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Controvérsias científicas, por

Fernando Dias de Avila-Pires


Diante do negacionismo, é importante esclarecer certos pontos fundamentais sobre o que
são controvérsias científicas

https://jornalggn.com.br/ Publicado em 12 de junho de 2022, 13:52

Humour noir

por Fernando Dias de Avila-Pires

Quando a discussão sobre fake news e negacionismo atinge um grau de importância


indiscutível na sociedade atual e quando conhecimentos científicos são questionados em
veículos de grande divulgação sem argumentos válidos é importante esclarecer certos
pontos fundamentais sobre o que são controvérsias científicas.

Controvérsia é discussão, disputa ou polêmica referente à ação, proposição, questão ou


opinião sobre a qual muitos divergem. Há controvérsias que dependem de interpretação de
textos, como as controvérsias jurídicas e religiosas, controvérsias de opiniões e preferências
pessoais como as que se referem à política, beleza, futebol e arte.

Controvérsia científica é uma divergência contemporânea conduzida publicamente por um


número de cientistas praticantes sobre um problema considerado significativo, utilizando os
princípios e métodos da pesquisa científica, e que persiste até ser definitivamente
esclarecida. Controvérsias em ciência existem quando se trata de teorias viáveis
conflitantes contemporâneas. Uma controvérsia científica deixa de existir quando se dispõe
de métodos capazes de comprovar uma das hipóteses ou teorias alternativas. Desse
momento em diante, os que persistem na discussão passam a ser relativistas, para os quais
todas as opiniões são igualmente válidas, e difusores de fake news.

As posições controversas em ciência não são meras opiniões pessoais e precisam estar
apoiadas e justificadas por métodos científicos universalmente aceitos e serem disputadas e
válidas em uma determinada época. Exemplos de divergências que se enquadram na
definição acima são: a teoria corpuscular/ondulatória da luz de Newton/Huyghens no
século 18, a de Pasteur/Pouchet sobre heterogenia ou geração espontânea em 1860 e a de
Snow/Farr sobre a epidemia do cólera em Londres de 1853, todas posteriormente
esclarecidas por conhecimentos e demonstrações validadas e aceitas pela comunidade
científica deixando, portanto de serem posições controversas.

Ciência e conhecimento científico não dependem de opiniões pessoais, mas de


comprovação e de consenso, de acordo com certas normas e métodos aceitos pelos
cientistas. O fato de um indivíduo, ainda que agraciado com o prêmio Nobel emitir uma
opinião pessoal não inicia ou estabelece uma controvérsia científica.

Em medicina, por exemplo,


Apresentar experiência clínica individual como única prova da veracidade de suas
hipóteses, é desconhecer o mais simples pressuposto de metodologia científica. Ninguém
julga um tratamento com base em experiência individual.

(“O que não ensinamos na Medicina” Carta Aberta dos Professores da Escola Paulista de
Medicina – Unifesp.

(http://jcnoticias.jornaldaciencia.org.br/category/edicoes/6840-19-de-janeiro-de-2022/) / 2)

Faz parte do âmbito e da natureza das ciências humanas/sociais que teorias distintas ou
antagônicas e formas de interpretação dos fenômenos do meio social coexistam e perdurem
como legítimas. Por exemplo, usar uma abordagem marxista, fenomenológica ou bourdiana
para interpretar uma determinada situação ou fenômeno social atual. Mas isto não ocorre,
nem é possível nas ciências naturais e muito dos problemas que enfrentamos atualmente
com a atual pandemia de COVID é resultado desta confusão filosófica, histórica e
epistemológica que amalgama de forma ingênua ou deliberada os campos de
conhecimentos, seus fundamentos, modos de trabalho e formas de validação e justificação.

Nas ciências naturais há, sim, o certo e o errado, o científico e o anticientífico, não se
admitindo relativismos, que são adubo e munição para os negacionistas que se expressam
atualmente através de comunicados oficiais e redes sociais.
Para uma discussão mais extensa, sugiro consultar os verbetes fake news, guerras
científicas e negacionismo científico no Dicionário dos negacionismos no Brasil. (Szwako,
J. e J.L. Ratton, org., CEPE, 2022).

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