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Multicultura lismo

Embora as sociedades multiculturais existam há muito tempo - como o Império


Otomano, que atingiu o auge no final do século XVI e início do XVII, e os Estados
Unidos, a partir do início do século XIX -, o termo "multiculturalismo" é relativamente
o o sintoma de recente. Ele foi usado pela primeira vez em 1 965, no Canadá, para descrever uma forma
om seriedade. específica de se lidar com a questão da diversidade cultural. Em 1 97 1 , o multiculturalis­
m. Londres:
·
mo, ou o "multiculturalismo numa estrutura bilíngue", foi adotado de maneira formal
· · os. Rio de
·
como política pública no Canadá e proporcionou a base para a implantação da Lei do
Multiculturalismo em 1 988. A Austrália também se declarou oficialmente multicultural
razo. e se comprometeu com o multiculturalismo no início dos anos 1 970. No entanto, o
andpolitical termo só ganhou importância no debate político mundial a partir da década de 1 990.
sociólogos reno­ O multiculturalismo é mais uma arena para o debate ideológico do que uma ideolo­
mundo. gia em si. Como arena, engloba uma série de pontos de vista a respeito das consequências
emakingpolitics, da crescente diversidade cultural e, em particular, acerca de como é possível conciliar
ress, 1993. Parte diferença cultural e unidade cívica. Portanto, seu ponto central é a diversidade dentro da
unidade. A postura multiculturalista implica um firme apoio à diversidade no interior
da comunidade, tomando como base o direito de diversos grupos culturais ao reconhe­
cimento e ao respeito. Nesse sentido, o multiculturalismo reconhece como as crenças, os
valores e os estilos de vida são importantes para que os indivíduos ou grupos desenvol­
vam o respeito por si próprios. Culturas diferentes merecem ser protegidas e fortalecidas,
principalmente quando pertencem a grupos minoritários ou vulneráveis. Existem, po­
rém, vários modelos conflitantes de sociedade multicultural que se baseiam, de maneiras
variadas, nas ideias do liberalismo, do pluralismo e do cosmopolitismo. Além disso, a
roe confiável do postura multiculturalista também é profundamente controversa e deu origem a uma
várias partes da série de objeções e críticas.

va York: Oxford Origens e evolução

O multiculturalismo surgiu pela primeira vez como postura teórica por meio das
atividades do movimento de consciência negra na década de 1 960, sobretudo nos Esta­
dos Unidos. A origem do nacionalismo negro remonta ao início do século XX e ao
surgimento do movimento de "volta para a África", inspirado em personalidades como
o ativista político jamaicano Marcus Garvey ( 1 8 87- 1940) . Mas foi nos anos 1 960 que

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- Do femi n ismo a o m ulticultu ra lismo (11. 2 )

a política negra ganhou maior notoriedade, com a ascensão das alas reformista e revolu­
cionária do movimento. Sob o aspecto reformista, o movimento tomou a forma de uma
luta pelos direitos civis, que ganhou importância nacional nos Estados Unidos sob a
liderança de Martin Luther King (1 929- 1 968) . Essa estratégia da desobediência civil
não violenta foi rejeitada pelo movimento Black Power, que apoiava o separatismo negro
e promovia o uso da luta armada sob a liderança do Partido Panteras Negras, fundado
em 1 966. Já os Muçulmanos Negros (hoje a Nação do Islã) foram os que exerceram a
influência mais duradoura. Eles defendiam uma doutrina separatista baseada na ideia de
que os negros norte-americanos descendiam de uma antiga tribo muçulmana. Fundado
em 1 929, o movimento foi liderado durante mais de 40 anos por Elijah Mohammad
(1 897-1 975). Entre seus ativistas mais importantes nos anos 1 960 estava o líder negro
militante Malcolm X ( 1 925-1 965).
O final dos anos 1 960 e o início da década seguinte testemunharam uma crescente
assertividade política entre os grupos minoritários, às vezes expressa por meio de um
nacionalismo etnocultural em muitas partes da Europa ociden­
tal e na América do Norte. Isso ficou mais evidente entre a
população de língua francesa do Quebec, no Canadá, mas tam­
bém pôde ser visto na ascensão do nacionalismo escocês e galês no
Reino Unido, bem como no crescimento de movimentos separa­
tistas na Catalunha e na região basca (Espanha), na Córsega
(França) e em Flandres (Bélgica). Também se verificou uma ten­
dência à assertividade étnica entre os nativos americanos no Canadá e nos Estados
Unidos, entre os povos aborígenes da Austrália e os maoris da Nova Zelândia. O ponto
comum entre essas formas emergentes de política étnica era o desejo de contestar a mar­
ginalização econômica e social e, por vezes, a opressão racial. Nesse sentido, a política
étnica era um veículo para a libertação política, e suas grandes adversárias eram a desvan­
tagem estrutural e a desigualdade arraigada. Para os negros da América do Norte e da
Europa ocidental, por exemplo, o estabelecimento de uma identidade étnica proporcio­
nava uma maneira de confrontar a cultura branca dominante que tradicionalmente
enfatizava sua inferioridade e exigia subserviência.
Além de proporcionar uma maior assertividade entre os grupos minoritários estabe­
lecidos, a política multicultural também foi reforçada por novas tendências nas
migrações internacionais a partir de 1 945, o que ampliou de maneira significativa a
diversidade cultural em muitas sociedades. Os índices de imigração dispararam nesse
período, uma vez que os países ocidentais estavam recrutando trabalhadores estrangei­
ros para ajudar no processo de reconstrução do pós-guerra. Em muitos casos, as rotas
das migrações eram traçadas pelas conexões entre os países europeus e suas antigas co­
lônias. Assim, por exemplo, a maioria dos imigrantes que chegou ao Reino Unido nos
anos 1 950 e 1 960 veio das Índias Ocidentais e do subcontinente indiano, enquanto os
imigrantes da França eram oriundos em grande parte da Argélia, do Marrocos e da
Tunísia. No caso da Alemanha Ocidental, os imigrantes eram Gastarbeiter (trabalhado-

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M u lticulturalismo

res convidados), em geral recrutados na Turquia ou na Iugoslávia. Os imigrantes nos


Estados Unidos a partir de 1 970 vieram sobretudo do México e de outros países da
América Latina. Estima-se que a comunidade latina (ou hispânica) nos Estados Unidos
excederá o número de negros em 20 1 0* e que, em 2050, cerca de 25% da população
americana será de latinos.
Contudo, a migração entre fronteiras intensificou-se nos anos 1 990 ao redor de
todo o mundo, criando o que alguns chamam de "planeta hipermóvel". Há duas
grandes razões para isso. Primeiro, existe um número cada vez maior de refugiados,
que chegou a um pico de 1 8 milhões em 1 993. Isso foi resultado do recrudescimen­
to da guerra, do conflito étnico e das transformações políticas da era pós-Guerra Fria,
em regiões como Argélia, Ruanda, Uganda, Bangladesh, Indochina e Afeganistão. A
queda do comunismo no Leste europeu entre 1 989 e 1 99 1 contribuiu para esse fato
crescente ao criar, quase da noite para o dia, um novo grupo de migrantes e ao incitar uma
· de um série de conflitos étnicos, em especial na antiga Iugoslávia. Em segundo lugar, a glo­
a ociden­ balização econômica intensificou a pressão para a imigração de diversas maneiras. Os
e entre a
imigrantes foram "empurrados" por conta da ruptura do modelo econômico causada
pelo acirramento da concorrência internacional, pela influência de empresas transna­
cionais e pela pressão relativa à produção de bens para exportação em lugar do
atendimento das necessidades internas. No entanto, eles também foram "puxados" e
atraídos pelo desenvolvimento de um mercado de trabalho "dual" em muitos países
industrializados, por meio do crescimento de uma faixa de empregos mal remunera­
dos, de baixa qualificação e de baixo prestígio, que a população local está cada vez
menos disposta a aceitar.
No início dos anos 2000, um número cada vez maior de países ocidentais, incluin­
do quase todos os países-membros da União Europeia, havia incorporado oficialmente
o multiculturalismo à política pública: os governos reconheceram que as tendências
multiétnicas, multirreligiosas e multiculturais nas sociedades modernas haviam se tor­
nado irreversíveis. Em suma, apesar da contínua e, por vezes, crescente importância de
questões como a imigração e o asilo político, a volta ao monoculturalismo, com base
em uma cultura nacional unificadora, não é mais viável hoje em dia. Na realidade, a
questão ideológica mais premente que essas sociedades enfrentam atualmente é como
conciliar a diversidade cultural com a manutenção da coesão cívica e política.
Entretanto, um fator adicional colocou a política multicultural cada vez mais em
pauta: o advento do terrorismo mundial e o início da chamada "guerra ao terror". A
disseminação do fundamentalismo religioso (veja na p. 76) e, em particular, do islã
-

