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DIREITO PENAL II

Professora Claudia Costa


ÍNDICE
1. Novas teorias (extremadas) sobre Pena:
a) Abolicionismo Penal
b) Direito Penal Máximo
c) Garantismo Penal

2. Penas privativas de Liberdade:


1.1. Cumprimento das penas mais graves em primeiro lugar;
1.2. Progressão nos crimes hediondos e no delito de tortura;
1.3. É possível a regressão a regime mais rigoroso?
1.4. Utilização do art. 59 do código penal para fixação do regime de cumprimento da pena;
1.5. Exigência da reparação do dano ou devolução do produto do ilícito para a progressão de regime.
1.6. Regime Fechado.
1.7. Regime Disciplinar Diferenciado
1. NOVAS TEORIAS (EXTREMADAS) SOBRE A PENA:
No estudo das teorias sobre a pena, merece destaque dois enfoques particularmente radicais na abordagem do fundamento e da finalidade da pena.
Estes novos pensamentos buscam trazer novas perspectivas para a justificar a finalidade da pena, bem como trazer novos olhares para o desenvolvimento de
política criminal. São eles: o abolicionismo penal e o garantismo penal.

a) Abolicionismo Penal: fruto dos estudos e dos artigos de Louk Hulsman (Holanda), Thomas Mathiesen e Nils Christie (Noruega) e Sebastian Scheerer
(Alemanha), o Abolicionismo Penal apresenta uma nova forma de pensar o Direito Penal, questionando o significado das punições e das instituições,
bem como construindo outras formas de liberdade e justiça. O movimento trata da descriminalização (deixar de considerar infrações penais
determinadas condutas) e da despenalização (eliminação da pena para a prática de certas condutas, embora continuem a ser consideradas delituosas)
como soluções para o caos do sistema penitenciário, hoje vivenciado na grande maioria dos países.

Para os teóricos desta teoria, o método tradicional de punição, focado no encarceramento dos delinquentes, não estaria dando resultados
positivos e os níveis de reincidência estariam elevados, deixando evidente a sua ineficácia. Por isso, seria preciso buscar e testar novos experimentos
no campo penal, pois é sabido que a pena privativa de liberdade não tem resolvido o problema da criminalidade. A sociedade, no fundo, segundo o
pensamento abolicionista, não tem sucumbido diante do crime, como já se apregoou que aconteceria, sabendo-se que há, no contexto da Justiça
Criminal, uma imensa cifra negra, ou seja, existe uma diferença entre os crimes ocorridos e os delitos apurados e entre os crimes denunciados e os
delitos processados. Diante deste contexto, observa-se que a maioria dos crimes não é sequer levado ao judiciário, seja porque não se sabe a autoria,
seja porque a autoridade policial não tomou conhecimento da sua prática. Desta forma, defende-se que a sociedade teria condições de absorver os
delitos cometidos sem a sua desintegração.
Portanto, a descriminalização e a despenalização de várias condutas, hoje consideradas criminosas, poderiam facilitar a reeducação de muitos
delinquentes, mediante outras formas de recuperação. Para isso, o abolicionismo recomenda, em síntese, a adoção dos seguintes princípios: a)
Abolicionismo Acadêmico, ou seja, a mudança de conceitos e linguagem, evitando a construção de resposta punitiva para situações-problema; b)
Atendimento Prioritário à Vítima (melhor seria destinar dinheiro ao ofendido do que construindo prisões); c) Guerra contra a pobreza; d) Legalização das
drogas; e) Fortalecimento da esfera pública alternativa, com a liberação do poder absorvente dos meios de comunicação de massa, restauração da
autoestima e da confiança dos movimentos organizados de baixo para cima, bem como a restauração do sentimento de responsabilidade dos intelectuais.

Manifesta-se Luigi Ferrajoli sobre o tema:


“O abolicionismo penal – independentemente dos seus intentos liberatórios e humanitários – configura-se, portanto,
como uma utopia regressiva que projeta, sobre pressupostos ilusórios de uma sociedade boa ou de um Estado bom,
modelos concretamente desregulados ou autorreguláveis de vigilância e/ou punição, em relação aos quais é
exatamente o direito penal – com o seu complexo, difícil e precário sistema de garantias – que constitui, histórica e
axiologicamente, uma alternativa progressista” (Direito e razão, p. 275).

