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INTRODUÇÃO
sangue de Cristo também destaca a renovação contínua dessa aliança, fortalecendo nossa
fé sempre que bebemos do sangue redentor de Cristo. Segundo Calvino, as Palavras:
"Tomai, comei, bebei: este é meu corpo, que é entregue por vós; este é meu sangue que é
derramado para remissão dos pecados" [Mt 26.26-28], encontra uma confirmação tão
sólida de todas essas verdades, que podemos ter certeza, de que são apresentadas a nós da
mesma forma como se o próprio Cristo estivesse diante de nós, visível aos nossos olhos
e tocável por nossas mãos, conferindo um sentido espiritual a Ceia do Senhor.
O propósito principal do sacramento da Ceia do Senhor de acordo com Calvino,
não é apenas nos apresentar o corpo de Cristo, mas, acima de tudo, selar e confirmar a
promessa de que Sua carne é verdadeiramente nosso alimento, e Seu sangue, nossa
verdadeira bebida [Jo 6.55, 56]. É por meio desses elementos que somos nutridos para a
vida eterna [Jo 6.54]. Esse sacramento nos leva de volta à cruz de Cristo, onde essa
promessa foi genuinamente realizada e totalmente cumprida.
No processo de apropriação efetiva de Cristo como o Pão da Vida, a fé
desempenha um papel crucial. Isso ocorre não apenas através da pregação do Evangelho,
mas de maneira mais concreta na Ceia do Senhor, segundo Calvino. Neste sacramento,
Cristo não apenas nos é oferecido com todos os seus benefícios, mas também é recebido
por nós através da fé.
Calvino afirma que a Ceia do Senhor é um mistério tão profundo e complexo que
as palavras e conceitos humanos falham em expressá-lo adequadamente. É difícil
abranger em algumas palavras um mistério tão grandioso, que não pode ser totalmente
compreendido pela mente humana.
O pensamento de Calvino também denota que Cristo, a fonte da vida, ao assumir
a nossa natureza humana, se revelou a nós através de seu corpo e sangue, os quais foram
oferecidos por nós como meio de propiciar-nos vida. O que ocorre também no sacramento
da Ceia do Senhor. (Calvino, 1541, cap. XVII, p. 350).
Calvino afirma que a participação real do corpo e do sangue de Cristo na Ceia do
Senhor é operada pelo Espírito Santo, não pode ser descartado como uma mera expressão
figurada, onde o nome da coisa representada é transferido ao sinal. Embora seja aceitável
reconhecer que a fração do pão é um símbolo e não a própria substância, é essencial
compreender que, ao exibir esse símbolo, a realidade que ele representa também é
apresentada. Acreditar que Deus, o autor dessa instituição, permitiria um símbolo vazio
de significado é acusá-Lo de engano, o que seria uma afirmação imprópria. Portanto,
quando o Senhor utiliza o pão como símbolo para representar a participação verdadeira
de Seu corpo, não há dúvida de que a realidade está presente. (Calvino, 1541, cap. XVII,
p. 351)
Para Calvino, o sacro mistério da Ceia do Senhor é composto por dois elementos
distintos: os sinais corpóreos, que são visíveis aos olhos e representam realidades
invisíveis de acordo com a compreensão limitada da nossa fraqueza, e a verdade
espiritual, que é simultaneamente simbolizada e revelada pelos próprios sinais. (Klein,
2005, p. 92)
A apropriação de Cristo na Ceia do Senhor não resulta da presença física Dele no
pão, como alegam os adeptos do catolicismo romano, mas é efetuada diretamente pela
operação do Espírito Santo, segundo Calvino. 1
Calvino não cria na transubstanciação, na qual a matéria do pão se converte no
corpo de Cristo, isso não foi ensinado pelos primeiros autores cristãos. Essa ideia fictícia
surgiu como uma tentativa de explicar como o corpo de Cristo poderia estar presente
juntamente com a substância do pão, sem resultar em absurdos lógicos. Os primeiros
1
Institutas, IV, 10,11,12.
3
defensores da presença física de Cristo não conseguiam explicar como o corpo de Cristo
poderia se misturar à substância do pão sem levar a conclusões absurdas. Por isso, eles
recorreram a uma ficção: afirmaram que o pão se transforma no corpo de Cristo. No
entanto, essa transformação não ocorre literalmente; em vez disso, a ideia é que a
substância do pão desaparece para que o corpo de Cristo possa estar presente sob a forma
do pão. Essa concepção, apesar de adotada por alguns grupos religiosos, não encontra
respaldo nos ensinamentos dos primeiros séculos da igreja cristã.
