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Coordenador do Conselho Editorial de Educação

Marcos Cezar de Freitas

Conselho Editorial de Educação


José Cerchi F usa ri
Marcos Antonio Lorieri
Marli André
Pedro Goergen
Terezinha Azerêdo Rios
Valdemar Sguissardi
Vitor Henrique Paro

Dados Internacionais de Catalugação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Cury, Carlos Roberto Jamil


Base Nacional Comum Curricular : dilemas e nDI'CJ~<V'~Í\r::tc
Roberto Jamil Cury, Magali Reis, Teodoro Adriano Costa
Paulo : Cortez, 2018.

Bibliografia.
ISBN 978-85-249-2684-6

L BNCC Base Nacional Comum Curricular 2. Currículos 3.


Brasil 4. Pt~dagogia 5. Política educacional 6. Professores- Formação L
Magali. li. Zanardi, Teodoro Adriano Costa. 111. Título.

18-18247

fndices para catálogo sistemático:

l. Brasil: Basp Nacional Comum Curriculilr 370.CJ81

Cibele Mmia Di<1s- Bibliotcn1rifl CRB-8/CJ427


5

BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR: DILEMAS E PERSPECTIVAS


Carlos Roberto Jamil Cury, Magali Reis, Teodoro Adriano Costa Zanardi

Capa: de Sign Arte Visual


Preparaçiio de originais: Jaci Dantas
Revisão: Maria de Lourdes de Almeida
Projeto gráfico e diagmmação: Linea Editora
Coordenação editorial: Danilo A. Q. Morales

Apresentação- Debates etn torno da Base Nacional


C<)rnum Curricular ... ......... ....... ...... .. .... ....... .. ..... ..... .......... 7

Por urna democrática, federativa


e 17

conhecitncnto ............... .

Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada s<'m autorização expressa novas
dos autores c do Pditor.
lOl
<D 20l8 by Autores
Ffaben1t1s n1as Habcnws
Direitos p<Ha esta edição
CORTEZ EDITORA
Rua Monte Alegre, 1074 Perdizes
05014-001 São Paulo-SP
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ww w.cortezed i tora .com. br a BNCC..

lmprt'sso no Brasil sdcmbrc1 de 2019


7

Nas últilnas três décadas, o Brasil ten1 experimentado urn


acelerado de mudança, tanto no que diz to
a política se apresenta, quanto tan1bén1 pelo
lutos

nos n1oveu a ern


este livro r conjuntaJnente sobre as
J\facional Con1un1 ·levélndo ZIO pllblico
e dernais

lllOS

l1111
8 CURY REIS • ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 9

No dia 15 de dezembro de 2017, a BNCC foi aprovada pelo Para iniciar os trabalhos detnandados pela i\BdC, Ferraço
Conselho Nacional de Educaçào, constituindo, a partir de sua e Carvalho organizam um dossiê temático para a revista Teias,
terceira versào, u1n documento normativo que deverá servir como vinculada à Universidade Estadual do Rio de Janeiro, sendo este
diretriz para a construçào dos currículos das redes públicas e par- o primeiro de un1a série de dossiês temáticos, da mesma revista,
ticulares de ensino nas instâncias municipais, estaduais e federais, que colocan1 em debate as questões curriculares suscitadas pela
para a Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fw1damentaL Base Nacional Comun1 Curricular. Os autores intitulam o dossiê
Para abrirmos os trabalhos, consideramos pertinente reunir nesta de Currfculo: Problematízação entre Práticas e Polfticas, cujo obje-
apresentação alguns dos tnais profícuos escritos sobre a temática, tivo foi enfocar a relação entre e políticas, como
de modo que o leitor tenha de início uma visão geral sobre as princípio a necessidade de se considerar, nas pesquisas com os
publicações que suscitanun os debates etn torno da BNCC. los, a as
As discussões, relativas à construçào de uma Base Nacional é constituetn ações de grupos políticos sobre questões especí-
1

Comum Curricular, tiveram início no ano de 2012, quando as ficas com a finalidade explicitada de mudar algo existente em
primeiras críticas en1 relação aos procedimentos de construção algutn campo de expressão hun1ana. O que se traduz pela ideia
de um documento tào significativo para a educação cotneçaram de as políticas necessariatnente práticas
1

a ganhar visibilidade por meio de publicações acadêmicas. letivas qualquer no qual h<:í/
tnestno contrárias.
Destacamos o papel fundamental das revistas científicas
na difusão das ideias e concepções de currículo que vêtn sendo
discutidas e amplamente debatidas no tneio universitário, ern
diálogo com a sociedade, com a produção de significativo
trato teórico, que possibilitou o início da crítica ao tnodo ilnpo-
sitivo de pensar o currículo e a necessidade adoção de tnna corno
perspectiva interativa, participativa, den1ocrática e dialogada. seni}I'onleíras, o la
Conlrihuiçôes aos sem fronteiras do
O ano de 2012 tmnbém tnarcou a criaçào da Associação
e Arnorin1, em
Brasileira de Currículo (ABdC), e con1 ela houve tarnbén1 o in-
urna os ·autores 8na o
cremento na produção e difusão acadêtnica sobre currículo.
curriculo corno o n1ento
associação surge e1n um período de efervescência das "-'U..:>~uaa\..Jc,'='
estru tu-
en1 torno da BNCC, mas não se restringe a ela; ao contrário,
busca uma perspectiva crítica sobre a temática. Sob de1nm1da
da ABdC en1 cotn as Teias (UERJ), e-Curriculunz
(PUC-SP) e Currículo sent fronteiras, a
Rio do Sul. Curriculo: e cotidianos, no
10 CURY REIS • ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 11

e Oliveira afirmam que a recém-criada Associação Brasileira de temáticos que visem à publicação de artigos que aprofundem a
Currículo (ABdC) assume, dentre outros, os objetivos de "rea- pesquisa e divulguem a produção sobre Currículo, no cenário
lizar e fomentar estudos no campo do currículo" e "estimular nacional e internacional. Os autores ressaltan1 que o Currículo,
a implantação de diferentes formas de difusão e divulgação de por incluir a política, a teoria e a prática de toda a ação educati-
produções no campo do Currículo". Nesse dossiê temático, Lopes va, ten1 tido grande centralidade nas decisões educacionais. Tal
e Oliveira reúne1n um conjunto de textos derivados de pesquisas afirmação indica que o currículo é o cerne da educação e por
e reflexões de autores com con1preensões e atuação distintas em meio dele outras ações educativas, políticas, teórico-práticas são
relação ao campo. Para as organizadoras, en1 corr1un1, além da totnadas, criadas, incrernentadas, ou nlodifi-
pesquisa em Currículo, as produções publicadas nessa proposta, cadas. Para os autores o currículo in1plica intencionalidades e
1

compartilham a ideia de que é preciso considerar, de diferentes tnna epistelTtológica social que se fazem
modos e a partir de diferentes enfoques teóricos, as influências na práxis político-pedagógica que atinge os sisten1as educativos
mútuas entre as políticas curriculares e os cotidianos escolares e são neles gestadas.
quando se pretende estudar uns e outros. No ano 2014, Teias apresenta o dossiê Currículo, Políticas e
Os Cadernos de Pesquisa, da Fundação Carlos Chagas, di- Trabalho Docente, que, confonne afirn1an1 os organizadores Vieira
vulgaram em seção Temas em Destaque, um conjunto de artigos e Garcia, essa foi urna inctnnbência, en1 non1e da ABdC, para a
relativos às questões curriculares, organizado por Lopes, Mace- reunião novos estudos sobre a tetnática, elegendo, vez,
do e Sousa. As organizadoras afirmam que o cmnpo da política cotno tetna central de probletnatização, a questão do tr~:1balho
educacional é um dos n1ais desenvolvidos tanto no Brasil cotno docente, cujo vo é o discutir
no exterior. À medida que o controle estatal sobre a educação entre c as políticas
se an1plia, crescetn tmnbén1 as múltiplas análises produzidas no com o tn1baJho,
ân1bito da pesquisa. De acordo corn Lopes, Macedo e o
dossiê foi pensado etn torno de textos ele natureza mais teórica, é un1 ponto
que discuten1 o sentido de política educacional con1 o qual se ainda etTI a conso-
opera na sua con1posição, seguido de um conjunto de estudos Hdação de urna 1 Con1un1 Curricular den1ocrc-ítica,

de políticas educacionais contetnporâneas no que tange à edu- federativa e di'"''""'"'·'" propon1os nesta obra.
cação básica. No ano ,de 2014, e Süssekind no
No â1nbito da revista Teias, houve a publicação, en1 2013, bito e-Curriculun1, o Debates ent torno ela ídeia de
do Dossiê Currículo, Conhecitnento e Experiências. De acordo con1 Curriculares Nacionais. as autoras lcmbran1 que, en1
Sau 1 e A1norim, esse dossiê responde ao acordo firmado entre meados do rnestno ano, promulgado, d
Revistas Científicas, proposto pela Associação Brasileira de no
rículo (ABdC), com o objetivo de e números (PNE) cotn a e
12 CURY REIS ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 13

dez anos. Para as autoras, trata-se de utn documento constituído pela ABdC,~ com a proposta de discutir A produção bíopolítica
por 20 Inetas, que o próprio Plano divide em diferentes blocos: das definições curriculares no Brasil contemporâneo. Esse voltune
universalização da alfabetização, ampliação da escolaridade e da revista conta, segundo os organizadores, com produções
das oportunidades, valorização da diversidade, valorização dos voltadas para a análise das relações entre os currículos e
profissionais da educação, considerada estratégica, entre outras os modos de regulação social, operando con1 utna noção de
questões prementes da Educação Brasileira cotno utn todo. Con- poder produtivo e nücrofísico. O objetivo foi disseminar as
forrne afirmam Macedo e Süssekind, assim que foi divulgado o produções sobre o terna, o que, con1o vin1os até aqui, ten1
PNE, com a justificativa de que o plano faz menção a uma Base sido elaborado no can1po e,
Nacional Comum Curricular, o Ministério da Educação intensifi- políticas educacionais no país, un1a vez que estava etn curso
cou e deu maior publicidade a um debate que já vinha travando a autores alertan1 o fato
em diferentes esferas e que já havia produzido um documento de estarmos vivenciando, desde ent5o, tnomentos nos quais é
base assinado pela Secretaria de Educação Básica. Foram orga- notório o fechatnento e a privatização de escolas públicas en1
nizados Seminários, Consultas Públicas, consultas a tnunicípios várias partes do país, como de iniciativas oficiais mais
sobre suas propostas curriculares, as quais já vinham sendo amplas que uma vontade de estandardizaç5o cur-
patrocinadas pelo Ministério da Educação, Conselho Nacional ricular/ portanto, acordo con1 Macedo e cresce
de Educação, Conselho Nacional de Secretários de Educação, coletivos organizados, nas
União dos Dirigentes Municipais de Educação, Senado Federal, aquilo gue conta (e o
para discutir a referida BNCC. Para as autoras, debate até então conta) corno lido nos los
em curso reproduzia alguns dos argumentos utilizados, ao longo
de mais de três décadas, na defesa e no ataque às tentativas
controle do currículo, mas não se restringirarn a os
anos 1990, as propostas de currículos núcleos
(common core), bases curriculares surgira1n en1 do
Inundo. E en1 vista disso, atnbas resolverarn dedicar urn OC'll"\n.r"•""

da e-Curriculum, a · da Associação Brasileira de Currículo,


como 1nais utna contribuição para as discussões a que pesqui-
sadores e sociedade vinharn sendo convocados pe1o J\I(EC a
participar~ lembrando que a cornplexidade da ten1ática tnerece
um cuidadoso e atnplo debate.
2015, a revista Teias retorna con1 o
por Macedo e Ferreira, no âmbito
14 CURY REIS ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 15

dossiê, segundo os autores, visou contribuir de forma efetiva, Observan1os como principais lünites as evasivas quanto à
visando a mobilização de esforços de resistência e articulação fonnação de professores, a pouca clareza quanto aos recursos para
no que se refere à luta contra os discursos conservadores que o financian1ento e efetivação de tnna base nacional democrática,
ganham mais espaço na sociedade e nas políticas curriculares. federativa e diferenciada. Observamos ainda a pouca participação
Ainda em 2016, a Revista EccoS publica o dossiê Políticas de crianças e jovens nas definições da BNCC, a dissin1tllação de
curriculares: Das discussões sobre a construção da Base Nacional um processo de elaboração da BNCC falsamente den1ocrático
Comum Curricular da Educação Básica (BNCC), organizado por quando, na realidade, foi parcial, não acolhendo as críticas e os
Carlos Bauer e Antônio Joaquim Severino. Para os organizadores, debates que ocorreran1 en1 paralelo a sua elaboração.
o dossiê reafirma o valor e o papel in1prescindível da BNCC e Con1 este livro, esperan1os contribuir para este debate e
se propõe a fornecer subsídios analíticos e reflexivos para a sua aprofundar as questões aqui tratadas.
construção coletiva e democrática, cuja continuidade també1n
exige incisivo compromisso das autoridades responsáveis pela
organização e efetivação da Base.
O ano de 2018 marca a retomada das discussões sobre a
BNCC, com o lançamento do livro eletrônico, en1 versão preli-
minat~ organizado por Luiz Fernandes Dourado e Márcia Angela
Aguiar, intitulado A BNCC na contramão do PNE 2014-2024: ava-
liação c perspectivas. Nele, os organizadores reúnem diferentes
autores, que, segundo eles, visa1n problematizar a concepção e
os desdobrmnentos da implantação da BNCC no campo educa-
cional e na relação com as demais políticas setoriais ren1etendo
1

as contribuições ao debate no contexto da Conferência Nacional


Popular de Educação.
Mapeamos até aqui ~s principais publicações que abordam
o tema e1n destaque neste livro. Nosso objetivo foi apresentar ao
leitor os profícuos debates, ou boa parte deles, suscitados
constituição de uma Base Naciona] Comum Curricular.
Entenden1os que a aprovação da BNCC não esgotou os
bates co1no ta1nbé1n não resolveu os problen1as e lacunas nela
observados durante sua elaboração e apresentação
final ao público.
17

1
r

a elaboração tnna
a estrutura dos ,_,,.,.,,,.,,._., ... ,.,. ..... ,,

O texto COJ110 O

ed fonnulou a constitu currículos res


por meio tos nonnativos ao longo
nossa história Nncionai da
n. 13 . 005/2014.
forn1ulac;fio ern sua

se cruza con1 a
ou
18 CURY REIS ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 19

fundamental, mas não só, entendida como direito do cidadão Por outro lado, a cidadania passa a ser prerrogativa política na
e dever do Estado. Uma primeira relação pode ser estabelecida tnedida ern que deslocou o sistema de poder ex parte principis isto
entre um currículo nacional e o conceito de cidadania. é, da parte do príncipe, do governante- para o ex parte populi, isto
Mas não se pode olvidar que a questão curricular, em uma é, da parte do povo. Deslocou-se o poder da autoridade dos céus
sociedade plural e complexa, envolve tatnbém interesses nen1 ou do sangue para a soberania popular. E os te1npos vindouros, da
sempre convergentes. Daí que o currículo seja um espaço de Modernidade para os nossos dias, atribuíran1 à soberania popular
conflito e de disputa, tnas pelo processo democrático talvez se a capacidade de eleger seus representantes, delegando a eles, de
en1 tetnpos, a de é titular.
possa chegar a pontos comuns.
A cidadania é, pois, a capacidade de participar autonotna-
Do ponto de vista histórico, a cidadania ren1onta às revolu-
Inente destinos de un1íJ con1unidade, a!zrrgundo o n1io
ções próprias da Modernidade, envolvendo a Revolução Inglesa,
participação, podendo un1 governado postular tan1bém o de ser
a Americana e a Francesa. Elas tratavam de buscar urr1 princípio
governante.
que desconstruísse hierarquias sociais calcadas, seja no sangue,
JV[uitas foran1, contudo, as lutas que essa definição
na religião ou mesmo na escravidão em confronto con1 uma aris-
sünples e inteligívet desde Aristóteles, fosse se fZlzendo presente
tocracia usufrutuária de privilégios. De certo modo, todas elas
na consciêncíZl e na prática das nações.
tinham como finalidade última o que afinna Schnapper (2000):
O currículo escolat~ junto cotn outros dispositivos, se enqua-
na constituição de un1a naçi::1o a qual tern a ver dirctzunente
O novo princípio de legitünidade afirmava a igualdade civil, jurídica
e política dos indivíduos diversos e desiguais. O indivíduo-cida-
dão tinha a capacidade de arrancar, ao menos parcialmente, selltl
enraizamentos particulares e de entrat~ de direito, em comunicaç<:1o
com todos os outros. Ele podia cessar de ser determinado por seu
pertencimento a um grupo real. Ele era definido precisamente pol'
urna via cotnpartilhadn com seus
sua capacidade de romper com as determinaçôes que o fechavam
concidadãos e un1 acesso digno na rtilha dos prod
en1 uma cultura e em um destino impostos por seu nascimento e de
se libertar dos papéis 1:Jrescritos. (p. 26) Thot11as Marshall CJ 9()7), citando e cotnentando o
(... ) to do econon1ista Iibera 1 fred Marshall, assevera:
Pela proclamação desta nova legitimidade, se encontrava posto
um princípio de transcendência dos particularismos. Constituídos (... ) o Estado teria de fazer algum uso de sua forç<:1 de cot•rção, ccwo
em "nação", para retomar a fórmula da Declaração dos Direitos seus ideais devest-.:em ser re.alizados. Deve obrig;Jr ns a
do Homem e do Cidadão, os cidadãos cessavam de ser indivíduos a escola porque o ignorante não e, por-
concretos, caracterizados por suas origens históricas, suas crenças e tanto, escolher livremente bo<lS cois<lS que diferenciam a vida de
suas práticas religiosas, seus pertencimentos sociais. (p. ( ... )
20 CURY REIS • ZANARDI 8/'l.SE NACIONAL COMUM CURRICULAR 21

Ele reconheceu somente um direito incontestável, o direito das crian- Esta desigualdade, somada à discritninação, impactou o acesso
ças serern educadas, e neste único caso ele aprovou o uso de poderes a esta educação inicial. 1
coercivos pelo Estado ... (p. 60 e 63) A Constituinte de 1823, logo após a Independência, antes
de sua dissolução forçada, já se debatia corn esta questão e não
Já o próprio Thomas H. Marshall (1967) afirma: conseguiu efetivar a proposta de urn "tractatus" de educação
válido para toda a juventude brasileira, sob a forma de um con1-
pêndio a ser levado a todos os rincões do país. (Chizzotti, 1996)
A educação das crianças está diretamente relacionada com a cidadania,
e, quando o Estado garante que todas as crianças serão educadas, este
Constituição In1perial de 1824, conquanto outorgada
tem e1n rnente, sern smnbra de dúvida, as exigências e a natureza da pelo Itnperador, assinalava, no Título reservado aos direitos da
cidadania. Está tentando estl1nular o desenvolvimento de cidadãos e art. 179, n. a aos
ern formação. O direito à educação é um direito social de cidadania cidadãos. Sabe--se que aos escravos, considerados propriedade de
genuíno porque o objetivo da educação durante a infância é rnoldar outren1, urn ser semovente, não cabia serem tidos con1o cidadãos,
o adulto e1n perspectiva. Basicamente, deveria ser considerado não com isso casando desigualdade com discriminação.
como o direito da criança frequentar a escola, 1nas cmno o direito do
cidadão adulto ter sido educado. (p. 73) Assün, a prüneira lei
le
Embora vários cruzarnentos outros possam ser estabelecidos, no seu art.
pode-se dizer que urn currículo nacional se cruza com uma função
social do Estado que é o de atender a un1 direito do cidadão que
busca na educação escolar uma via de cidadania compartilhada
com seus concidadãos e un1 acesso digno na partilha dos mab gerat:s de
de moral chrish1
produzidos.
tóllett romana, ;) corn dos meninos;
para as leituras a do Império e da Histório do Brazil.

