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HISTÓRIA E DOCUMENTAÇÃO

– ABORDAGENS PRÁTICAS
AULA 4

Prof. Igor Tadeu Camilo Rocha


CONVERSA INICIAL

Desde o início do século XX, a historiografia tem buscado algumas


respostas importantes nas metodologias seriais e quantitativas. Elas ganharam
importância na medida em que a produção do conhecimento histórico deslocou
seu eixo de interesses do evento singular e grandes personalidades e
acontecimentos para buscar regularidades nos contextos. Essas metodologias
permitem ao pesquisador/historiador buscar estruturas e contextos do passado.
Isso amplia o leque de fontes e, consequentemente, o número de
informações com as quais a pesquisa histórica deve lidar, implicado também no
uso de alguns recursos, sobre os quais discutiremos.

TEMA 1 – HISTÓRIA QUANTITATIVA E HISTÓRIA SERIAL: CRUZAMENTOS E


DIFERENÇAS

Tanto a história quantitativa quanto a serial partem de pressupostos e


foram formuladas em contextos similares: o historiador/pesquisador deveria
voltar-se com mais afinco às regularidades do passado em detrimento de suas
singularidades. Contudo, ainda que haja algumas intercessões, há algumas
particularidades de uma e outra que não permitem que sejam tratadas como
sinônimos.

Já tratamos disso anteriormente, e aqui nosso objetivo é aprofundar


alguns aspectos que foram brevemente enunciados, mas com outros fins.
Devemos entender as diferenças e semelhanças entre ambos, assim como
determinados usos nas pesquisas históricas.

1.1 História quantitativa: abordagens, usos e limites

Segundo Richardson (1989), entendemos por “metodologia quantitativa”


aquela caracterizada pelo emprego da quantificação, observável tanto na coleta
das informações – geralmente em grande escala, homogênea em algum grau –
quanto no seu tratamento – por meios como estatística, gráficos, tabelas, entre
outros. Elas variam muito em relação à complexidade das quantificações
propostas, sempre em relação tanto à própria massa documental quanto à

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dimensão do problema proposto na pesquisa, lidando-se com tal metodologia e
fontes. Conforme explica Barros (2012, p. 207):

O que a história quantitativa pretende observar da realidade está


atravessado pela noção de “número”, “quantidade”, valores a serem
medidos. As técnicas utilizadas pela abordagem quantitativa serão
estatísticas, ou baseadas na síntese de dados através de gráficos
diversos e curvas de variação a serem observadas de acordo com
eixos de abscissas e coordenadas.

Como foi dito, os métodos quantitativos buscam, com a maior precisão


possível, repetições e regularidades nos contextos do passado. Por isso é
importante precisar que uma abordagem quantitativa das fontes sempre
necessita de uma serialização. Ainda que não sejam serializados os documentos
em si, ao menos os dados recolhidos e organizados nessa abordagem deverão
ser.
Voltando a Richardson (1989), estudos que recorrem à metodologia
quantitativa são mormente de natureza descritiva. Assim, métodos quantitativos
aplicados às ciências sociais (e, em partes, à história) seriam aqueles voltados
a descobrir determinados fenômenos e classificá-los, assim como analisar suas
relações e variáveis. Para Diehl (2004), a quantificação possibilita ao
pesquisador resultados que evitam possíveis distorções de análise e
interpretação, possibilitando uma maior margem de segurança.
Metodologias quantitativas são comumente encontradas em trabalhos
cujo objeto e tema/problema se voltam a grandezas quantificáveis e movimentos
regulares (e, nesse caso, a irregularidade pode ser um problema analisável). A
demografia histórica – que se ocupa de movimentos populacionais ao longo da
história – e a história econômica – que ocupa de elementos como variações de
preço, inflação, crescimento econômico, produção, comércio etc. – são
exemplos por excelência de pesquisas históricas que recorrem a essa
metodologia.
Com efeito, caso alguns cuidados não sejam tomados do ponto de vista
metodológico, a quantificação também pode trazer determinados problemas.
Barros (2012, p. 209) aponta para um vício das análises quantitativas, que
incidem no excesso de confiança na sua capacidade descritiva, numa espécie
de fetiche da quantificação. Assim, o pesquisador/historiador se fiaria a uma
pretensa neutralidade dos números em descrever fenômenos do passado, não

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considerando, por exemplo, que tais análises partem de problematizações
levantadas e formuladas na sua pesquisa histórica. Além disso, os dados
levantados numa metodologia quantitativa não explicam o passado por ele
mesmo, mas oferece informações que deverão ser analisadas, organizadas e
interpretadas segundo métodos científicos.