s, as rotas militante - nos países ocidentais estimula algumas pessoas a especular se o famoso
"choque de civilizações", de Samuel Huntington ( 1 996), estaria acontecendo não só
entre as sociedades, como também dentro delas. Se por um lado os defensores do

* Em 2008, a população hispânica já correspondia a 1 5 % da população local, superando a participa­


ção da população negra (12,8%). (N. da R.T.)

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Ideologias p o l íticas - Do feminismo ao m ulticultura l ismo (v. 2 )

multiculturalismo argumentam que o reconhecimento cultural e os direitos das mino­


rias ajudam a manter o extremismo político sob controle, seus adversários alertam para
o fato de que a política multicultural pode ocultar ou até mesmo legitimar o extremis­
mo político.

Temas principais - Diversidade na unidade

O termo "multiculturalismo" é usado de várias maneiras, tanto descritivas quan­


to normativas. Como termo descritivo, foi empregado em referência à diversidade
cultural que surge da convivência em sociedade de um ou mais grupos cujas crenças
e práticas geram um sentimento próprio de identidade coletiva. Nesse sentido, o
termo "multiculturalismo" é sempre reservado para a diversidade oriunda de diferen­
ças raciais, étnicas e de idiomas em uma comunidade. Também pode ser usado para
descrever as respostas governamentais a essa diversidade dentro da comunidade, na
forma de políticas públicas ou de projetos institucionais. As políticas p úblicas mul­
ticulturais, aplicadas à educação, saúde, habitação ou outros aspectos da política
social, são caracterizadas pelo reconhecimento formal das necessidades específicas de
determinados grupos culturais e por um desejo de assegurar a
igualdade de oportunidades entre eles. Já o projeto institucio­
nal multicultural vai além, ao tentar moldar a máquina do
Estado a questões de divisões étnicas, religiosas e outras exis­
tentes na sociedade. Sob a forma de consodadonalismo, ele
moldou a ação política em países como a Holanda, a Suíça e a
Bélgica, e foi também aplicado à Assembleia da Irlanda do
Norte e aos acordos constitucionais da Bósnia-Herzegóvina.
Já como termo normativo, o multiculturalismo implica aprovação à diversidade
dentro da comunidade, até mesmo uma celebração dela, em geral com base no direito
de diferentes grupos culturais ao respeito e ao reconhecimento, ou nos supostos bene­
fícios da diversidade moral e cultural para a sociedade como um todo. Todavia, o
multiculturalismo é mais um "espaço" ideológico que uma ideologia política em si.
Em vez de apresentar uma visão de mundo abrangente que delineie a perspectiva eco­
nômica, social e política da "boa sociedade", o multiculturalismo é, ao contrário, uma
arena em que são travadas discussões cada vez mais importantes acerca do equilíbrio
nas sociedades modernas entre a diversidade cultural e a unidade cívica. Ainda assim,
podemos identificar uma postura ideológica multiculturalista característica. Os temas
mais significativos no multiculturalismo são:
• pós-colonialismo;
• identidade e cultura;
• direitos das minorias;
• diversidade.

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M ulticultura l i s m o

Pós-colonialismo
Os fundamentos das ideias do multiculturalismo foram estabelecidos pelas teorias pós­
o extremis- -coloniais que surgiram com a derrocada dos impérios europeus, no início do período
pós-1 945. O nacionalismo negro que apareceu na década de 1960 pode ser considerado
uma manifestação do pós-colonialismo, assim como o próprio multiculturalismo pode ser
concebido como um de seus desdobramentos. A importância do pós-colonialismo foi que
ele procurou contestar e subverter as dimensões culturais do governo imperial por meio
do estabelecimento da legitimidade de ideias e correntes políticas não ocidentais e, por
vezes, antiocidentais.
O pós-colonialismo assumiu várias formas. Por exemplo, Gandhi propôs uma filoso­
fia política que amalgamou o nacionalismo indiano com a ética da não violência e da
abnegação que, no fundo, tem suas raízes no hinduísmo. Já Franz Fanon ( 1 925- 1961),
teórico revolucionário francês nascido na Martinica, deu ênfase às relações entre a luta
anticolonialista e a violência. Sua teoria do imperialismo enfatizou a dimensão psicoló­
gica da submissão colonial. Segundo Fanon (1 965), a descolonização não era um mero
s da política processo político, e sim um processo por meio do qual uma nova "espécie" de homem é
específicas de criada. Ele argumentou que apenas a experiência catártica tem a força necessária para
de assegurar a viabilizar essa regeneração psicopolítica.
Em Orientalismo ( Orientalism, [ 1 978] 2003), por vezes consi­
eurocentrismo�
derado o texto mais influente do pós-colonialismo, Edward Said réfere•se a valores e
desenvolveu uma crítica ao eurocentrismo. O orientalismo res­ teorias extraído.s da
cultura.\!uropéia e
salta o quanto a hegemonia cultural e política do Ocidente foi aplicados a oútros
imposta ao restante do mundo - em particular ao Oriente - por grupos e povos,
implicando uma
meio de estereótipos ilusórios cuidadosamente planejados que perspectiva
menosprezam e degradam os povos e a cultura não ocidentais. tendenciosa e
deturpada.
Exemplos desses estereótipos incluem ideias como o "Oriente
misterioso", o "chinês inescrutável" e o "turco lascivo".
supostos bene­ O pós-colonialismo contribuiu para o multiculturalismo emergente de duas ma­
o. Todavia, o neiras importantes. Primeiro, ele desafiou a visão de mundo predominantemente
política em si. eurocêntrica, uma vez que tentou dar aos países em desenvolvimento uma voz polí­
tica própria, à parte das pretensões universalistas das ideologias ocidentais, como
contrário, uma o liberalismo. Isso não só possibilitou que as religiões, ideias e filosofias não ociden­
a do equilíbrio tais fossem levadas mais a sério, como também estimulou uma reavaliação mais ampla
. Ainda assim, do pensamento político. Em especial, possibilitou que as ideias ocidentais e não oci­
dentais - por exemplo, as teorias políticas liberais e as teorias islâmicas - fossem
também consideradas legítimas na manifestação de tradições, valores e aspirações de
suas próprias comunidades. Segundo, o pós-colonialismo destacou a importância
política da cultura, ao focar especificamente o legado cultural do governo colonial.
Se há um estímulo para que as pessoas vejam uma cultura imposta como opressora e
degradante, elas são levadas a buscar a emancipação por meio da redescoberta de sua
cultura "nativa".