Os estudos de história da no teve como base, ora <liYtPiliJcta de livro do <1Utor: (


Pariírnetros Curricuhlres N;Kionais c o
que essa dupla referência, a do direíto à de Sil O:, Cunícfll(•s do Ensino
do é tão tardia quão Associadu";
22 CURY REIS • ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 23

definidos. Mais do que isso, estabelecia, como n1étodo de ensino, A partir de 1837, com a criação do Colégio Pedro II, as dis-
o ensino mútuo de corte lancasteriano. ciplinas do ensino secundário passarmn a contar com um centro
Até 1834, o In1pério, enquanto detentor dos poderes gerais, de referência. As instituições de ensino das Províncias, oficiais
teve a responsabilidade de manter tais escolas com oferta gratuita ou não, conquanto não imperativamente, miravmn-se no espelho
aos que viessem procurá-las. dos currículos e até n1esmo dos livros didáticos adotados pelo
O Ato Adicional de 1834 introduziu a divisão de compe- Colégio Pedro II. E se quisessetn o reconhecimento de seus cer-
tências entre os poderes gerais e as atribuições das Províncias tificados, deveriatn adotar o currículo do Pedro fi.
relativas ao ensino. Entretanto, pelo art. 10, §1 o e §2°, ficou-se Aqui irrrporta referir-se às duas Reformas aprovadas ao longo
na atnbiguidade se tal responsabilidade deveria ser concorrente do hnpério: a Couto Ferraz, do Decreto n. 1331-A, de 1854, e a
cotn os poderes gerais ou se privativa das províncias. Esta ambi- Leôncio do Decreto n. de prüneira
guidade permeou as discussões sobre a dinâmica centralização x n1inava o currículo do ensino prünário no art. e o do ensino
descentralização, mesmo antes de nossa República proclamada secundário nos arts. a 80. A segunda dispunha sobre o ensino
se dizer "Federativa". Daí o jogo de etnpurra entre os poderes nas escolas prirnárias e secundárias no art. 4°.
gerais e os provinciais, evidenciando a não prioridade do ensino de exarnes de admissão para o ingresso no
primário para nenhum dos níveis de governo. tneiro ciclo do secundário (Ginásio) criava tnna situação
De acordo com Sucupira (1996, citando Pin1enta Bueno), ern que aqueles exarnes condicionavmn os conteúdos dos
após a crítica do Visconde à abstenção dos poderes gerais no aLnda lei de
que concerne à instrução primária, lê-se o seguinte:

Entendemos, porém, que os poderes gerais niío devem de modo


algum abdicar a atribuiçiío que esse mesmo parágrafo lhes confere
de concorrer de sua parte para tão útil fim, e mui principalmente no
intuito de criar uma educação nacional homogênea e uniforme, que
A procla altera significativamente
gere e generalize o caní.ter brasileiro em todas as províncias ... (p. 62)
esse quadro. AJi<í.s, no à dinâtn.ica direito
a República tuiç~1o de '1891 a
Grosso modo, pode-se dizer que, pela descentralização ha- afirrnação da gratuidade do priJn~:írio. Tal possibilidade po-
vida, coube sempre às províncias, e depois aos estados, a cotn- de ria a ser nas Estadua 1 por outro
petência en1 prover o ensino funda1nental e sempre coube aos
"poderes (depois -União) o controle do ensino superior
2013 e Vasconcelos, 2004.
e etn boa parte do ensino secundário (em especial na Capital do A <lssoci<H,,';1u cnt.rc gratuiclad(' c foi inscrita nas Constituiç(Jes
lmpério/Repüblica). F:>lnduais de Min<~s Ccr;1is, Mato Crosso, Santa Catacina c S<1o Paulo.
24 CURY REIS ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 25

lado, a Lei Maior determinou a laicidade nos estabelecimentos bastante abundância, em especial através do ângulo da fonnação
oficiais de qualquer nívet inclusive os sob responsabilidade dos de um "caráter nacional". (cf. Cury, 2003) A educação escolar
Estados e Municípios. (cf. CF /1891 art. 72, § 6°) Utna disciplina mediaria vínculos nacionais através dos quais garantir-se-ia uma
até então vigente no currículo geral das escolas do Império- a din1ensão da coesão nacional. Tal mediação ganharia Ílnpeto pelo
de doutrina religiosa católica- foi cortada dos currículos dos abalo trazido pelos n1ovimentos sociais proletários e pelos tnovi-
estabelecimentos oficiais da República. rnentos políticos internos, com destaque para a Coluna Prestes.
Excetuada, porém, a presença paradigrnática do Colégio Contudo, não houve grandes mudanças face ao estabelecido en1
Pedro II face ao ensino secundário, as competências face ao en- ressalvada a laicidade.
sino primário e, em certa medida, face ao secundário, ficaran1 O que não quer dizer que só essa revisão houvesse buscado
com os Estados ou Municípios os quais poderian1 exercitar sua o principio utna diretriz geral e nadona] a educação.
autonomia no âmbito dos currículos e na fonnação de docentes Sucessivos projetos de reforma do ensino público encaminhados
para esse nível de ensino. Tarnbén1 aqui, relativamente ao ensino por parlamentares, durante a chamada Velha República, não
secundário, continuava a operar a equiparação das instituições lograram êxito em seus propósitos. (Cf. Moacyr, 1944)
escolares com o Ginásio Nacional (depois Colégio Pedro II). No que tange ao ensino superior e secundário, LI definição tni-
E não deixa de ser notável urna certa oscilação entre centra- nuciosa dos currículos pode ser verificada nas
lização e descentralização no âmbito das reformas educacionais pelos governos nacionais da Velha
na assim denominada Velha República. (cf. Marques Jr., 1967, pelo
e Tanuri, 1981). Entretanto, a temática do nacionalisn1o se ín1·-
plantando de modo bastante enfático fez co1n que, no terreno
educacionat o governo federal nacionalizasse e financiasse as
escolas primárias e nonnais, no Sul do e1n
núcleos de população irnigrada. 4

E a já conhecida dispersividade regional em a u1n


currículo básico não passou desapercebida dos tnovünentos f)ecreto n. 1.159, de 3.]
sustentadores de uma dernocratização da rede pública escolar pelo l\!IaL Floriano e Fernando Lobo,
brasileira. (cf. Nagle, 1974) E tal foi o vigor desses n1ovin1entos 1 as instituições
que a Revisão Constitucional de 1925-26 tratou do te1na co1n

4. Esta é a primeira intervenção direta c financiada da União no Pnsino primário, por


meio do Ministério d<1 Justiça, nos Estados do Pamná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina,
respectivamente, mediante os Decretos: 11. 13.175 de 6/9/191R, n. 13.390 de R/1/1919 e
n. 13.460 de 5/2/1919.
26 CURY REIS ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 27

A terceira reforma sob a República foi a do Decreto n. 3.890, Educação pelo Decreto n. 19.850, de 1931, órgão consultivo e
de 1o de janeiro de 1901, assinado pelo Presidente Campos Salles opinativo do Ministério da Educaçào e Saúde Pública, de cujas
e por Epitácio Pessoa, Ministro da Justiça e Negócios Interiores. atribuições fazia parte firmar as diretrizes gerais do ensino primário,
Ele estabelece um outro Código dos Institutos Oficiais do Ensino secundário e superior, de tal modo que nelas os interesses do país
Superior e Secundário. Com 384 artigos e mais três nas dispo- se sobrepujassen1 a qualquer outro.
sições provisórias. Nesse sentido, há que se referir à Reforn1a do Ensino Se-
A quarta reforma é sancionada pelo presidente Hermes da cundário promovida por Francisco Catnpos própria do Decreto
Fonseca e o Ministro Rivadávia Correia, por meio do Decreto n. 19.890, de 1931. Dividido e1n ciclo fundamental de 5 anos e
n. 8.659, de 5 de abril de 1911. Inspirado na doutrina positivis- con'1ple1nentar de 2 anos, assirn se distribuíam as matérias:
ta, a Lei Orgânica do Ensino Superior e do Fundan1ental na
República, com 140 artigos, será o primeiro documento em que Art. 3°. Constituirão o curso fundamental as matérias abaixo indica-
a desoficialização do ensino secundário e superior no âmbito das/ distribuídas e1n cinco anos, de acôrdo com a seguinte seriação:
federal é explicitamente assumida. 1
1' serie: Português- Francês- História da Civilização- Geografia
Com 201 artigos, dos quais 144 no corpo permanente, o -- Matemática Ciências Písica.c:. e naturais- Desenho Mllsica
Decreto n. 11.530, de 18 de março de 1915, assinado pelo (canto orfeônico).
1

sidente Wenceslau Braz e por Carlos Maxitniliano, ministro da 2' serie: Português Francês Inglês- História ela Civilização
Geografia - Matemfttica Ciências físicas e naturais Desenho
Justiça e Negócios Interiores, "reorganiza o ensino secundário
Música (canto orfeônico).
e o superior na República" pela quinta vez.
Francês Inglês r1istória da
A sexta e última reforma da Velha República é a denominada Písica História natural
reforma João Alves, Ministro da Justiça e Negócios Interiores, -Desenho f\,1úsic2t (canto
tan1bém conhecida con1o reforma Rocha Vaz, assinada 4" serie: /\lemão (facultativo) -
sidente Artur Bernardes, data de 13 de janeiro de é Matemática Física
referida pelo Decreto n. 16.782-A, que a estabeleceu. O decreto mica Hbtóría natuml Desenho.
contém 310 artigos. Sd se ri e: I 'ortuguês Latirn Alemão (fc1cultativo) História da
A Revolução de 30 haveria de trazer algurnas civilização--'-·''-"'!".'-« Mat(c•mática Física Química His~·

significativas no quadro até então existente. tória ll<lturCJI Desenho.

O ano de 1931 traz, pelo tnenos, ilnportantes


a (re)introdut;ão do ensino religioso nas escolas oficiais en1 O ciclo con1plcn1entar se distribuía:
nacional pelo Decreto n. 19.941, 193~C a oficialização esta-
belecimentos do ensino secund<:irio, via aceitação do Art. 4". O cw so complementar, para os candidatos ,1
e currículos do Pedro li, e a do n1atricula en1 determinados institutos de ensino feito
29
28 CURY REIS 111 ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR

em dois anos de estudo intensivo, com exercícios e trabalhos práticos União e Estados quanto ao objetivo de difundir em todos os
individuais, e cmnpreender as seguintes matérias: práticos indivi- graus a instrução pública (cf. art 10, VI). Mais esp~cifi~amente
duais, e compreenderá as seguintes matérias: Alemão ou Inglês, face à questão curricular, a Constituição de 1934 1mpos c~m~
Latim, Literatura, Geografia, Geofísica e Cos1nografia, História da constante dos currículos oficiais o ensino religioso como disci-
Civilização, Matemática, Física, Química, História Natural, Biologia plina de oferta obrigatória e n1atrícula facultativa. Tal dispositivo
Geral, Higiene, Psicologia e Lógica, Sociologia, Noções de Economia atravessará todas as Constituições Federais após 1934. (c f. Cury,
e Estatística, História da Filosofia e Desenho.
1993; Horta, 1993)
Dentro desse espírito que congregava a tarefa de CLnn-
Note-se o caráter Ininucioso e obrigatório para o conjunto prir a Constituição, o então o governo eleito de Vargas en1 1934
desses ensinos e que para os estabelecin1entos estaduais conti- o Conselho Nacional n.
nuava a vigorar o princípio da equiparação. 6 de janeiro de 1936, com a função precípua de elaborar o Pl~­
O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, no interior de no Nacional de Educação. Para a elaboração desse Plano, mais
movimentos civis em prol da valorização da educação, além uma lei de diretrizes e bases do que um plano, havia con1issões
da defesa da gratuidade, obrigatoriedade e laicidade da escola específicas todos os níveis e do ensino.
pública como dever do Estado, afirmará a importância de um Já no discurso reuniões
processo de homogeneização básica, a partir da escola primá- elabora~~ão do Plano, Gustavo Capanerna, Ministro
ria, visando a identidade da consciência nacional sem prejuízo do e se a do
princípio federativo. Homogeneização básica defendida corr1o
alternativa criadora à uniforrrüdade rejeitada, esta aliás bastante
distante dos 1nétoclos ativos defendidos pelo escolanovismo. que C'Umpre incentiv<Jr
A Constituição de 1934, ao inscrever a educação con1o to de 60% de nossa inf<mtil em idade
todo
de escoln, br~m é que se indZ~
do cidadão e obrigação dos poderes públicos, a tornou gratuita
e obrigatória no primário, responsabilizou os Estados en1 terrnos que co!TI 0 mínimo de dift:•retltes tipos de t:ursos,, q.ue
de sua efetivação, ünpôs percentuais vinculados para o bom êxito ser adt'quadamente, e com facilidade, adotados nos v<1nos

desta efetivação (cf. capitulo sobre Educaç~1o) e firmou a pontos do território nacional, nas zonas urbanas· e rura.i~, afim de qt~e,
fazendo-se rápida difusão d 8 primária, se facthte a formaÇílO
existência de Conselhos Estaduais ao lado do Conselho Nacional
de fundo comum uma enorrne e rira variedade de psique brasileira.
de Educação a quetn competiria elaborar o Plano Nacional de
Educação (c f. art. 152). Ela introduziu tan1bém a ccnnpetência
privativa da União no estabelecimento de diretrizes da educação
nacional e na fixação do Plano Nacional de Educação (cf. art.
XIV), sem deixar de reconhecer él con1petência concorrente
31
CURY • REIS • ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR
30

O padrão da escola primária deve ser u1n só en1 todo o país, convin- ()s arts. de 23 a 25 regulavam o ensino religioso de oferta
do apenas, quanto aos horários e divisão dos dois períodos letivos obrigatória e de tnatrícula facultativa, abrangendo o ensino pri-
anuais, que haja um tipo especial para as escolas rurais, porquanto tnário, secundário, profissional e normal.
as condições de vida doméstica no cmnpo divergem bastante das Esse caráter minucioso abrangia tarnbên1 os currículos
da cidade ... (p. 11) de todas as áreas do ensino superior, ensino profissional e
curso normal.
O projeto enviado para a Cân1ara dos Deputados assün Em sua trEnnitação pela Cârnara, Raul Bittencourt, relator,
dispunha sobre o ensino primário e currículo: pas 1no con1 os .504 artigos e sua n1inudência, afinnou que~ org~­
nização da educação nacional sob a Constituição de 1891 nao tena
Art. 45- A instrução ministrada nas escolas prünárias deverá abran- sido ~efetiva da no seu todo. Ela acabou sendo uma organização
ger, no mú1ilno, o ensino das segnintes disciplinas: leitura, escrita e dual na qual a União açambarcava a cornpetência relativa a ensino
linguage1n; arihnética prática; noções de gemnetria e desenho, geo- secundário e superior c sobre eles legislava com exclusi'oidade, para
grafia elo Brasil e noções de geografia geral; História do Brasil; noções todo 0 país. Aos Estados só restou legislarem sobre o ensino pritnárío.
de ciências físicas e naturais e ele higiene; cantos corais e ginástica.
un1 outro rr1ornento de grande agudez~1 de visão, ele
§ único: A União prmnoverá acordo cmn os Estados e o Distrito Fe-
deral para o fim de estabelecer os diferentes padrões ele duração do escreve:
curso primário e os programas míniinos correspondentes.
A par d<] dcrnoct'acia, a Carta de 1B91 consagrav11 a
Já o ensino secundário era objeto dos art. 51 a 64. ()s art. Estados ,1utônornos, com libcrd21de rcla sujcitm; a
c só a Unj;io sobenma. ccl
e 54 dispunham, respectivamente:
mcüía/ entretanto; os Estados se
quando mos
As matérias do ciclo fundamental s~io as seguintes: Português, os Estaclns eram reduzidos de um
Francês, Latim, Inglês ou Alemão, Grego (facultativo), MatemMica 1 como fôrarncJs uma República Unitcíria. (Diário do Poder
Geografia, História, História do Brasil, Desenho, Física, Quünica e
de
História Natural. por todos os setores da educílç3o,
Com 504 artigos,
As matérias do ciclo cómplementar são as seguintes: Português, lhes ditar princípios norm<ltivos porém,
Latim, Inglês ou Alemão, Italiano, Castelhano, Grego, Matemática rn in tkh1 s só cabíveis na organ izat:.;3o dos sistemas ecl u-
(abrangendo Cosmografia), História, História do Brasil, Geografia, sufoca
cativos,. ou 1:1té em e
Física, Química, História Natural e Filosofia. as inicia ti v as dé1 ua I
0 instrwnenlo flexível com que a Constitu
de t()dos os
O art. 57 distribuía essas ma tê rias etn horário semanal en1
nínnero de horas, respectiva1nente, por 5 e 2 anuais. (idem, p.
32 CURY • REIS • ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 33

