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Comunicação e Trabalho

Estudo de Recepção: o mundo do trabalho como mediação da comunicação

Capítulo 1 – As teorias da Comunicação e o sujeito

1. Estudos de Recepção
. Aqui, a autora destaca a característica diferenciadora dos Estudos de Recepção
das demais teorias comunicacionais, notadamente os Estudos Críticos e o
Funcionalismo.
. Todas as teorias da comunicação se propõem a tratar do mesmo tema, qual
seja, a transmissão de informação entre um emissor e um receptor por um
meio.
. As Ciências, como arcabouços de conceitos, métodos e técnicas, se constituem
a partir das perguntas que se propõem a responder.
. Dessa maneira, a problemática dos Estudos de Recepção está em como se dão
as interrelações emissor-receptor e quais os fatores intervenientes nessa
relação, bem como quais as formas de apropriação e ressignificação dos
sentidos que circulam na pluralidade dos discursos sociais e que constituem o
material simbólico tanto de emissores quanto de receptores.
. Dito de forma resumida, os Estudos de Recepção são menos lineares ao
abraçar a subjetividade como complexidade dessa relação e não enxergar a
comunicação como uma remessa de informações, pois a teoria assume que
“entre esses dois polos – emissor e receptor – existe a vida” – interrelações
que dão sentido e constituem a subjetividade dos indivíduos

1.1. O sujeito
. O sujeito é um indivíduo singular, único, inserido numa determinada época
histórica, espaço, relações sociais e universo cultural.
. Se constitui da polifonia de discursos da sociedade.
. É um ser ativo que produz sentido em relação ao mundo por ele vivido:
. na filogênese (Ser resultado do processo histórico humano)
. na ontogênese (Ser como processo do seu próprio tempo de vida)
. Não é um EU autômato e autônomo, desligado da sociedade, fonte absoluta
de significação, capaz de tirar e criar de si mesmo todos os sentidos.
. É antes um sujeito social: surge como produto da sociedade, em função da
multiplicidade das condições sociais materiais e de suas camadas.
. “O indivíduo objetiva-se e constitui sua própria subjetividade por possuir a
característica de agir, de atuar sobre as condições dadas, transformando-as e
transformando a si próprio”.
. E o trabalho é a forma fundamental de atividade transformadora, pois
através dele o homem cria algo de algo, não do nada!
. Assim, a concepção marxista de sujeito tem 3 aspectos:
. o indivíduo como parte da natureza, como objeto
. o indivíduo como parte da sociedade (concepções, opiniões, valores)
. o indivíduo como fruto da autocriação
. Sujeito é dialético e dialógico
. porque conflui na contradição própria do seu existir uno e social
. porque é sujeito apenas quando capaz de se constituir também do
outro
. “O homem é indivíduo/social porque tem na constituição da sua
subjetividade a subjetividade de um corpo social histórico, cultural, marcado
e distinto de outras sociedades, que foi apropriada de forma particular e
pessoal.”

Nas teorias da comunicação raramente o sujeito foi assim compreendido!

1.2. O sujeito receptor nas teorias da Comunicação

1.2.1 Teoria hipodérmica (1920s – 1930s)


. Pressuposto – o público ser atingido individual e diretamente pela mensagem
. Suporte teórico behaviorismo (estímulo-resposta)
. Sociedade de massa – sujeito é um “branco amorfo”
. Cada indivíduo é um átomo que reage isoladamente às ordens e às sugestões
dos meios de comunicação de massa monopolizados
. Comunicação tem 4 funções
. resguardar o status quo
. considerar o lugar que o indivíduo ocupa na sociedade para produzir
uma resposta
. Transmitir a herança social
. entretenimento (acrescentada por Lazarsfeld)

1.2.2 Do estrutural funcionalismo à hipótese dos efeitos e gratificações (1930s


– 1940s)
. “A teoria Funcionalista define a problemática dos mass media a partir do
ponto de vista da sociedade, de seu equilíbrio, da perspectiva do
funcionamento do sistema social no seu conjunto e no contributo que as suas
componentes dão a esse funcionamento”
. O Estrutural Funcionalismo salienta a ação e não o comportamento.
. Sociedade é um sistema orgânico global e as partes desempenham funções.
Meios de comunicação incluídos.
. 1960s – Usos e gratificações – receptor passa a ser valorizado como iniciador,
seja de mensagens de retorno, seja no sentido de por em prática processos de
interpretação com certo grau de autonomia.