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- Do fem i n ismo ao multiculturalismo (v. 2 )

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Líder político e espiritual indiano (chama­ co, deu ao movimento pela independência
do Mahatma, "Grande Alma"). Advogado for­ da Índia uma enorme a utoridade moral e
mado no Reino Unido, Gandhi elaborou sua serviu de modelo p a ra ativistas de d i reitos
filosofia política enquanto trabalhava na Áfri­ civis que vieram depois, inclusive M a rtin
ca do Sul, onde organizou protestos contra a Luther King. Derivada do h i n d u ís m o, a filo­
discriminação. Quando voltou à Índia, em sofia política de Gandhi se baseia no pres­
1 91 5, tornou-se líder do movimento naciona­ suposto de que o u niverso é regu l a d o pela
lista e fez constantes campanhas pela inde­ primazia da verdade, ou satya. Como a hu­
pendência, que acabou sendo conquistada m a n idade é, "em última i n stância, u n a': o
em 1 947. Gandhi foi assassinado em 1 948 por amor, a consideração e a preocup a ção para
u m fanático hindu, tornando-se vítima da com os demais são a base natural d a s rela­
violência cruel entre hindus e muçulmanos ções h u ma nas. Quando lhe perg u ntaram o
que se seguiu à independência. que achava da civil ização ocidenta l, G a n d h i
Sua ética da não violência - ou satyagra­ d e u a célebre resposta de q u e "seria u m a
ha , reforçada por seu estil o de vida ascéti-
- b o a ideia''.

Identidade e cultura
O multiculturalismo é uma forma de política identitária. Essa política procura
promover os interesses de grupos específicos da sociedade, em geral diante da injustiça
social real ou aparente, por meio do fortalecimento da conscientização de seus inte­
grantes em relação à sua identidade coletiva e vivência comum. Nesse sentido, a
identidade relaciona o pessoal ao social e vê o indivíduo como que "inserido" em um
contexto cultural, social, institucional ou ideológico específico. Como tal, o multicul­
turalismo está arraigado em uma visão essencialmente comunitária da natureza
humana, segundo a qual não é possível entender as pessoas "forà' da sociedade, mas
apenas quando moldadas intrinsecamente pelo contexto social, cultural etc. em que
elas vivem e se desenvolvem. Alguns teóricos do comunitarismo, como o escocês Alas­
dair Maclntyre ( 1 9 8 1 ) e o americano Michael Sandel (1 982), criticam sobretudo o
individualismo liberal (veja na p. 4 1 do v. 1), vendo-o como a causa do atomismo. No
caso do filósofo canadense Charles Taylor ( 1 994), a defesa da "política do reconheci­
mento" foi explicitamente concebida com base nas premissas comunitaristas sobre
identidade pessoal.
O multiculturalismo dá uma ênfase específica ao papel e à
importância da cultura, a qual, num sentido mais amplo, signi­
fica o modo de vida de um povo. Sociólogos e antropólogos
tendem a distinguir "cultura" de "naturezà', pois a primeira
abrange aquilo que é transmitido de geração para geração por
meio da aprendizagem, e não por herança biológica. A importân-

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Multirnltura i i s m o

O com unitarismo é a crença d e q u e o "eu" de esquerda, a comunidade exige liberdade e


ou a pessoa é constituído por meio da comuni­ igualdade social irrestrita (por exemplo, o
dade, no sentido de que os indivíduos são anarquismo). Já para o com unitarismo de cen­
moldados pelas comunidades a que perten­ tro, a comunidade está fundamentada no re­
cem, e dessa maneira têm uma d ívida de res­ conhecimento de responsabilidades e direitos
peito e consideração para com elas. Afinal, não recíprocos (por exemplo, social-democracia/
existe nenhum "eu desimpedido''. paternalismo tóri). O com u n itarismo de direita
Embora claramente contrário ao indivi­ afirma que u ma comunidade deve ter respeito
d ua l ismo l i beral, o comunitarismo assume pela autoridade e pelos valores estabelecidos
várias formas políticas. Para o comunitarismo (por exemplo, a nova direita).

eia vital da cultura, do ponto de vista multiculturalista, é que ela molda os valores, as
regras e as premissas por meio dos quais a identidade individual é formada e o mundo
exterior adquire significado. O orgulho da própria cultura e, em especial, o reconheci­
mento público - até mesmo a celebração - da própria identidade cultural faz que o
indivíduo perceba que tem raízes sociais e históricas. Em contrapartida, um sentimento
frágil ou fragmentado de identidade cultural faz a pessoa se sentir isolada e confusa. Em
sua manifestação extrema, isso pode resultar no que se chamou de "culturalismo", tal
como praticado por escritores como o filósofo político francês Montesquieu (1 689-
- 1 775) e o crítico alemão e "pai" do nacionalismo cultural Herder ( 1 744-1 803), que
caracteriza os seres humanos como criaturas definidas pela cultura.
Embora os multiculturalistas modernos raramente apoiem essa forma mais "crua'' de
determinismo cultural, o despontar do multiculturalismo reflete um movimento de
distanciamento do universalismo em direção ao particularismo, expressando uma ênfase
menor naquilo que as pessoas compartilham ou têm em comum, e maior no que é es­
pecífico a cada grupo.
Essa preocupação com a cultura ajuda a explicar a importância
etnicidade:
que o multiculturalismo dá à etnicidade, à religião e ao idioma.
em reláç�o à um povo,
sentimento de lealdade
Etnicidade é um termo complexo, pois traz conotações raciais e
grÍJpo cultural oú área
culturais. A ideia, que pode ser tanto correta quanto incorreta, é territorial; rei.ativo niaiS:
a laços éulturais do que
que os integrantes de grupos étnicos descendem de ancestrais
rádais. . ·

comuns. Logo, esses grupos s·eriam como a extensão de uma famí-


lia e, nesse caso, estariam unidos pelo sangue. Porém, é mais comum conceber a
etnicidade como uma forma de identidade cultural, ainda que seja em um nível profun­
do e emocional. Uma cultura "étnica'' abrange valores, tradições e costumes, mas, mais
importante, ela dá a um povo sua identidade comum e um sentido de unicidade, em
geral por enfocar sua origem e descendência.

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Ideologias p olíticas - Do feminismo ao m 11lfüult11ralismo (v. 2 )

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M u lticultura l ismo

A religião tem especial relevância para grupos culturais com origem em países não
ocidentais, para quem a influência do secularismo é menos pronunciada. De fato,
nesses casos, a religião às vezes pode se tornar o traço que define a identidade cultural,
como ocorreu com alguns grupos muçulmanos em sociedades ocidentais. Porém, para
grupos como os quebequenses, no Canadá, os galeses, no Reino Unido, os bascos, na
Espanha e na França, e os flamengos, na Bélgica, a manutenção da característica cul­
tural está intimamente ligada à preservação de seu idioma "nacional". O idioma é um
importante componente da identidade cultural porque ajuda a manter viva a literatu­
ra tradicional, os mitos e as lendas, e também porque ajuda a moldar a maneira como
o mundo é visto e entendido.