Esse Plano foi abortado pelo golpe de 1937. n. 1.006/38 estabelece que "sem autorização do Ministério", os
De todo o modo, se para o ensino secundário vai havendo, livros didáticos "não poderão ser adotados no ensino das escolas
pré-primárias, primárias, normais, profissionais e secundárias etn
cada vez mais, a presença paradigmática do currículo do Colégio
toda a República". (Pereira, 1995, p. 148) último decreto-lei
Pedro II, a instrução primária, vista deste ângulo, confirma-se
cria tambén1 a Comissão Nacional do Livro Didático, à qual
como competência dos Estados. 5
competiria autorizar ou não uma determinada obra.
Esta orientação federalista, tanto descentralizadora quanto
A Lei Orgânica do Ensino Prin1ário do Decreto-lei n. 8.529 I 46,
garantidora de aspectos nacionais firmada no princípio da edu-
cação como direito do indivíduo, itnpressa pela Constituição de
disciplinas válidas e obrigatórias para todo o território nacional
1934, foi rompida pela outorga da Constituição de 1937. Esta
no ensino primário eletnentar, no primário cornplementar e no
voltava a centralizar quase tudo no âmbito do executivo federal.
supletivo:
Não reconhecendo a educação con1o direito de todos, mas como
dever das famílias, cortando a vinculação obrigatória, previa
Art. 7° O curso prim<:1rio elementar, com quatro anos de estudos,
cotno competência privativa da União a fixação das ''diretrizes da
cmnpreenderá:
educação nacional". Mesmo quando o Estado Novo procurou dis-
I. Leitura e linguagem oral e escrita.
criminar atribuições de Estados e Municípios pelo Decreto-lei de
ll. Iniciação matemática.
8 de abril de 1939, itnpunha claros lünites à atuação dos rrtesmos. fii. Geografia e história do Brasil.
No âmbito da educação, os decretos-lei estaduais só terimn IV. Conhecimentos aplicados 8 vida social, à
vigência após aprovação do chefe de Estado aí ccnnpreendida saúde e ao trabalho.
a regulatnentação do ensino primário. E o Estado Novo V. Desenho e trabalhos manuais.
outros dispositivos. VL Canto orfeônico.
VIL física.
A criação do Instituto Nacional do Livro (lt~L) 1 pelo
de um ano, terá
to-lei n. 93, de 21 de dezetnbro de 1937, sob a direção de
grupos atividades educativas:
Capanema, hnprimiu nos currículos uma espécie de ideologia
I. Leitura e oral e escrita.
oficial nos textos, já que os livros, para efeito de publicação e IL Aritmética e ····"'"~ . ,.. ".
de divulgação, deveriam ter a autorização do Departamento de e históric1 do Bras i I, e de geografia geral e his~
JII.
Imprensa e Propaganda (DlP). tória da AmériGl.
O DIP censurava os livros en1 geral, ernbora o livro didá-~ 1\/. Ciências naturais e higiene.
tico a cargo do Ministro da Educação. Já o Decreto-lei V. Conhecimentos das atividades econômicas da
VI. Desenho.
VIL Trabalhos manuais educ11tivas referentes atividades
N uncr1 t; dem<1is insistir na necessidade de ma iores i nvestig;l('ÓE'S quanto aos currículos
c progr,1mas n,ls unidades federadas. econC.mk;]s da
34 CURY REIS ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 35

VIII. Canto orfeônico. Embora não viessem à luz durante a ditadura, as Leis Orgâ-
IX. Educação física. nicas relativas ao ensino primário, nonnal e agrícola, preparadas
Parágrafo único. Os alunos do sexo feminino, aprenderão, ainda, durante o regime varguista através de conussões nacionais, tive-
noções de econmnia dmnéstica e de puericultura. ram continuidade sob o Estado de Direito da Constituição de 1946.
Art. 9° O curso supletivo, para adolescentes e adultos, terá dois anos Tal fenôtneno se deu devido ao longo processo de tramitação
de estudos, com as seguintes disciplinas: da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, aprovada e1n
I. Leitura e linguagem oral e escrita. 1961. Cotn isso, houve utn relativo choque entre a orientação
TI. Aritmética e geometria. centralizadora e
III. Geografia e história do Brasil. da Constituição liberal e descentralizadora de 1946.
IV. Ciências naturais e higiene. Com efeito, 8 Constituição de 1946, ao repor o Estado de
V. Noções de direito usual (legislação do trabalho, obrigações da Direito, traz consigo tambétn a din1ensão liberal-descentraliza-
vida civil e 1nilitar). dora e reinsere a educação co1no direito do indivíduo e obrigação
VI. Desenho. do poder público. Tmnbém são repostos os preceitos de ] 934
Parágrafo único. Os alunos do sexo ferrünino aprenderão, ainda, que a ditadura havia cortado. A definição da lei de diretrizes
economia doméstica e puericultura. e bases pern1anece con1o competência privativa do União. E
(... ) o choque entre ambas as orientações supromencionadas
Art. 12. O ensino primário obedecerá a programas mínimos e a di- eliminado pelos tern1os con1promisso trazidos co1n a pro-
retrizes essenciais, fundamentados em estudos de caráter objetivo, rnulgação ucaç~:1o Nacional da Lei
que realizetn os órgãos técnicos do Ministério da Educação e Saúde, n.
com a cooperação dos Estados.
Parágrafo Lmico. A adoção de programas mínimos não prejudicar<)
a de programas de adaptação regional, desde que respeitados os
princípios gerais do presente decreto-lei.
Art. 13. E lícito aos estabelecimentos de ensino religioso. Não pode-·
constavatn naciona
rá, porém esse ensino constituir objeto de obrigação de mestres ou
conteúdos tinhmn por parte da União. r,
professores, nem de freqüência obrigatória pardos alunos.
A n. 4.024/61 n5o um currículo i11ínimo obrigatório
para o ensino prirné1rio. o art. assinala que o jim
Prograrnas regionais terian1 o carcíter de con1plen1entar a
progratnação geral fixada pelo Min para todo o
0. No projdo de LDB proposto por Clcnwntc Mari<1ni ('111 1946 ler no íll'L (J(J
O decreto-lei ainda regula n1inuciosanH:'nte os que seria com}Wl[•nciil do Estado aperfeiçoar<' b<1ral.car o livro dirLítico. 1\l<\m do que os

ensino prin1círio e os enquadra cn1 un1a de estrutura e livro~ didiiticos para serem cscol<lS deveriam S<'l' no Ministério
c .1os fins cduc,1tivos" seriam proibidos, ortvido o Conselho N.tcion<11
funciona1nento dos n1es1nos. de Ed ucaçi1o.
36 CURY REIS • ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 37

nível de ensino é o desenvolvitnen to do raciocínio e das atividades de § 3o O currículo das duas prirneiras séries do 1 o ciclo será comum
expressão da criança e a sua integração no meio físico e social. 7
a todos os cursos de ensino médio no que se refere às matérias
obrigatórias.
Essa lei, criando o Conselho Federal de Educação, extinto o
Art. 36. O ingresso na primeira série do 1o ciclo dos cursos de ensino
Conselho Nacional de Educação, dava a este várias atribuições
n1édio depende de aprovação en1 exame de adinissão, em que fique
como as que seguem:
den1onstrada satisfatória educação primária, desde que o educando
tenha onze anos completos ou venha a alcançar essa idade no correr
Art. 9° Ao Conselho Federal de Educação, além de outras atribuições do ano letivo.
conferidas por lei, compete: (, .. )
(... ) Art. 70. O currículo mínimo e a duração dos cursos que habilitem à
e) indicar disciplinas obrigatórias para os sistemas de ensino médio obtenção de diploma capaz de assegurar privilé>gios para o exercício
(artigo 35, parágrafo 1°) e estabelecer a duração e o currículo n1ínüno da profissão liberal... vetado ... serão fixados pelo Conselho Federal
dos cursos de ensino superim~ conforme o disposto no artigo 70; de Educação.
Art. 20. Na organização do ensino prilnário e médio, a lei federal ou
estadual atenderá:
o instalado em de fevereiro de 1962, prevê uma
a) à variedade de métodos de ensino e formas de atividade escolar,
e n1édio e, quanto ao prin1àrio, a
tendo-se e1n vista as peculiaridades da região e de grupos sociais;
Portaria n. 60, 1962,
b) ao estímulo de experiências pedagógicas com o fim de aperfeiçoar
do Conselho na análise dos efeitos ação supletiva
os processos educativos.
a esta
(... )
Art. 35. Em cada ciclo haverá disciplinas e práticas educativas, obri-
gatórias e optativas.
§ 1o Ao Conselho Federal de Educação compete indicar, para l.odos
os sistemas de ensino médio, até cinco disciplinas obrigatórias, ca ..
bendo aos conselhos estaduais de educação completar o seu número
e relacionar as de caráter optativo que pode1n ser adotadas pelos
estabelecimentos de eTisino. não só a autonon1ié1 dos
§ 2° O Conselho Federal e os conselhos estnduais, ao relacionnrem as
disciplinas obrigatórias, na forma do parágrafo anterior, definirão a
no laL
amplitude e o desenvolvimento dos seus programas em cadG ciclo.
() que
art. 104
7. No mesmo projeto, Mariani defendia a "unicidade do sistema educacional
variPdacles estaduais obedecerão ao princípio de equivalência pedagógica em subslitui(;ão
ao falso princípio da uniformicbde pedagógica". (p. 328)
38 CURY • REIS • ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 39

O regüne autoritário-militar de 1964 manteve pro forma o § 2° No ensino de 1o e 2° graus dar-se-á especial relêvo ao estudo da
funcionamento precário das Constituições e do Congresso. Ele língua nacional, cmno instrumento de cmnunicação e como expressão
procurou também deixar sua marca na educação escolar. Contu- da cultura brasileira.

do, no que se refere ao regimento do CFE, trazido pelo Decreto § 3° Para o ensino de 2° grau, o Conselho Federal de Educação fixará,
n. 64.902, de 29 de julho de 1969, o art. 3°, inciso 2, ao expressar alé1n do núcleo comum, o mínimo a ser exigido em cada habilitação
profissional ou conjunto de habilitações afins.
a competência do Plenário em interpretar a LDB, ressalvava a
§ 4° Mediante aprovação do Conselho Federal de Educação, os es-
"competência dos sistemas estaduais do ensino, definida na Lei
tabelecimentos de ensino poderão oferecer outras habilitações pro-
n. 4.024, de 20 de dezembro de 1961".
fissionais para as quais não haja mínimos de currículo previanrente
Grande mudança, entretanto, será trazida pela Lei n. 4.024/61, estabelecidos por aquêle órgão, assegurada a validade nacional dos
co1n a redação dada pela Lei n. 5.692/71, no que se refere ao respectivos estudos.
ensino primário. Atnpliado para oito anos pela Constituição de Art. 5° As disciplinas, áreas de estudo e atividades que resultem das
1967, agora sob a nova denominação de "ensino de 1°. grau", ele matérias fixadas na forma do artigo anterim~ com as disposições ne-
con1preenderá tanto o que antes era o ensino primário (4 anos) cessárias ao seu relacionamento, ordenação e seqüência, constituirão
quanto o que era o 1°. ciclo do ensino médio (ginásio I 4 anos). para cada grau o currículo pleno do estabelecimento.
§ 1o Observadas as normas de cada sistema ele ensino, o currículo
O ensino de primeiro grau passou, então, a ter 8 anos obri-
pleno terá uma parte dc.: geral e outra de formação especial,
gatórios. De acordo co1n esta lei:
sendo organizado de modo que:
a) no ensino de primeiro grau, a de educaç5o exclusiva
Art. 4', Os currículos do ensino de 1o e 2° graus terão um núcleo nas séries iniciais e predominantes nas
cmnum, obrigatório em â1nbito nacional, e uma parte diversificacla b) no e11sino grau,
para atendet~ conforme as necessidades e possibilidades concretas, às (".)
peculiaridades locais, aos planos dos estabelecimentos e às diferenças a inclusão de Moral e
individuais dos alunos. de SaLteie nos currículos
§ 1° Observar-se-ão as seguintes prescriçôes na definição dos con- dos estabelecimentos de I" e 2n grilus, observado quanto à
teúdos curriculares: pl'imelra o d no Decreto-Lei n. de l2 de setembro de !969.
I O Conselho Fedcral·de Educação fixaréi para cada grau as matérias único. O ensino religioso, de matrícula facultativa, con~;
relativas ao núcleo conrum, definindo-lhes os objetivos e a aiTtplituclc. tituir<Í disciplinei dos hor<.írios normait-: dos csL:1bclecinlerllos ofici<lis
II Os Conselhos de Educação relacionarão, para os respectivos de J" c graus.
sistemas de ensino, as matérias dentre as quais poderá cada estêl- elo currículo serô feita jJor séries <ll1Ut1is de dísci-
belecimento escolher as que devam constituir a parte diversificad<:1. ou cÍreas dt.· estudo de fonna a pcrmilir~ conforme
fTI - Com aprovaç5o do competente Conselho de Educação, o es- o plano do estabelecimento, inclusão de
tabelecimento poderá incluir estudos nã.o decorrentes de materiais que ntcndarn às individuais dos nlunos no ensino de 2°
relacion<.1das de acôrdo com o inciso anterior. u, variedade de
40 CURY REIS • ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 41

Extenso e detalhado comentário sobre o núcleo comum dos Com isso, foram se consubstanciando duas orientações relati-
currículos nacionais será trazido pelo Parecer CFE n. 853/71 e vamente recorrentes: a primeira, de certo modo já posta pelo Ato
Resolução CFE n. 8/71, logo após a publicação da Lei n. 5.692/71. Adicional de 1834, a de que o ensino fundamental é competência
E num momento do parecer, lê-se claramente: dos Estados e I\t1unicípios e a de que o ensino superior tenha um
maior controle por parte da União, ficando o ensino de segundo
grau como espaço das competências concorrentes e/ ou comuns.
Por já virem tais atividades prescritas no art. 7° da lei, só as consi-
A segunda é a de que o estabelecimento de diretrizes e bases
deraremos aqui na medida em que tenhamos de relacioná-las con1
'-'·"-'""·"-Ul'LJ nacional continua
os demais componentes do currículo. Associado a elas, o núcleo
da União e sua tradução específica, no que se refere aos mínimos
comu1n configura o conteúdo mínimo abaixo do qual se terá por
programáticos, seja elaborada através de um Conselho Nacional
incompleta qualquer forn1ação de 1o e de 2. graus, assim quanto aos
0

conhecin1entos em si 1nes1nos con1o, sobretudo, do ponto de vista


(1931-1961) ou Federal (1961-1994).
da unidade nacional de que a escola há de ser causa e efeito a um Com a redemocratização e a elaboração da Constituição de
tempo. Daí a sua obrigatoriedade. 1988, muitas alterações acontecerarn e que abrangera1n toda
organização da educação nacional. Contudo, as orientações su-
prarreferidas, ainda que recepcionadas por novos dispositivos
Já se vê que o Conselho Federal foL como dantes o fora o
colocados pela Constituição de 1988 quanto à gratuidade,
Conselho Nacional, o órgão responsável pela tradução desses
direito público subjetivo,
conteúdos mínimos para todo o conjunto do sisten1a escolar
brasileiro. Assim, o regimento do de acordo con1 a Porta-
ria Ministerial n. 691/81, define, no seu art. , XVIII, como sua
competência

fixar as matérias do núcleo comum dos cursos de 1n e 2. graus, defi-


0
em tern1os
nindo-lhes os objetivos e amplitude, bem como o mínimo a ser exigido
em cada habilitação profissional ou conjunto de habilitações afins. do projeto de LDB, a
díJS no que à correlação
E na organização do cotno colegiado se utna lho/ emprego, a ern dinlinuir seus
Câmara de Ensino de 1o e e un1a Comissão Central de
Currículos.~'

tomassen1
8. Eis aqui um campo pouco explomdo nas da Pós-Graduação em Educação.
42 CURY "' REIS "' ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 43