1.2 A história serial e o documento não singular

De acordo com Barros (2012, p. 205), para pensar em história serial é


fundamental entender um movimento historiográfico em termos de abordagens
de fontes. Trata-se, segundo o autor, de considerar os documentos não mais
como singulares ou testemunhos únicos de um passado histórico, mas como
partes constitutivas de uma grande cadeia de fontes do mesmo tipo. Uma série
deve ser formada por fontes homogêneas, tipologias próximas ou similares, que
sejam organizadas de maneira criteriosa, produzindo uma continuidade,
possibilitando que elas sejam analisadas em conjunto.
Se, como dissemos, a quantificação deve ser necessariamente
serializada, o contrário não é verdadeiro. Dito de outra forma, uma série não
necessariamente deve ser quantificada para chegar a resultados que respondam
ao problema levantado pela pesquisa. Um exemplo são os métodos de análise
da história das mentalidades, ou ainda os métodos das escolas mais recentes
da história das ideias, que buscam compreender argumentos dos autores
analisados dentro de um contexto maior da enunciação de suas ideias,
implicando, por vezes, em serializar massas documentais grandes que
possibilitem comparações e aproximações.
Historiadores como aqueles das várias gerações da Escola dos Annales
privilegiaram a serialização, dado que elas possibilitam analisar o fato e
personalidades não como singulares, isolados em seu contexto. Dessa maneira,
a análise serial na história serve sempre para aproximar indivíduos,
acontecimentos e agentes históricos diversos às regularidades, repetições e
tendências de seus contextos históricos. A novidade dessa metodologia em
termos de estudos históricos consiste, sobretudo, em permitir a análise de alguns
objetos, como práticas de leitura, sentimentos, comportamentos ou práticas
culturais antes pouco acessíveis ao historiador.

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Pela vista da serialização, por exemplo, Edward P. Thompson (2002)
chegou ao conceito de história vista de baixo, no sentido de que
comportamentos da classe trabalhadora industrial inglesa do século XIX
poderiam ser analisados.
De maneira mais marcada que a história quantitativa, a história serial
busca evitar a análise meramente descritiva dos seus objetos históricos e dos
contextos do passado – lembrando que a redução da análise à descrição na
abordagem quantitativa, como dissemos, é um vício a ser evitado e está longe
de lhe ser uma característica intrínseca.

1.3 Síntese: alguns apontamentos sobre serializações e quantificações na


história

Diante dos aspectos analisados, cumpre aqui fixar alguns elementos


gerais. O primeiro deles, talvez o mais importante, é que metodologias seriais e
quantitativas buscam regularidades e/ou quantificações no passado, voltando o
foco da análise para uma perspectiva geral dos contextos passados. Porém, aqui
é necessário enfrentar pelo menos dois problemas comuns em ambas as formas
de análise histórica.
Um deles é que séries, regularidades ou dados quantificados do passado
devem ser analisados rigorosamente, e a análise produzirá a resposta ao
pesquisador/historiador. Não se deve objetivar com esse tipo de análise um
retrato objetivo do passado. Quantificações e serializações, como quaisquer
metodologias de análise histórica, devem responder a problemas e hipóteses
cientificamente formuladas.
Segundo problema: devemos ter em vista que a singularidade de
indivíduos, contextos e acontecimentos permanece como tema possível de
análise histórica. Uma das críticas, por exemplo, feitas por Ginzburg (2007,
p. 249-279) a esse tipo de análise histórica se baseia na premissa de que esses
sujeitos e eventos singulares são diluídos nas estruturas, de forma que, grosso
modo, são invisibilidades.
Outra questão relevante é que, ao analisarmos determinados contextos
históricos, é bastante comum que não existam documentos em quantidade
suficiente para uma serialização ou análise quantitativa. Essa característica é

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marcante nos trabalhos que se debruçam sobre contextos como Antiguidade ou
Idade Média, ou mesmo em determinados contextos coloniais.
Cabe ao historiador/pesquisador ter em vista as limitações e
possibilidades das serializações e quantificações no tocante à sua pesquisa
histórica.