Não há dúvidas de que, ao menos por enquanto, o abolicionismo penal é uma utopia. No entanto, a sua abordagem traz luz a importantes
conceitos, valores e afirmativas, uma vez que evidencia o fracasso do sistema penal atual em vários aspectos, situação que necessita ser repensada e
mudada o quanto antes.

b) Direito Penal Máximo: é um modelo de direito penal marcado pela excessiva severidade pela incerteza e imprevisibilidade de suas condenações e penas,
voltado à garantia de que nenhum culpado fique impune, ainda que à custa do sacrifício de algum inocente (cf. Luigi Ferrajoli, Direito e razão, p. 84-85). Esse
sistema vem sendo adotado, primordialmente, pelos Estados-Unidos, implicando no método vulgarmente denominado de “tolerância zero”. Dessa forma,
qualquer tipo de infração penal deve ser punido severamente, com o objetivo de servir de exemplo à sociedade e buscando evitar que o agente possa
cometer atos mais graves.
Por esta perspectiva, um delito de vadiagem, por exemplo, deve ser punida penalmente, para que não se transforme em furto e, futuramente, em roubo
ou até mesmo em latrocínio, o que mostra que na perspectiva do Direito Penal Máximo, a ideia é a de punir de forma mais severa até os menores delitos, de modo
a impedir que o crime evolua.

c) Garantismo Penal: é um modelo normativo de direito, que obedece a estrita legalidade, típico do Estado Democrático de Direito, voltado a minimizar a violência
e maximizar a liberdade, impondo limites ao jus puniendi estatal. Busca representar o equilíbrio entre os modelos do abolicionismo e do direito penal máximo.

O modelo garantista de direito penal privilegia os seguintes axiomas: a) não há pena sem crime (nulla poena sine crimine); b) não há crime sem lei
(nullum crimen sine lege); c) não há lei penal sem necessidade (nulla lex poenalis sine necessitate); d) não há necessidade de lei penal sem lesão (nulla
necessitas sine injuria); e) não há lesão sem conduta (nulla injuria sine actione); f) não há conduta sem dolo e sem culpa (nulla actio sine culpa); g) não há culpa
sem o devido processo legal (nulla culpa sine judicio); h) não há processo sem acusação (nullum judicium sine accusatione); i) não há acusação sem prova que a
fundamente (nulla accusatio sine probatione); j) não há prova sem ampla defesa (nulla probatio sine defensione) (Ferrajoli, Direito e razão, p. 74-75).

Pode-se trazer o Garantismo como uma noção de Direito Penal Mínimo, e convém mencionar as soluções mais apropriadas na ótica deste Direito Penal
Mínimo, segundo Hassemer e Muñoz: a) promover uma busca de alternativas à prisão, que principalmente afeta aos setores sociais mais baixos; b) realizar uma
investigação que possa clarear o âmbito obscuro da “criminalidade dos poderosos”, vinculada a reflexões políticas sobre a igualdade da criminalização em Direito
Penal; c) estabelecer uma política de descriminalização da criminalidade menor ou de bagatela no âmbito da criminalidade “clássica”; d) efetuar investigações
sobre a práxis do princípio da oficialidade na persecução dos delitos, unidas à busca de funções substitutivas desejáveis político-criminalmente (Introducción a la
criminología y al derecho penal, p. 62).

No entanto, vemos que nenhuma mudança legislativa implementada pelo Poder Legislativo vai ter eficácia sem a liberação de verbas pelo Poder
Executivo. Não é possível que o Parlamento modifique sistematicamente leis, fornecendo a impressão de que isso basta à solução no combate à criminalidade,
sem que o administrador libere as verbas necessárias ao seu implemento. Note-se, como exemplo, que até hoje várias cidades brasileiras, incluindo São Paulo,
não possuem a Casa do Albergado, lugar destinado ao cumprimento da pena em regime aberto, gerando certamente impunidade, nos casos de encaminhamento
do condenado para o regime de prisão-albergue domiciliar, sem qualquer fiscalização eficaz. De que adiantam, então, quaisquer mudanças se não houver vontade
política de cumprir e fazer cumprir a lei? Logo, antes de se alterar descompassadamente a legislação, melhor seria implementar a que já possuímos. Antes mesmo
da criação, somente para parecer original, de penas alternativas novas, seria fundamental fazer valer as que já estão previstas em lei, bem pouco aplicadas, de
fato, mas não por culpa dos juízes brasileiros, e sim por falta de estrutura para sua implementação prática.

