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E.B.

S Ponta do Sl
Ano Lectivo 2009 ৷ 2010

LÍNGUA PORTUGUESA – 9º ANO


Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente.

GUIÕES DE LEITURA ORIENTADA 4/5 (pág. 152, 153 e 155 do manual “Ser em Português 9”)
[CORRECÇÃO]

I APROFUNDAMENTO DA LEITURA:

A ALCOVITEIRA - BRÍZIDA VAZ

A Alcoviteira transportava vários objectos relacionados com as actividades e artes que


possuía. A sua mercadoria fundamentava-se na mentira, na arte de enganar e remetia para a sua
ocupação de mulher da má vida, porque trazia “Seiscentos virgos postiços/e três arcas de
feitiços”; “Três almários de mentir,/e cinco cofres de enleios,/e alguns furtos alheios,/assi em
jóias de vestir,/guarda roupa de encobrir. Contudo, a maior carga eram as raparigas que vendia,
principal crime pelo qual é posta em julgamento nesta peça.
Brízida Vaz considera que sofreu muito em vida com açoites e que passou tormentos, os quais,
no seu próprio entender, lhe concediam o direito a estatuto de mártir (“Eu sô ua martela tal,”).
Afirma-se pregadora, apóstola, mártir e compara a sua acção de conversão e salvação de moças
à realizada por Santa Úrsula, já que “todas acharam dono” e “nenhua se perdeo”. O seu trabalho
teria sido, desta forma, o de servir a Deus e à sociedade. Na sua defesa não deixa de apontar a
cumplicidade de toda a sociedade, de todos aqueles que se serviam dos seus préstimos e que,
por isso, deveriam ter o mesmo destino que ela (“Se fosse ò fogo infernal/lá iria todo o mundo).
Com o Anjo, Brízida activou mais uma vez a sua arte de enganar. Falsa e atrevida, dirige-se-lhe
com falinhas mansas, tratando-o por “mano, meus olhos”, “minha rosa” e “meu amor, minhas
boninas,/olhos de perlinhas finas!”. Referiu ainda que criara as meninas “pera os cónegos da
Sé…” e que as convertera como fizera Santa Úrsula. Pensou que assim pudesse convencer o Anjo
a deixá-la entrar na Barca da Glória.

O JUDEU

O Judeu entra em cena trazendo um bode às costas (o sacrifício de animais era um ritual
dos judeus). A sua actividade profissional estava intimamente relacionada com o dinheiro, o
lucro e a usura (“Passai-me, por meu dinheiro.”).
Os judeus eram acusados de usura e de práticas religiosas não cristãs, como profanar sepulturas,
sacrificar animais e comer carne em dias de jejum (“E comia a carne da panela/no dia de Nosso
Senhor!”). O Diabo atribui-lhe um tratamento diferenciado, primeiro recusando-lhe a entrada na
barca e depois levando-o a reboque, para não se misturar com os outros (pecadores, mas
cristãos). Esta cena dá conta da discriminação de que os judeus eram alvo na época.

O CORREGEDOR

O Corregedor (magistrado, juiz), para além da vara que era o símbolo do poder judicial,
traz os feitos (processos), tanto símbolo da sua função como testemunho da sua condenável

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actuação como funcionário corrupto. Era um homem da justiça sem escrúpulos, que, segundo o
Diabo, escolhera em vida, pelas suas obras, a embarcação para os seus domínios (inferno).
O primeiro crime que lhe foi apontado pelo Diabo foi o de ser facilmente subornável com
perdizes (“Oh amador de perdiz,”). Porque gozava de imunidade, Julgava desonestamente. É
acusado também de não temer a Deus e de explorar largamente o sangue dos trabalhadores e
dos pecadores ignorantes, sem sequer os ouvir (“A largo modo adquiristis/sanguinis
laboratorum,/ignorantes paccatorum.”). A sua cobiça era tanta que nem ao confessor descobrira
o seu roubo, com receio de que aquele o absolvesse apenas se restituísse o furto.
O Corregedor faz quase todo o seu discurso em latim, muito usado pelos homens de leis. O
Diabo, por seu turno, zomba da personagem falando também latim.

O PROCURADOR

O Procurador, representante do estado junto dos tribunais, entra em cena carregado de


livros (processos e autos). Este diz que vai para o céu porque tem esperança em Deus. É acusado
pelo Parvo de roubar coelhos e pernas de perdiz e de não respeitar os espaços religiosos (“e
mijais nos campanários”). Tal como o Corregedor, o procurador terá recebido subornos durante
a sua actividade profissional.
O Diabo e o Parvo falam também em latim para zombar da personagem. O Diabo, com
esta atitude, quer também mostrar que não é inferior aos senhores letrados e conhecedores da
língua latina.

O ENFORCADO

A personagem é caracterizada de uma forma vaga, parecendo servir apenas a ideia de que a
justiça humana não substitui a justiça divina. Pouco sabemos da sua vida. Deste ladrão enforcado
fica apenas a sua ingénua convicção de que, tendo sido castigado na Terra, pelos seus crimes,
seria recompensado no céu.
Garcia Moniz advoga junto dos condenados que o castigo os absolve dos seus crimes. Mais
afirma Garcia Moniz, pela boca do Enforcado, que o Purgatório é a forca e a prisão e que, depois
disso, é o paraíso garantido.

OS CAVALEIROS

1- Os Cavaleiros entram entoando um cântico de louvor, trajando à maneira dos cavaleiros,


ostentando as suas espadas, os escudos e a cruz de Cristo.

2.1- Os Cavaleiros seguem um percurso directo para a Barca da Glória onde embarcam, sem se
deterem junto da barca infernal, ao contrário do que acontece com as outras personagens.

2.2- As personagens agem de acordo com a ideologia oficial da época, isto é, sabem que
ganharam, em Terra, o direito ao Paraíso por terem morrido “pelejando/por Cristo”.

3- A absolvição dos Cavaleiros indica que o autor do Auto partilha o espírito de Cruzada, ainda
bem vivo na sua época.

4- Visto pelo desfecho, o Auto é uma moralidade, pela religiosidade que o inspira, pelas “lições”
que transmite sobre o bem e o mal, os vícios e as virtudes.

A docente: Ana Sousa

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