TEMA 2 – RETOMANDO OS BANCOS DE DADOS

Como vimos, existem diversas tipologias de bancos de dados. Assim, fixar


alguns de seus conceitos centrais será importante para analisar os softwares
usados na análise da documentação, por abordagem quantitativa e serial.
Eles são, resumidamente, coleções ordenadas de informações – no caso
aqui tratado, informações colhidas da leitura de documentos históricos –,
organizados de maneira a compartilhar tais informações a usuários diversos,
geralmente uma comunidade de pesquisadores, mas que pode também ser
acessível a mais pessoas.
Trata-se sempre de dados inter-relacionados, suprindo demandas das
organizações que formulam esses bancos de dados. Ainda que contem com
inovações técnicas substanciais desde o advento da informática, a experiência
com os bancos de dados na análise histórica remonta, pelo menos, à segunda
metade do século XX.

2.1 Bancos de dados documentais

Vimos que os bancos de dados se dividem em alguns tipos ou modelos,


os quais Turban, McLean e Wheterbe (2004, p. 594-595) separam em
hierárquico, em rede e relacional. Para entendermos os bancos de dados
usados em documentos, vamos explicar novamente o modelo hierárquico.
Bevilacqua (2010, p. 18-19) explica que esses bancos têm uma única raiz e se
baseiam em modelos de estrutura vertical. Dentre suas vantagens estão o
controle, a velocidade de recuperação de dados e a eficiência da pesquisa.
O modelo hierárquico organiza dados numa estrutura do tipo “árvore”, na
qual cada registro tem uma única raiz. Dessa forma, os registros são
classificados numa ordem específica. Esta, por sua vez, é usada como a ordem
física para armazenar o banco de dados. Este é um modelo considerado ideal

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para descrever muitas relações do mundo real, e entre essas relações podem
constar, por exemplo, documentos organizados segundo critérios da arquivística
e diplomática, ou alguma instituição arquivística.
Por isso, um modelo apropriado e comumente usado para tratar a
documentação histórica seria um banco de dados não relacional (NoSQL),
utilizado para armazenar e consultar dados como documentos JSON (JavaScript
object notation, ou notação de objetos JavaScript). Trata-se de um modelo
flexível, hierárquico e semiestruturado, que considera cada entidade
armazenada como um documento único, sendo essa uma de suas vantagens
mais destacadas. Dessa maneira, as instituições arquivísticas podem mobilizar
recursos para organizar seus acervos documentais, facilitando o acesso a
informações que vimos anteriormente – sobre as classificações tipológicas e
especificações dos documentos –, sua localização e informações mais gerais.
Tal modelo de banco de dados é indicado para perfis de usuários e para
sistemas de gerenciamento de conteúdo. Neles, os documentos são registrados
em sua unicidade. Com o avanço das tecnologias digitais, muitos arquivos têm
buscado digitalizar seus acervos e disponibilizá-los on-line.
Um importante exemplo de recurso de acesso a esses acervos on-line é
a Biblioteca Digital Luso-Brasileira1. Disponível desde 2015, essa iniciativa surgiu
da união entre as bibliotecas do Brasil e de Portugal, objetivando coordenar
esforços de ambos para digitalizar acervos e facilitar sua disponibilização.
Atualmente, outros vários arquivos brasileiros e portugueses participam da
iniciativa, que desde então organiza, num só local, um pesquisador de
documentos em diversos arquivos luso-brasileiros.

2.2 Bancos de dados e a arquivística

Vimos as funções dos bancos de dados e algumas linhas gerais sobre


seus fundamentos. Esses bancos são pensados para armazenar de maneira
ordenada e lógica um volume considerável de informações, tornando-as
acessíveis a uma comunidade de usuários e, eventualmente, o público em geral.
Os documentos são gerenciados por softwares que executam diversas funções.
Por definição, são o suporte lógico, ou uma sequência de instruções que devem