Por outro lado, a educação escolar foi definida (ainda que de deve /'estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Fe-
modo especificado em alguns aspectos e nem tanto em outros) deral e os ~vlunicípios, competências e diretrizes para a educação
co1npetência privativa da União, competência concorrente entre infantil, o ensino fundamental e o ensino rnédio, que nortearão
União e Estados e co1npetência con1un'l entre União, Estados e os currículos e os seus conteúdos mínilnos, de n1odo a assegurar
Municípios, segundo os arts. 22, XXIV; 24, IX e 23, V, respectiva- fonnação básica cornun1".
mente. Sob a égide do "regime de colaboração", de acordo com o Outro documento itnportante sobre o assunto é Plano
art. 211, o art. 24, parágrafo 1°, diz que "no ârnbito da legislação Decenal de Educação para Todos (1993). Esse doctunento, de
concorrente, a competência da União a estabelecer nor- cuja declaração o é signatário, un1a agenda
mas gerais". Finalmente, o art. 30 supõe a ação supletiva da União corr1promissos assu1nidos na Conferência de Jomtien. Contando
e dos Estados em relação à obrigação dos municípios em n'lanter com a sociedade civil e con1 a significativa do governo
uma rede de ensino voltada para o pré-escolar e o fundan'lental. federal, esse docurnento deu uma redação equilibrada aos ato-
Urgia, pois, o enfrentamento da questão curricular por rneio res políticos de tal rriodo que o MEC, ouvida a sociedade civil,
da lei de diretrizes e bases, até porque o texto constitucional, torna-se proponente diretrizes curriculares ern atenção ao
en1 seu art. 210, reza que "serão fixados conteúdos mínhnos dispositivo da ''fixação dos conteúdos mínitnos detenninados
para o ensino fundarnental, de rnaneira a assegurar formação pela Constituiçào'' cotno un1a de suas linhas de ação estratégica:
básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, na-
cionais e regionais".
O MEC, com o concurso das educacionais e da so-
O torn imperativo não deixa dúvida. Não rnenos claro é ciedacle, deverá propor e os conte(tdos nacionais capazes
o adjetivo "mínimo". E se "serão fixados", alguérn deve ser de pautar a quantidade de l'dUCtH;"~ío socialmente útil e de car<:'iter
o responsável. tradição dessa rnatéria constata iniciativa do uni versa I n oferecida todas cria nc;as, considerach1s
Executivo através do Conselho Nacional (Federal) de Educação.() curriculares ser<"'io em
Mas o Congresso seria un1 sujeito legítirno tanto quanto a a plumlidade cultural e

dade por meio de u1n projeto de lei, fazendo uso do 1necanisn1o diversidades locais. lmenf.c ~·L,,q~""Jl''' serilo desenvolvidas para

da iniciativa popular (cf. art. 14 e art. 61, parágrafo 2°). fundamentar avanços no ômbito das competências soci<:lis, visando
enriquecer o processo curriculcll' da escola. (p. 45)
Nesse sentido, torna~se ilustrativo citar o projeto de Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional en1 tran1itação ern 1994
no Congresso que dizia, em seu art. 10, inciso IV, que a União 1nesn1o docun1ento se priva de

9. A CF /88 traz em seu conjunto vtírias C'IÜI'éKias no currículo. 1·1<1 o ~'nsino religioso (art. As reforma.'> educacion<lis das últirnas décadas n~1o levararn em
210, parágrafo 1"), há a indicação de educação e etnia (art. 210, 2"), hé1 ,, corrclaç<1o
conta a diversidade cultural íJ dinwnsão federalista dcJ
educação c herança cultural (art. 242, pariígrafo 4"), além de várias ~ugcstôcs transversais
como meio ambienll' (art. 225, VI) e desporto (art. 217, 11). País nem as iniciativas locais de
44 CURY REIS • ZANARD! BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 45

A experiência centralizadora tein distanciado a escola da comuni- do Conselho busca conciliar a ponderabilidade entre sociedade
dade, uma vez que os mecanismos de controle se situmn etn utna política e sociedade civil, cotn inclinação para o executivo. Veja-se,
instância distante, incapaz de operá-los cmn consequência. O sistema a esse respeito, o art. 6° da Lei n. 9.131/95, e seu parágrafo único:
educacional tem-se caracterizado por elevado coeficiente de inércia
que constrange a disposição para melhorar, agir cooperativa1nente,
adotar inovações e incorporar avanl~Os cognitivos e tecnológicos nos O Ministério da Educação e do Desporto exerce as atribuiçôes do
processos de ensino e de gestão escolar. (p. 27) poder público federal em matéria de educação, cabendo-lhe formular
e avaliar a política nacional de educação, zelar pela qualidade do
ensino e velar pelo nunprin1ento das leis que o regem.
Em certa medida, esse texto do Plano Decenal fez eco à § 1°. No desempenho de suas funções, o Ministério da Educação e
proposta de LDB, Projeto de Lei Cotnplementar n. 101/93, do do Desporto contará com a colaboração do Conselho Nacional de
senador Cid Saboia de Carvalho, ao dizer/ em seu art. 23, VI, Educação e das Câmaras que o cmnpõem.
que cabe ao Conselho Nacional de Educação:
Por outro lado, a esse Conselho, segundo o art. da
fixar, após ouvir educadores e comunidades científicas das áreas en- lei, o dever de a partícipação da sociedade no
volvidas, diretrizes curriculares gerais, definindo uma base nacional
de estudos para o ensino fundamental, médio e superior de educação.

Essa formulação resume o conteúdo mais explícito e deta-


lhado sobre o assunto tal como já estava expresso no mesmo
artigo 23, VI, do projeto pelo qual caberia ao Conselho Nacional
de Educação "fixar as diretrizes curriculares definindo
utna base nacional de estudos para cada nível
o art. 34, alé1n de reconhecer a cotnpetêndd dos Estados e I ou
Municípios na plenificação do currículo, além de estimular a Di
vida concreta dos estudantes como ponto de partida, diz, no educação tetn
seu capul, que "os currículos do ensino fundan1ental e 1nédio a
abrangerão, obrigatorian1ente, o estudo de língua portuguesa e cidadélnia
da matemática, o conheciJnento do n1undo físico e natural e
realidade social e política, especiahnente do Brasil".
Finaln1ente, deve-se a (re)criação do Conselho o tenno na
cional de Educação através da n. 9.131/95. A lei no conjunto a do adjetivo comun1. é
BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR
47
46 CURY 41 REIS 41 ZANARDI

o caso, por exemplo, da formação básica comum dos conteúdos Entretanto, a questão federativa continua presente e ela
mínimos das três etapas (inciso IV do art. 9°), da formação co- continua mesn1o após tentativas de clareamento na Constituição
mum no art. 22, da base nacional comum dos artigos 26,38 e 64 de 1988. Aliás, tendo a educação se tornado ao rnestno tempo
e a diretriz do respeito ao bem comum do art. 27. (mas não sob o rnestno ponto de vista) competência privativa da
Leia-se o que está posto no artigo 26 da LDB: União, concorrente entre a União, os Estados, Distrito Federal e
Municípios e competência con1um entre os quatro entes federa-
tivos, é que a questão retorna con1 mais urgência.
Os currículos da educação infantil, do ensino fundatnental e do ensino
Sen1 o deslindan1ento desta questão fulcral de pouca valia
médio devem ter base nacional cmnmn, a ser comple1nentada, en1
cada sistema de ensino e e1n cada estabelecünento escolar, por mna
será a cletern1inação constitucional do fixar conteúdos 1nínirnos
parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da para a obrigatória.
sociedade, da cultura, da economia e dos educandos. Por outro lado, o próprio Conselho Nacional de Educação,
à luz da flexibilidade trazida pela LDB de 1996, enfatizou que
as diretrizes tinham din1ensões gerais, tendo estas 1ntdto tnais
Assim, a educação básica tem por finalidade precípua e
a prevalência de un1 rurno de u1na direção, de urn caminho
fundamental a formação de uma pessoa para n1últiplos aspectos 1

tendente a utn fim do de fixação de conteúdos mínhnos.


da vida social como a consciência de si como sujeito, a consciên-
cia do outro como igual e diferente tanto por meio do domú1io diálogo, tão importante quanto irnporta conhecer
de conhecimentos, com rigor científico, e o desenvolvimento a /'radiografía"
de competências que incorporem utn tnétodo permanente de
aprendizagem e abertura para novas possibilidades.
Os princípios constitucionais de "diretrizes e bases da edu-
cação nacional" e de// coesão nacional" associados ao dispositivo
de "conteúdos 1nínimos" nacionais determinaran1, de un1 lado, fia"
diretrizes curriculares nacionais etnanadas pelo Conselho Nacio- todo tal modo que a unidade nacional
nal de Educação e, de outro, Parâmetros Curriculares Nacionais seja unidade, não uniform igualdJc:le cOJnplenlentadíl
propostos pelo MEC. 10 An1bas iniciativas buscaratn respaldo quer pelo enfrentarnento da di
na Lei n. 9.131/95, quer nas diretrizes e bases da educação da Por outro lado, algo sen1elhé:1tüe se
Lei n. 9.394/96. varian1 rnuito no 8rnbito is
con1 e1nerja esta outra De novo, o d icí logo t'~
o evitar tanto un1a hcHnogeneidacle
10. Cf. a este respeito, tanto t<1is Diretrizes na p<ígin<l do Conselho Nacional de Edu-
cação, inclusive o Parecer CNE/CEB n. 03/1997, qu;:mto no Port<~l do [VfEC os Parâmetros C01110 LHlla
Nacionais de Educação.
48 CURY 111 REIS 111 ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 49

Mercê da Emenda Constitucional n. 59 I 09 e da Lei direto a estruturação de currículos, programas e a produção de


n. 13.005/14, especificamente meta 2, estratégia 2.2, e meta 3, livros didáticos se aproxüna mais dos regimes fechados. Sabe-se
estratégia 3.3 o Plano Nacional de Educação preveem a confi- que nestes o detalhamento é mais uma forma de verticalismo
guração, respectivarnente, da base nacional comum curricular homogeneizador do que um respeito às diferenças. E nos re-
do ensino fundamental e do ensino médio, mediante instância gimes politican1ente rnais abertos, o prograrna dos currículos
permanente de negociaçào e de cooperação entre a l!nião, os Estados, o nacionais unificados é mais flexível e propositivo. Espera-se,
Distrito Federal e os Municípios. Esta base, conforme as estratégias pois, destes últimos, maior sensibilidade, respeito à diferença
2.1 e 3.2, deverá ser articulada pelo MEC ern conjunto com os sem '-L'--.1/\.lA..l C0111Ulll em Ulll
entes federativos, sob a fonna de direitos e objetivos de apren- Estado NacionaL
dizagem em consonância com participação dos profissionais da abertos, .-...•.rv.-. •••
educação, estudiosos e pesquisadores. tuição de 1988, contudo, se defronta com 2 eixos fundamentais:
a questão federativa e a questão da participação dos sujeitos
interessados na fonnulação dos conteúdos face diferentes
concepções os inspiram e mesmo em face tnetodologias
com o ciências naturais e sociais.
deve n1erecer un1 en
A elaboração de uma base nacional comum curricular tem
a ver com a constituição de uma cidadania portadora de repre-
sentatividade e de participação. E a educação escolar é un1a
forma de viabilizar esta vida cidadã nos espaços de uma coesão
nacional que garanta os princípios da igualdade e da liberdade.
Por sua vez, o Brasil, Estado Republicano 1889, optou
pela forma federativa de distribuição de poderes e de competên-
cias entre o Estado Nacional e os entes federados subnacionais.
Esta complexidade se 'traduziu e se traduz na dificuldade de Entretanto, no caso il, en1 tnatéria de
se rnontar uma estrutura curricular para as instituiçôes escolares, abundan1 dispositivos un1a cultura
constituintes que são desta cidadania republicana, democrática ao princípio
e federa ti v a.
Certamente que, à oscilação autoritarisrno x tado
Direito, não correspondeu linearmente dirigis1no curricular x
liberdade de criação. Mas é notório que o "vigiar'' rnodo COl11lll1S.
BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 51
50 CURY • REIS ZANARDI

No momento em que a avaliação passou e passa a fazer parte 1nercado editorial apresenta, não setn utna variedade qualitativa,
de políticas nacionais bafejadas por orientações internacionais, um espectro enonne de publicações.
o currículo passa a ganhar mais importância. Boa parte dessa Também os docentes se organizaram e1n associações profis-
avaliação já é legahnente determinada en1 nosso país. Cumpre sionais, seja e1n frentes salariais/ seja em frentes voltadas para
refletir por que te1n sido tão difícil chegar a um acordo do cotno a questão pedagógica.
efetivá-la de modo que ela pondere e abranja tanto o processo da É mon1ento, pois, de reunir esforços, corn clareza de posi-
constituição curricular quanto seus resultados. Reflexão penosa ções, com estudos sólidos, a fin1 de que este passo constitutivo
e difícil para gestores e docentes, pois, abandonando qualquer da cidadania alcance os objetivos e as finalidades 1naiores postos
posição maniqueísta, a avaliação pode protnover um diálogo no capítulo da educação da Constituição, na lei de diretrizes e
dentro de um encontro profissional etn vista de garantir uma no plano nacional de educação.
melhoria na prática a quat no fundo, não é mais do que efetivar
o direito à educação que não se aninha apenas no direito de
aprender dos estudantes com a devida qualidade.
Logo, uma discussão sobre os conteúdos comuns mínimos
dos currículos em sua dimensão de base nacional cotnum deve
desaguar no caminho próprio defendido pelos grandes notnes
da educação: o diálogo que a Constituição denomina de regime
de colaboração sob a égide da gestão democrática. E aqui se insere
a participação dos interessados no assunto, de tnodo a abrir
utn diálogo consistente e sólido entre a adtninistração da edu-
cação, os profissionais no exercício da docência e os estudiosos
da matéria.
A Pós-Graduação nacional está conseguindo formar pesqui-
sadores e estudiosos que, institucionalmente, vêm investigando
áreas de conhecimento ·fazendo intercâ1nbio internacionaL E
tuna das áreas de atuação é justamente o estudo de currículos,
de história de disciplinas escolares e da avaliação. As associaçôes
científicas, por seu lado, criarn, dentro de seus grupos de trabalho,
a alünentação contínua desse e de outros ten1as.
A bibliografia não é pequena. Surgem livros, publicatn-se
pesquisas, dissertações e teses. revistas se n1ultiplica1n. ()
53

A Nacional Comum Curricular (BNCC) em


o sont1o de direitos no tocante ao
cJl-LLLL,<H,cU\J

e à qualidade

proporcionar
"-'~'"''--"nas disputas por UITtlugar
no mercado

t'ncontra
54 CURY • REIS • ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 55

da Educação Básica brasileira conten1porânea e, principalmente, ao conhecimento escolar na busca de uma visão hotnogênea de
no campo do currículo. Inundo. No caso do Brasil conternporâneo, seria a urúficação curri-
A tradição de reformas educacionais tem se esmerado em cular um ornamento para se acentuar a chan1ada crise da educação
atribuir ao currículo os problen1as de qualidade da educação ou estarímnos diante de uma proposta transforn1adora?
e, da mesma forma, seria ele o responsável pela superação das Corn Apple (2017) e sua resposta à pergunta à Educação pode
mazelas e desigualdades educacionais. 1nudar a sociedade?, há utna perspectiva menos estruturalista e n1e-
Por isso, é importante não perdermos de vista a causa das cânica da questão, pois ele apresenta uma resposta que demanda
desigualdades e o papel que a educação pode desempenhar na a contra u1n '-'h-''~.._,,,,lLl
sua redução. Pensar o papel do currículo na correção das de- ideológico, 1nas que não despreza as relações de dominação e su-
sigualdades é uma tentativa ingênua de deslocar os processos bordinação que se constituern dentro e fora da educação. Estudat~
de escolarização do contexto de un1a sociedade profundarnente analisar e se envolver corn a educação escolarizada por esse can1i-
desigual. Diante dessa questão, é fundamental, preliminarmente, nho é reagir contra essas relações, portanto, no interior da escola.
estabelecennos qual é o potencial da educação escolarizada e seus Fica claro que se concentrar unicamente nas relações econô-
limites na transformação da sociedade sob pena de soar ingênua rnicas pode ser enganoso, pois estas nüo são as únicas a possibi-
a análise de uma política educacional de tal envergadura. litar o desvdan1ento da realidade. l~ necessário investir, portanto,
Como Freire já acentuava em urna de suas obras iniciais, da forrnação hurnana e a construção un1a
Educação como Prática de Liberdade (1967), qual é o papel ed~..._,,,...,,,.,",
nas corr1o de seus lirnites.

(... ) estamos advertidos do fato milagroso, que por si fizesse as alte-


rações necessárias à passagem da sociedade brasileirc1 de uma para
outra forma. Porém, o que não se pode negar à educação, é a sua força
instrumentaC que inexistirá se superposta às condiçôes do contexto
a que se aplica. Vale dizer, por isso mesmo que, sozinha, nada corno forma
porque, pelo fato de "estar sozinha", jà não pode ser instrumental. protnover uma en1ancipação.
Por isso, se insiste em .não corresponder à dinâmica destas outras
forças de transformaç~1o do contexto estrutural, se torna puramente
ornamental( ... ) (Freire, l967 /2005, p. 96).

