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CONCEITOS BÁSICOS #17 - Objeto a

Conceito inventado por Jacques Lacan, Lacan dizia que o objeto a era o único conceito que ele
de fato inventou na psicanalise. Trata-se de um conceito complexo que Lacan foi
desenvolvendo por anos e possui diversas facetas, nuances.

Para que serve o conceito de objeto a? Toda vez que estamos lidando com uma noção teórica
devemos fazer essa pergunta “pra que essa noção teórica serve, qual a utilidade dela? Porque
o autor que a criou precisou introduzi-la?”. O que vai nos guiar durante essa aula é essa
pergunta.

Podemos estudar o conceito de objeto a a partir de vários pontos de partida. Um ponto de


partida interessante é trabalhar com uma ideia que foi várias vezes mencionada, discutida e
trabalhada por Lacan que é a ideia que o objeto a é o objeto causa do desejo. Essa formula é
interessante e didática porque já nos ajuda a vislumbrar o que Lacan está pensando quando
introduz e desenvolve esse conceito.

Se Lacan está dizendo que o objeto a é o objeto cauda do desejo, então isso significa que o
nosso desejo é causado. Se o objeto a é o objeto causa do desejo significa que nosso desejo é
causado, que tem uma causa pela qual nós desejamos. Nosso desejo portanto não é aleatório,
ele existe por conta de uma determinada causa, e essa causa Lacan está dizendo que é o
objeto a. Nesse sentido podemos dizer que se o objeto a é a causa do desejo, então o objeto a
é a resposta para a pergunta “porque nós desejamos?” podemos falar de um desejo de fazer
uma viagem, de se relacionar com uma pessoa etc. Usamos esse termo desejo para englobar
todos esses desejos que vão aparecendo ao longo da nossa vida.

O que Lacan está dizendo é que o motivo pelo qual nós temos desejo, o motivo úlitmo pelo
qual Lucas Napoli criou a confraria analítica, Lucas se interessou pela sua esposa, Lucas
comprou a câmera que está utilizando, o motivo último é o objeto a, porque o objeto a é a
causa do desejo, é a resposta para a pergunta “porque nós desejamos?”.

Desejo por conta do objeto a, mas o que é o objeto a? Entendi que ele é a resposta para a
pergunta porque que eu desejo, ele é a causa do desejo, mas o que ele é?

Uma forma de continuar essa trilha de aprendizagem é pensar no que que é o desejo e como
ele se estrutura. Uma constatação muito óbvia é a de que o desejo só pode existir se houver
primeiramente uma falta. Ex: Eu só pude criar um espaço que viria chamar de confraria porque
ele não existia, só pude desejar comprar essa câmera porque ela não existia, só pude desejar
minha esposa porque ela não estava comigo. Quando já tenho o objeto não preciso deseja-lo.
O desejo necessariamente precisa da falta. O objeto do desejo não pode estar com o sujeito
para que o sujeito possa deseja-lo, do contrário, se o objeto está presente eu não preciso
deseja-lo.

O objeto a, segunda Lacan, é a causa última de todos os nossos desejos, ainda que os desejos
pela confraria, pela câmera, esposa sejam desejos completamente diferentes os três são
expressões do meu desejo e Lacan diz que a causa última, o que me levou a criar a confraria,
comprar a câmera, a me casar com a minha esposa foi o objeto a. Ao mesmo tempo dissemos
que para desejar precisamos necessariamente da falta. Então será que a falta tem algo a ver
com o objeto a? R: Tem, esse é o ponto.

Pensar que para o desejo existir é necessário uma falta nos ajuda a entender o objeto a,
porque a tese lacaniana corroborada pelo Freud, sustentada pela obra de Freud, é a de que
todos nós não temos apenas faltas pontuais como a falta de uma parceira amorosa, falta de
um espaço para dar aula de psicanalise pela internet, a falta de uma câmera, não temos
apenas essas faltas especificas concretas, nós temos uma falta estrutural. Todos nós somos
seres faltosos, falta alguma coisa em nós, nós não somos completos, inteiros. Essa é uma tese
Lacaniana corroborada na obra de Freud.