1 Disponível em: <https://bdlb.bn.gov.br/>. Acesso em: 13 jul. 2020.


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ser seguidas e executadas na manipulação, organização, redirecionamento e
modificação de determinados dados (Pressman; Maxim, 2016, p. 4).
Atualmente existem muitos softwares que auxiliam na construção e
gestão do banco de dados. Diante disso, um software considerado adequado ao
banco de dados em questão deverá, antes de tudo, ser escolhido em diálogo
entre o arquivista, o profissional de informática e a comunidade de usuários à
qual ele é voltado. Deve-se considerar também os materiais e as informações
que serão disponibilizadas e os interesses na sua elaboração.
Existem diversos exemplos de plataformas indicadas para elaborar
bancos de dados. Entre os melhores exemplos – de código aberto e gratuitas –,
estão o MariaDB, MySQL, MongoDB, PostgreSQL, SQLite, Firebird e Cubrid.
Não vamos detalhar o funcionamento de cada uma das plataformas, que
apresentam vantagens e desvantagens de acordo com os objetivos e demandas
dos respectivos usuários. Quando for escolher alguma delas, será necessário
seguir determinados critérios, que explicaremos a seguir.

2.3 Critérios a considerar antes de implementar um banco de dados


documental

O primeiro cuidado é ser criterioso quanto à escolha da plataforma.


Sempre que for implementar um banco de dados, é fundamental que a
plataforma garanta um nível desejável de flexibilidade estrutural, seja de fácil
manutenção e fácil migração. Além disso, é fundamental uma boa estrutura de
banco de dados, pensada por profissionais da arquivística, em conjunto com
profissionais de informática e comunidade de usuários.
É necessário uma operacionalidade do banco de dados que seja a mais
simples possível para seus usuários internos (profissionais do arquivo, por
exemplo) e externos (pesquisadores em geral). Diante disso, é fundamental
contratar um bom serviço de programação, sempre de acordo com o grau de
complexidade do banco de dados e recursos disponíveis para fazê-lo.
Todo projeto precisa ter em vista, inicialmente, as demandas reais e
necessidades específicas em questão. É com elas que a escolha das
plataformas, equipe adequada, estrutura e organização dos bancos de dados
será devidamente pensada. Essas demandas são melhor identificadas se

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conhecermos o material e acervo disponíveis no arquivo em que as
informações serão organizadas e disponibilizadas.
Finalmente, deve-se ter atenção ao equipamento necessário, que
envolve servidores, sistemas de backup e outros, além das ferramentas de
busca, que também precisam ser adequadas para que as informações do banco
de dados sejam facilmente acessadas.

TEMA 3 – ESTUDOS DE CASO SOBRE OS GRANDES BANCOS DE DADOS


HISTÓRICOS

São vários os exemplos, na atualidade, de arquivos com grandes acervos


digitais. Os estudos históricos têm sido bastante beneficiados pelo
desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação (TICs), que
possibilitam o acesso a grandes acervos por qualquer pesquisador/historiador
em todo o mundo.
Pensando nas pesquisas quantitativas, existem grandes acervos cujos
corpi documentais, organizados, digitalizados e disponibilizados viabilizam
grandes pesquisas que recorrem a esse tipo de análise. O objetivo aqui é
apresentar alguns deles, em algumas linhas gerais.

3.1 Projeto Família e Demografia em Minas Gerais – séculos XVIII, XIX e XX

De acordo com Libby, Botelho e Andrade (2012), esse projeto visou uma
análise bastante abrangente dos movimentos populacionais ao longo da história
de Minas Gerais. Buscou-se identificar, mensurar e especializar, nas Minas
Gerais do século XVIII ao XX, diversos elementos que constam na
documentação histórica, que vão dos movimentos populacionais nas regiões
mineradoras, desenvolvimentos de atividades econômicas e de um dinâmico
mercado interno na região, entre outros.
Lendo e transcrevendo fontes de arquivos diversos, o projeto montou um
consistente banco de dados, alcançando um robusto mecanismo voltado ao
conhecimento da geografia e história dos regimes demográficos mineiros no
período estudado. Os resultados do projeto podem ser acessados nos
endereços eletrônicos do Centro de Estudos Mineiros (CEM).

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3.2 Centro de Documentação Musical da UFPel

Cerqueira et al. (2008) explicam que o Centro de Documentação Musical


da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) foi concebido com base numa
abordagem transdisciplinar, tendo em vista sobretudo a diversidade considerável
do acervo. Com um levantamento minucioso de documentos das mais variadas
tipologias, foi organizada e disponibilizada a documentação num banco de dados
digital, relacionando nele as informações de todos os suportes documentais
(escritos, visuais, orais e materiais).