Antes de tudo mais, temos que rejeitar a opinião que resultou dos sonhos dos
sofistas no tocante à transubstanciação (assim chamada por eles) como uma coisa
prodigiosa. 2
O que eles dizem, que o corpo está de tal modo mesclado com o pão
que ambos se tornam substancialmente uma só coisa, não somente
causa repulsa ao juízo comum dos homens em geral, mas também é
contrário à fé. Não é lícito, porém, dizem eles, glosar ou explicar dúbia
e temerariamente as coisas que estão claramente expressas na
Escritura.3
Outra posição que não é mais sustentável, segundo Calvino, é aquela que sugere
que o pão está invisivelmente unido ao corpo de Cristo, conhecida como
consubstanciação e defendida pelo luteranismo. Alguns observam que não é possível
ignorar a analogia entre o sinal (pão) e a coisa significada (corpo de Cristo) sem
comprometer a verdade do mistério. Eles reconhecem que o pão usado na Ceia é de fato
a substância de um elemento terreno e corruptível. No entanto, eles não concordam que
ocorre qualquer mudança real na substância do pão; ao invés disso, acreditam que o corpo
de Cristo está de alguma forma presente juntamente com o pão, sem que haja alteração
na natureza do pão em si. (Klein, 2005, p. 81)
João Calvino destaca a presença real de Cristo na Ceia do Senhor como uma
comunhão com o Cristo integral, e não apenas uma parte dele. Em sua visão, embora
Cristo esteja fisicamente ausente da terra, na Ceia, os participantes são verdadeiramente
alimentados do seu corpo e sangue. Calvino rejeita a ideia de uma presença corporal de
Cristo, enfatizando que a distância física não é um obstáculo para receber a carne que foi
crucificada. Ele ressalta que a presença de Cristo na Ceia não se manifesta de forma física,
mas sim em um relacionamento espiritual.4
Eu digo que, embora Cristo esteja ausente da terra com
respeito à carne, todavia na Ceia nós somos
verdadeiramente alimentados de seu corpo e sangue, e
possuindo a secreta virtude do Espírito, desfrutamos da
presença de ambos. E digo que a distância de lugar não é
obstáculo para apresentar a carne, que uma vez foi
crucificada, que é dada a nós como comida.5
Calvino argumenta que a comunhão com Cristo na Ceia não implica na
conversão dos elementos em seu corpo, tampouco na presença física de Cristo nos
elementos. Em vez disso, ele enfatiza a comunhão de relacionamento, em que os
participantes são elevados à presença de Cristo pela obra secreta do Espírito. Ao rejeitar
2
Institutas, IV, 8,9.
3
Institutas, IV, 12.
4
Institutas, IV 14.
5
Calvin, John. The Clear Explanation of Sound Doctrine Concerning the True Partaking of the Flesh and
Blood of Christ in the Holy Supper. Library of Christian Classics, vol. XXII, Calvin: Theological Treatises.
London: SCM Press, 1954, p. 309.
4
a teoria luterana de trazer Cristo até os participantes na Ceia, Calvino destaca a obra
interna e misteriosa do Espírito que une os crentes a Cristo.6
Para Calvino, a presença de Cristo na Ceia é evidenciada pelo poder e força
espirituais, sempre presente entre seu povo. Ele destaca que Cristo sustenta, fortalece,
desperta e protege seus seguidores, demonstrando sua presença de maneira espiritual e
eficaz. Em resumo, Calvino argumenta que a Ceia do Senhor é um meio pelo qual os
crentes participam espiritualmente do corpo e do sangue de Cristo, através da comunhão
proporcionada pelo poder do Espírito Santo.7
A compreensão da Ceia do Senhor na Igreja Católica tem sido uma parte central
da sua teologia e prática litúrgica ao longo dos séculos. O entendimento católico sobre a
Ceia do Senhor chamada pelos católicos de Eucaristia, é profundamente enraizado na
tradição, e foi formalizado em dogmas e ensinamentos ao longo dos anos.