E isso que nos falta vai ser justamente o que Lacan vai chamar de objeto a.

Essa parte que falta em cada um de nós, esse pedaço que falta em cada um de nós é o que
Lacan chamou de objeto a. Mas como assim falta? Tenho meu corpo completo, o que falta em
em mim? Pois é, essa falta não é uma falta real, do ponto de vista da realidade concreta
realmente não falta nada em nós, como posso dizer que falta alguma coisa em mim? Eu tenho
uma versão de mim na minha cabeça completa e quando comparo essa versão completa com
a versão real, percebo que a versão real está em falta em relação a versão completa? Eu
conheço essa versão completa de mim pra dizer que estou em falta?

Pra saber se algo está completo ou está em falta tem que conhecer a versão completa. No caso
dos seres humanos ninguém sabe qual é a versão completa, então como podemos dizer que o
ser humano tem uma falta estrutural?

Para que eu olhe para mim mesmo e me perceba como faltoso e me sinta faltoso, sinta que
existe alguma coisa que precisaria estar aqui mas não está, para que eu sinta falta de alguma
coisa preciso ter na cabeça a imagem da completude, a ideia de como seria eu completo. Isso
significa dizer que nós nos sentimos faltosos, sentimos que falta alguma coisa e a psicanalise
não foi o primeiro campo do conhecimento a dizer isso (que falta alguma coisa), encontramos
isso nas religiões, filosofias, e até no senso comum. Nós nos sentimos faltosos justamente
porque nós temos uma ideia, uma fantasia de completude. É com base nessa fantasia de
completude, por imaginar que eu poderia ser completo que eu olho pra mim e me percebo
faltoso.

É o mesmo que acontece quando você está de boa, está com a vida financeira ajustada,
consegue fazer as coisas que você deseja fazer, consegue se divertir, consegue imaginar. E aí
de repente você entra no instagram e começa a acompanhar um influencer e percebe que
essas pessoas estão fazendo um monte de coisas que você não pode fazer. Até aquele
momento você estava de boa com a sua vida, não vou dizer que estava satisfeito, mas você
não estava sofrendo. Mas quando você vê aquela blogueira fazendo altas viagens, comendo
em restaurantes chiques, quando você compara com a sua vida você “opa, está faltando aqui,
eu deveria ter acesso a esse gozo, a essa satisfação, esse pessoal que está vivendo a vida
plena, a minha vida é incompleta, é insatisfatória, insuficiente” e então você fica triste porque
você não pode gozar daquela mesma vida que agora você considera a vida plena. Antes você
estava de boa com a sua vida mas quando vê aquelas outras pessoas fazendo aquelas coisas,
tendo aquelas experiências você começa a achar que sua vida está insuficiente.

Essa dinâmica acontece com todos nós o tempo todo, estamos o tempo todo com a sensação
de que “ainda não está bom “precisa de mais” “precisa de alguma outra coisa” e essa
sensação decorre justamente de nos percebermos faltosos e idealizarmos e imaginarmos uma
situação de felicidade e satisfação plena que nunca existiu e nunca vai existir, ela é a uma
criação nossa. Mas como a gente cria essa fantasia de uma felicidade plena, um estado de
completa satisfação? Ora, essa criação é retroativa assim como a percepção de que sua vida
não está boa depois que você vê a vida da blogueira é retroativo. Por exemplo: No inicio você
estava achando sua vida bacana, aí você vê a pessoa no instagram e retroativamente você olha
pra sua vida e pensa “minha vida está ruim porque aquilo que é a vida boa”. Isso acontece com
todos nós no inicio da vida.

Todos nós para vivermos em sociedade precisamos nos tornar sócios, não nascemos seres
adaptados à sociedade, não nascemos civilizados. A criança precisa ser civilizada, precisa
passar por esse processo que Lacan chamará de alienação. Alienação porquê? Porque a criança
vai precisar se submeter ao grande outro, às normas, às regras, às proibições do outro. Ela vai
ter que comunicar o que ela quer por meio das palavras do Grande Outro, ela não pode criar
as próprias palavras, ela vai ter que falar de acordo com o código do Grande Outro.