O Poder Judiciário não detém recursos para concretizar o previsto na lei penal, aliás, nem mesmo é sua função, motivo pelo qual torna-se imprescindível
que os estudiosos do Direito Penal, antes de singelamente criticar o magistrado ou mesmo a lei pela crise de impunidade existente, voltem-se para a concretude
da legislação vigente; antes de cooptarem anteprojetos de mudança de leis penais, participem da cobrança de instrumentos ainda não existentes da alçada do
Poder Executivo.

1. PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE:


Continuando com o tema iniciado na aula passada, iremos detalhar mais o tema das Penas Privativas de liberdade, como se dá o seu cumprimento,
possibilidade e requisitos para progressão, regressão e demais pontos de interesse.

1.1. Cumprimento das penas mais graves em primeiro lugar:


Consta no Art. 69, do Código Penal Brasileiro:

Art. 69 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se
cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de
detenção, executa-se primeiro aquela.
Da leitura do Art. 69 depreende-se que penas mais graves devem ser cumpridas em primeiro lugar, independentemente da ordem de chegada das guias de
recolhimento (peça inaugural da execução penal). Então, havendo a condenação em reclusão e detenção, primeiro cumpre-se a mais grave e depois será
feita a progressão.

No entanto, o art. 111 da Lei de Execução Penal determina a unificação das penas privativas de liberdade para a correta fixação do regime de
cumprimento de pena. É preciso lembrar que a detenção pode ser cumprida em regime fechado, quando há regressão; logo, havendo reclusão e
detenção para execução, deve-se unir o total de penas privativas de liberdade para escolher o regime cabível.

Por outro lado, havendo penas impostas pela prática de crimes hediondos, devem estas ser cumpridas em primeiro lugar, até pelo fato de
serem as que elevam o prazo para a progressão de regime, bem como estipulam prazo maior para a obtenção do livramento condicional. Passado o
estágio do cumprimento da pena por delito hediondo, torna-se possível ao condenado, cumprindo o prazo do delito comum, receber os benefícios
relacionados à melhoria do regime.

1.2. Progressão nos crimes hediondos e no delito de tortura:


Quando a Lei 8.072/90 foi editada, os apenados por crimes hediondos e equiparados deveriam cumprir a sua pena privativa de liberdade, integralmente,
no regime fechado, independente do total da pena fixada. Desta forma, uma pessoa condenada a 5 anos pelo crime de Tráfico de Drogas (pena
mínima), deveria cumprir sua pena integralmente em regime fechado. Era um preceito violador do princípio constitucional da individualização da pena.

Após diversas provocações sobre a violação aos princípios do Processo Penal, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional essa
vedação, em fevereiro de 2006. Após isso, a Lei 11.464/2007 modificou a Lei 8.072/90 para permitir a progressão, mas determinar o regime fechado
inicial obrigatório aos delitos hediondos e equiparados. Na mesma trilha, o STF, em 2012, considerou inconstitucional vedar ao juiz escolher o regime
cabível, não precisando ser, necessariamente, o fechado.

A última reforma, trazida pela Lei 13.964/2019, alterou o art. 112 da Lei de Execução Penal, impondo prazos diferenciados para cada apenado,
conforme a espécie de crime cometido e dependendo da condição pessoal do sentenciado, criando um verdadeiro sistema gradativo medido pela
proporção de pena cumprida, como já abordamos anteriormente.

1.3. É possível a regressão a regime mais rigoroso?


A princípio a resposta é SIM, pode haver a regressão para regime mais rigoroso. No entanto, Há, basicamente, duas situações que
desencadeiam essa transferência:

a)A adaptação do regime: nos termos do art. 111 da Lei de Execução Penal, quando “houver condenação por mais de um crime, no mesmo processo
ou em processos distintos, a determinação do regime de cumprimento será feita pelo resultado da soma ou unificação das penas, observada, quando
for o caso, a detração ou a remição”. E mais: “Sobrevindo condenação no curso da execução, somar-se-á a pena ao restante da que está sendo
cumprida, para determinação do regime” (parágrafo único).

