul.

— Mulheres? — Ele gritou antes de chegar a Gavin.

— Nenhuma! — Respondeu seu irmão em voz tão alta que


seu cavalo se levantou sobre as patas traseiras.

Em meio de uma nuvem de pó, Stephen e Tam viraram


para o oeste em busca de Raine. Quando Stephen viu
Bronwyn, quase chorou de alívio, então franziu o cenho para
seu olho inchado.

LRTHistóricos 392
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— O que aconteceu? — Gritou por sobre o estrondo dos


cavalos, sem tocá-la, mas comendo-lhe com os olhos.

— Raine... — foi tudo o que Bronwyn pôde dizer, porque


Stephen soltou uma estrepitosa gargalhada. Olhou com afeto
a imensa figura de Raine, muito rígido sobre seu cavalo.

Bronwyn não se incomodou em olhar novamente seu


marido, mas sim, ficou junto à Tam.

— Stephen. — Chamou Judith. — Gavin está com eles?


— Ela apontou para o sul.

Stephen acenou com a cabeça uma vez, e Judith, seguida


de John, saiu disparada como um relâmpago para o grupo dos
Montgomery que aguardavam no sul.

Não houve luta.

O novo duque de Lorillard, que obviamente acabava de


levantar da cama, com os olhos vermelhos e a pele cinza
esverdeado pelos excessos da noite anterior, não teria chegado
à avançada idade de cinquenta e oito anos, se tivesse tentado
lutar contra os mil homens enfurecidos que rodeavam seu
castelo. Demonstrando a fé que tinha na honra do nome dos
Montgomery, caminhou entre os cavaleiros armados e disse a
Gavin que em troca de sua própria liberdade, os Montgomery
podiam levar tudo o que quisessem, ou a quem quer que eles
quisessem, sem a perda de uma única vida.

LRTHistóricos 393
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Raine não quis aceitar os termos do homem, porque o


duque estava rendendo não só suas terras, mas também a dois
de seus filhos. Raine acreditava que um homem que se
comportava dessa forma merecia a morte.

Bronwyn e Judith imploraram em resgatar os prisioneiros


da forma mais simples possível.

Finalmente foi Gavin, como irmão mais velho, quem teve


a palavra final. O duque, com cinco de seus guardas, poderia
partir em sua montaria, depois que ordenasse abrir todos os
portões.

Entre protestos, as duas mulheres tiveram que ficar para


trás, enquanto os três irmãos, Roger e uma dúzia de primos
penetraram na desmoronada fortaleza do duque.

Poderia ser que os ocupantes da fortaleza não soubessem


— ou não se importassem — que estivessem sob ataque, ou
talvez, como sugeriu Stephen, não fosse a primeira vez que
ocorria isso. Ninguém despertou do estupor da bebedeira.
Homens e mulheres estavam esparramados pelo chão e sobre
alguns bancos.

Cautelosamente, com as espadas nas mãos, os homens


tentavam não pisar nos corpos deitados, enquanto
procuravam a escada que Bronwyn e Judith haviam descrito.

No alto da escada os três irmãos investiram com os


ombros contra uma porta trancada que se abriu para a sala
onde estavam as celas.

LRTHistóricos 394
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Aqui está! — Disse Roger, tomando uma chave da


parede e abrindo a pesada porta de madeira.

Eles foram recebidos por Miles, parecendo calmo e


contente consigo mesmo, um braço ao redor de cada mulher.

Alyx correu, saltou nos braços de Raine e ele a manteve


apertada contra seu corpo, seus olhos úmidos enquanto
enterrava seu rosto em seu pescoço.

— Cada vez que se aproxima de suas cunhadas, — ele


disse — faz coisas como esta. De agora em diante...

Rindo, Alyx o beijou para fazê-lo calar. Elizabeth se soltou


dos braços de Miles e se aproximou de Roger, acariciou-lhe a
bochecha e tocou o braço ensanguentado.

— Obrigada. — Sussurrou. Ela se voltou para Gavin, seus


olhos se encontraram, e ela acenou com a cabeça para ele.

Ainda não podia esquecer como ele a insultou.

Gavin, com um sorriso que suavizou suas feições duras,


abriu os braços para ela.

— Você e eu poderíamos começar de novo, Elizabeth? —


Ele perguntou brandamente.

Elizabeth se aproximou, abraçou-o, e quando Bronwyn e


Judith chegaram, houve mais trocas de beijos e abraços.

As palavras de Miles quebraram o feitiço da feliz reunião.


Com os olhos cravados em Roger, disse:

LRTHistóricos 395
Anjo Audaz — Jude Deveraux

— Vamos?

