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Rosaura Soligo

Sobre alfabetização inicial


Propostas pedagógicas têm qualidade quando estão ajustadas às necessidades e
possibilidades de aprendizagem das crianças.

São as atividades que devem ser compatíveis com o que as crianças precisam
aprender e não o contrário: é impossível as crianças regularem a própria capacidade
para realizar tarefas acima ou abaixo de suas possibilidades.

Obrigar todas as crianças de uma turma a fazer as mesmas atividades de um material


didático, utilizado linearmente, pela ordem das páginas, com as mesmas propostas
e intervenções, no mesmo tempo é uma tentativa péssima e inútil de padronizar a
aprendizagem.

Autores de livros didáticos e de apostilas, mesmo que quisessem, não teriam como
ajustar as propostas didáticas ao que as crianças precisam e podem aprender: só o
professor será capaz de fazer isso a partir do que sabe sobre o conhecimento que
elas têm e sobre como fazer ajustes desse tipo.

Quatro âmbitos de conhecimento são fundamentais para todo professor e eles dizem
respeito ao sujeito da aprendizagem, aos conteúdos do ensino, às metodologias que
favorecem o aprendizado dos conteúdos e às próprias dificuldades relacionadas a
esses conhecimentos.

Para os professores alfabetizadores, esses saberes incluem necessariamente o estudo


sobre as estratégias de leitura, as hipóteses de escrita e a aprendizagem em
colaboração, para que possam planejar e encaminhar atividades específicas de
alfabetização inicial em contextos potentes de interação.

Há mais de três décadas já está comprovado que as crianças aprendem muito mais,
muito melhor e com maior rapidez quando trabalham com outras crianças em
agrupamentos planejados cuidadosamente para que aprendam em colaboração.

Agrupamentos planejados cuidadosamente para que aprendam em colaboração nada


tem a ver com crianças que sabem mais ensinarem as que sabem menos: para que
elas aprendam umas com as outras, é preciso que o nível de conhecimento de cada
uma não seja muito desigual.
Planejar e acompanhar os agrupamentos para que, de fato, trabalhem em parceria é
difícil, ainda mais no início, entretanto é muito importante porque junto se aprender
melhor.

Acompanhar adequadamente os grupos depende da definição prévia de quais serão


priorizados a cada dia e das possíveis intervenções a fazer.

Transformar a prática pedagógica quando ela não favorece a aprendizagem de todas


as crianças exige do professor compromisso com os resultados do próprio trabalho,
conhecimento profissional e reflexão sobre a experiência docente.

Sites com sugestões de atividades, materiais e cursos online não substituem o


compromisso, o conhecimento e a reflexão do professor.

Boa parte do que é veiculado em muitos sites de alfabetização e páginas de


professores alfabetizadores não têm nenhuma fundamentação, tampouco ajuda as
crianças – e nem os professores – a aprender.

Letramento não significa conhecer as letras. Letramento diz respeito ao


conhecimento sobre os usos sociais da escrita e ao uso possível do conhecimento
sobre a escrita. Portanto, não tem nenhum sentido falar em ‘letramento precoce’. O
processo de letramento é sempre bem-vindo, desde que as crianças são
pequenininhas.

É necessariamente em contextos de letramento que a alfabetização inicial deve


acontecer.

Não basta que as propostas sejam contextualizadas – elas precisam funcionar como
dispositivos que instiguem as crianças a refletir sobre a escrita. A compreensão das
regras de geração e do funcionamento da escrita alfabética não surge naturalmente
das situações de uso da língua. Pelo menos não para a maioria das crianças.

As propostas específicas de alfabetização inicial pressupõem ler textos para aprender


a ler, escrever textos para aprender a escrever e também interpretar a própria escrita
– textos reais que não foram inventados para ensinar a ler, mas são compatíveis com
as possibilidades de um aprendiz iniciante.