3.3 Transatlantic Slave Trade Database (TSTD)

Esse banco de dados atualmente é o mais completo do mundo a respeito


da escravidão transatlântica, com o qual diversas informações sobre os
escravizados da Idade Moderna podem ser levantadas. Assim, com os dados
disponíveis e acessíveis on-line, pode-se acessar e analisar a movimentação e
volume das viagens dos navios negreiros, oscilações do preço dos escravizados,
nomes de escravizados e suas regiões de origem e inúmeros outros dados.
Esse banco de dados está disponível no link:
<https://www.slavevoyages.org/>. Acesso em: 13 jul. 2020.

3.4 Bancos de dados do IBGE

A base de dados disponibilizada pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa e


Estatística (IBGE) é uma riquíssima fonte para análise histórica. Dados como os
da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e, posteriormente,
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua)
oferecem informações do perfil demográfico dos brasileiros, como renda,
escolaridade e muitas outras (Brasil, [S.d.]a).
O acesso às planilhas de dados e às várias possibilidades de cruzamento
possibilitam ao pesquisador/historiador uma gama variada de abordagens
quantitativas e qualitativas. Todos esses dados, assim como os censos
demográficos feitos no Brasil desde o século XIX até os dias atuais, podem ser
acessados no endereço eletrônico do IBGE.

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TEMA 4 – STATISTICAL PACKAGE FOR THE SOCIAL SCIENCES (SPSS)

O SPSS é um software utilizado amplamente nas ciências sociais, mas


ainda tem um uso incipiente na produção histórica. Uma das barreiras de seu
uso mais amplo é o custo de licenciamento; porém, em projetos e centros de
estudo dotados de mais recursos, já é usado com mais frequência. Dentre suas
funções estão a aplicação analítica, mineração de dados e de texto, além de
ferramentas estatísticas, transformando dados brutos em informação.
Sua primeira versão apareceu em 1968, voltada a pesquisas de mercado.
Em 1984 começou a ter versões voltadas a computadores pessoais e de
empresas. Atualmente, suas versões apresentam, além das funcionalidades
aplicáveis à pesquisa, algumas voltadas a empresas (IBM, 2010).
Em termos de aparência, o SPSS se assemelha ao Excel, embora em
termos de função, se pareça um pouco mais com o Access. No geral, o software
consegue – inseridos os dados quantitativos levantados na pesquisa –
estabelecer relações entre as múltiplas variáveis que aparecem nos dados.

4.1 Usos do SPSS na pesquisa histórica

O SPSS traz uma variedade de funcionalidades, que servem para acessar


e gerir uma grande quantidade de dados, permitindo múltiplas formas de
apresentá-los em tabelas e gráficos. É um software recorrente às pesquisas
históricas que lançam mão de métodos quantitativos e serializações. Barom
(2019, p. 248-252) mostra que há um terreno profícuo de estudos sobre ensino
de história que se beneficiam com as funcionalidades do SPSS.
Existem vários exemplos de análises seriais ou quantitativas/seriais que
utilizam o SPSS como parte importante de sua metodologia. Exemplo recente
está no trabalho de Rodrigo Paulinelli de Almeida Costa (2015, p. 32-47). Com
informações recolhidas de um banco de dados, o SPSS cruzou dados e elaborou
tabelas que permitiram traçar um perfil da composição da população da freguesia
mineira de Piranga, no século XIX, levantando-se informações como composição
etária, atividades econômicas e estruturas familiares.

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4.2 Outras formas de usar o SPSS na pesquisa histórica

Muitas vezes, quando o objeto da pesquisa se aproxima do que seria uma


“história da escrita da história” – o que chamamos de historiografia – ou então
objetos como história do livro e da leitura ou de publicações, o SPSS e
programas similares servem para cruzar dados referentes a publicações feitas
em determinado recorte temporal. Em partes, isso consistiu na pesquisa de Filipa
Medeiros (2014) sobre a produção da historiografia medieval portuguesa entre
os anos de 2000 e 2010.
Como mencionamos, com a profusão de grandes bancos de dados com
documentação histórica sobre escravizados, suas trajetórias e o mundo da
escravidão transatlântica, a historiografia também se vale do SPSS. É o caso do
trabalho de Victor Gonçalves (2017) a respeito de relações entre senhores e
escravizados na Bahia do século XIX. No primeiro capítulo da obra, o autor faz
uma robusta análise qualitativa, traçando um quadro em que mostra e analisa a
propriedade dos escravos e libertos, variações no tempo/espaço relacionadas às
mudanças no tráfico transatlântico, entre outros aspectos.