Direitos das minorias


O avanço do multiculturalismo caminha lado a lado com a disposição de se reconhe­
cer os direitos das minorias, por vezes chamados de direitos multiculturais. Will
Kymlicka (1 995) foi o responsável pela tentativa mais sistemática de identificar esses
direitos, que foram divididos em três tipos: direitos de autogoverno, direitos poliétnicos
e direitos de representação.
Kymlicka argumenta que os direitos de autogoverno pertencem ao que ele chamou
de "minorias nacionais": povos concentrados em determinado território, que têm um
idioma comum e se caracterizam por um "modo de vida significativo ao longo de toda
a gama de atividades humanas". Os exemplos incluem os nativos americanos, os inuítes,
no Canadá, os maoris, na Nova Zelândia, e os povos aborígenes, na Austrália. Nesses
casos, o direito ao autogoverno deve incluir a delegação do poder político - em geral por
meio do federalismo - a unidades políticas amplamente controladas pelos membros de
uma minoria nacional, ainda que isso possa abranger o direito de secessão e, portanto, a
independência soberana.
Os direitos poliétnicos são aqueles que ajudam os grupos étnicos e as minorias reli­
giosas - que se desenvolveram por meio da imigração - a expressar e preservar suas
características culturais. Isso, por exemplo, proporcionaria a base para as isenções legais,
como eximir judeus e muçulmanos das leis de abate de animais e as meninas muçulma­
nas dos códigos de vestimenta escolar.
Já os direitos especiais de representação visam à reparação da
discriminação
sub-representação de grupos minoritários ou menos favorecidos positiva:tratamento
na educação e em posições importantes na política e na vida pú- privilegiado emrelação
a um grupo com o
blica. Kymlicka justifica a discriminação reversa ou discriminação objetivo de compensar
"positiva'' nesses casos, sob a alegação de que essa é a única forma seus integrantes por
desvantagens ou
de assegurar a participação plena e igualitária que, por sua vez, desigualdades
garante que a política pública reflita os interesses de todos os gru- estruturais do passado.

pos e pessoas, e não apenas os de grupos tradicionalmente dominantes.


Os direitos multiculturais ou das minorias diferem da concepção liberal tradicional
de direitos, uma vez que se referem a grupos, e não a indivíduos. Isso destaca o quanto

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- Do fem i n ismo a o m ulticulturalismo (v. 2 )

os multiculturalistas apoiam o coletivismo no lugar do indivi­


dualismo. Os direitos das minorias também são muitas vezes
considerados "especiais". Isso se aplica em dois sentidos. Primeiro,
esses direitos são específicos dos grupos a que pertencem, sendo
que cada grupo cultural tem diferentes necessidades de reconhe­
cimento que se baseiam nas particularidades de sua religião,
tradições e modo de vida. Por exemplo, isenções para que os siques
pilotem motocicletas sem capacete, ou, talvez, para que usem
adagas cerimoniais, não têm relevância para outros grupos. Segundo, os direitos das
minorias são "especiais" porque podem estabelecer privilégios de determinados grupos
sobre outros. Isso reflete o fato de que, embora o multiculturalismo possa, em princípio,
dar um tratamento igual a todos os grupos culturais em relação a seu direito ao reco­
nhecimento e aos direitos básicos, ele também pode violar o princípio da igualdade
formal ao conceder direitos preferenciais a determinados grupos para compensá-los por
injustiças passadas ou desvantagens presentes. O multiculturalismo, nesse sentido, se
propõe a reparar a injustiça social. Em geral, ele cumpre o compromisso de promover
a justiça social por meio do apoio à discriminação "positivà'. Isso ficou particularmen­
te evidente nos Estados Unidos, onde o avanço político dos negros americanos foi
associado, desde a década de 1 960, à chamada "ação afirmativà'. Por exemplo, no caso
Reitoria da Universidade da Califórnia contra Bakke ( 1 978), a Suprema Corte americana
defendeu o princípio da discriminação reversa na admissão escolar, permitindo que
estudantes negros conseguissem ingressar na universidade com qualificação aquém da
de estudantes brancos.
Ainda assim, a questão dos direitos das minorias é bastante polêmica. Em primei­
ro lugar, uma vez que esses direitos contemplam necessidades específicas de
determínados grupos, eles são às vezes criticados por impedir a integração à socieda­
de. Um exemplo particularmente relevante é a questão do véu usado por algumas
muçulmanas. Aqueles que defendem o direito ao uso do véu argumentam que ele faz
parte da identidade cultural das muçulmanas; porém, os críticos o rejeitam, já que ele
discrimina a mulher e é considerado um símbolo de segregação. Em segundo lugar, a
discriminação "positivà' é criticada tanto por integrantes de grupos majoritários, que
acreditam que ela gera discriminação injusta, quanto por alguns integrantes de grupos
minoritários, que argumentam que ela é degradante e talvez contraproducente, pois
subentende que os grupos não conseguem progredir por conta própria.
Em terceiro lugar, há uma grande discussão acerca da turbulenta questão da "ofen­
sà' e do suposto direito de não ser ofendido. Isso diz respeito sobretudo a grupos
religiosos, que veem algumas de suas crenças como sagradas e, por esse motivo, consi­
deram que elas merecem proteção especial. Desse modo, criticar, insultar ou até
ridicularizar essas crenças é um ataque ao próprio grupo, como ficou evidente, por
exemplo, nos protestos contra a publicação de Os versos satânicos, do escritor anglo­
-indiano Salman Rushdie, e contra as caricaturas supostamente anti-islâmicas

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M ultirnlturalismo

publicadas na Dinamarca em 2006. Assim, nações corno o Reino Unido implantaram


leis que proíbem manifestações de ódio religioso. Entretanto, esses direitos têm con­
sequências importantes no que diz respeito aos direitos liberais tradicionais, em especial
o direito à liberdade de expressão. Afinal, o termo "liberdade de expressão" certamen­
te subentende o direito de manifestar pontos de vista que outras pessoas considerem
censuráveis ou ofensivos.
Por fim, há urna tensão inevitável entre os direitos das minorias e os direitos indi­
viduais, urna vez que a inclusão cultural - em especial quando baseada na etnia ou na
religião - é geralmente fruto da formação familiar ou social, e não de escolha pessoal:
a maioria das pessoas não "adere" a grupos étnicos ou religiosos. Alguns rnulticultura­
listas chegaram a ponto de questionar se as pessoas teriam o direito de optar por "sair"
'to ao reco­ de urna cultura ou ingressar nela.
da igualdade
pensá-los por Diversidade
sentido, se O multiculturalismo e o nacionalismo têm muito em comum. Ambos destacam
de promover a capacidade da cultura de gerar coesão social e política e ambos procuram ajustar
articularmen- os acordos políticos aos padrões de distinções culturais. Todavia, enquanto os nacio­
nalistas acreditam que as sociedades estáveis e bem-sucedidas são aquelas em que a
nacionalidade - no sentido de urna identidade cultural compartilhada - coincide
com a cidadania, os rnulticulturalistas afirmam que a diversidade cultural é compa­
tível com a coesão política.
O multiculturalismo se caracteriza pela firme recusa em relacionar diversidade a
conflito ou instabilidade. Todas as formas de multiculturalismo se baseiam na pre­
. Em primei­ missa de que a diversidade e a unidade podem - e devem - se combinar: elas não
pecíficas de são forças opostas. Nesse sentido, os rnulticulturalistas aceitam que as pessoas possam
áo à socieda­ ter múltiplas identidades e múltiplas lealdades - por exemplo, a seu país de origem
por algumas e a seu país de residência. Aliás, eles argumentam que o reconhecimento cultural
am que ele faz corrobora a estabilidade política. As pessoas se dispõem a participar da sociedade
tam, já que ele exatamente por terem urna identidade sólida e segura enraizada em sua própria cul­
undo lugar, a tura. Dessa perspectiva, a negação do reconhecimento cultural resulta em
joritários que
, isolamento e impotência, propiciando um campo fértil para o extremismo e a polí­
tes de grupos tica do ódio. Por exemplo, o crescente apoio ao islã militante e a outras formas de
ducente, pois fundamentalismo religioso (conforme discutido anteriormente no capítulo 4) foi
interpretado de acordo com essa perspectiva.
Para os rnulticulturalistas, a diversidade não apenas é possível, mas também de­
sejável, e deve ser celebrada. Além dos benefícios para o indivíduo em termos de um
sentimento mais forte de identidade e integração cultural, os rnulticulturalistas acre­
ditam que a diversidade é útil para a sociedade corno um todo. Isso pode ser
evidente, por observado sobretudo no vigor e na vitalidade das sociedades em que existe urna
escritor anglo­ multiplicidade de estilos de vida, manifestações culturais, tradições e crenças. Ao
anti-islâmicas estabelecer relações entre a diversidade e a saúde sistêrnica, o multiculturalismo se