Roger fez um aceno de cabeça, Miles tomou uma espada


da mão de um jovem primo.

— Agora não é o momento para uma luta. — Enfatizou


Stephen, mas se tranquilizou ao ver a expressão de Miles.

— Chatworth me ajudou. Agora vou com ele.

— Com ele? — Explodiu Raine. — Já esqueceu que ele


matou Mary?

Miles não respondeu, e abandonou a cela atrás de Roger.

— Raine, — disse Alyx com sua voz mais doce — Miles


está muito ferido e também Roger, e eu tenho certeza que eles
vão atrás desta mulher que Roger quer.

— Christiana! — Elizabeth disse saindo de seu estado


atordoado. Ela não tinha ideia de onde seu irmão e marido
estavam indo. — Judith! Bronwyn! Alyx! — Ela se virou.

Sem vacilar nem um momento, as quatro mulheres se


dirigiram para a porta.

Sem uma palavra, e em uníssono, todos os homens


pegaram suas esposas pela cintura. Raine pegou Alyx e
Elizabeth, e levou-as para a cela, onde eles rapidamente as
trancaram dentro. Por apenas um momento os homens
piscavam e se olhavam ao ouvirem a variedade das maldições
e dos insultos das mulheres presas.

LRTHistóricos 396
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Judith entoou a Bíblia, Bronwyn gritava em gaélico,


Elizabeth usava o vocabulário de um soldado. E Alyx! Alyx
usava sua magnífica voz para fazer tremer as pedras.

Os homens se olharam, sorriram de um para o outro com


ar triunfante, fizeram um sinal aos jovens primos que os
seguissem e abandonaram o lugar.

— Jamais acreditei que chegaria o dia em que ajudaria a


um Chatworth. — Murmurou Raine, mas se deteve quando
ouviu o entrechocar de aço.

Seis guardas, acordados, alertas, estavam vigiando o


quarto onde se encontrava Christiana, e atacaram Roger e
Miles assim que os viram.

A ferida da lateral de Miles se abriu instantaneamente


quando transpassou a um homem com sua espada, saltou
sobre o corpo caído e se lançou contra outros dois. Roger
perdeu a espada de sua mão esquerda, pulou sobre o corpo do
homem que Miles liquidou, caiu, agarrou e empunhou a
espada com a mão direita, levantou-se e matou o homem que
tinha a sua frente. A ferida de seu braço voltou a abrir.

Outro homem chegou a Roger, ele ergueu o braço ferido


impotente. Mas quando a espada do guarda quase tocou a
barriga de Roger, o guarda caiu para frente, morto. Roger rolou
a tempo de ver como Raine puxava sua espada das costas do
morto.

LRTHistóricos 397
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Os três irmãos se uniram e ficaram em posição de


proteção a Roger e Miles, e rapidamente despacharam os
restantes dos guardas. Eles limparam suas espadas nas
tapeçarias que estavam nas proximidades.

Foi Raine quem ofereceu sua mão a Roger, e por um


momento Chatworth ficou olhando-a, como se se tratasse de
uma oferta de amizade proveniente de uma serpente venenosa.
Com os olhos abertos, inquisitivos, Roger aceitou a mão
ofertada e permitiu que Raine o ajudasse a ficar de pé em meio
dos corpos caídos. Seus olhos ficaram fixos um no outro, e
segundos depois Roger se aproximou da cama e puxou para
trás as cortinas.

No centro estava Christiana enrolada como uma bola,


usando apenas um pedaço fino de lã, seu corpo negro e azul.
Tinha os olhos fechados e inchados, os lábios partidos.

Lentamente, Roger se ajoelhou junto à cama e tocou com


a ponta dos dedos, suavemente sua têmpora.

— Roger? — Ela sussurrou e tentou sorrir, o que fez com


que seu lábio inferior começasse a sangrar.

Com uma expressão furiosa, Roger se inclinou e tomou-a


em seus braços. A mão de Raine se apoiou em seu ombro.

— Vamos levá-la para o sul com nossa família.

Roger apenas balançou a cabeça e levou Chris para fora


do quarto.

LRTHistóricos 398
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Gavin ajudou Miles a ficar de pé.

— Onde estão as mulheres? — Perguntou Miles.

Seus irmãos estavam estranhamente silenciosos e


pareciam um pouco temerosos.

— Nós... ah... enfim... — começou a dizer Stephen.

Gavin levantou a cabeça.

— Acredito que cavalgarei adiante. Tome! — Gavin atirou


uma chave para Miles. — Talvez seja melhor você cuidar das
mulheres.