Desta forma, se o sujeito foi condenado a uma pena de 6 anos, em regime semiaberto, por um processo, e a 4 anos, em regime aberto, por
outro, é fundamental que o juiz da execução penal estabeleça um regime único para o cumprimento de 10 anos de reclusão, que, aliás, demanda o
regime fechado. Deve, ainda, o magistrado consultar o disposto no art. 118, II, LEP: “sofrer condenação, por crime anterior, cuja pena, somada ao
restante da pena em execução, torne incabível o regime (art.111)”;

b) regressão por falta: nos termos do inciso I do art. 118 da mesma Lei, o condenado pode ser regredido a regime mais rigoroso quando “praticar fato
definido como crime doloso ou falta grave”. No caso de cometimento de crime doloso, é preciso, num primeiro momento, sustar os benefícios do regime
em que se encontra (se está no aberto, será transferido, cautelarmente, para o fechado), aguardando-se a condenação com trânsito em julgado. Caso
seja absolvido, restabelece-se o regime sustado; se for condenado, regride-se a regime mais severo.
No caso da falta grave, podemos usar como exemplo o apenado que está em cumprimento de pena em regime semiaberto, mas consegue o
benefício do Semiaberto Harmonizado – programa onde o apenado fica com o monitoramento eletrônico e pode transitar do trabalho para casa, sem precisar
dormir no estabelecimento prisional – este indivíduo sai da prisão com a orientação clara e expressa de manter a sua tornozeleira carregada SEMPRE. Caso
a tornozeleira descarregue e o CEMEP (Centro de Monitoramento Eletrônico de Pessoas ) perca o sinal daquele equipamento, irá notificar o Juiz de
Execuções titular do processo do apenado, que irá notificar o estabelecimento prisional e poderá ser decretada a regressão do regime.

Inclusive, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que manter tornozeleira eletrônica descarregada configura falta grave e
possibilita regressão de regime, pois se trata de desobediência à ordem de manter o aparelho em funcionamento, incidindo na hipótese do art. 50, inciso VI,
c.c. o art. 39, inciso V, ambos da Lei de Execução Penal – LEP. Desse modo, por ter praticado infração disciplinar de natureza grave, possível se falar em
regressão de regime prisional, conforme precedentes do próprio STJ. (https://canalcienciascriminais.com.br/tornozeleira-eletronica-descarregada-e-falta-
grave-e-regressao-de-regime/ )

Um ponto relevante para debate é a presunção criada pelo legislador de incompatibilidade de cumprimento de pena superior a oito anos em regime
mais brando, impondo-se inicialmente o fechado (art. 33, § 2.º, a, CP). No entanto, vê-se que nem sempre o condenado a pena superior a oito anos é mais
perigoso do que outro condenado a pena inferior.

Por outro lado, vê-se que que o condenado reincidente deve iniciar o cumprimento da pena sempre no regime fechado, pouco importando o
montante (ver alíneas b e c do § 2.º do art. 33 do Código Penal). E tem sido posição majoritária na doutrina e na jurisprudência não poder o réu reincidente
receber outro regime, mormente quando apenado com reclusão, que não seja o fechado. No entanto, está em vigor a Súmula 269 do Superior Tribunal de
Justiça: “É admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as
circunstâncias judiciais”. Essa posição harmoniza-se com o entendimento de que penas curtas, quando cumpridas em regime fechado, somente deterioram
ainda mais o caráter e a personalidade do sentenciado, produzindo mais efeitos negativos do que positivos. Por isso, o entendimento do STJ permite que o
magistrado, no caso concreto, emita juízo de valor acerca das condições pessoais do réu, valendo-se das circunstâncias previstas no art. 59 do Código
Penal, para inseri-lo, a despeito da reincidência, no regime semiaberto, mais condizente com penas não superiores a quatro anos.

1.4. Utilização do art. 59 do código penal para fixação do regime de cumprimento da pena:
Vê-se que a utilização do disposto no art. 59 é múltipla, valendo para vários momentos diferentes da individualização da pena. Desta forma,
as circunstâncias previstas no art. 59 – culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências
do crime e comportamento da vítima – são utilizadas desde o momento de escolha do montante da pena privativa de liberdade, passando pela eleição
do regime, até culminar na possibilidade de substituição da privativa de liberdade pela restritiva de direitos ou multa e outros benefícios.