1 05
Ideologias p olíticas - Do feminismo ao multirnlturalismo (v. 2 )

compara ao ecologismo. Supostamente, a diversidade cultural é tão benéfica à socie­


dade quanto a biodiversidade a um ecossistema.
Outra vantagem da diversidade é que, ao promover o intercâmbio cultural entre
grupos que convivem lado a lado, ela estimula a tolerância e a compreensão entre
culturas e, com isso, a predisposição ao respeito pela "diferença''. Nesse sentido, a di­
versidade é o antídoto para a polarização social e o preconceito. Porém, isso pode
trazer à tona uma tensão interna dentro do próprio multiculturalismo. Por um lado,
os multiculturalistas enfatizam a natureza única e específica de grupos culturais e a
necessidade de a identidade individual estar firmemente inserida em um contexto
cultural. Por outro lado, ao estimular o intercâmbio cultural e o entendimento mútuo,
corre-se o risco de obscurecer os contornos da identidade de grupo e criar uma socie­
dade "misturada'', um cadinho de etnias e culturas em que os indivíduos têm uma
percepção "mais superficial" de identidade social e histórica. À medida que as pessoas
aprendem mais sobre outras culturas, pode-se dizer que os contornos de sua própria
cultura vão se tornando mais indefinidos.

Multiculturalismo e política

Todas as formas de multiculturalismo apresentam uma visão política que alega con­
ciliar a diversidade cultural com a coesão cívica. Entretanto, o multiculturalismo não é
uma doutrina simples no sentido de que não existe uma visão única estabelecida ou
convencionada de como uma sociedade multicultural deva funcionar. Na verdade, o
multiculturalismo é mais um exemplo de ideologia abrangente que se baseia em várias
outras correntes políticas e compreende uma série de posturas ideológicas. Os multicul­
turalistas discordam sobre até que ponto devem defender formalmente a diversidade
cultural, e acerca de qual a melhor maneira de viabilizar a coesão cívica. Em suma, há
modelos conflitantes de multiculturalismo, e cada um oferece uma visão diferente do
equilíbrio adequado entre diversidade e unidade. Os três principais modelos de multi­
culturalismo são:
• multiculturalismo liberal;
• multiculturalismo pluralista;
• multiculturalismo cosmopolita.

Multiculturalismo liberal
Há uma relação complexa e, sob muitos aspectos, ambivalente entre o liberalismo
e o multiculturalismo. Conforme será discutido em mais detalhes adiante, há quem
veja o liberalismo e o multiculturalismo como correntes políticas rivais, argumen­
tando que o multiculturalismo ameaça valores liberais relevantes. Contudo, a partir
dos anos 1 970, os pensadores liberais passaram a levar a questão da diversidade cul­
tural cada vez mais a sério e desenvolveram uma forma de multiculturalismo liberal.
O fundamento dele é o compromisso com a tolerância e o desejo de defender a

1 06
M ulticultura l ismo

liberdade de escolha na esfera moral, principalmente em relação


t(>l�l'ân�i� :
a questões de interesse primordial a determinadas culturas e cor­ corí;lpliícênda;
rentes religiosas. disposiç�p a aceitar
pontos de vista ou
Isso contribuiu para a ideia de que o liberalismo é "neutro" .
atitudeidas quais se
em relação às escolhas morais e culturais dos cidadãos. O libe- ·discordél (veja também
· as'p; l'Í7�48 do v. 1 )
. •. .

ralismo, nesse sentido, "não enxerga diferenças": ele considera


irrelevantes fatores como cultura, etnicidade, raça, religião e gênero, pois todas as
pessoas devem ser avaliadas como indivíduos moralmente independentes. No entan­
to, a tolerância não é moralmente neutra, e o aval que dá à diversidade cultural é
limitado. A tolerância se estende apenas a visões, valores e práticas sociais que tam­
bém sejam tolerantes, isto é, ideias e atitudes compatíveis com a liberdade e a
autonomia pessoal. Assim, os liberais não se adaptam à "diversidade profunda". Por
exemplo, os multiculturalistas liberais talvez se recusem a aprovar práticas como a
circuncisão feminina, os casamentos forçados (e também arranjados) e os códigos
femininos de vestimenta. Porém, muitos dos grupos envolvidos podem argumentar
que essas práticas são fundamentais para a manutenção de sua identidade cultural.
Dessa forma, os direitos dos indivíduos e, acima de tudo, a liberdade de escolha
deles devem preceder os direitos culturais do grupo.
que alega con­ A segunda característica do multiculturalismo liberal é que ele faz uma distinção
turalismo não é importante entre vida pública e vida privada. Ele vê a primeira como parte da esfera da
estabelecida ou liberdade, em que as pessoas são - ou devem ser - livres para manifestar sua identidade
cultural, religiosa e de idioma, enquanto a última deve ser caracterizada ao menos por
uma base de lealdades cívicas comuns. A cidadania é dissociada da identidade cultural,
tornando esta última uma questão essencialmente privada. Essa postura implica que o
te a diversidade multiculturalismo é compatível com o nacionalismo cívico. É possível observar isso na
a. Em suma, há chamada "nacionalidade hifenizadà' que vigora nos Estados Unidos e por meio da qual
· ão diferente do as pessoas se definem como afro-americanas, polaco-americanas, germano-americanas e
odeios de multi- assim por diante. Nessa concepção, é a inclusão - e não a diversidade - que é enfatizada
na esfera pública.
Os Estados Unidos, por exemplo, destacam a proficiência no idioma inglês e o co­
nhecimento da história política americana como pré-requisitos para a obtenção da
cidadania. No multiculturalismo "republicano" mais radical praticado na França, a ên­
fase no laicismo, ou secularismo, na vida pública levou à proibição do uso do hijab (o
véu muçulmano) nas escolas e, desde 2003, à proibição de todas as formas de manifes­
tação religiosa nas escolas francesas. Alguns multiculturalistas, na verdade, veem essas
tendências como um ataque ao próprio multiculturalismo.
rivais, argumen­ A terceira e última característica do multiculturalismo liberal é que ele considera a
ontudo, a partir democracia liberal o único sistema político legítimo. A virtude da democracia liberal é
diversidade cul­ que ela assegura por si só que o governo seja baseado no consentimento popular e que
uralismo liberal. sejam oferecidas garantias para a liberdade pessoal e a tolerância. Desse modo, os multi­
culturalistas liberais se opõem, por exemplo, aos apelos pelo estabelecimento de um

1 07
p o l íticas - Do fem i n is m o ao m ulticulturalismo 2)

Estado islâmico baseado na implantação da lei da charia e talvez tendam a proibir grupos
e movimentos que lutem por esse objetivo político. Assim, os grupos somente terão di­
reito à tolerância e ao respeito se, por sua vez, estiverem preparados para tolerar e
respeitar os demais grupos.