Nos primeiros séculos da Igreja Cristã, as crenças e práticas em torno da Eucaristia
começaram a tomar forma. A ideia de uma presença real de Cristo no pão e no vinho foi
gradualmente desenvolvida. No século IX, com o crescimento do escolasticismo, a
teologia da transubstanciação foi formulada, afirmando que o pão e o vinho realmente se
tornam o corpo e o sangue de Cristo.
Tomás de Aquino: O famoso teólogo medieval contribuiu significativamente para
a formulação da doutrina da transubstanciação. Sua obra "Summa Theologica" aborda
extensivamente a Eucaristia. (Aquino, 1225, questão 73, p. 3462)
O Concílio de Trento (1545-1563) foi crucial na definição da doutrina católica
sobre a Eucaristia. O catecismo do Concílio de Trento (ou Catecismo Romano)
estabeleceu as bases para o entendimento católico da Ceia do Senhor. Segundo essa
doutrina, durante a Missa, o pão e o vinho são transformados na substância do corpo e
sangue de Cristo, mantendo apenas as aparências de pão e vinho.
Catecismo da Igreja Católica: Este catecismo oficial da Igreja Católica contém
uma seção dedicada à Eucaristia, detalhando a doutrina da transubstanciação e seu
significado na vida dos católicos. (McGrath, 1953, p. 116)
As obras dos Padres da Igreja Católica, como Inácio de Antioquia e Justino Mártir,
fornecem informações sobre as crenças e práticas eucarísticas nos primeiros séculos do
cristianismo. É importante notar que, além desses ensinamentos formais, a devoção à
Eucaristia na Igreja Católica é uma parte crucial da espiritualidade católica. A adoração
ao Santíssimo Sacramento e as celebrações eucarísticas são práticas centrais para os
católicos, refletindo a profunda importância que a Eucaristia tem na vida da igreja e de
seus fiéis.
O pensamento de João Calvino sobre a Ceia do Senhor e a perspectiva da Igreja
Católica Romana representam duas abordagens teológicas distintas e, por vezes,
conflitantes. Neste trabalho vamos abordar as diferenças e semelhanças, desde o contexto
histórico até o teológico, destacando as nuances de cada posição.
No século XVI, durante a Reforma Protestante, as divergências teológicas em
torno da Ceia do Senhor tornaram-se um ponto crucial de contenda. Calvino, um líder
reformado, e a Igreja Católica estavam inseridos nesse contexto de reforma e reafirmação
doutrinária.
6
Institutas, IV, 28.
7
Institutas, IV, 28,29,30.
5
"A Liberdade de um Cristão" (1520): Nesta obra, Lutero defende sua visão da fé
justificadora, que está profundamente ligada à sua compreensão da Ceia do Senhor como
um ato de graça divina. (McGrath, 2005, p; 102)
"Da Ceia do Senhor" (1525): Neste texto, Lutero elabora sua teologia sobre a Ceia
do Senhor, explicando sua visão da presença real de Cristo nos elementos.
Lutero foi profundamente influenciado pelos escritos de Agostinho,
especialmente em relação à graça e à presença de Cristo na Ceia do Senhor.
Martinho Lutero acreditava que a Ceia do Senhor era um meio pelo qual os crentes
eram fortalecidos na fé e consolados em sua relação com Deus. Sua compreensão da
presença real de Cristo na ceia do Senhor continua a ser uma parte fundamental da
teologia luterana até os dias de hoje.
As visões de João Calvino e Martinho Lutero sobre a Ceia do Senhor, embora
compartilhem algumas semelhanças, apresentam diferenças teológicas distintas. Vamos
abordar as diferenças e semelhanças, destacando pontos cruciais de cada perspectiva.
Ambos Calvino e Lutero viveram durante a Reforma Protestante no século XVI,
uma época marcada por intensos debates teológicos e mudanças significativas na igreja
ocidental. Suas ideias sobre a Ceia do Senhor foram moldadas por esse contexto histórico.
Lutero defendia uma visão da Ceia do Senhor conhecida como
"consubstanciação". Ele acreditava na presença real de Cristo nos elementos da Ceia, mas
não defendia uma mudança substancial dos elementos. Para Lutero, o pão e o vinho
permaneciam, mas também estavam espiritualmente unidos ao corpo e ao sangue de
Cristo. Ele enfatizava a fé como o meio pelo qual os crentes recebiam o verdadeiro corpo
e sangue de Cristo na Ceia do Senhor. (McGrath, 2005, p. 594)
Calvino sustentava uma visão diferente, conhecida como "presença espiritual".