Então a criança entra nesse processo de alienação mas evidentemente ela não será apenas um
robozinho que vai simplesmente repetir de maneira mecânica aquilo que ela está aprendendo,
embora todos nós sejamos alienados. Todos nós somos alienados mas ao mesmo tempo
somos sujeitos com particularidades e singularidade, isso significa que além do processo de
alienação, nós temos também o processo de separação do grande outro que é o que garante a
nossa subjetividade com suas particularidades. No processo de separação onde eu vou deixar
de ser apenas um objeto que está sendo modelado pelo grande outro e vou me tornando um
sujeito. Nesse processo de separação tenho a sensação de que eu perdi alguma coisa, de que
uma parte do meu ser foi perdida, porque agora eu falo de acordo com os códigos do grande
outro, só posso desejar os objetos que o grande outro coloca à minha disposição, só pude
desejar um câmera pra gravar as aulas porque a câmera foi criada pelo grande outro.

Então em função do processo de alienação em que sou modelado pelo outro, e do processo de
separação em que eu a partir da modelagem vou ser sujeito, vou trabalhar com aquilo que o
Grande Outro modelou em mim, a partir desse processo tenho a sensação de que perdi uma
parte do meu ser, da minha espotaniedade, da minha natureza, porque agora quem sou eu?
Sou eu ou sou aquilo que o outro diz que sou? Por isso que Lacan diz que nesse processo que o
Grande Outro vai nos modelando cai uma parte de nós e aí então que surge essa noção da
falta, essa ideia de que em nós falta alguma coisa que é correlata de uma ideia de que a vida é
artificial, de que nunca somos espontâneos, 100%naturais, e que nosso desejo está em busca
de alguma coisa que não tem nome. Dessa submissão ao grande outro que nasce essa ideia de
que antes dessa submissão e alienação nós éramos felizes e não sabíamos, em função desse
processo de alienação que criamos essa fantasia de que antes da alienação éramos
plenamente felizes, e agora na vida marcada pelo grande outro nós não temos acesso à essa
satisfação, sempre fica faltando alguma coisa. Essa alguma coisa que fica faltando é o que
Lacan chama de objeto a.

A passagem pela linguagem, a introdução na linguagem, a introdução no grande outro faz com
que eu tenha a impressão de que perdi alguma coisa e vou passar então a vida toda no fundo
ansiando, esperando, tendo a expectativa, o desejo de encontrar essa parte perdida que me
proporcionará essa satisfação plena que um dia eu tive. Mas veja, essa imagem de uma
satisfação plena é completamente fantasiosa, porque esse dia nunca existiu. Desde o inicio da
vida e antes mesmo de nascermos já estávamos sob a alienação, já estávamos inseridos no
grande outro. Antes mesmo de nascermos nossos pais já tinham projetos e desejos sobre nós,
quando nascemos nossos pais já nos colocam nome. Desde o inicio da vida o grande outro está
presente em nós organizando, categorizando o modo como nós vivemos. Já nascemos no
grande outro mas no segundo momento temos essa impressão de que houve uma situação
original de satisfação plena e que nós podemos recupera-la. Se nós tivermos esse pedaço, se
reencontrarmos esse objeto perdido que um dia tivemos lá atrás, em um momento pré
histórico, se um dia o reencontrarmos seremos então plenamente felizes e satisfeitos. Esse
objeto que a gente busca reencontrar é o que Lacan chama de objeto a.

É um objeto fictício, ele não existe, o que existe é a sensação e constatação de que nos falta
alguma coisa, que é uma sensação ilusória. Não falta nada, a ideia de que falta surge porque
temos a impressão de que houve um momento original em que a gente tinha tudo e que
perdemos esse momento original pela nossa condição de seres civilizados. Há vários
momentos na vida da criança que essa sensação de falta é apresentada. Ex: quando a criança é
obrigada a não mexer mais nas suas fezes

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