1.5. Exigência da reparação do dano ou devolução do produto do ilícito para a progressão de regime:
Como forma de criar ais um elemento dificultador à progressão do regime, a Lei 10.763, de 12 de novembro de 2003, trouxe a obrigatoriedade
de o condenado por crime contra a administração pública, ainda que possua merecimento, seja obrigado a reparar previamente o dano causado ou
devolver o produto do ilícito (art. 33, § 4.º, CP).

A doutrina aponta eventual inconstitucionalidade do dispositivo, se interpretado de forma absoluta. Primeiramente, ressalta-se que a pena tem
a finalidade tríplice de configurar uma resposta ao crime perpetrado (castigo), ser uma prevenção a novas infrações (seja na ótica positiva geral –
reafirmação dos valores e da eficiência do sistema penal, seja na visão negativa geral – servir de alerta à sociedade), e valer como fator de reeducação
e ressocialização (prevenção positiva especial), esta última, aliás, constante da Declaração Americana dos Direitos Humanos, subscrita pelo Brasil e em
pleno vigor. Daí se depreende que, não há, como função ou finalidade da pena, a meta de reparação do dano à vítima, seja ela quem for. Portanto, o
condenado que esteja em regime fechado, dando mostras de plena recuperação, cumprido o período mínimo, sem o cometimento de falta grave, tem o
direito de progredir.
Ademais, sabe-se que individualização, preceito constitucional (art. 5.º, XLVI, primeira parte), desenvolve-se em três fases, como já abordado
(legislativa, judiciária e executória), razão pela qual o mais importante é verificar se o sentenciado mostra sinais de recuperação; assim sendo, quando viável
sua ressocialização, a passagem para regime mais brando é direito indiscutível. Não há no art. 33, §4º a obrigação expressa de reparar o dano quando
possível, para progressão do regime. Desta forma, vê-se que não se dá ao sentenciado por crimes contra a administração pública a margem de possibilidade
de progredir de regime sem a devida reparação dos danos, quando verificada a impossibilidade de fazê-lo, o que provoca verdadeiro desnível entre os
condenados por estes crimes e os demais condenados.

Portanto, o caminho ideal é exigir a reparação do dano ou a devolução do produto do ilícito, como demonstração de merecimento do sentenciado,
se ele puder realizar a reparação ou devolver o produto. Destacando-se que O STF julgou constitucional esse dispositivo.

1.6. Regime Fechado:


Quando inserido no regime fechado, o condenado será submetido, no início do cumprimento da pena, a exame criminológico de classificação para
a individualização da execução (art. 34, caput, CP). Por determinação expressa da Lei, vê-se que o condenado deve trabalhar durante o dia e ficar isolado
durante o repouso noturno (art. 34, § 1.º, CP).

O trabalho deve ser realizado dentro do estabelecimento prisional, conforme as aptidões do condenado (art. 34, §2.º, CP). Excepcionalmente,
permite-se que o trabalho ocorra em serviços ou obras públicas fora do presídio (art. 34, § 3.º, CP). Por outro lado, também em caráter excepcional, o
trabalho pode desenvolver-se para entidades privadas, desde que conte com a concordância expressa do preso (art. 36, caput, e § 3.º, LEP).

E dois pontos merecem destaque, primeiramente vê-se que a imposição do regime inicial fechado deve ser sempre fundamentada pelo juiz. Outra
informação importante é que reconhecendo o grave problema da falta de vagas no semiaberto, o STF editou a Súmula Vinculante 56, que dispõe: “A falta de
estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os pa-
râmetros fixados no RE 641.320/RS”.

Lembremo-nos de que a gravidade do crime, por si só, não é motivo para estabelecer o regime fechado. A eleição do regime inicial de cumprimento
da pena obedece aos mesmos critérios do art. 59, conforme determinação expressa do § 3.º do art. 33. Registre-se a edição da Súmula 718 do STF: “A
opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do
que o permitido segundo a pena aplicada”.