Ele via a Ceia do Senhor como um memorial simbólico do sacrifício de Cristo. Calvino
acreditava que, enquanto Cristo estava verdadeiramente presente na Ceia, essa presença
era espiritual e simbólica. Ele enfatizava a importância da participação espiritual e da
comunhão dos crentes com Cristo durante a Ceia. (Calvino, 1541, cap. XVII)
A diferença central residia na natureza da presença de Cristo. Lutero defendia uma
presença real, embora misteriosa e espiritual, enquanto Calvino enfatizava uma presença
espiritual e simbólica.
Para Lutero, a fé era crucial para receber o verdadeiro corpo e sangue de Cristo.
Calvino, embora reconhecesse a fé como importante, enfatizava mais a natureza
simbólica e espiritual da Ceia do Senhor.
Calvino colocava grande ênfase na comunhão espiritual com Cristo, enquanto
Lutero enfatizava a presença misteriosa e espiritual de Cristo nos elementos.
Quanto as semelhanças, ambos acreditavam em uma forma de presença de Cristo
na Ceia, embora suas interpretações diferissem.
Ambos viam a Ceia do Senhor como um sacramento significativo, um meio pelo
qual os crentes são lembrados do sacrifício de Cristo.
Em suma, enquanto ambos acreditavam na presença de Cristo na Ceia do Senhor,
suas interpretações variavam em termos da natureza e modo dessa presença, refletindo
diferenças fundamentais em suas teologias sacramentais. (Klein, 2005, p. 78)
como uma divindade que exige um sacrifício humano para perdoar a humanidade, o que
é visto como problemático pelos padrões modernos.
Além disso, aponta para a ênfase excessiva no sangue de Jesus, levando a uma
abordagem quase fetichista do cristianismo, seja através de hinos ou da participação
sacramental.
Portanto, a interpretação litúrgica de Spong sobre a ceia do Senhor baseada em
sacrifício humano e redenção através do sangue de Jesus é vista como problemática e não
condizente com as compreensões científicas e éticas modernas. (Spong, 2006, p. 134-
139).
CONCLUSÃO
Este trabalho foi extremamente importante para lançar luz sobre o tema da Ceia
do Senhor. Ao explorarmos as complexidades da Ceia do Senhor no contexto do
pensamento cristão, é evidente que este sacramento central tem sido objeto de intensos
debates, reflexões e interpretações ao longo dos séculos.
A análise das perspectivas de Calvino, profundamente enraizada na reverência
pelas Escrituras e na teologia cuidadosa, destaca-se como uma interpretação marcante
que continua a influenciar os círculos teológicos contemporâneos. Juntamente com as
visões de Lutero, que enfatizam a presença real de Cristo nos elementos da Ceia, e ainda
as interpretações simbólicas de Zwinglio, vemos uma riqueza de pensamento que reflete
a diversidade do cristianismo.
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Esse estudo também revelou as críticas liberais sobre a celebração da Ceia nas
igrejas históricas, que muitas vezes questionam a natureza do sacrifício e a representação
simbólica. A teologia reformada, ao enfatizar a importância da fé, a natureza simbólica
dos elementos e a compreensão do sacrifício de Cristo como um ato gracioso, responde a
essas críticas de maneira sólida e contextualizada.
Concluímos, portanto, que este trabalho demonstra que a Ceia do Senhor não é
apenas um ritual litúrgico, mas um reflexo das complexidades teológicas e das diferentes
interpretações que permeiam o pensamento cristão. Ao compreender essas diversas
perspectivas, podemos apreciar a riqueza e a profundidade do pensamento cristão, porém
com a devida observância da fé e compreensão das Sagradas Escrituras.
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica (Vol. 2 – Questões 44-119). Tradução de Gabriel
C. Galache e Fidel Garcia Rodrigues. São Paulo: Loyola. 2003.
Calvino, João. As Institutas. Traduzido por Waldyr Carvalho Luz. Vol. 4. São Paulo:
Editora Cultura Cristã, 2006.
Gamble, R. C. Calvino e sua Influência no Mundo Ocidental. 2ª ed. São Paulo: Editora
Cultura Cristã, 2014.