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Personagem Sapateiro – “Auto da Barca do Inferno”

Síntese de ideias principais sobre esta personagem:

- Personagem-tipo que representa a classe profissional dos sapateiros (artesãos


no geral) da época de Gil Vicente, sendo acusada de explorar o povo através da sua
profissão, apesar de pertencer socialmente também ao povo.
- Os símbolos cénicos que o Sapateiro traz consigo, as formas e o avental,
simbolizam a sua profissão (formas usadas no fabrico de calçado) ao mesmo tempo,
os pecados que cometeu em vida, acabando, assim, por ser provas de acusação.

- O registo de língua utilizado pelo Sapateiro é, maioritariamente, calão, o que


permite associar esta personagem a um nível social com pouca educação e
conhecimentos, ou seja, permite caracterizá-lo como pertencendo socialmente ao
povo.

– O Sapateiro apresenta-se como “Santo sapateiro honrado”, o que mostra que


estava convencido de que merecia ir para o Paraíso. Por isso, fica surpreendido
quando o Diabo afirma, com toda a certeza, que a sua barca é aquela onde o
Sapateiro deve entrar (v.317). Tal afirmação leva-o a fazer um elevado número de
perguntas ao Arrais do Inferno, numa tentativa de perceber por que razões vai para o
Inferno.

– Em vida, as ações que o Sapateiro praticou que o levam a acreditar que o


podem libertar do Inferno são ter cumprido os preceitos / rituais religiosos:
confessou-se e comungou antes de morrer (v. 321), ouviu missas (v.332 e 333),
ofereceu dádivas/esmolas à Igreja (v.336) e as orações que fez pelos defuntos (v.337).

Porém, esses rituais não o salvam da condenação / do Inferno, porque enganou e


roubou o povo através da sua profissão (v. 326 e 327) e durante muitos anos, foi
desonesto e porque a sua devoção religiosa era falsa, já que, na realidade, ele não
confessava todos os seus pecados, uma vez que não esperava morrer (v. 324 e
325).

– O Anjo acusa o Sapateiro de vir carregado (v. 347) e não há espaço na sua barca
para tal carga. Há um jogo de palavras entre “coser” e “cozer” (palavras homófonas)
que está subentendido na resposta do Anjo. O Sapateiro pergunta-lhe se vai exercer a
sua profissão no Inferno (coser sapatos no Inferno – v. 360 e 361), mas o Anjo
responde-lhe que é ele próprio que vai cozer no fogo infernal (ser cozinhado) –
“Escrito estás no caderno das ementas infernais” (v.362 e 363).

– A lição de moral que Gil Vicente pretende transmitir com esta cena é a de que o
cumprimento dos preceitos/rituais religiosos só ajudará quem levar uma vida
verdadeiramente honesta, independentemente da sua profissão; só ajudará
alguém cujas ações estejam ligadas ao Bem e a quem cumprir os preceitos
religiosos de forma correta e com devoção.

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