Necessário distinguir as políticas que pretendetn transfonnar


as estruturas das propostas que se limüan1 a ornamentar o gue está
posto. É preciso se aprofundar nos estudos curriculares corno forn1a
de entender con1o funcionatn os se nüsturarn
56 CURY • REIS • ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 57

jurídicos que fundam a educação brasileira. A interpretação do regional. A definição do que é comum, bem cotno de un1
sistemática nos proporciona, portanto, lançar um olhar sobre a projeto de nação, na quadra en1 que vivemos, tornaram-se cada
constitucionalidade/legalidade da BNCC dentro de sua coerên- vez mais complexos diante de uma sociedade que se enxerga
cia com o conjunto nonnativo para que se evite a construção de cada vez mais plural. O que é básico e o que é comum, além de
visões fragmentadas e parciais sobre a sua materialidade. não ser neutro/ trazem uma consequência de difícil equação que
Falar da legitimidade instituída legalmente para a construção é dizer qual é a formação desejada. Diante disso, recorro à própria
de uma BNCC é analisar quais são os valores e princípios que Constituição Federal de 1988 como fonna de ter mais luzes para
a Constituição Federal e os ordenamentos infraconstitucionais ._u__ .", ...... ~, e, con1o
estabelecem para a sua materialidade. Não podemos, portanto, vetn emergir nas disputas ideológicas que se inserem no campo
satisfazer-nos com a formalidade de sua previsão (e pronto!). da educarção escolarizada.
A previsão de utna BNCC não é, obviamente, o centro do Não é den1ais enfatizar sob quais comprornissos constitu-
projeto educacional brasileiro em torno da qual orbitam os cionais estan1os fundados:
princípios educacionais, inclusive constitucionalizados. Não é
nem mesmo o centro de valores e princípios que a escola deve Art. 1° A I<epública Federativa do Brasil, formada pela união indis-
abraçar, sendo a consequência de projetos que se colocam em solúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se
disputa em uma sociedade que se enxerga e se deseja plural, em Estado Democrático de Direito e tem como fundâmentos:
cotno veremos a seguir. a soberania;
Diante dessa premissa, é possível afirmar que o processo H- a ,_,'-'·'""-A'"

norma ti v o que nos im"pulsiona para a construção de uma I li ·- a da pessoa


Nacional Comum Curricular é fruto de utn processo que se arrasta IV valores sociais do trabalho da livre
por quase trinta anos, haja vista que sua previsão se encontra na v
Constituição da República Federativa do Brasil 1988.
A Assembleia Nacional Constituinte houve bem esta-
belecer na Constituição da República Federativa do Brasil que: cidadania, dos
quão difícil é un1a
Art. 210. Serão fixados conteúdos míni11tos para o ensino fundamental, fonnação connu11 no que
de maneira a assegurar fonnação básica cof!ltl/11 respeito aos valores o n1ano, à sua
culturais e artísticos, nacionais e regionais (Brâsíl, 1988) (grifos e do trabalho), à

o projeto de uma
JLJ~,,.._ .... ._, do é comurn, do
58 CURY REIS ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 59

da superação das desigualdades setn anular as diversidades, Novan1ente, há a preocupação com o regional, o local e a
como disposto no art. 3° de nossa Constituição: diversificação da proposta do que seja básico. Diante de todos os
outros princípios estabelecidos na LDB, não teria como ignorar
a diversidade e se comprometer com uma unidade que inviabi-
Art. 3° Constituem objetivos fundan1entais da República Federativa
do Brasil: liza o pluralisn1o e o reconhecünento da diversidade en1 nossa
I construir uma sociedade livre, justa e solidária; sociedade, un1a vez que a LDB traduziu con1o os princípios e
l i - garantir o desenvolvünento nacional; objetivos da República se realizariatn através da educação, cor-
III- erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigual-
roborando o que já estava previsto na
dades sociais e regionais;
IV - prmnover o bem de todos, sen1 preconceitos de origem, raça, Art. A educa(;ão, dever da família e do Estado, inspirc1d<:1 nos prin~
sexo, cm~ idade e quaisquer outras fonnas de discriminação. (Brasil, cípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por
1988) finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para
o exercido da cidadania e sua qualificaç;io para o trabalho.
Art. 3o O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
Exaurindo uma perspectiva do projeto de nação e de va-
I-- igualdade de condiçôes para o acesso e permanência na escola;
lores básicos, o que o texto constitucional nos aponta é para a
H liberdade de aprendet~ ensinar, pesquisar e divulgar a cultura,
construção de uma sociedade justa, livre e solidária, que busca
o pensamento, a arte e o saber;
a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades e que
IH - pluralismo de idéias e de concepçôes pedagógicas;
rejeita todas as formas de discrüninação. E, é sobre esses prin-
JV El liberdade e apreço tolerância;
cípios e objetivos que a fonnação, especiahnente a educação
v coe).ístência de de
escolarizada, deve se desenvolver.
VI do ensino público em estabelecimentos
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 1996 VIl do profission<J I da cd escolar;
(LDB) trouxe novan1ente a previsão de utna forn1ação lxísica, democrMica do ensino na forma desta I .ci e
agora chamada de Base Nacional Con1um.~ com an1pliação para da ·~L'''"'""u'"' dos sistemas de ensino.:
toda a Educação Básica .. rx -- de padrão de q ua Iidade;
X valorização dí:l experWncia extr<H:scolar;

Art. 26. Os currículos da educação illfantil, do cnsinofundanlcllfal e do XI vinculaçiio entre a ed escolar~ o tn1b<1lho e <.1s prcítie<,ls
t>ociais.
ensiuo 111édio devem ter base nacional wnwnr, a ser complementada, em
cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolat~ por uma XII com a diversidade étnico~rnci<ll. (Incluído pela
parte diversificada, exigid<:1 características e locais da Lei n. de 2013)
sociedade, da cultura, da economia e dos educandos (BrasiC 1996) XIII do direito e i1 ao longo da
(grifos nossos). vida. (Incluído pela Lei n. (Bras i I, 1996)
60 CURY o REIS o ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 61

ideia de base contida na LI)B e que pode se extrair da CF En1 outras palavras, é necessário compreender que a norn1a é
é pela definição de referências curriculares comprometida com um can1po de disputa tanto no que toca a sua forma quanto a
a pluralidade, diversidade e não discriminação. Abraçar uma sua materialidade. Assim,~ ao expor que un1 projeto está previsto
compreensão de prescrições fixistas e descritores de conteúdos, em lei, precisamos, critican1ente, desvelar os seus interesses, a
competências e habilidade é assumir uma contradição entre o quem favorece e a quen1 não favorece.
pluralismo de ideias e um projeto universalizante de conheci-
mentos comprometidos com a homogeneização.
Em 2014, a promulgação do Plano Nacional de Educação
(Brasil, 2014) e a busca de um Sistema Nacional de Educação
deram novo impulso ao projeto de uina base. Naquele momento,
ficou clara a concepção de que o que se pretende é uma proposta A BNCC seria o instru1nento para qualificar a educação
curricular que se torne comum nacionalmente. O projeto é tornar através de un1a identidade de conhecimentos que seja propor-
um conjunto de conhecimentos, habilidades e competências, que a todos os da Educação Básica brasileira. Ela
não é, ainda, nen1 comum, nem_ nacional, comun1 e nacional atra- serviria para superar desigualdades evidentes em nosso
vés da obrigatoriedade de seu ensino. Emerge a orientação do ma educacional. se envolve ern uma visão de escolarização
estabelecimento de um projeto nacional que se torne comum e, que, tennos utna educação qualidade seria
portanto, consensual nacionalmente através do projeto curricular. possi biU ta r un1a
Em 2017, temos, após idas e vindas, a publicação BNCC
da Educação Infantil e do Ensino Fundarr1ental (MEC, 2018) 11 •
Já a BNCC do Ensino Médio, até os meados de 2018, não foi
aprovada 12 •
Para concluir a análise do percurso norn1ativo, é
acentuar que, ao abordar como se constituiu normativamente a ,,
1
direção para a construçãL? da Base Nacional Cotnum Curricular, Fundação ,f

a perspectiva não é a de se confonnar con1 a previsão silogística em colaboração com o Instituto de


que ünobiliza a sociedade ao naturalizar o con1ando do legal.

1:1. A Fundaç;lo LPmmm é uma organit:açiio c;em fins lucrativos brnsilcira criada em 2002.
li, As idas c vindas da BNCC com suas disputas, avanços c retrocessos, ser.io analisadns pelo o brasileiro mnis rico. Sua funda-
pontunlmcntc neste ensaio mesmo não sendo seu objeto. um grupo de refonnadores que vol!;ll.llll ~Mra Edue<tçi:lo
12. Fato é que nenhuma das propostas entrou em vigor em 2018 c, concret<lmcnte, B;ísica nm~ (Jitirnos ano:;, rcprcsen!;1tivo da força grupo o Movimentos 'Ibdos pela
somente as pesquisas futuras poderão analisar como o comando legal curricular se desen- Fducm;<lo, que pelrl Fun(lnç;in 1\olwrto M<trinho, Fundaç<'m lta(t Social, Fundnção
volverá no "chão da escola". Victor Civiln, outros, Vollarcmos a abordagem do n1nvinwnto <1 seg11ír.
62 CURY 111 REIS 111 ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 63

pesquisas IBOPE, um levanta1nento em que os professores da Dessa forma, tendo em vista a emergência de um discurso
Rede Pública no Brasil se posicionam majoritariamente favorável acentuado de que não há compreensão pelos professores do que
ao estabelecimento de uma Base Comum Nacional. Na pesquisa fazer em sala de aula com as suas turmas, ou seja, de qual conhe-
divulgada, 82°/o dos professores entrevistados concordam total- cünento deve se desenvolver etrt cada período letivo, sen1estre,
mente ou em parte que os "currículos de todas as escolas do bimestre ou dia de aula, temos uma BNCC que discrimina os
Brasil devem ter uma base comum" e que 93°/o concordam total- descritores de ccnnpetências e habilidades de todas as áreas do
mente ou em parte que "saber o que é esperado que os alunos conhecimento escolarizado detalhadatnente.
aprendmn a cada ano escolar facilita o trabalho do professor"
(Fundação Lemann, 2015). desenvolvidas pela Câ:mara de Educação Básica do Conselho
Ora, con1o pode ser percebido, soa até desesperadora a Nacional de Educação, pelas Avaliações Externas, pelas Redes
afirmação de que há a necessidade de definição de u1n currículo de Ensino e pelas Escolas e pelos Educadores. Despreza o de-
básico para os professores saberem o que é esperado que os senvolvimento de utn projeto educativo nacional fundado etn
alunos aprendam em cada ciclo de aprendizagem. Seria muito uma concepção dinâ1nica e democrática de currículo que busca
preocupante viver em um país onde os professores não sabe1n articular as experiências dos vários atores envolvidos na educa-
ção escolarizada co1n os conhecirnentos científico, tecnológico,
o que ensinar na sala de aula amanhã às 07h30 da manhã em
uma turma do 1o ano do Ensino Fundamental. artístico, estético e cultural produzidos.
LDB, nesse contexto, conto un1a "Constituição da Educa-
Nessa linha, seria necessária a indagação do que fazen1 es-
ses professores e1n. sala de aula, ou melhor, o que se passa nos
cursos de licenciaturas, bem como que orientações e planos
ensino são fonnulados pelos especialistas das redes de ensino
e pelos professores.
A solução seria, também, itnpor uma base nos cursos
licenciaturas para que esses sujeitos fossern orientados em sua
utna valoriza o papel docente no to dJ
formação a saberetn o qt~e devem esperar que os alunos apren-
fica visível utna rcjeiçflo
datn. Ainda nessa esteira, como pensar que os sistemas e as redes
ao conheci mcntos preestabelecidos.
escolares, bem como os cursos de formação de professores, não
J;i tentativa dé:lS externJs in1por un1 currículo
contam para os professores o que devetn ensinar e o que podetn
básico se te da reolidade
esperar de seus alunos (!)?
A BNCC é para oportunizar aos alunos "conhecin1entos
essenciais" ou aos professores?
en1 um m<:nto
64 CURY a REIS • ZANARDI 65

conformação-rejeição de uma qualidade de educação que não


se realiza para todos. É uma relação que, mesmo pretendendo
esgotar o que-fazer curricular 14, não dá conta desse objetivo.
É ingênuo desconhecer o papel fundamental que a práxis
docente e as realidades onde ela desenvolve têm na elaboração
do que-fazer escolares com suas competências e habilidades,
bem como da dinâmica que envolvem as propostas oficiais e o
cotidiano da sala de aula. 3
A segunda questão que desejo ainda enfrentar e que não
pode ser ignorada é o interesse da Fundação do homem reco-
nhecido como o mais rico do Brasil, o empresário Jorge Paulo
Lemann, em questões escolares, particularmente, na eleição
de um currículo nacional. A Fundação Lemann, desde o seu
surgimento, tem promovido formação de professores e debates
sobre a Educação nacional, dos quais sobressaem seu evidente
interesse: uma educação de qualidade. Mas devemos indagar A se constitui etn u1n projeto normativo que
qual é o conhecimento que se traduz em educação qualida- Ieee u1n docu1nento prescritivo de co1npeténcias, habilidades,
de para u1n grupo econô1nico tão poderoso e com os ou, co1no denominm~ de i-
pautados na expansão do (seu) capital?
Ora, é possível articular facilmente a constante
reestruturação da escola com os daqueles contro-
lam o mercado de trabalho, sendo a instituição escolar 1nar
importância para a construção de subjetividades individualistas
e 1neritocráticas, be1n como de desenvolvimento de habilida- BNCC serve corno referência para a construção e adaptação dos currí~
des técnicas. cuJos de todas as redes de ensino do As redes e escolas seguem
com autonornia para por meio do currículo, metoclologias
de ensino, e incluindo elementos
da diversidade local e apontondo corno os temas c disciplinas sere-
lacionam. BNCC e currículos portanto,
14. "Currículo é, na acepção freireana, a política, a teoria a do a Base dá o rumo da ed mostronclo oonde se quer
educação, no espaço escolar, e nas nções que acontecem fora desse espaço, numa oersJx'Cth;a
crítico-transformadora". (Sau I, 2008, p. 120). currículos os caminhos.
66 CURY • REIS • ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 67

A BNCC traz uma concepção de currículo travestida de di- a teoria e a prática do que-fazer na educação, no espaço escolar,
reitos de aprendizagens que, sob a ótica tecnicista e meritocrática, e nas ações que acontecem fora desse espaço, numa perspectiva
constituem-se em deveres de aprendizagens. Obviamente não é crítico-transformadora". (Saul, 2008, p. 120).
possível reduzir toda a complexidade do currículo às prescrições Diante destas colaborações, já desvelan1os co1no a concepção
contidas no documento homologado pelo (ocupante do cargo de Base Nacional Ccnnum Curricular se aproxin1a das concepções
de) 15 Presidente da República en1 2017. de Sacristán e da apresentada como un1a das possibilidades por
Em que pese a polissemia do termo currículo, na orientação Roberto Macedo, tnas se encontra tnuito aquém de utna acepção
do MEC, o mesmo é estranhan1ente reduzido ao ca1ninho (!?)e freiriana. não é possível a natureza
o que se deseja ensinar ("aonde quer se chegar") é a Base Nacional da BNCC sin1plesmente porque ela a rejeita. Os enunciados ex-
Comum Curricular. postos desafian1 a concepção de que se furb.-1 a assumir
Diante dessa confusão conceituat forçoso trazer alguns que deseja estabelecer o que um aluno deve estudar.
conceitos de currículo para desvelar como uma orientação cur- Claro que a segunda concepção apresentada por Roberto
ricular centralizadora e antidemocrática deseja se fazer presente Macedo e a de Ana ul nos proporcionarn refletir sobre os litnites
(no duplo sentido) nas e para as escolas. Passo a algutnas con- que a BNCC traz para a proposta de currículo escolar, uma vez
cepções de currículo, das mais tradicionais e tecnicistas às mais que ela pretende imobilizar em um documento a dinâmica da
progressistas e comprometidas corn a emancipação e pluralidade. prática educativa- o queJazer na educação.
Sacristán não se furta a conceituar currículo mesmo expli- Sendo qual for a concepção de currículo, é trazer
cando sobre sua complexidade. Para o autor espanhol (2013, seu de
p. 16), currículo "é aquilo que um aluno estuda".
Já Roberto Macedo distingue duas concepções de currículo.
A printeira se apresenta como um documento onde se e
se organiza a formação. A segunda nos ensina que o "currículo /\ uni ora
se dinamiza na prática educativa como um todo e nela assun1e conhecin1entos e
feições que o conhecim,ento e a con1preensão do documento por habi !idades corn foco na co1npreend ida "con1o
si só não permite elucidar" (2.013, p. 25 /26). a mobilizaçào de conhecinlt'lltos (conceitos e procedirnentos)
Por fitn, vale repetir nossa nota para traduzir uma (MEC, 201 H, 8). A assun1e que a função
pectiva freiriana de currículo. Este se constitui con1o "a política, COill os currículos, ou sejcl, é a fonte de todos
os currícu por objetivos, corno
os objetos de
15. Acentuamos o não reconhecimento cl<l legitimidilde dn presidi'nCÍ<l de Michel Temer
em razão do Golpe perpetmdo em 2016. Vide JINKINGS; DORIA; CLETO Por que
aos alunos, cotno
griln111os Golpe? São Paulo: Boitempo, 2016. ver nesse recorte.
68 CURY REIS ZANARDI 8ASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 69

Figura 1. Ciências - 1° ano soma-se aos propósitos que direcionam a educação brasileira para
a formação humana integral e para a construção de un1a sociedade
justa, democrática e inclusiva. (MEC, 2018)
(EFO 1 CIO 1) Comparar características de
diferentes materiais presentes em objetos
Características
energia de uso cotidiano, discutindo sua origem, os
dos materiais
modos como são descartados e como podem O negrito nos "conhecimentos, competências e habilidades" é
ser usados de forma mais consciente.
obra do próprio MEC que se nega a reconhecer na BNCC uma
(EFO 1CI02) Localizar, nomear e representar
graficamente (por meio de desenhos) partes proposta de currículo, 1nas sün norteadora dos currículos.
do corpo humano e explicar suas funções.
(EFO 1CI03) Discutir as razões pelas quais Ainda de acordo com o MEC, en1 sua proposta inicial,
os hábitos de hiqiene do corpo (lavar as
Corpo humano mãos antes de comer, escovar os dentes,
Respeito diversidade limpar os olhos, o nariz orelhas etc.) são
necessários para a manutenção da saúde.
A Base Nacional Comum Curricular (BNC) vai deixar claro os co-
(EFO 1CI04) Comparar características físicas nhecin1entos essenciais aos quais todos os estudantes brasileiros
entre os colegas, reconhecendo a diversidade têm o direito de ter acesso e se apropriar durante sua trajetória na
e a importância da valorização, do acolhimen-
to e do respeito às diferenças. Educação Básica, ano a ano, desde o ingresso na Creche até o final
(EF01 CIOS) Identificar e nomear diferen- do Ensino Médio. Com ela os sistemas educacionais, as escolas e os
tes escalas de tempo: os períodos diários ._._,,Ju• .._._, terão um importante instrumento de pedagógica
(manhã, tarde, noite) e a sucessão de dias,
semanas, meses e anos. as famílias poderão participar e acompanhar mais de perto a vida
Universo Escalas de tempo
(EFO 1CI06) Selecionar exemplos de como escolar de seus filhos.
a sucessão de dias e noites orienta o ritmo
de atividades diárias dos seres humanos e A Base será mais urna ferramenta que vai ajudar a orientar a constru-
de outros seres vivos. do currkulo das mais de 190 mil de Básica do
Fonte: BNCC (20 18, p. 13 1). de Norte a 2crt6).

