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O Sapateiro – Cena V
I – O resumo da cena
Mestre Gil apresenta um sapateiro, carregado de formas, acusado pelo Diabo de roubar o
povo. O Sapateiro não nega o facto e começa a citar, em sua defesa, a cumprimento de
preceitos religiosos: faleceu confessado e comungado,
ouviu missas, ofereceu donativos à Igreja e assistiu às
horas de finados. É o Diabo quem o elucida que tudo
isso nada abona em sua defesa, uma vez que roubava.
Quando o Sapateiro roga ao Anjo que o acolha na
barca, este objeta-lhe: «A carrega te embaraça». Mais
adiante, esclarece um pouco mais o seu pensamento,
quando, referindo-se às formas, adverte o Sapateiro:
«Se tu viveras dereito, / elas foram cá escusadas.».
Para interpretar convenientemente estes dois passos,
só vislumbramos uma solução: as formas tinham sido
compradas com o dinheiro que o Sapateiro roubara aos
seus fregueses e eram como que a materialização dos seus pecados. Se esta interpretação
estiver certa, o dramaturgo não considera as formas só como um elemento distintivo e
caracterizador de tipo mas também como objetos que o Sapateiro fora obrigado a levar para o
seu julgamento como provas de acusação. Com toda esta cena, procurou o autor incutir no
espectador esta doutrina: os preceitos devotos (ouvir missa, confessar-se, comungar, etc.) só
ajudam os que levam uma vida verdadeiramente honesta. É, portanto, mais uma cena
moralista de carácter religioso do que a condenação dum Sapateiro, acusado de roubar o
povo. Aliás, em muitos outros passos, Mestre Gil defende este ponto de vista: ser-se religioso
consiste mais em atuar com espírito evangélico do que assistir ou cumprir os atos externos do
culto.
II – Notas importantes…
1. A carga é pesada, pois o Sapateiro acumulou pecados durante muito tempo.
2. A escolha recai sobre a alínea a., dado que a palavra se refere a um dos símbolos cénicos do
Sapateiro. São duas palavras, uma com este significado, pronunciando-se com “ô”; com o
significado dado na alínea b., pronuncia-se com “ó”.
3.3. O Sapateiro é, mesmo assim, condenado ao Inferno, porque enganou e roubou o povo (vv.
327-329), tendo sido desonesto e porque a devoção que exibia era falsa.
5. O uso de calão permite associar o Sapateiro a um nível social com menos formação
académica e cultural. (Observe-se que o uso deste registo de língua, que provoca o riso no
espectador, está ao serviço do cómico de linguagem e de carácter.)
7. Há um jogo de palavras com as homófonas coser e cozer. O Sapateiro indaga se vai exercer
o seu ofício no Inferno (coser sapatos); porém, de acordo com a resposta do Anjo (“Escrito
estás no caderno / das ementas infernais.” – vv. 364-365), ele vai cozer, isto é, vai ser
cozinhado no lume infernal.
III – Síntese
Personagem / Classe social: Sapateiro/ povo (artesão)
Caracterização psicológica
do Anjo:
Ao princípio está confiante em como irá para o Paraíso, pois era bastante religioso,
contudo, no fim, dirige-se ao Diabo e reconhece os seus erros.
Cómico de linguagem: “quatro formigas cagadas que podem bem ir i chantadas.” (calão)
Destino: Inferno