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O Sapateiro chega ao cais e dirige-se ao Diabo.

Consigo traz um avental


e várias formas que remetem para a sua profissão, mas também simbolizam os
seus pecados. O Arrais do Inferno recebe-o com ironia, pois usa os adjetivos
santo e honrado para o caracterizar, quando quer dizer exatamente o
contrário.
O artesão está convencido que vai para o Paraíso porque, segundo ele,
confessou-se e comungou antes de morrer. Ora, o Diabo lembra que ele terá
omitido os seus pecados, nomeadamente o facto de ter roubado e explorado
os seus clientes, ao longo de trinta anos. Acusa-o inclusivamente de uma
prática religiosa falsa, salientando que “ouvir missa/então roubar” o condenava
ao Inferno.
Embora tente ainda a sua sorte junto do Anjo, este é perentório e
reitera as acusações que o Diabo já fizera. Diz-lhe que a carga o impede de
entrar ali e aponta a outra barca, onde há espaço para os seus pecados.
No final, o Sapateiro aceita a condenação/sentença e entra na
barca do Inferno.

 O Sapateiro apresenta os seguintes argumentos: morreu confessado e comungado, ouviu


muitas missas, rezou pelos defuntos e deu dinheiro à Igreja. Trata-se de uma personagem cínica
e falsa, que tenta apresentar-se como virtuosa.

 O Diabo contra-argumenta, dizendo que o Sapateiro morreu excomungado, pois não


confessou todos os seus pecados; era falso religioso, pois frequentava a Igreja e era desonesto,
tendo roubado o povo com a sua profissão.

 O Anjo não o deixa entrar, pois diz que ele traz uma carga muito pesada (carga de pecados), e
acrescenta que na sua barca não entra quem roubou descaradamente enquanto viveu.
Finalmente conclui que ele poderia ter tido o direito de entrar na sua barca, se tivesse tido uma
vida honesta.

 O Sapateiro é acusado de ser ladrão, falso e desonesto no exercício da sua profissão. O


avental e as formas são símbolos do seu ofício e, como tal, da sua desonestidade.

Gil Vicente, Auto da Barca do Inferno


 Ao perceber que não há outra solução, o Sapateiro resigna-se e não volta a tentar provar a
sua inocência, o que poderá revelar a consciência da personagem relativamente aos pecados
cometidos e à gravidade das suas ações durante a vida.

 Nesta cena destacam-se o cómico de linguagem – “Arrenegaria eu da festa,/e da puta da


barcagem!” e de carácter – “Santo sapateiro honrado.”.

Gil Vicente, Auto da Barca do Inferno

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