A insistência e1n negar a natureza curricular é desvelada


pela forma e o conteúdo apresentados pela BNCC com UITI. nível
de detalhamento que visibiliza o con1promisso com o estabele- não é o currículo, ela não pode
cimento de um currículo nacionaL ser consideradâ unz lo unificador).
Como apresentado na página inicial da BNCC, De acordo con1

Ao das são reiteradas


espera que todos os estudantes desenvolvam ao longo da escolaridade na ideia de que os currículos serão elaborados ou construídos
básica. Orientada pelos princípios éticos, políticos e estéticos traçados municíptos, tendo a Base como
pelas Diretrizes Curriculares Nacionais da a Base base. Em uma que
70 CURY 111 REIS 111 ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 71

"BNCC e currículos têrn papéis cmnple1nentares para assegurar as A centralização de un1 projeto educativo, e1n escala nacional,
aprendizagens essenciais definidas para cada etapa da Educação se revela de forma cristalina e amplia utna visão de desconfiança
Básica, uma vez que tais aprendizagens só se materializam 1nediante dos sujeitos envolvidos no processo educacional nas bases e os
o conjunto de decisões que caracterizanl o currículo em ação" (MEC,
faz buscar suas soluções dialética e dialogican1ente. Por isso, a
2017, p. 16). Surge, assim, u1n termo já clássico no campo do currículo
concepção de centralismo de Freire etn 1959 ainda se faz atual:
que pretende dar conta de que os currículos fonnais não esgotmn as
possibilidades do que ocorre nas escolas. Currículo em ação, portanto,
é mn conceito que só faz sentido cmn o seu duplo, o currículo escrito É a êle (o centralismo) que se deve, em grande parte, a inorganici-
ou fonnal, neste caso, a BNCC. A BNCC seria, assim, currículo, mas dacle de nossa educação. E isto porque é do centro que se ditam as
não esgotaria as possibilidades de ser do currículo. (2018, p. 29). normas, distanciadas assin1 das realidades locais e regionais a que
se deve aplicar. (Freire, 1959 p. 91 ).
1

O caráter normativo da BNCC prescreve aos estudantes os


conhecimentos, habilidades e competências que os estudantes A BNCC é un1a proposta curricular obrigatória e itnobili-
da Educação Básica brasileira devem mobilizar e estudar. É um zadora que parte do centro do poder para todas as escolas, cen-
currículo formal, não há dúvida. E con1o todo currículo, deseja tralizada na confiança na capacidade de especialistas tomaren1
prescrever e direcionar o que será ensinado. Mas não consegue as decisões sobre os conhecirrtentos, competências e habilidades
aprisionar tudo o que se ensina e se aprende na escola, obviamente. que nossos estudantes podem acessar. Decisões que deveriatn
Essa prescrição pretende ordenar e unificar o currículo se fundar nos constitucionais de uma sociedade plural e
brasileiro, ignorando a visão dinâtnica exposta por Roberto cotnprorrletida cotn a discriminação e con1 os
Macedo (2015) e se negando a assumir sua politicidade sob do
uma perspectiva freiriana. negação se d<:1 e1n prol de u1na
crença positivista de neutralidade do conhecimento científico
que deveria ser distribuído pela escola. A BNCC pretende se
constituir, portanto, em contraponto ao 1novünento dialético
que a escola deveria pn~mover com a transforn1ação que se faz
permanentetnente. Fica escancarada com a proposta de currículo
nacional que há tun projeto que se deseja nacional e comum, Corno a já realiz<:Kia nos leva a afinnar que a
devendo ser posto como neutro e natural no interior da escola. é Luna proposta de currículo nacional, as "''.-n'"'"'' 01~"_,r.nc
O currículo é, assim, desideologizado e descontextualizado por Applt_• (1997; 2006) continuan1 u serem atuais e ··{_)t·o•·.Dn,,•
em notne de u1n conhecimento teórico I científico I neutro que para o aprofundarnento do penneia este projeto.
uma cotnunidade de especialistas é capaz para não há COlTIO que o currículo
todas as escolas brasileiras. d enl conflito na ,.,..~,nri
72 CURY "' REIS "' ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 73

Retirar da BNCC a característica explícita de currículo é aceitar Por isso, afirmo que, além da BNCC ser uma prescrição de
a naturalização do conhecimento válido a ser distribuído. Ou currículo nacional, ela é uma forn1a de tornar consensual o que
melhor, é conformar-se com um empreendimento curricular que pretende ser o conhecimento oficial.
se faz neutro e, consequenten1ente, acima das ideologias. O consenso enganoso quando olhamos para a trajetória que
Ora, as concepções de tradição seletiva e de hegemonia esse currículo percorreu de sua prüneira versão até a última
trazidas por Apple (1997; 2006), ao lado de sua visão sobre co- aprovada em 2017. Já na primeira versão da BNCC, posições
nhecimento oficial (1997), são fundamentais para compreensão ideológicas e considerações sobre o que fica como conhecimento
dessas disputas e de como visões simplistas de igualdade e a ser escolarizado e o que sai forain explicitadas. Para
equidade passarn a ser ingenuamente defendidas. só ern um. exemplo, o ex-Ministro da Educação Renato Janine
O conhecimento oficial é centrado nos cânones de verdade recorreu à social para sua
universalizante feita por alguém (um grupo) para que uma vi- ideológica em relação à primeira versão da BNCC, apresen-
são particular de cultura se torne legitimada e validada para ser tada quando ele era o Ministro, como noticiado pelo site do
distribuída na escola (Apple, 1997). No caso de nosso currículo jornal Estadâo:
nacional (BNCC), esse alguén1 é a comunidade de especialistas
selecionados pelo MEC para a validação da cultura a ser im- O ex-ministro de Educaç~1o e filósofo ·Renato Janine Ribeiro afirmou
posta à escola. Uma comunidade que, e1n 2015, por ocasião da e1n sua no Facebook que o conteúdo de História da Base
apresentação da primeira versão da BNCC, era con1posta de 116 t\Jacional Comum (BNC) deve conter "ensinamento crítico, mas sem
profissionais das 1nais diversas áreas, divididos em 29 comissões. descambar para a ideologia".
A primeira versão, ainda, foi subtnetida à consulta pública
tendo aproxünadamente doze milhões de contribuições no perío- "O fato que o documento de História falhas. 'fzulto que

do de setembro de 2015 a tnarço de 2016, sendo que a segunda retardei :;;ua e solicitei <lo grupo que o elaborou que o
refizesse. Mas eles mudaratn pouca coisar'r disse o ex-ministro na
versão ficou pronta três meses depois.
redf~ socizd.
Essa a aparência de consenso de que o MEC a escolha
Os textos da BNC de todas as disciplinas pass21m agora por consult<1
de especialistas que supostatnente seriam desinteressados em públic<:~ para receber críbc1s de especicllistas ela sociedade
projetos ideológicos, ben1 como na síntese das 1nilhões de con- para que uma proposta final apresentada ao Conselho Nacional
tribuições, pode ser enganosa, de EduGH~ão (CNE) ainda nos primeiros meses de 2016.
reclamou que a primcin1 versão elo texto de I [istória "ignorava

Porque não é a "sociedade" que criou tais textos mas um grupo espe- quase por completo o que não fosse Brasil e África'~. "Não havia, na

cíficos de pessoas. "Nós" não construímos tais artefatos curriculares/ urna história do mundo. Quando muito, no ensino médio,
uma vis5o brasilcêntrico cmn outros continentes'/, disse
no sentido de que existe um acordo universal entre todos nós e isto
é que passa a ser o conhecimento oficial. (Applc, 19971 p. 77). ele. 2015 /2018).
74 CURY • REIS • ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 75

A afirmação do ex-ministro se encontra dentro do que Ignorar o currículo sendo uma seleção de cultura que se
Raymond Williams chamou de tradição seletiva, de acordo com pretende socializar é investir em un1a neutralidade que rejeita a
Apple (1997). Há uma visão que nega a possibilidade "brasil- contradição e a pluralidade de projetos políticos que se colocam
cêntrica" e naturaliza o consenso eurocêntrico, ignorando que em disputa e en1 conflito em sociedade. É un1a postura centrali-
essa seleção privilegia um capital cultural de um grupo em zadora e ditatorial que aln1eja subn1eter a diferença.
detrimento do de outro. Lado outro, a ideologia pode operar no siste1na educacio-
nal para poder se legitimar e criar un1a visão parcializada dos
A questão é sempre a seletividade; a maneira pela qual, de toda uma problernas brasileiros. Aí sim ternos unl problen1a que dificulta
área é possível do passado e do presente, somente determinados a visão das questões sociais que a escola deveria trazer para seu
significados e práticas são escolhidos para ênfase, enquanto outros interior. é possível aceitar a naturalizclção e neutrnlidade
significados e práticas são negados e excluídos. Mais crucialmente
dos conhecünentos, uma vez que podemos contribuir para a
ainda: alguns desses significados são reinterpretados, diluídos, ou
compreensão parcializada e fragtnentada dos fenôrnenos sociais
postos sob formas que sustentam ou pelo menos não contradizem
outros elementos da cultura efetivmnente dmninante. (Willian1s apud e sobre as causas das desigualdades.
Apple, 2006, p. 39 I 40). Inclusive é essa perspectiva ideológica que afirn1a que a edu-
cação escolarizada foi, é e será un1 dos fatores que obstaculizam
nosso desenvolvilnento, sendo o currículo un1 instnnnento para
Articula--se um consenso verticalizado através da neutrali-
superarmos as educacionais. é a ideologia "brasil-
dade que a cotnunidade de especialistas representa. No entan-
to, no interior desse processo, escancara-se a luta de projetos que n1as a ideologia eurocêntrico cunho
ideológicos. Apesar do Professor Janine Ribeiro afirmar que o que a qua1idade
processo estava "descambando'' para o ideológico, a ideologia
é, repita--se, parte fundatnental projeto, mas não rne
a sua acepção pejorativa. Pelo contrário, ideologia aqui é utn
conceito central para se desvelar as questões que toca a tradição
Trabalho
seletiva do currículo, qua~s sej<:un, "Quem o selecionou? Por que é
organizado e ensinado dessa fornza? E a este grupo ern parficu/nr?''
(Apple, 2006, p. 40). No entanto, o econôn1ico nune<t providenciou ví:lgas
Nesse sentido, tanto a seleção feita pela co1nunidade de es- COITI esse todos. ten1 a
pecialistas corno a que Janine Ribeiro reputa adequada, se situa vagas. Viven1os e111 un1a estrutural e essa ideologia vc111
em um de ideias, e cornpromissos ou valores colocar a culpa na escola e no currículo ,__J·~v,,,.
sociais. É urn projeto cristalinan1ente ideológico, sendo o o
culo um can1po privilegiado para sua legitin1ação. dentro urna que a que ten1
76 CURY • REIS • ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 77

a escola como causa: a crise da escola é consequência da crise É inegável que tivernos tempos de redução da pobreza e de
permanente do capitalismo brasileiro. construção de direitos em um curto período de avanço (2003-
2014). São apenas "soluços" de un1 sisterna desigual que não
conseguem se prolongar por muito ternpo, pois, novamente,
houve uma (violenta) interrupção con1 retrocesso em rnais uma
A crise educacional é parte da crise socioeconômica crise do capitalismo brasileiro.
As crises são, portanto, cíclicas e estruturais, como acentua
Há aproximadamente 50 anos, repete-se u1n mantra no cam-
David J:-Iarvey,
po do currículo: "O currículo é um campo moribundo" (Schwab,
1969 apud Pacheco, 2001). Ora, moribundo está o projeto de so-
ciedade excludente e meritocrático. Fragmentar e responsabilizar Crises são essenciais para a reprodução do capitalisnto. É no desen-
o currículo pelas mazelas da educação, buscando mostrar suas rolar das crises que as instabilidades capitalistas são confrontadas,
remodeladas e reformuladas para criar uma nova versão daquilo em
insuficiências, é interditar o próprio debate sobre os limites da
que consiste o capitalisrno. Muita coisa é derrubada e destruída para
escola em uma sociedade marcada pela desigualdade.
dar lugar ao novo. (2016, p. 9)
Por isso, não podemos deixar de lado o conselho de Hegel
(2005) e incorrermos no risco de tomarmos a floresta pela árvo-
re. Não podemos olhar para as disputas em torno do currículo oportunidades reforn1as que aprofundmn
escolar e deixarmos de lado a chamada crise da educação. por as proporcionando que rcstringen1 os
consequência, não devemos aderir acriticamente ao discurso da
crise educacional serrt trazer a percepção de que há uma
econômica permanente.
Sem não percebermos co.tno a permanente chega à
cação e ao currículo, poden1os tomar a árvore pela Horesta. dita ou n1elhor,
crise da educação é uma crise que se desenvolve no interior de sentido, a ruptura institucional c democráticc:1, ocorrida
um sisterna seletivo e medtocrático que não consegue contetnplar em 2016, n1arcas nas políticas públicas brasileiras 1r'.
todas as pessoas em uma sociedade capitalista. A desigualdade é
inerente ao sistema e não um efeito indesejado. Quando são coloca~
os gm;los a rcf(ll'lllí1 trab;1lhista
dos projetos curriculares co1no forma de proporcionar a igualdade com a perd8 de dire1tos para os a rcduçilo drástica do fin;mcinnwnto p<Hil
de oportunidades em busca da redução das desígualdades, sornos <lOlliSi,cúo de C<lSdS (Mínhn GlS<l, Minha vida), a reduçilo do flols<l f';unília, o
esl<lriCílmento d-.1 ndorma J\grárid, a lntervcnç;1o Militilr no Rio de j.meiru, (1 proposta ele
colocados de uma proposta ilusória que consegue se
Reforma Prcvtdcncitíritl. a <Himcnto da mortalidade inf;mtil, dentre
aprofundar no cerne do problema, qual seja, a Lncapacidade outras aspt~clns 1 parte de urn pacote de com <1 conccntrnçf10
nosso socioeconômico proporcíonar a de renda c attnH'nto da com a rdirad<l de direilus dos trabalhadores.
78 CURY o REIS e ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 79

Nesse contexto, o governo pós-golpe tem na educação políticas dessas variáveis é a existência de n1ão de obra qualificada. Qualificada,
públicas alinhadas com os interesses do capital frente ao sistema claro, segundo os padrões estabelecidos pelo organismo.
educacional público brasileiro. A Reforma do Ensino Médio, o
desinvestimento nas Universidades Públicas, a redução de pro- A partir do PISA (Programme for International Student Assess-
gramas de financian1entos con1o o FIES e PROUNI, a redução do nzent) e de pesquisas comparativas, as políticas educacionais foram
financiamento para Escola en1 Tetnpo Integral, a extinção do PIBID, se globalizando con1 base em diretrizes da OCDE que, tendo utna
com a criação do Programa de Residência Pedagógica e, o nosso avaliação internacional, passou a pressionar por un1 currículo que
foco, a homologação de un1a Base Nacional Comum Curriculat~ se pennitisse a legitünação dessa avaliação. Seguir as
colocam como obstáculos aos direitos das classes menos favorecidas da OCDE se constitui en1 referência para qualidade da educação
no que toca a educação escolarizada. Da mesma forma, dificulta à n1undiaC trazendo un1 fenôn1eno de "ranqucmm·nto" de
consh·ução de uma sociedade plural e detnocrática que potencializa que acabou por estabelecer os padrões curriculares necessários
através da educação escolarizada a transformação social. para o alcance de um desen1penho comparativmnente satisfatório
Nesse curto espaço, não posso deixar de se registrar como sob essa perspectiva globalizante e tnensurável da educação. A
a crise do capitalismo acaba por atingir radicalmente as parcas OCDE assim, passa a ocupar, para n1uitos países seguidores
1

conquistas das classes trabalhadoras e traz medidas aparente- receituário/ o lugar de "!Vfinístro da Educação Mundial".
mente técnicas e soluções falsatnente neutras que produzern A tetn ilnportante papel na "elaboração de
efeitos nocivos à tnaioria da população. A BNCC se situa nesse que estejatn de acordo con1 os seus privatistas"
contexto de medidas e soluções para superação da crise. torné, 2003, p. que corroboran1 a
hnpossível compreender a Base se1n investigar o cenário
senha do pela Organização para Cooperação e Desenvolvin1en to
Econônlico (OCDE) que reconhecidan1ente h1fluencia políticas
públicas educacionais brasileiras, con1o atesta a própria
etn seu texto (MEC, 2018).
David Chaves (Escola Politécnica ... , 2017) explica que a
BNCCé
ne
no~;; brindou corn 8 trad pn ra
(... ) produção de organismos como a Organização para Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Segundo ele, a entidade é
relevante porque indica ao mundo ernpresarial quais países estão
cumprindo orientações em áreas como educação e economia, sina- No nwvimento senwllt<:nüe tem coordenado a dos em-
lizando os locais mais atrativos para investimentos privados. Uma no c<lmpo da ed e é conhecido como Todos
80 CURY • REIS • ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 81

Educação. O presidente do Conselho de Governança deste movimento juntarnente com os reformadores ernpresariais. Ern que pese essa
é o megaempresário Jorge Gerdau Johmu1peter, do Grupo Gerdau, representatividade, posições contrárias ao estabelecimento de uma
que também é assessor da presidenta Dilma cmno coordenador da Base Nacional Con1um Curricular~ como expostas pela AI\TPED
Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade de (Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa ern Educação)
seu governo. (Freitas, 2012, p. 381) e pela ABdC (Associação Brasileira de Currículo) (ABdC, 2017)
(ANPED; ABdC,, 2015) 17, foram sumariamente ignoradas.