1.2.3 Teoria da Informação (1940s)


. Dispensa a abordagem sociológica e fundamenta-se no esquema linear
“origem-fim” “emissor-canal-receptor” baseado no modelo matemático da
engenharia de telecom: objetiva melhorar a velocidade de transmissão de
informações, diminuir ruídos e aumentar o rendimento.
. Esquema de Claude Shannon
. Abordagem Informacional influencia tanto o Funcionalismo quanto a
abordagem Sistêmica (que usa a teoria dos sistemas e um vocabulário biológico
para descrever os fenômenos comunicacionais como um sistema nervoso
humano).
1.2.3.1 A superação do modelo informacional
. As pesquisas, ao pensarem nos efeitos da mensagem, passam a se preocupar
com a decodificação e interpretação, salientando a ação interpretativa do
receptor, dando novo status à subjetividade.
. Adoção dos modelos semióticos textual e informacional
. A abordagem semiótico-textual adiciona uma camada de abstração
metalinguística

1.2.4 Teoria Crítica


. Seu ponto de partida teórico é a crítica ao sistema econômico de mercado.
. Parte de uma proposta política de reorganização racional da sociedade de
modo a superar a crise da sociedade de massa
. Para ela, “a fabricação em série, a uniformização dos produtos sela a
degradação filosófico-existencial da cultura, estandardiza o gosto do público e
suas necessidades. É a indústria cultural.”
. Indivíduo assujeitado: o sujeito é separado e privado da sua subjetividade: á
apenas reflexo da sociedade e é expressão da reprodução social.
. Desconsidera a capacidade de ação do homem sobre a sociedade,
transformação, autocriação (Marxismo)

1.2.5 Estruturalismo (1960s)


. A estrutura da linguagem é a chave de análise – ela é composta por língua e
palavra, significante e significado, sistema e sintagma, denotação e conotação.
Os objetos principais de estudo são o código, a mensagem e a maneira como
ela se estrutura e, portanto, comunica.
. Mas também parte do pressuposto de um receptor médio, massa, ideal.
. Na intersecção do estruturalismo com a teoria crítica, Morin “retira do
conceito de indústria cultural o peso do que o caracteriza como processo de
alienação para ressignificá-lo como conjunto de mecanismos e operações
através dos quais a criação cultural se transforma em produção.”
. Na leitura estruturalista do marxismo, Althusser enxerga o indivíduo sem
poder de determinação, confinado num processo de reprodução social de uma
formação social historicamente determinada cuja representação simbólica e
consequente dominação ideológica é assegurada pelos aparelhos ideológicos
do Estado, dentre os quais os próprios meios de comunicação.
. Bordieu fala sobre a violência oculta nos símbolos sociais e desloca o objeto de
análise da estrutura do texto para a estrutura da sociedade (habitus e campo)
. Foucault vê os meios de comunicação como aparatos de poder e dispositivos
de vigilância
. Baudrillard introduz o simulacro: os meios de comunicação tornam impossível
o intercâmbio e, assim, forjam uma situação de simulação de respostas
integradas no próprio processo de emissão, reiterando o caráter unilateral da
comunicação.

1.3. Cultura como problemática da comunicação: Estudos Culturais


. “Se ampara na Antropologia para redefinir a Cultura como processo global
através do qual as significações se constroem social e historicamente e são, ao
mesmo tempo, elementos importantes de sua constituição.”
. “Cultura é um sistema de significações mediante o qual necessariamente
uma dada ordem social é comunicada, reproduzida, vivenciada e estudada.”
. Williams se opões à visão de um marxismo redutor que subjuga a cultura,
enquanto superestrutura, ao determinismo econômico e tecnológico. Precisa
admitir a complexidade e a diversidade, a continuidade dentro da mudança, o
acaso e certas autonomias limitadas.
. Gramsci – Hegemonia é a capacidade de um grupo exercer, através da direção
política, o controle da sociedade.
. A construção da hegemonia pressupõe mediação e compromisso entre
interesses do grupo dominante e dos grupos aliados e subordinados.