TEMA 5 – O SYGAP

Agora vamos apresentar um programa que existe desde os anos 1990 e


tem auxiliado muitos pesquisadores no tratamento de fontes serializáveis com
uma modalidade bastante recorrente, qual seja, documentos referentes à
demografia histórica e à história de famílias.

5.1 O que é?

Sygap é a sigla para Système de Gestion et d’Analyse du Population.


Trata-se de um software criado em 1991 por meio de consórcio entre
pesquisadores canadenses e franceses, objetivando favorecer o trabalho de
reconstituir famílias. No Brasil, esse programa tornou-se mais conhecido com a
publicação da historiadora Maria Luiza Andreazza (1999) sobre a imigração
ucraniana para o Brasil nos séculos XIX e XX.
Desde então esse software tem sido usado em pesquisas genealógicas e
diversos tipos de análise serial, ainda que seja um programa antigo e, por isso,

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traz alguns problemas. Informações como perfis demográficos, dados referentes
a casamentos e fecundidade e trajetórias de famílias têm sido recorrentemente
analisadas com o suporte do Sygap. Hoje existe uma versão atualizada do
aplicativo disponível para dispositivos móveis.

5.2 Sygap e a reconstituição de famílias

Como dito, o Sygap é fruto de um projeto franco-canadense que visava


desenvolver um software de gerenciamento de estudos populacionais. É um
software modular de análise e gestão de registros de população, cujo
componente central permite elaborar e gerir o modelo numérico de uma
população, servindo de referência a modelos-satélites de uma análise
demográfica e genética. Além disso, com modelos mais recentes, sua arquitetura
aberta permite muitos ajustes e cruzamento de dados com outros programas e
softwares sem grandes dificuldades (Poulard et al., 1990, p. 456).
É um programa feito em D-Base, que apresenta um módulo central para
registros de população. Com ele será feita a gestão de fichas individuais que
serão inseridas no programa pelo usuário, que poderá consultar dados por meio
de listagens de indivíduos cadastrados, em ordem numérica ou alfabética – ou
ambas.
As funcionalidades têm sido importantes em muitas pesquisas que se
baseiam em dados existentes, por exemplo, dos documentos paroquiais, como
certidões de batismo, óbito e casamento. Nesses casos, o Sygap é uma
ferramenta formidável para organizá-los de maneira coerente, traçando perfis e
informações a respeito de genealogias de famílias, como Teixeira (2006) fez com
as famílias livres de Campinas do século XIX.
O Sygap auxilia num trabalho fundamental de
pesquisadores/historiadores que utilizam fontes serializáveis, como assentos de
batismo, casamento e óbito, ou listas nominativas, fundamentais para análises
demográficas.

NA PRÁTICA

Visite o site do projeto Slave Voyages, já mencionado. O acesso é por


este link: <https://www.slavevoyages.org/>. Dentro das múltiplas possibilidades

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apresentadas, explore as diversas informações que podem ser analisadas por
uma abordagem serial ou quantitativa.
Escolhendo algum recorte histórico (1820 a 1850, por exemplo, ou
qualquer outro intervalo escolhido), pode-se levantar o número e o volume de
viagens transatlânticas dos navios negreiros, a recorrência de determinados
nomes, as regiões que mais recebem e que mais enviam escravizados,
variações no período, entre muitas outras possibilidades.

FINALIZANDO

Vimos que a historiografia há muito tempo recorre a grandes bancos de


dados, e isso tem enriquecido sobremaneira a pesquisa histórica. Muitas
abordagens que recorrem a eles são do tipo serial e quantitativo, que não podem
ser confundidas e, mais ainda, têm algumas particularidades que merecem ser
consideradas pelos pesquisadores.
O grande volume de informações e documentos disponíveis nesses
bancos de dados leva o pesquisador/historiador a buscar recursos como
softwares que auxiliem sua análise, muitas vezes traduzindo-os na forma de
tabelas, gráficos e outros.

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REFERÊNCIAS

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