Fundado em 2006, o já citado Movimento Todos pela Edu- Mas é no contexto pós-golpe que as políticas públicas educa-
cionais abandonaram suas contradições explícitas e se apresentmn
cação tem como apoiadores, parceiros e mantenedores, por
pautadas, de forma cristalina, no tecnicisn1o e gerencialisrno de
exemplo, a Fundação Bradesco, Itaú Social, Fundação Lemann,
caráter rneritocrático e excludente, tendo os discursos de liber-
Instituto Unibanco, Instituto Natura, Rede Globo, Fundação
dade escolha e de igualdade de oportunidades ocupado Z1
Roberto Marinho, BID (Banco Interamericano de Desenvolvi-
propaganda das apressadas reformas, que no caso do Ensino
mento), Fundação Santillana, Fundação Victor Civita, dentre
Médio se iniciou através de Medida Provisória (Brasil, 2016),
outros. (Todos pela Educação, 2018).
tendo esta sido aprovada e incorporada à Lei de IJiretrizes e
A Base Nacional Comum Curricular, fortalecida pelo go- Bases da Educação NacionaltH co1n um visível e explícito retorno
verno democrático (2003-2015), encontrou eco nos fundamentos ao dualismo 19 na terminalidade da Educação Básica, urna vez que
tecnicista, meritocrático e gerencial defendidos pela lógica do as escolas podem optar pela oferta de urr1 de cinco itinerários
capital para o desenvolvimento da qualidade da educação. No ou 1nanter a oferta de quatro itinerários.
Plano Nacional de Educação, Lei n. 13.005, de 2014 (Brasil, 2014), da se111 suas causas
a proposta de Base Nacional Con1um Curricular se apresenta
como estratégia para o alcance da qualidade da educação,
vendo ser horr1ologada em um prazo de 2 (dois) anos a partir
da publicação do PNE. Seu prazo legal se expirou em junho
17. Como ~~bordado no t.ópico 7.
2016, sendo que, de tudo que foi aprazado, a foi a única
.18. /\ rdorm<1 do Ensino M,;dio, sob o pretexto de escolha, põe termo ii conetl)(;úu de
política que, efetivamente, teve andamento. Educaç<1o 13~1si1·;1, est<Jbelcccndo itinerórios que os estudantes poderiam construir. No
A adesão às concepções da OCDE e dos reforrnadores edu- tanto, a escola públic.1 ml.o terá o investimento necessário pm·a essas escolhas se rcnlizarern
c, conscqucnh'mcnte, h'rPmos uma cscol;1 mélis pnra ns cnmMlcts popui<H\'S e
cacionais não é um privilegio do momento pós-golpe. Já se com escolhas muito limitadas.
presente nas políticas públicas educacionais desenvolvidas no 19, "Art. 16. O currkulo do ensino médio st•rú composto pela Base N<Kional Comum
período entendido como de1nocrático, ou seja, no período que Curricular e por itinerários fornl<.ltivos, que devcriio ser organizados por nwio da oferta de
difen•ntt:'S arranjos curricuhHL'S, conforme a wlL•vfíncia p<H<1 o conlc:xlo local c a
o Ministério da Educação aceitava as contradições que se colo- dadc dos sistem.1s de enstno, a salwr: ling11agens e suas 11 matemática e
cam na conquista de direitos para as populações mais pobres cWnciils hurmm<lS c
e o fortalecimento da elite capita1ista brasileira. Naquela épo- ""''i""'d"" V formilçúo tt'cnica e profissional. (,.) de
ensinu, poclcrií composto ítinenírio formativo que se tmduz na de
ca, faziarn-se presentes representantes de movimentos sociais componentes curriculnres da Base Nacional Comum Cwricular BNCC c dos itinenírios
progressistas em vários fóruns, conselhos e instâncias poder fllrrnativos, considcnmdo os incisos I a V do c,1put" (B1asil,. l99h).
82 CURY • REIS • ZANARDI 8ASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 83

educacionais, OCDE e conservadores que formam sua base de A ilustração nos revela que devemos promover con1pensa-
apoio. Movimentos sociais e entidades acadêmicas foram despre- ções aos inferiorizados por utn sistema estruturalmente desigual.
zados no debate que concluiu os últimos contornos da BNCC. Entretanto, há algumas perguntas que deven1 ser feitas sobre a
figura: Que jogo que é esse?; Quem o escolheu?; Todos querern assistir?
O mantra da equidade e igualdade de oportunidades através
Por que assistir a esse jogo?
do currículo nacional se manteve. A escola seria o único caminho
para realizar o escopo da redução das desigualdades e erradi- Essas perguntas se relacionam diretatnente com a escola e
o conhechnento escolar cotn sua tradição seletiva. O ponto é o
cação da pobreza, pois viabilizada os conhecünentos essenciais
para promover a igualdade
a que todos têm direito.
dades não estamos problen1a tizando o que as crianças podetn,
Só que essa perspectiva de igualdade e equidade tambétn querem e devem assistir/ aprender e as razões dessas escolhas.
traz sérios problemas ideológicos e pretendo colaborar corn esse Dessa forrna, o consenso deseja se estabelecer tanto no que toca
debate com a seguinte ilustração: à protnoção da equidade cotno no que se refere ao lugar onde
devetnos chegar com essa protnoção.

Figura 2. Igualdade e equidade


Essa questão precisa ser analisada criticatnente, pois, ao se
colocar sobre as ideologias ern disputa, a BNCC pretende ser
"o jogo/f que todo Inundo quer e deve assistir. Ela pretende ser
Tratar diferente o consenso puro e do que se deve ensinar e se deve
aprender nas de todo o
Tratar todos iguais os
entanto, o Conselho de ucação, co1n
voto~! contrários 20 ,
e ignorou

de seu Ministro,
se posicionou a aprovação:

"Com a BNCC, o Brasil se i1linha aos melhores l' miJis quiJlificados


sistemas educacionais do mundo, que j<.í se organizam en1 torno de

20. Em vc.,t;1ci'ío hi,qtóricn, mesmo i1 i11temçilo dn composiçr1o du Conselho Nacional


de Edue<1(:<io pelo CovLTno fr11!o do <1s Const•lhciras Amirw Oiiveim S<mlan<l, rvtalvin<l
Tania TuttmDn c Márcia da Silva apresentaram pedido de vista í' voto em
Fonte: GOOGLE, 20 18. contdrio <1 da BNCC. (Aguiar; Dourt,do, 201g).
84 CURY • REIS • ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 85

uma base comum", destacou o ministro Mendonça Filho, ao explicar a necessidade de um currículo nacional como forma de correção
que o texto aprovado no CNE passará por revisão técnica e análise dos problemas educacionais. São teóricos que se dedicam ao
jurídica no MEC antes da homologação. "Varnos entregar aos bra- estudo da educação como objeto de estudo e não como negócio
sileiros un1 texto plural e contemporâneo, que terá papel crucial na
que é regido pela lógica de mercado.
melhoria da qualidade e da equidade da educação no Brasil", garantiu
o ministro. (MEC, 2017).

Comemorou o alinhamento con1 siste1nas educacionais do


mundo e expôs sua visão estreita de pluralidade dentro do co-
Inum e centralizador.
A versão da BNCC aprovada traz uma seleção comprometida
com o eurocentrismo como direitos de aprendizagens na discipli- No debate educacional, a busca de interlocutores que se
na de História, antecipação do processo de Alfabetização para o preocupam com a qualidade da educação para além da lógica
Ensino Infantil como forma de responsabilização e pressão sobre que o mercado deseja, é fundamental para un1a compreensão
professores e escolas públicas; abandona questões de gênero e adequada dos problemas que a escola e o currículo enfrentatn.
étnico-raciais em prol de multiculturalismo liberal, sendo que sentido, há estudos sobre o currículo nacional que se
as Histórias e Culturas Afro-brasileira e Indígenas ocupam mais sejan1 hegernônicos e neutros quando visivehnente se situam no
notas de rodapé do que o próprio corpo da BNCC (MEC, 2018); seio un1a
e insere o Ensino Religioso no Ensino Fundamental como fonna
de atender a interesses de grupos fundamentalistas religiosos
que desejam ver na escola pública espaço para expansão
suas crenças.
Tudo isso evidencia que a Base Nacional Comun1 Curricular
se constituiu em campo de intensas disputas ideológicas na sua clássicos que ideológico
construção e aprovação, aias que u1na visão hegemônica burguesa entendetn rneSlno um currículo nacional.
acabou por aprisionar o debate com a atenção voltada para um É como esses dialogar.
tecnicismo excludente. Como proposta curricular que é, a BNCC
deveria ter considerado que vivemos e1n uma sociedade que é
I. Ess.1 dll<'ílisc ll'tn como p<111to dl' p<lrtid<l os estudos n<~ comunk<1ç<1o oral,
e se deseja plural e democrática. 11<1 Rcuniiio di1 :\1\)/'Ect "Cottlli'cilllclllo fJOderoso c conlli'CÍIIICII/o C(l/f/c.\ltw!twdo: o currículo
Cll//'(' (' rrr·m,'', Zanardi (2013) o "/\s conccpçôcs tn<JrxislilS dil LWll<H!()\!1(1
Como nesse tópico nos dedicamos a apresentar e que históricfl-críticil de Dcrmcval Saviani Pm rPiaçiío tcm<ilica do conlwcirncnto: cpntribui<.;Úl'S
a BNCC é currículo, vale trazer perspectivas que ao currículo'', de l~ibeiro Zanardi (2018) (no
86 CURY • REIS • ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 87

(e1n escolas, faculdades e universidades), e essa especialização se


É a Base o conhecimento poderoso de Young?
expressa na fronteira entre áreas de conhecünento e disciplinas
escolares que define1n seu foco e seus objetos de estudo. Em outras
Uma importante referência para compreensão da defesa de palavras, não me refiro ao conhecünento geral. Isso não significa
um currículo nacional é o educador inglês Michael Young. Para que os lünites sejmn fixos e imutáveis. No entanto, significa que
ele, a escola tem o papel primordial de distribuir o que chamou o aprendizado e a pesquisa interdisciplinar dependem do conhe-
cimento baseado nas áreas disciplinares.
de Conhecimento Poderoso, que se refere a um currículo que brota
Ele é diferente das experiências que os alunos levam para a escola
de conhecimentos propostos por especialistas.
ou que os estudantes mais velhos levam para a faculdade ou a
Nas palavras do educador inglês, universidade. Essa diferença expressa-se nos limites conceituais
entre o conhecimento cotidiano e o escolar (Young, 2013, p. 235).
(... )o conhecilnento independente de contexto ou conhecin1ento teó-
rico. Ele fornece generalizações e busca universalidade. Ele fornece Essa confiança de Young na cornunidade de especialistas é
uma base para se fazer julgan1entos e é gerahnente, mas não unica-
tributária de um currículo que desconfia do potencial transfor-
tnente, relacionado às ciências. É esse conhecimento independente
l11ador que o contexto vivido, do diálogo e da problernatização
de contexto que é, pelo menos potencialmente, adquirido na escola
como principias orientadores da construção curricular.
e é a ele que tne refiro cmno conhecimento poderoso (2007, p. 1.296).
Para Young (2007; 2010; 20rt; 2013; 20] 6), o papel do
culo é a do conhecitnento especializado, que é uni-
Young faz uma defesa enfática da função escolar de trans- da h umaniclade, a os
rnissão do conhecünento. Acaba por determinar que o conheci-
mento poderoso- verdadeiramente útil é o conhecimento
especializado. (2007, p. 1.295).
Ao defender o direito à educação, ele a partir da d'L<t:._ .._••. ._ to a que os a
questão: "Qual é o conhecimento a que os alunos têtn direito?" (2013). melhor e útil/1
Ora, sob qualquer perspectiva, essa é urna questão fundatnental ele, adjetivado cotno poderoso.
para o currículo. E é daí ·que Young avança na ideia do conheci- A utilícL1de deste conhecimento residiria na sua v~11idéKle
mento poderoso que é cornpatível corn a Base Nacional Cornun1 qttolq uer contexto, ou constituiria en1 um conhe-
Curricular de 2017. "inde,pendente contexto ou conhecirnento teórico"
Vejamos as características-chave do conhecünento poderoso: (2007/ p. ]

Ele é especializado, tanto na rnaneira como é produzido (em cursos, desenvolvíclo p<wa fornecer
seminários e laboratórios) quanto na maneira como é transmitido de. Ele fornece urna base para
88 CURY REIS • ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 89

1nas não unicamente, relacionado às ciências. É esse conhecimento Nos últin1os artigos de Young (2007; 2011; 2013; 2016), am-
independente de contexto que é, pelo menos potencialmente, adqui- plamente divulgados nas revistas científicas brasileiras (na esteira
rido na escola e é a ele que me refiro como conhechnento poderoso. de uma Base Nacional Comum Curricular), o que se revela é
(Young, 2007, p. 1296). uma fé na comunidade de especialista como a protagonista na
seleção dos conhecin1entos a sere1n escolarizados.
Há a nítida a ênfase na transmissão do conhecimento pode- Young defende, tatnbém, que a superação da desigualdade
roso e certo desprezo pelos saberes da experiência. na entrega dos conhecitnentos seria un1 importante instrumen-
Para esta elaboração, Young recorre a outro conhecido cur- to para superação das desigualdades pelos alunos
riculista inglês, Basil Bernstein, que traz os conceitos classificação origem mais pobre. No entanto, Young não revela, pelo menos
e enquadranzento para o campo do conhecimento escolar. nesses tiltimos trabalhos, qualquer preocupação cotn a
do ambiente que produz estas desigualdades que as crianças
trazem para as escolas. Centra-se na necessidade de utna rigidez
Bernstein cmneça conceituando as fronteiras e1n termos de duas
na transmissão de conhecimentos teóricos e conceituais se111
dimensões. Primeiramente, ele faz uma distinção entre a classifica-
ção do conhecimento ou o grau de isolamento entre dmnínios de
qua]quer vínculo con1 o contexto vivido. Nem poderia haver essa
conhecimento - e o enquadramento do conhecimento - o grau de preocupação, pois, como concepção de currículo foi forten1ente
isolamento entre o conhecin1ento escolar ou o currículo e o conhe- corno a desigualdade e a
cimento cotidiano que os alunos traze1n para a escola. Em segundo sob a responsabilidade
lugar, ele sugere que a classificação do conhecimento pode ser forte
quando os dmnínios são altamente isolados um do outro (como
no caso de física e história) - ou fraca quando há baixos níveis
de isolamento entre domínios (como nos currículos de humanidades
ou ciências). Da n1esma forma, o enquadrmncnto pode ser forte
quando o conhecilnento escolar e o não-escolar são isolados um do
outro, ou fraco, quando as fronteiras entre o conhecimento escolar e
o não-escolar são diluídas (como no caso de muitos programas de sujeitos a
educação adulta e algLins currículos planejados para alunos menos () curriculista seu conceito co-
capazes). (Young, 2007, p. 1297). nhecitnento poderoso, o
do
Young deseja assin1 utn conhecimento especializado etn
haja o isolan1ento dos do1nínios (classíficaçãoforte), bern
como uma fronteira entre o conhecimento considerado
escolar e o considerado não (enquadramento forte).
90 CURY 011 REIS 011 ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 91

o papel de professores e alunos como sujeitos produtores de conhecimento das leis que regem a natureza tem caráter universal,
conhecimento valiosos para o currículo. portanto, sua validade ultrapassa os interesses particulares de
Para o curriculista inglês, "onde o n1undo é tratado como um pessoas, classes, épocas e lugar" (Saviani, 2003, p. 7).
'objeto de pensamento' e não con1o un1 'lugar de experiência'" o saber que interessa especificamente a educação é aquele
(Young, 2011, p. 616). que" emerge como resultado do processo de aprendizagem, como
O currículo do conhecimento poderoso de Young deixa resultado do trabalho educativo" (SavianC 2003, p. 7). Mas para
o mundo vivido na porta da escola como se esse não tivesse chegar nesse resultado é preciso tornar cotno ma téria-prüna o
relação indissociável com os conhecimentos especializados, saber objetivo produzido historican1ente.
seja por questioná-los, seja para que esse forneça as explicações Con1 essa explicação, é reiterada a in1portância da histori-
necessárias para a compreensão deste n1undo. cização corno elernento central para se con1preender a questão
da objetividade e da universalidade, sen1 relacioná-las, portanto,
com a neutralidade pressuposta pelos positivistas. Co1n isso,
Saviani (2003; 2003b) deixa claro qual saber deve ser transmitido
O conhecimento objetivo de Demerval Saviani na escola, conforrne os fundamentos histórico-críticos: o saber
proporcionaria um currículo nacional? objetivo.
Segundo Duarte (2016), quando Denneval define o
Não cometeria a /'heresia" de situar a pedagogia Históri- objetivo corno central
co-crítica na perspectiva que emana de um currículo nacional
(BNCC) altamente comprometida corn a lógica do capital.
advertência serve para estabelecer aqui um diáJogo que se vincula
às considerações sobre a necessidade de um currículo nacional
e quais seriam suas fontes legitirnadoras.
Para pensar o conhecimento nessa perspectiva, é necessário porém não é todo in
compreender que, para Saviani (2003; 2016), o saber objetivo que irnpede a objetividade (Duarte, 2016). Objetividade e
convertido em saber escolar é um dos elementos centrais da sinônimo de neutralidade. i eschuece essa questão:
Pedagogia Histórico-crítica.
Para Saviani (2003, p. 7), "dizer que determinado conhecí- Import.a, compreender que a questfio da neutr.:tlidade (ou
Inento é universal significa dizer que ele é objetivo", ou seja, e]e não-neutralidade) é uma ideológica, isto 6, diz
expressa leis que regem a existência dos fenôrnenos, trata-se caráter intercss<ldo ou n<lo do conhecimento, enqunnto
de algo cuja validade é universal. observa que isso se (ou nfío objetividade) é Wll<1 isto é, diz
tanto aos fenôtnenos naturais como e co1npleta:
92 CURY REIS • ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 93