Observação: quando o juiz fixa a pena no mínimo legal, havendo possibilidade de estabelecer o regime semiaberto ou aberto, poderia aplicar o
fechado? Há duas posições a esse respeito: a) quando a pena for fixada no mínimo legal, porque todas as circunstâncias do art. 59 do Código Penal são
favoráveis, não há razão para estabelecer regime mais severo; b) a fixação de pena no mínimo legal não leva, necessariamente, ao estabelecimento do
regime mais brando, pois os requisitos do art. 59 devem ser analisados em duas fases: primeiramente, para a fixação do montante da pena e, em segundo
plano, para a escolha do regime de cumprimento.

Observamos que, na prática, é muito difícil para o magistrado separar completamente os requisitos do art. 59 em duas fases distintas, conseguindo
argumentos suficientes para dar pena mínima, ao mesmo tempo em que extrai outros para estabelecer regime mais severo. Afinal, se o crime é grave – não
pela simples descrição típica, mas pelos aspectos fáticos que envolve –, a pena não deveria situar-se no mínimo, atendendo-se ao disposto nos elementos
“circunstâncias e consequências do crime”, previstos no art. 59.

Muitas vezes, ocorre a predominância da indevida política da pena mínima, isto é, a praxe de muitos magistrados tendente a estabelecer sempre a
pena mínima, mas, em seguida, resolva fixar regime mais severo, porque o crime, abstratamente considerado, é grave. Por exemplo, em um caso de crime
de roubo a mão armada, com pena padrão fixada em 5 anos e 4 meses de reclusão. Depois, no momento de fixar o regime de cumprimento, porque se trata
de “crime grave” – não porque foi cometido em peculiares circunstâncias fáticas, mas pelo simples fato de ser um “roubo”, delito que assola as grandes
metrópoles –, estabelece-se o regime fechado. Ora, nada justifica tal postura, uma vez que o regime de cumprimento da pena deve obedecer, os crité-
rios do art. 33, especialmente o disposto no § 3.º, que remete ao art. 59.

Logo, se o réu recebeu pena mínima, porque todas as circunstâncias judiciais eram favoráveis, o fato de ter cometido delito considerado
abstratamente grave não é motivo para colocá-lo em regime mais severo. É fato que pode-se utilizar o regime inicial fechado para o crime de roubo, quando
o modo de praticá-lo foi excepcional, tal como utilizar violência desnecessária contra a vítima já rendida, demonstrando sadismo. Entretanto, nessa hipótese,
merece a pena ser estabelecida acima do mínimo legal. Em síntese: recebendo pena no mínimo, a regra é que o regime seja, também, o mais favorável.
Elevando-se a pena acima do piso, é lógico que o magistrado possa estabelecer regime mais rigoroso, em situações excepcionais, poder-se-ia admitir um
regime de cumprimento mais severo, desde que a decisão seja bem fundamentada, seja no tocante à fixação do quantum da pena privativa de liberdade,
seja no que concerne à escolha do regime. Lembrando-se que determina a Súmula 719 do STF: “A imposição do regime de cumprimento mais severo do que
a pena aplicada permitir exige motivação idônea”.

1.7. Regime Disciplinar Diferenciado


Introduzido pela Lei 10.792/2003, foi modificado pela Lei 13.964/2019, apresentando as seguintes características:
a) duração máxima de 2 anos, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie;
b) recolhimento em cela individual;
c) visitas quinzenais, de duas pessoas por vez, a serem realizadas em instalações equipadas para impedir o contato físico e a passagem de
objetos, por pessoa da família ou, quando terceiro, autorizado pelo juízo, com duração de duas horas;
d) direito de saída da cela para banho de sol por duas horas diárias podendo conviver com até quatro presos, desde que não sejam do mesmo
grupo criminoso;
e) entrevistas monitoradas, exceto com o defensor, em instalações equipadas para impedir o contato físico e a passagem de coisas, salvo
expressa autorização judicial em contrário;
f) fiscalização de conteúdo da correspondência;
g) participação em audiências judiciais em videoconferência, de preferência, assegurando a presença do defensor no mesmo local que o preso.4

O regime é válido para condenados ou presos provisórios. Podem ser incluídos no mesmo regime os presos, nacionais ou estrangeiros,
provisórios ou condenados, que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou aqueles que (provisórios ou condenados)
estiverem envolvidos ou participarem – com fundadas suspeitas –, a qualquer título, de organizações criminosas, quadrilha ou bando [associação criminosa,
com a redação dada pela Lei 12.850/2013] (art. 52, § 1.º, LEP).