2. A abordagem da recepção
. Ajuda na compreensão do que se passa no processo comunicacional e como
essa comunicação adquire sentido e valor ao tornar-se conhecimento para o
sujeito receptor.
. Hibridização – de maneira dialética, as forças que buscam homogeneização
dos diferentes sentidos e expressões culturais acabam gerando uma nova força
de hibridização das culturas
. As sociedades se fazem na materialidade das práticas cotidianas, é no
cotidiano que a vida se objetiva e é nele que os indivíduos se subjetivam.
. O intercâmbio enunciador / enunciatário (Baccega) gera mais complexidade e
não se deve tomar tanto emissor quanto receptor sem levar isso em conta
. Estudar a recepção é entender o processo comunicativo de um outro lugar, o
das práticas culturais

2.1. Recepção e circularidade de discursos


. Circularidade é um movimento de choques e entrechoques, de apropriações,
desapropriações, alterações, transformações de sentidos de expressões
culturais diferentes e de temporalidades sociais também diferentes, compondo
uma outra chave de leitura do texto, tomado como início e não como fim do
processo de significação.
. Contrária à visão progressiva e linear da História: existem diferentes e
múltiplas temporalidades históricas em uma mesma sociedade.
. Destempos: Martin-Barbero fala de anacronias que são inúmeras esperas de
acontecimentos, que fazem parte do cotidiano, do vivido, mas também da
memória e das práticas sociais das inúmeras culturas existentes na
contemporaneidade.

2.2. Recepção, culturas e hegemonia


. A comunicação analisada do ponto de vista da recepção, ou seja como
processo no qual estão circulando múltiplos sentidos, expressões de modos de
vida diferenciados, de manifestações culturais diferentes que se entrecruzam,
num movimento de busca por hegemonia, entende a cultura como uma das
categorias centrais.
. Williams – cultura é o campo simbólico e material das atividades humanas.

2.2.1. Do popular ao massivo


. Chauí - “O conceito de hegemonia inclui o de cultura como processo
social global que constitui a visão de mundo de uma sociedade e de uma
época, e o conceito de ideologia como sistema de representações,
normas, valores da classe dominante que ocultam sua particularidade
numa universalidade abstrata.”
. A cultura popular é a expressão dos dominados, buscando as formas pelas
quais a cultura dominante é aceita, interiorizada e transformada, tanto
quanto as formas pelas quais é recusada, enganada e afastada pelos
dominados.
. O advento da imprensa permitiu a reprodução das informações e do
conhecimento. E a Revolução Industrial trouxe a cultura de massa.
. O melodrama é o vértice do processo que leva do popular ao massivo.

2.2.2. Hegemonia versus cultura híbrida


. As expressões culturais são arenas de disputas por sentidos
. A hibridização criar novos sentidos
. É necessário entender os processos culturais e como eles são
reapropriados e utilizados pelos setores dominantes para tornar a sua
política hegemônica, caso contrário só poderia exercê-la pela força.

2.3. As mediações nos Estudos de Recepção


. Segundo Williams, o termo “mediações” vem substituir e modificar a ideia de
“reflexo” das relações sociais nas obras de arte e da arte nas relações sociais,
pois esse termo pressupõe uma ideia linear de comunicação como transmissão.
. Martin-Barbero e as 3 dimensões das mediações
. Socialidade – as tramas que formam os sujeitos em sua luta por
redesenhar a ordem, considerando as negociações cotidianas com o
poder e suas instituições.
. Ritualidade – repetição, operacionalidade, ritmo, as rotinas que tornam
possível a expressão dos sentidos
. Técnica – a dimensão que articula a inovação à discursividade, à
competência de linguagem
. Orozco sugere 4 tipos de mediações
. Individual – especificidade do sujeito enquanto indivíduo
. Situacional – a situação como interação, o ambiente interfere no
processo de recepção
. Institucional – as instituições das quais os receptores participam
. Tecnológico – especificidades de cada linguagem e formulação de
gêneros
Habermas e a comunicação como propedêutica do consenso na gestão do
capitalismo