Textos compatíveis com as possibilidades de um aprendiz iniciante não são somente


listas de palavras, como às vezes se acredita.
Na alfabetização inicial, o propósito não é fazer as crianças passarem de uma
hipótese de escrita para outra, mas sim garantir que aprendam a utilizar
adequadamente a língua para ler e escrever, da maneira que lhes for possível, desde
o princípio da escolaridade.

Propor que as crianças escrevam como conseguem para depois corrigir ou anotar do
jeito certo em cima, embaixo ou ao lado de suas escritas é um contrassenso.

O treino descontextualizado dos sons das letras não tem nenhuma relação com nada
do que foi dito acima.

Os fonemas que compõem uma palavra, trabalhados um a um, quando juntados não
coincidem com a palavra pronunciada, porque eles não existem de forma isolada na
língua. Esse tipo de artificialidade, além de não fazer sentido para as crianças, não
contribui para que elas se apropriem dos usos da língua.

Desconhecer o valor sonoro das letras não significa desconhecer as letras. Uma coisa
é não saber o valor sonoro de algumas letras, outra é não saber o valor sonoro de
nenhuma letra e outra é desconhecer o nome das letras.

O traçado das letras na forma cursiva é um aprendizado mecânico, que não requer
nenhuma construção conceitual, e que só faz sentido depois que as crianças
aprenderam o fundamental, que é ler e escrever.

As crianças aprendem quando conseguem transformar informação disponível em


conhecimento próprio. Memorizar informação não garante esse processo.

A informação útil para a criança é aquela que ela pode compreender em vez de
apenas reproduzir. Somente a observação atenta do professor ensinará, com o
tempo, qual é a ‘dose adequada’ a oferecer em cada caso.

As crianças – e os adultos também – memorizam porque

As crianças – e os adultos também – memorizam porque aprendem, e não o


contrário. Ou seja, não aprendem porque memorizam.

Meia hora por dia de atividades permanentes de alfabetização inicial, bem planejadas
e ajustadas às necessidades e possibilidades de aprendizagem das crianças, no
tempo de um ano resultam em aproximadamente 100 horas de reflexão sobre a
escrita. Nesse contexto, como não aprender?
Quando ainda não aprenderam a ler convencionalmente, as crianças sabem que não
sabem ler. Não adianta querer enganá-las.

A verdadeira inovação é ensinar a todos os alunos. Com metodologias em que são


considerados, de fato, sujeitos do processo de aprendizagem. Plataformas
inovadoras, projetos inovadores, aplicativos inovadores, materiais didáticos
inovadores, mobiliários inovadores, discursos inovadores só inovarão, realmente, se
os alunos protagonizarem a cena.

A finalidade da avaliação do conhecimento dos alunos é o planejamento de propostas


e intervenções adequadas para que aprendam cada vez mais. Não é o preenchimento
de planilhas, nem a comparação entre eles, nem a alimentação de sistemas
informatizados. Planilhas, dados comparativos e sistemas eficazes são meios para
que a escola possa cumprir a finalidade de ensinar a todos. Tomar como fins o que
são somente os meios é uma distorção que não contribui para a aprendizagem de
ninguém, nem alunos, nem profissionais.

Os professores precisam do apoio efetivo e contínuo dos seus coordenadores


pedagógicos para que possam trabalhar de forma cada vez melhor.

Cabe às instituições educativas garantir as necessárias condições para que tudo isso
aconteça, pois uma mudança de paradigma dessa dimensão não depende apenas da
vontade dos profissionais.

Neste endereço há outras reflexões:


https://rosaurasoligo.wordpress.com/2017/08/14/receita-para-alfabetizar-criancas-
2/

Veja essas atividades para consciência fonológica


https://pt.slideshare.net/adrianamotta165/conscincia-fonolgica-livro-de-atividadespdf

Sobre consciência fonológica


https://educapes.capes.gov.br/bitstream/capes/431166/2/Produto_Sumaya_2018.pdf

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