Multiculturalismo pluralista
O pluralismo proporciona bases mais sólidas para uma política de diferenças do que
o liberalismo. Os liberais, como visto, apoiam a diversidade, mas apenas quando ela é
construída em uma estrutura de tolerância e autonomia pessoal. É nesse sentido que os
liberais "absolutizam" o liberalismo (Parekh, 2005). O filósofo
Isaiah Berlin (1 909-1 997), porém, foi além da tolerância liberal
ao adotar a ideia do pluralismo de valores. Em resumo, ele afir­
ma que as pessoas nunca chegam a um consenso acerca dos
objetivos fundamentais da vida, j á que não é possível demonstrar
a superioridade de um sistema moral sobre outro. Como os valo­
res entram em choque, as aflições humanas são inevitavelmente
caracterizadas pelo conflito moral. Desse ponto de vista, as cren­
ças liberais ou ocidentais - como o apoio à liberdade pessoal, tolerância e democracia -
não têm autoridade moral maior do que as crenças não liberais e não ocidentais.
A postura de Berlin (1 969) implica uma forma de multiculturalismo do tipo "viva e
deixe viver'', ou o que foi chamado de política da indiferença. Entretanto, embora Berlin
se mantivesse um liberal, pois acreditava que apenas uma sociedade que respeita a liber­
dade individual pode conter o pluralismo de valores, ele não conseguiu demonstrar
como crenças liberais e não liberais podem coexistir em harmonia na mesma sociedade.
Porém, uma vez que o liberalismo aceita o pluralismo moral, é difícil inseri-lo em uma
estrutura liberal. Para John Gray (1 995b), por exemplo, o pluralismo implica uma pos­
tura "pós-liberal", em que valores, instituições e regimes liberais não são mais vistos
como detentores do monopólio da legitimidade.
Uma base alternativa ao multiculturalismo pluralista foi apresentada por Bhikhu
Parekh (2005). Para ele, a diversidade cultural é, no fundo, um reflexo da dialética ou
da ação recíproca entre a natureza humana e a cultura. Embora os seres humanos sejam
criaturas naturais que possuem uma estrutura física e mental derivada de uma espécie
comum, eles também têm uma constituição cultural, no sentido de que suas posturas,
comportamentos e modos de vida são moldados pelos grupos a que pertencem. O reco­
nhecimento da complexidade da natureza humana e do fato de que qualquer cultura
manifesta apenas parte do que significa ser verdadeiramente humano fornece, assim, a
base para uma política de reconhecimento e, dessa maneira, para uma forma viável de
multiculturalismo.
Além do multiculturalismo pluralista, é possível identificar uma forma de multi­
culturalismo "particularistà' . Os multiculturalistas particularistas enfatizam que a
diversidade cultural ocorre em um contexto de desigualdade de poder, em que de-

1 08
M ulticulturalismo

" Pl u ra l ismo'� no sentido mais a mplo, é a de i ndivi d u a l e estim u l a o d ebate, a a rg u ­


crença na d iversidade ou na m u ltiplicidade mentação e o entend i mento. N u m sentido
(a existência de m u itas coisas}, ou o compro­ mais estrito, o p l u ra l ismo é a teoria da d i stri­
m isso com elas. Como termo descritivo, buição de poder político. Como tal, s u stenta
"pluralismo" pode denotar a existência de que o poder seja d istr i b u íd o de m a n ei ra
u m a competição entre partidos ( p l u ra lismo a m p l a e u niforme na sociedade, sem ficar
político), a m u ltiplicidade de valores étnicos concentrado nas mãos de u m a el ite o u clas­
( p l u ra l ismo moral ou de va lores), a variedade se d o m i na nte. Dessa forma, o p l u ra l ismo
de crenças cu ltu rais (plu ra l ismo cultural) e tende a ser visto como u ma teoria da "polí­
assim por d iante. Como termo normativo, tica de grupo", dando a entender q ue o
sugere q u e a d iversidade é saudável e dese­ acesso do g ru po ao governo assegu ra a m pla
jável, geralmente porque protege a l i berda- receptividade democrática.

terminados grupos costumam ter vantagens e privilégios que são negados aos demais
ocracia - grupos. O multiculturalismo particularista está claramente alinhado com as necessi­
dades e interesses dos grupos marginalizados ou menos favorecidos. A tendência é
explicar o dilema desses grupos em termos da natureza corrupta ou corruptora da
cultura ocidental, de seus valores e modos de vida, que se supõem corrompidos pela
herança do colonialismo e do racialismo (veja na p. 222 do v. 1) ou associados a ideias
"poluentes", como materialismo e permissividade. Nesse contexto, a ênfase nas pecu­
.liaridades culturais corresponde a uma forma de resistência política, uma recusa a
sucumbir à repressão ou à corrupção. Entretanto, essa ênfase na "pureza" cultural,
que pode chegar à relutância em estabelecer um intercâmbio cultural, gera preocupa­
ções acerca das perspectivas para a coesão cívica: eventualmente, privilegia-se a
diversidade em detrimento da unidade. O multiculturalismo particularista pode, as­
sim, ser um exemplo de "monoculturalismo plural" (Sen, 2006), em vez de uma
forma de multiculturalismo.

Multiculturalismo cosmopolita
O cosmopolitismo e o multiculturalismo podem ser considerados correntes ideológi­
cas completamente distintas - até conflitantes. Se, por um lado, o cosmopolitismo
estimula as pessoas a adotar uma consciência global que enfatiza que a responsabilidade
étnica não deve ficar confinada às fronteiras nacionais, o multiculturalismo parece par­
ticularizar as sensibilidades morais, concentrando-se em necessidades e interesses
específicos de determinado grupo cultural. No entanto, segundo teóricos como Jeremy
Waldron ( 1 995), o multiculturalismo pode ser efetivamente equiparado ao cosmopoli­
tismo. Os multiculturalistas cosmopolitas endossam a diversidade cultural e a política
identitária, mas as veem como condições essencialmente transitórias numa reconstrução

1 09
Ideologias p o l íticas - Do femi n ismo ao multiculturalismo (v. 2 )

O termo "cosmopolitismo" sign ifica, l ite­ tolerância e, sobretudo, na i nterdependên­


ral mente, a crença em u m a cosmópole, ou cia. Há m u ito tempo o cosm o po l itismo l ibe­
"Estado m u nd ial ': Como tal , ele i m p lica a ral é associado ao a poio ao l ivre comércio,
extinção das identidades nacionais e o esta­ com base na crença de q ue e le promove u m
belecimento de uma fidelidade política co­ entendimento i nternacional e a p rosperida­
m u m , que u n e todos os seres huma nos. de material. O ideal cosmopolita tam bém é
Porém, o termo m u itas vezes é empregado estim u lado por o rganismos s u pranacionais
em referência a um objetivo mais despre­ q u e têm como objetivo p ro mover a coope­
tensioso de paz e harmonia entre as nações, ração entre as nações em vez de s ubstit u i r o
fundamentado na compreensão mútua, na Estado-nação.

maior das sensibilidades e prioridades políticas. Essa postura celebra a diversidade com
base no que cada cultura pode ensinar às demais e em função das perspectivas para o
desenvolvimento pessoal que são oferecidas por um mundo de oportunidades e opções
culturais mais amplas. Isso resulta no chamado multiculturalismo "de escolha pessoal",
em que o intercâmbio cultural e a mistura cultural são indiscutivelmente estimulados.
Por exemplo, as pessoas podem comer comida italiana, praticar ioga, ouvir música afri­
cana e se interessar por religiões do mundo todo.
A cultura, sob essa perspectiva, é fluida e reage a variações de acordo com as cir­
cunstâncias sociais e as necessidades pessoais. Ela não é estática e historicamente
inserida, como os pluralistas ou os multiculturalistas particularistas argumentariam.
Assim, a sociedade multicultural é um "cadinho" de ideias, valores e tradições diferen­
tes, e não um "mosaico cultural" de grupos étnicos e religiosos isolados. A postura
cosmopolita, em particular, adota o hibridismo. O benefício
dessa forma de multiculturalismo é que ela amplia a sensibilida­
de moral e política, levando, em última instância, ao
surgimento da perspectiva de "mundo único" . Contudo, os
multiculturalistas de correntes rivais criticam a postura cosmo­
polita porque ela enfatiza a unidade em detrimento da diversidade. Pode-se
argumentar que tratar a identidade cultural como uma questão de autodefinição e
estimular o hibridismo e a mistura cultural são atitudes que enfraquecem qualquer
sentimento genuíno de integração cultural.