. O texto critica a abordagem da relação sociedade e poder proposta por Habermas


. Os pressupostos de Habermas para as teorias da ação e razão comunicativas estão
lastreados pela concepção liberal, social-democrata, surgidas no espírito do pós-guerra
do estado de bem-estar social, com as normativas da ordem mundial inspiradas por
instituições pluri e supranacionais, como a ONU.
. Habermas foca sua teoria na comunicação pela via da linguagem como elemento
exclusivo de consenso entre os indivíduos, desprezando o conceito de trabalho como
elemento ontológico da constituição do sujeito e da sociedade.
. Os acontecimentos dos últimos 50 anos demonstraram na prática que a teoria do agir
comunicativo de Habermas não respondeu à demanda para que os valores humanistas
da modernidade se realizassem.
. Para Habermas, a linguagem verbal é capaz de construir o consenso, a persuasão e a
base para o entendimento, e assim se conquista o acordo social, a razão, o bom senso
e a civilidade na esfera pública.
. Mas “a potência dos conceitos habermasianos não alcançam dar explicações para o
real vivido da história e na contemporaneidade.”
. Habermas se contrapõe à escola de Frankfurt: os frankfurtianos querem construir
uma ciência social crítica, enquanto Habermas quer propor uma explicação racional
para o funcionamento da sociedade e encontrar o equilíbrio de uma espera pública
consensuada – para isso, constrói uma racionalidade normativa para a gestão política
da sociedade.
. Ao afastr a categoria trabalho e o conceito de História, ele ao mesmo tempo rompe
com a tradição marxista do materialismo histórico, renega sua influência frankfurtiana,
como também os referenciais emancipacionistas das classes subalternas – a gestão
social e política é realizada por agentes racionais que tomam lugar e função na esfera
pública, sem levar em conta os interesses privados e o acúmulo de riqueza e de poder,
pois todas essas distorções podem ser administradas pela razão comunicativa.
. “Habermas desconstrói o conceito de emancipação no marxismo para reconstruí-lo
como situação ideal de fala na esfera pública
. Para ele, razão, relação interpessoal regulada e civilização se relacionam – a
capacidade de argumentação como forma de discurso regula a ação.
. “A recuperação da razão – perdida pelos excessos do capitalismo de
oligopólios – é reconstruída pela ação comunicativa, dos atores que têm lugar
de fala garantidos na esfera pública.”
. “Habermas atribui à fala o campo da realidade.”
. Ao se desconsiderar a História como campo científico que nos permite entender o
presente e o futuro a partir das formas materiais e subjetivas já vividas, perde-se o
processo, a contradição, as possibilidades do ineditismo da ação humana.
. O entendimento seria da própria natureza linguística da comunicação humana, uma
questão de evolução social.
. Funcionalistas entendem a comunicação como lugar de regulação das tensões sociais
. A comunicação e o consenso se baseiam em 3 funções:
. representar algo por meio de frase
. expressar intenções do falante
. estabelecer relações interpessoais legítimas
. O consenso é construído por meio de 4 condições:
. compreensão do proferimento
. reconhecimento mútuo da verdade do enunciado
. correção da norma para que o ato de fala tenha validade
. não colocar em causa a sinceridade dos sujeitos em situação de fala
. As pretensões de validade são:
. verdade proposicional (mundo objetivo)
. correção normativa (mundo social)
. veracidade subjetiva (mundo subjetivo)
. A teoria da comunicação se consubstancia, para Habermas, numa específica filosofia
da linguagem. O fundamento dessa filosofia não reconhece na palavra a materialidade
das contradições advindas da luta de classes.
. Para Habermas, só a lógica racional e de ação comunicativa do Mundo da Vida pode
regular o Sistema em favor dos interesses civilizatórios.
Para nós, é fundamental o retorno à reflexão sobre trabalho e comunicação como
constitutivos do humano.
. A teoria de Habermas passa então por apropriações das mais indevidas, muito
embora, haja lastro para isso. Como exemplo, podemos lembrar como a ação
comunicativa tem sido utilizada em conjunção com teorias de gestão da força de
trabalho na reestruturação produtiva, iniciada desde finais dos anos de 1990, trazendo
formas de expressão e de organização sociais que iludem os trabalhadores,
desestruturam as organizações de cunho classista, criam um vocabulário simulador de
acordos nunca pactuados, muito menos em igualdade de condições da situação ideal
de fala.

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