— Sim! — Stephen e Raine acrescentaram


apressadamente, os três tropeçando, ao mesmo tempo em
direção a porta, para abandonarem o quarto.

Miles olhou para a chave na mão, percebendo que era a


chave da cela onde ele esteve trancado.

— Não terão se atrevido! — Gritou, mas seus irmãos já


tinham desaparecido.

Por um momento ele ficou onde estava, e finalmente


começou a rir. A rir como nunca antes o tinha feito.

Poucos anos atrás, ele e seus irmãos viviam sozinhos em


seus pequenos e seguro mundos de simples batalhas e
guerras.

LRTHistóricos 399
Anjo Audaz — Jude Deveraux

Então, um a um, haviam desposado a quatro mulheres


bonitas, encantadoras... e, realmente, aprenderam o que era a
verdadeira guerra.

Ele e seus irmãos acabaram de tomar um castelo,


mataram a vários homens sem se preocuparem com o perigo,
mas quando tiveram que confrontarem com quatro mulheres,
furiosas, encerradas em uma cela, eles se tornaram covardes
e fugiram.

Miles se dirigiu para a porta fechada. Graças a Deus que


ele não teve nada a ver com o fechamento das mulheres. Sentiu
pena de seus irmãos, quando encontrassem novamente suas
esposas.

Mas como se alegrava! Pensou em todas as vezes que o


tinham tratado como o "irmãozinho mais novo". Agora, eles
iriam pagar por todos os truques e brincadeiras que
praticaram com ele.

Jogou a chave no ar, voltou a apanhá-la e, sorrindo,


dirigiu-se para a cela cheia de mulheres bonitas. Muito bem,
ele poderia trancar-se com todas elas, por uns dias...

O que aconteceu com cada um dos protagonistas?

Christiana se recuperou por completo, casou-se com


Roger Chatworth e dez anos depois, quando já quase tinham

LRTHistóricos 400
Anjo Audaz — Jude Deveraux

perdido as esperanças, tiveram uma filha, que, para desgraça


de Roger, desposou um Montgomery do sul da Inglaterra.

O nome Chatworth desapareceu, com a exceção de que,


de vez em quando, uma criança se chamaria Chatworth
Montgomery.

Miles e Elizabeth tiveram ou adotaram um total de vinte


e três filhos, e um de seus filhos, Philip, foi um grande favorito
do rei Henry VIII. Mais tarde, dois netos de Miles foram para o
novo país América e permaneceram por lá.

Raine foi contratado pelo Henry VIII para que treinasse


seus jovens cavaleiros, e Alyx se transformou em dama de
companhia da rainha Catherine. A corte era um lugar feliz, e o
rei ouviu e colocou em prática algumas das reformas que Raine
queria. Raine e Alyx tiveram três filhas, e a do meio herdou o
talento musical de sua mãe. Há uma lenda que conta que
alguns dos grandes cantores de nosso tempo são descendentes
de Alyxandria Montgomery.

Bronwyn e Stephen tiveram seis filhos, cinco varões e


uma menina. O nome de Bronwyn transformou-se em uma
lenda no clã, e ainda hoje as crianças do clã MacArran cantam
seus louvores. A filha de Bronwyn se casou com o filho de
Kirsty MacGregor. Ele tomou o nome de MacArran e acabou se
tornando Laird.

Lachlan MacGregor desposou uma das filhas de Tam, e


se apaixonou de tal forma por ela que deixou todos os assuntos

LRTHistóricos 401
Anjo Audaz — Jude Deveraux

do clã em mãos de seus homens. Davy MacArran lutou pelo


poder, triunfou e se transformou em um MacGregor. Mas a
filha de Lachlan, a esposa de Davy, não era a dama dócil que
todos acreditavam, e no final, ela era na verdade a Laird
MacGregor.

Judith e Gavin seguiram cuidando das herdades dos


Montgomery.

Prosperaram e deixaram a propriedade em tão boas


condições econômicas, que hoje constitui uma das maiores e
mais ricas casas particulares do mundo.

Uma das descendentes de Judith tem a seu cuidado a


propriedade. É uma mulher pequena e bonita, com uma
estranha cor de olhos. Solteira porque jamais encontrou um
homem que tenha cumprido em sua vida, metade das coisas
que ela tem feito na dela. Na semana que se aproxima tem uma
entrevista com um norte-americano de trinta anos, milionário,
tendo feito fortuna por si próprio. Ele diz que é descendente de
um cavaleiro chamado Miles Montgomery.

Eu tenho grandes esperanças neles.

Jude Deveraux
Santa Fé, Novo México
Junho de 1982

LRTHistóricos 402
Fim

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