Críticas ao multicultura lismo

O avanço das ideias e das políticas multiculturais acabou gerando muitas controvér­
sias políticas. Junto com a conversão de pensadores liberais e outros pensadores
M ulticultura l ismo

progressistas à causa dos direitos das minorias e do reconhecimento cultural, também


surgiram forças de oposição. O exemplo mais patente disso é a importância cada vez
maior, a partir dos anos 1 980, de partidos e movimentos anti-imigração em muitas
partes do mundo, como a Frente Nacional, na França, o Partido da Liberdade, na Áus­
tria, o Bloco Flamengo, na Bélgica, a Lista de Pim Fortuyn, na Holanda, o partido Uma
Nação, na Austrália, e o partido Nova Zelândia Primeiro. Outros exemplos que mostram
um distanciamento do multiculturalismo "oficial" são a proibição dos véus muçulmanos
e, consequentemente, de todas as formas explícitas de símbolos religiosos nas escolas
francesas, e os apelos em países como Holanda, Reino Unido e Alemanha para a proibi­
ção do uso de véus pelas muçulmanas em locais públicos. Porém, a oposição ideológica
ao multiculturalismo tem várias origens. As mais significativas são:
• liberalismo;
• conservadorismo;
• feminismo;
• reformismo social.
Enquanto alguns liberais procuraram adotar uma diversidade cultural mais ampla,
ectivas para o outros continuaram a criticar as ideias e consequências do multiculturalismo. O princi­
ades e opções pal argumento da crítica liberal é a ameaça que o multiculturalismo representa ao
olha pessoal", individualismo, refletida na premissa multiculturalista de que a identidade pessoal está
te estimulados. inserida na identidade social ou do grupo. Assim, o multiculturalismo - bem como o
nacionalismo e até o racialismo - seria apenas mais uma forma de coletivismo e, como
todas as formas de coletivismo, ele subordinaria os direitos e necessidades do indivíduo
aos do grupo social. Nesse sentido, ele ameaça a liberdade individual e o desenvolvimen­
to pessoal.
rgumentariam. Amartya Sen (2006) elaborou um ataque particularmente bem fundamentado ao
içóes diferen­ que chamou de teoria "solitaristà' presente no multiculturalismo (em especial nas suas
os. A postura formas pluralista e particularista). Essa teoria sugere que as identidades humanas são
. O benefício formadas pela participação em um único grupo social. Sen observa que isso não só con­
duz à "miniaturização" da humanidade, como também aumenta a probabilidade de
violência, uma vez que as pessoas se identificam apenas com a própria monocultura e
não reconhecem os direitos e a integridade de pessoas de outros grupos culturais. Assim,
o multiculturalismo produz uma espécie de "guetização" que diminui, em vez de aumen­
tar, o entendimento entre culturas. Segundo Sen, o pensamento solitarista também fica
evidente nas ideias que preconizam a incompatibilidade de tradições culturais, como a
tese do "choque de civilizações" (Huntington, 1 996). Mesmo quando os liberais são
simpatizantes do multiculturalismo, eles condenam o multiculturalismo pluralista e,
mais ainda, o particularista, uma vez que estes aceitam como ideias legítimas as teorias
do islã militante, por exemplo, que esses liberais em geral consideram antidemocráticas
e opressoras.
O conservadorismo é a corrente política que mais se opõe ao multiculturalismo. Com
efeito, a maioria das reações nacionalistas anti-imigração contra o multiculturalismo se

m
p o l íticas - Do feminismo ao m ulticulturalismo (v. 2 )

baseia em premissas essencialmente conservadoras. Em outros casos, lembra mais o na­


cionalismo racial do fascismo, ou mesmo a teoria racial nazista. A principal objeção
conservadora ao multiculturalismo é a de que valores compartilhados e uma cultura
comum são um pré-requisito necessário para uma sociedade estável e bem-sucedida.
Conforme discutido no capítulo 5 do volume 1 , os conservadores são mais favoráveis ao
nacionalismo do que ao multiculturalismo. A base dessa visão é a crença de que os seres
humanos são atraídos por outros semelhantes a eles. Assim, o medo ou a desconfiança
em relação a estranhos ou estrangeiros é "natural" e inevitável. Sob essa perspectiva, o
multiculturalismo apresenta falhas inerentes: as sociedades multiculturais são sociedades
inevitavelmente fragmentadas e repletas de conflitos, em que a desconfiança, a hostilida­
de e até a violência passam a ser aceitas como banalidades. Desse modo, a imagem
multiculturalista da "diversidade dentro da unidade" é um mito, uma farsa exposta pelos
simples fatos da psicologia social.
As reações políticas mais adequadas a essas ameaças presentes no multiculturalismo
incluem restrições à imigração - sobretudo de regiões do mundo cuja cultura é dife­
rente da sociedade "receptorà' -, pressões pela assimilação para
assegurar que as comunidades de minorias étnicas sejam absor­
vidas pela cultura "nacional" maior e, do ponto de vista da
extrema direita, a repatriação de imigrantes. Outro aspecto da
crítica conservadora ao multiculturalismo é a preocupação acer­
ca de suas consequências para a comunidade majoritária, ou
comunidade "receptorà'. Sob essa perspectiva, o multiculturalis­
mo perpetra um novo - ainda que "invertido" - conjunto de
injustiças ao depreciar a cultura dos grupos majoritários por meio de sua suposta as­
sociação com o colonialismo e o racismo, ao mesmo tempo que privilegia os interesses
e a cultura de grupos minoritários por meio da discriminação "positivà' e da concessão
de direitos "especiais".