Destaca-se que são 3 as hipóteses para a inclusão no RDD: a) quando o preso provisório ou condenado praticar fato previsto como crime doloso,
conturbando a ordem e a disciplina interna do presídio onde se encontre; b) quando o preso provisório ou condenado representar alto risco para a ordem e à
segurança do estabelecimento penal ou da sociedade; c) quando o preso provisório ou condenado estiver envolvido com organização criminosa, associação
criminosa ou milícia, bastando fundada suspeita.

A decretação do RDD deverá ser feita pelo Juiz da execução penal, desde que proposto, em requerimento detalhado, pelo Diretor do
estabelecimento penal ou por outra autoridade administrativa (por exemplo, o Secretário da Administração Penitenciária, quando houver), ouvido previamente
o membro do Ministério Público e a defesa (art. 54 e parágrafos da LEP). E embora o juiz tenha o prazo máximo de 15 dias para decidir a respeito, a
autoridade administrativa, em caso de urgência, pode isolar o preso preventivamente, por até dez dias, aguardando a decisão judicial (art. 60 da LEP). Nada
impede, aliás, tudo recomenda, no entanto, que o juiz, alertado de que o preso já foi isolado, decida em dez dias, evitando-se alegação de
constrangimento ilegal. O tempo de isolamento provisório será computado no período total de regime disciplinar diferenciado, como uma autêntica detração.

É evidente a severidade deste regime, mas é fundamental observar que ele foi criado, infelizmente, para atender às necessidades urgentes de
combater o crime organizado e aos líderes de facções que, de dentro dos presídios brasileiros, continuam a atuar na condução dos negócios criminosos aqui
fora, além de incitarem seus comparsas soltos à prática de atos delituosos graves de todos os tipos, trazendo pânico em verdadeiros ataques orquestrados
As cidades brasileiras. Por isso, é preciso que o magistrado encarregado da execução penal tenha a sensibilidade que o cargo lhe exige para avaliar a real e
efetiva necessidade de inclusão do preso no RDD, especialmente do provisório, cuja inocência pode ser constatada posteriormente.

Além de todo rigor necessário à decretação do RDD, vê-se que a Lei 10.792/2003 prevê, ainda, a utilização de detectores de metais, nos
estabelecimentos penais, aos quais devem submeter-se “todos que queiram ter acesso ao referido estabelecimento, ainda que exerçam qualquer cargo ou
função pública” (art. 3.º). A segurança nos presídios, portanto, torna-se expressamente mais severa, devendo todos, de modo igualitário, às suas normas se
sujeitar (magistrados, promotores, advogados, delegados, Secretários de Estado, Governadores etc.). O art. 4.º da mencionada Lei dispõe que os
estabelecimentos penais, especialmente os que possuírem o regime disciplinar diferenciado, deverão possuir equipamento bloqueador de telecomunicação
para celulares, radiotransmissores e outros meios.

Ademais estipula-se a missão da União Federal para a construção de presídios em local distante da condenação para recolher os condenados,
no interesse da segurança pública ou do próprio sentenciado (art. 86, § 1.º, LEP). Fica claro que cabe ao juiz da execução penal definir o estabelecimento
prisional adequado para o cumprimento da pena ou para abrigar o preso provisório (art. 86, § 3.º, LEP).

Acerca do RDD existem várias discussões, sobretudo acerca da sua constitucionalidade. Isto porque, em face do princípio constitucional da
humanidade, que determina ser inviável, no Brasil, a existência de penas cruéis, debate-se a admissibilidade do regime disciplinar diferenciado., pois diante
das características do mencionado regime, em especial, do isolamento imposto ao preso durante 22 horas por dia, situação que pode perdurar por até 360
dias, há argumentos no sentido de ser essa prática uma pena cruel.

No entanto, a doutrina majoritária defende que não há como combater o crime organizado, dentro e fora dos presídios, com o mesmo tratamento
dado aos criminosos comuns. Se todos os dispositivos do Código Penal e da Lei de Execução Penal fossem fielmente cumpridos, há muitos anos, pelo oder
Executivo, encarregado de construir, sustentar e administrar os estabelecimentos penais, certamente o crime não estaria, hoje, organizado, de modo que não
haveria necessidade de regimes como o estabelecido pelo art. 52 da Lei de Execução Penal.

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