112
Multirnltura l ismo

A relação entre o feminismo e o multiculturalismo é, por vezes, difícil. Embora algu­


mas formas de feminismo islâmico (abordadas no capítulo 2) procurem unir as duas
correntes, as feministas, em geral, preocupam-se com algumas implicações do multicul­
turalismo. Isso ocorre quando os direitos das minorias e a política de reconhecimento
acabam preservando e legitimando as crenças patriarcais e tradicionais que sistematica­
mente prejudicam as mulheres (esse é um argumento que também pode ser aplicado aos
homens e mulheres homossexuais). Isso acontece quando as práticas culturais - como
códigos de vestimenta, estruturas familiares e acesso a posições de elite - estabelecem
preconceitos estruturais de gênero. Na realidade, alguns aspectos do multiculturalismo
podem ser considerados tentativas sistemáticas de proteger o poder patriarcal.
Os reformistas sociais apresentam uma série de críticas ao multiculturalismo relacio­
nadas ao seu fracasso em contemplar adequadamente os interesses de grupos ou setores
menos favorecidos da sociedade. Por exemplo, muitos se preocuparam com o quanto o
!ruralismo multiculturalismo estimula os grupos a buscar o desenvolvimento por meio da assertivi­
ra é dife­
dade cultural ou étnica, e não por intermédio da busca de j ustiça social. Nesse sentido,
lação para o defeito do multiculturalismo é não abordar questões de diferenças de classes: a questão
jam absor­ "real" que os grupos minoritários enfrentam não é a falta de reconhecimento cultural, e
de vista da sim a falta de poder econômico e de status social. De fato, conforme argumenta Brian
Barry (2002), em virtude da ênfase nas peculiaridades culturais, o multiculturalismo age
a fim de dividir e, portanto, enfraquecer quem tem o interesse econômico comum de
diminuir a pobreza e promover a reforma social. Da mesma forma, uma consciência mais
aguçada das diferenças culturais pode reduzir o apoio às políticas de bem-estar social e
às políticas redistributivas, uma vez que pode estreitar o sentido de responsabilidade
social das pessoas (Goodhart, 2004). A existência de uma cultura nacional unificada
pode, então, ser um pré-requisito necessário às políticas de justiça social.

O multiculturalismo no século XXI

Sob vários aspectos, o multiculturalismo pode acabar sendo a grande ideologia do


século XXI. Uma das principais características da globalização é o aumento significativo
da mobilidade geográfica e sobretudo entre fronteiras. Em resultado, as sociedades aceitam
cada vez mais o multiculturalismo como um fato irreversível da vida. Além de o Estado­
-nação relativamente homogêneo ser uma reminiscência do passado em muitas partes do
mundo, também as tentativas de reconstruí-lo - por exemplo, por meio de controles rí­
gidos de imigração, da assimilação imposta ou de pressões pela repatriação - parecem
cada vez mais uma fantasia política. Se for esse o caso, então da mesma forma que o
nacionalismo foi a principal força ideológica da política mundial durante os séculos XIX
e XX ajudando na reconstrução do perfil da autoridade política e da relação entre so­
-

ciedades diferentes -, o multiculturalismo, seu sucessor, poderá ser a força ideológica


predominante no século XXI. A principal questão ideológica de nosso tempo e para as
futuras gerações poderá ser a busca de caminhos nos quais as pessoas com valores morais

m
Ideologias p o l íticas - Do fem inismo a o m ulticultura lismo (v. 2 )

distintos e vindas de diferentes culturas e tradições religiosas possam encontrar uma


forma de viver juntas, sem violência nem conflitos civis. O multiculturalismo não apenas
é a ideologia que contempla mais diretamente essas questões, como também oferece
soluções, ainda que experimentais.
Além disso, o multiculturalismo pode acabar se revelando um modismo cujas limita­
ções, ou mesmo perigos, sejam rapidamente expostas. Desse ponto de vista, ele é uma
reação específica a uma inegável tendência ao pluralismo cultural e moral nas sociedades
modernas. Mas, na verdade, a grande questão diz respeito a sua viabilidade a longo prazo.
As soluções multiculturais podem ser piores do que os males que elas se propõem a com­
bater. Por essa perspectiva, o defeito do multiculturalismo é acreditar que, ao aceitarem a
diversidade, as pessoas se unirão como um conjunto de grupos culturais que se respeitam
e se toleram uns aos outros. Em vez disso, a diversidade pode endossar a segregação e levar
à "guetização", à medida que os grupos passem a olhar cada vez mais para si mesmos e a
se preocupar em proteger as próprias tradições e pureza cultural. O multiculturalismo
poderá estimular as pessoas a se concentrar naquilo que as divide e não no que as une. Se
for esse o caso, então o século XXI testemunhará a retração do multiculturalismo, que
será visto como um meio inviável de enfrentar o premente desafio da diversidade cultural.
Porém, o que substituirá o multiculturalismo?
Uma possibilidade é que o fracasso do multiculturalismo conduza à retomada do
nacionalismo, cuja força duradoura deriva do reconhecimento de que, em certo nível e
de certa maneira, a unidade política e a coesão cultural sempre andam lado a lado. Ape­
nas o estabelecimento de um sentimento mais forte e mais nítido de identidade nacional
conterá as tensões geradas pelas tendências irreversíveis à construção de sociedades mul­
tiétnicas, multirreligiosas e multiculturais. A outra possibilidade é que uma forma
genuína de cosmopolitismo substitua o multiculturalismo. Para que isso ocorra (como
alguns multiculturalistas esperam), as diferenças culturais e de nacionalidade devem ser
gradualmente consideradas como de importância secundária, à medida que as pessoas,
em qualquer lugar, passem a se ver como cidadãos mundiais, unidos pelo interesse co­
mum em enfrentar os desafios ecológicos, sociais e de outros tipos, que cada vez mais
preocupam o mundo todo.

discussão

• O multiculturalismo é uma forma de comunitarismo?


• Qual é a justificativa para que existam os direitos multiculturais ou das minorias?
• O multiculturalismo é compatível com a ideia de direitos individuais?
• Por que os multiculturalistas acreditam que a diversidade é a base para a estabilidade
política?
• Por que os liberais apoiaram a diversidade? Para eles, em que momento a diversidade
é considerada "excessiva''?

114
M11ltic11lt11ra l ismo

• De que maneira o pluralismo vai além do liberalismo?


• A herança do colonialismo e do racialismo contaminou as culturas ocidentais?
• O multiculturalismo pode se conciliar com alguma forma de nacionalismo?
• O multiculturalismo poderia levar ao cosmopolitismo?
cujas limita­
a, ele é uma
sociedades de leitura
alongo prazo.
BARRY, B. Culture and equality. Cambridge: Polity Press, 2002. Crítica convincente ao
multiculturalismo. Examina as implicações sociais da política cultural.
CARENS, J. Culture, citizenship and community. Oxford e Nova York: Oxford University
Press, 1 998. Excelente introdução aos temas e discussões que surgiram do multicultu­
ralismo.
GuTMANN, A. (org.) . Multiculturalism - Examining the politics of recognition. Princeton,
NJ: Princeton University Press, 1 995. Série abrangente e confiável de ensaios sobre
vários aspectos da política multicultural.
KYMLICKA, W. Multicultural citizenship. Oxford: Oxford University Press, 1 995. Uma
tentativa bem convincente de conciliar o multiculturalismo com o liberalismo, por
meio da apresentação de um modelo de cidadania que se baseia no reconhecimento
certo nível e dos direitos das minorias ou direitos multiculturais.
o a lado. Ape­ PAREKH, B. Rethinking multiculturalism - Cultural diversity and política! theory. 2! ed.
. ade nacional Basingstoke e Nova York: Palgrave Macmillan, 2005. Uma ampla defesa da perspecti­
iedades mul- va pluralista acerca da diversidade cultural. Aborda também os problemas práticos das
sociedades multiculturais.
SArn, E. Orientalism. Harmondsworth: Penguin, 2003. [Orientalismo - O Oriente como
invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.] Considerado por
muitos o texto fundamental do pós-colonialismo. O conceito de "orientalismo" exer­
ceu influência significativa na formação do pensamento multiculturalista.
TAYLOR, C. Multiculturalism and "the politics of recognition". Princeton, NJ: Princeton
University Press, 1 994. [Multiculturalismo - Examinando a política de reconhecimento.
Lisboa: Instituto Piaget, 1 998.] Versão ampliada do importante texto de Taylor a res­
peito da "política do reconhecimento". Inclui uma série de comentários tanto de
teóricos que apoiam a opinião do autor como daqueles que têm certas reservas com
relação a ele.

to a diversidade

1 15

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