refere. Por aí se pode perceber que não existe nenhum conhecitnento O currículo seria, então, o saber objetivo organizado e se-
desinteressado; portanto, a neutralidade é impossível. Entretanto, o quenciado de maneira a possibilitar seu ensino e sua aprendi-
caráter se1npre interessado do conhecimento não significa a ünpos- zagem ao longo do processo de escolarização.
sibilidade da objetividade. (2003, p. 57).
Assim, a Pedagogia Histórico-crítica considera como
prioritário que na escola sejam trabalhados os conteúdos nu1n
Podemos perceber que Saviani se distancia ben1 do conhe- processo educativo intencional, e isso representa u1n trabalho
cimento poderoso de Young no tocante à neutralidade de sua co1n o conhecin1ento objetivo e universal, portanto, compreende
escolha. Para a Pedagogia Histórico-crítica, o conhecilnento é que o conhecin1ento ten1 un1 n1odo, é o
interessado, sendo que o que importa é sua relação com a ma- conhecimento científico, ben1 como o artístico e o filosófico, que
terialidade das relações humanas. deven1 ser considerados na organização do currículo juntmnente
co1n sua vinculação às exigências teóricas e práticas da forn1ação
[... ] sabe1nos que as concepções que os homens elaboram não tê1n
dos homens.
apenas um caráter gnosiológico, isto é, relativo ao conhecirnento da A BNCC, nesse contexto, faria todo o sentido desde que
realidade, mas tambén1 ideológico, isto é, relativo aos interesses e revolucionária e tnaterialista. A questão do currículo nacional
necessidades humanas. Em suma, o conhecimento nunca é neutro, adequada para a Pedagogia Histórico-crítica ten1 suas n1ate-
ou seja, desinteressado e imparcial (... )Mas esses dois aspectos não rialistas e no saber objetivo. Ocorre, no entanto, que Saviani (1996;
se confundetn, não se excluem mutuamente e também não se negam
2003; 2003b; · 2016) sabe que o escoJar é don1inado pela
reciprocmnente. Ou seja: não se trata de considerar que os interesses
pela socialização e apropriação pela
impedem o conhecünento objetivo ne1n que este exclui os interesses.
Os interesses impelem os conhecimentos e, ao n1esmo tempo, os
expUca: a condu-
circunscrevem dentro de determinados limites. (Saviani, 2012, p. 66).

No entanto, assün como Young se inclina para conhechnen- seja,


tos entendidos como universais, Saviani segue nesse caminho que esse saber deva ser lntrinsecarnente
ao deslindar a caracterit?tica do saber objetivo.
Un1 currículo nacional, o condào de
permitir essa "'-''-H~1LLU
..• -.• . , . " ' " ' trabalha-
O saber escolar pressupõe a existência do saber objetivo (e universal). dora, conhecitnentos
Aliás, o que se convencionou chamar de saber escolar não é outra tão so.tnente à
coisa senâo a organização sequencial e gradativa do saber objetivo,
disponível numa etapa histórica detenninada para efeito de sua
transmissão-assimilação ao longo do processo de escolarização.
(Saviani, 2012, p. 62).
94 CURY "' REIS ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 95

um desprezo pelos horizontes que a própria burguesia deseja escolares. 1Jm currículo é, pois, utna escola funcionando, quer
construir para ela e para as classes trabalhadoras. dizer uma escola desempenhando a função que lhe é própria."
A confiança no "universal" por Saviani (2003a, p. 13) ainda (Saviani, 2003a, p.l8). O autor pondera ainda que para existir a
é detalhada da seguinte forma: "Trata-se de distinguir entre o escola não basta a existência do saber siste1natizado. É necessário
viabilizar as condições de sua trans1nissão e assimilação. "Isso
essencial e o acidental, o principal e o secundário, o fundamental
implica dosá-lo e sequenciá-lo de modo que a criança passe
e o acessório" na ação de selecionar conteúdos. Distinguir entre
gradativan1ente do seu não dornfnio ao seu dc)lnínio" (Saviani,
o principal, fundamental, e o secundário, em outras palavras,
2003a, p. 18). conclui· "Ora, o saber dosado e sequenciado
significa dizer que o autor defende a socialização dos clássicos,
efeitos de sua transmissão e assimilação no espaço escolar, ao
entendido por ele como esse elemento essencial é fundamental:
longo de utn tempo determinado, é o que nós convencionamos
"Clássico, ern verdade, é o que resistiu ao ternpo. É neste sentido
chamar de saber escolar/'. (Saviani, 2003a, p. 18)
que se fala na cultura greco-romana como clássica, que Kant e
Hegel são clássicos da filosofia, Victor Hugo é um clássico da
literatura universal, Guimarães" (Saviani, 2003a, p. 18).
Tanto Saviani (2003) quanto Duarte (2016) concebem o
clássico como aquele conhecimento que extrapolao tempo, isto
é, o rnomento em que foi produzido. Relaciona-se, portanto, a O caso da e as associaç·ões de
sua capacidade de permanência histórica e ao n'lesmo tempo se é um capítulo parte no seu 1 1
rlD'-'C\ '"" ' "

torna referência. cialn'lente,


No campo do currículo e de proposta de um currículo na-
cional, é possível afirmar que o saber objetivo e o conhecimento
poderoso apresentam sernelhanças quando pensamos que a nacional
comunidade de especialistas assume un1a perspectiva rnateria-· na
lista-histórica. Young não adentra nessa questão, netn Saviani da Reunião Nacional urna n1oção contrária à
assinala quem faria a escolha por esses saberes objetivos, mas, e1n se icita a oposição a um currículo nacional:
indubitavelmente, um currículo nacional com essa roupagem
não é o Inesmo que o Movünento Todos pela Educação sonhou.
BNCC não contempla as dimcnsôes de cliversidade na educação bra-
Fica evidente que, para Saviani (2003; 2003a; 2012), a função o que coloca em risco de retn>cesso toda política educacional
da escola, ta 1 qual para Iv1ichael Young, é a transtnissão-assitnj- e ambiental no país, expressa hoje na Resoluçüo n. 2/2012 do CNE
lação do sistematizado, e é partindo prem que que estabelece as Dirt:"trizes Curriculares para a Ed Ambiental.
o autor con1preende currículo como:"( ... ) a organização do con- Os associados reafirmam posiciondmento contnírio à Base Na-
junto das atividades nucleares distribuídas no e tempo cíonal Comum Curricular tanto peln sua 1netodología de
BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR
97
96 CURY • REIS ZANARDI

quanto às evidentes implicações nos processos de avaliação de ensino Ainda em 2015, a ANPEd apresentou u1n documento mais
e aprendizagem, na homogeneização das matrizes curriculares, na sintético sobre a BNCC que contempla os seguintes pontos
formação de professores e na autonomia. (ANPEd, 2015) (críticos):

Assim, desde a primeira versão da BNCC, a ANPEd foi uma 1. Diversidade versus uniformização.
das maiores protagonistas na oposição ao processo de construção 2. Nacional como homogêneo: um perigo para a democracia.
de uma proposta de currículo nacional. Foram várias notas, que 3. Os entendimentos do Direito à Aprendizagcrn.
juntamente com a Associação Brasileira de Currículo (ABdC), 4. Conteúdo não é Base.
buscaram desvelar criticamente os limites da BNCC com sua 5. O que nlio se diz sobre as experiências internacionais.
proposta centralizadora de currículo. 6. Gestão democrática versus responsnbiliznçt7o.

Em evento promovido pela ANPEd em 2016, houve o posi- 7. A Base c a avaliaçlio.


cionamento de 13 entidades22 que foi assim sintetizado: 8. Dcsqua!ificaçüo do trabalho docente: unificação curricular e avaliação
externo.
9. lv1etodologia da construção da Base: pressa, indicoçt7o e indcfinição.
Cada uma delas contou com pouco mais de 10 Ininutos para expor (ANPEd, 2015b)
posicionamentos e histórico de ações em torno do tema. Apesar da
diversidade de opiniões, algumas críticas cmn relação à BNCC foram
praticamente unânimes, como a problemática centralização no desem- In1possível deixar de reiterar que essas críticas foratn
penho e avaliação, a visão tecnicista e unificadora, a desconsideração que se desenvolvia com tnna
da construção dos saberes cotidianos, do histórico de conquistas e
das Diretrizes Curriculares, o não reconhecimento das condições de
trabalho dos professores, a eleição de conceitos e conteúdos contro-
versos, que não garante1n a diversidade, além do próprio atropelo
de prazos da construção da Base. (ANPEd, 2016)n.
un1 curriculo
() que se explicitar é a A NPEd e
contrárias a utna ideia de currícuJo nacional. Para tanto, basta
Além da Moção, a ANPEd já havia remetido ao Ministério reton1ar os prin1eiros itens indicados para que n~1o haja
da Educação um docun1ento com o detalhamento de seus apon- / 'd as. as da Diversidade versus unii1H'1llÍ.Zação e
d uvJ ;•
tamentos etn que discritninava os limites da versão apresentadil Nacional como ho1nogflneo: um perigo para dl'!nocracia, a d
no tocante aos processos desenvolvidos e ao seu conteúdo. da de expõe incon1pa tibilidade da na
Já a proposta do currículo te
22. Estiveram presentes entidades ligadas a áreas diversas como Educação, Biologia, a.
coloca eJTL
História, Ed ucaç;:ío Pisica, Sociologia e Psicologia, dentre outras. (ANPEcl, 20 18). !f

iten1 to
23. Como se percebe, essa não era ainda a versão definitiva que foi aprovnda em 2017.
99
CURY REIS ,. ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR
98 o

desvelam-se as possibilidades que a LDB ofereceria para do Fórurn Nacional de Educação e do Conselho Nacional de
uma proposta de formação, mas que, na BNCC, acaba por se Educação24 • (ANPEd, 2017)
limitar a listagens de objetos de conhecünento, competências Corno afirma Elizabeth Macedo (2018), "habemus base" e
e habilidades. a profecia de un1a BNCC natin1orta, pelo menos, no aspecto
No quarto iten1, "Conteúdo não é Base", a questão da pro- formal do currículo não se realizou. A questão, que se coloca
blematização do que poderia ser uma base emerge contundente para aqueles que não estão de acordo com a ideia de currículo
e com um teor profético. nacional, é enfrentar essa questão, pois a escola não pode ser
25
aprisionada pela lógica do mercado e do apostilamento através
de um projeto que busca homogeneizar a diferença, interromper
Nesse sentido, discordamos veementemente da possibilidade de
o 1novin1ento dialético relações hun1anas na construção do
construir qualquer "Base'' cujo limite seja tênue entre o que se
conhecünento desutnanizando cada vez mais o processo educa-
entende por "orientações estruturadoras" para "redes e escolas"
e o estabelecimento detalhado de relações teóricas, de valores, cional escolarizado.
1
de conhecünentos, ou seja, de um ' currículo rnínimo", único. Os
processos locais e autônomos que, reiterarnos, devem. ser parte
dos debates e forrnulações curriculares não podem nem devem ser
percebidos como "parte diversificada", na medida em que não são
separáveis, episteinológica ne1n politicamente, dos contextos em
que são produzidos, nem do conjunto de conteúdos selecionados
para integrar toda e qualquer proposta curricular. Nesse sentido,
e indo além, é ünportante assinalar que, ern tempos de ruptura
e questionamento dos campos disciplinares em todo o mundo, a
construção de uma Base Nacional Comum Curricular a partir, e
somente orientada por conteúdos definidos por especialistas en1
diferentes áreas do conhecimento, é uma proposta natímorta. (ANPEd,
2015, grifos nossos).

Na 38a Reunião da ANPEd, a BNCC tambén1 foi tematizada


2-l. O CNE :1provott i1 DNCC do En:-:.ino lnf;mtile do Ensino Pund<1mcntal em ckzcrnbro
e, coerentetnente, hostilizada pela associação/ etn razão do Golpe de• 2017. Apenas dois mcsc~~ apús a rc,tlizaçiio daquela reunião d<l ANI'Ed.
de 2016 ter trazido seu autoritarismo, conservadorismo e claro 25. O Hll't'GKio de li1•ros didáticos sempre foi um alvo d<lS editoras em n1zilo
dos recursos (li() rnilhões de rcah> ern 2016) qui.' o Programa Nacional do Livro Didático
compro1nisso com a lógica do capital para dentro do processo
(PNLD) rL·ccbt' ilnu;tlmcnte. Dhmtc de u111 currículo nacional, a k'gica do
de elaboração da terceira versão da BNCC. }louve o claro o se torn;ll'<l c<Hla vez mais intensa. Nilo foi por outro motivo que <' nwgagrupo
Kroton adquiriu, de uma só vez, em 2018, editoras bcipionc, Atira c Sar;liva.
abandono das 12 milhões de contribuições e os esvaziamentos
~c.oRTEZ
~EDITOR~ 101

Limites Conceituais

objetivo capítulo é probletnatizar a correlação entre


a do
n1ento de

luta
u1n 111odelo curricular.. a educação da infância e essa I uta
fica ajnda n1ais evidente na e no debate conten1porâneo
tanto em nível nacional quanto internacional.
Brasil, no entanto, disputus refJetetn a influê·ncia
dotninan le rnodelos utn lado,
outro, nos discursos nas estruturas
políticas g ue currículo, e
102 CURY • REIS • ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 103

2014) Concentrando-nos na educação infantil, argumentamos que Bolsa Família, como também os documentos construídos com o
essa luta gera questões críticas sobre três temas significativos no apoio da Unesco, como é o caso da publicação Educação Infantil
âmbito da teoria do currículo: conteúdo, coerência e acompanha- em países do 11/lercosul, elaborado em parceria com o Ministério da
mento tanto dos adultos quanto das crianças. Educação do Brasil. (Campos; Campos,2009; Dias; Campos, 2015).
Analisamos algumas posições a partir das quais esses temas Tanto os projetos Brasil Carinhoso, Fan1ília Brasileira Fortalecida
podem ser compreendidos: a partir de teorias do desenvolvimen- e Bolsa Fan1ília como as ações supranacionais sobre educação
to, das pesquisas educacionais, das teorias sociais, antropológicas, e cuidados na primeira infância visam fornecer subsídios para
históricas, culturais, geográficas e as estruturas políticas con- que, no caso do nosso o poder
temporâneas. Argumentamos que dentro e entre essas posições, a todas as crianças o rnelhor começo para o mundo de amanhã,
o conteúdo, a coerência e o controle do currículo são vistos de ou seja, são a(~Ões políticas que inscreven1 as na lógica do
maneiras diferentes e às vezes opostas. vir-a-ser, concebendo-as como futuros adultos, porém, centrando
Consideramos que algumas dessas lutas contínuas são fun- pouco nas especificidades das crianças no presente.
damentais para explorar as diferentes implicações sobre con1o o A opção por enfocar o futuro das crianças em detrin1ento de
conteúdo, a coerência e o controle sobre o currículo poden1 ser seu coloca ern destaque questões críticas sobre conteúdo,
compreendidos. coerência e controle do currículo por organismos governamentais.
Neste sentido, fazer perguntas críticas à BNCC para a A teoria do currículo na Educação da infância continua, certo
Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental é um rnodo, "subdesenvolvida", em devido à influência teórica
esforço necessário para desenvolver quadros teóricos alternativos Desenvolvimento biologista
para o entendimento das maneiras pelas quais o currículo pode
ser considerado juntamente com a pedagogia, a avaliação, o ato
de brincar, a aprendizagern, e os cuidados para corn as
pequenas e muito pequenininhas, com as formas de ensinar e
aprender no ensino fundarnental, com as possibilidades amplas
de alfabetização e letramento das crianças a partir dos 6 anos nos
deidade. . coberta, exploração e
Embora estas lutas pelo controle de decisões políticas so- laissez-,fi7ire, con1 n1enos a experiências os conheci-
bre a educação de infância tenham historícarnente focalizado rnentos delas en1 torno quais os currículos para
diferentes ideologias, teorias e abordagens, as influências tnais a ser mente construídos e os resul
recentes emanaram de discursos políticos que operam a nível articulados.
nacional e supranacional, corno, por exemplo, as Uli'JL.L.!i"'h~•\.11:::,., A natureza e o lugar lar na
os programas Brasil Carinhoso, Farnílla Fortalecida e no
104 CURY e REIS o ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 105

final da BNCC, especificamente na medida em que as crianças mais detalhadas, com o argumento de que se sentem incapazes
pequenas podem e devem se envolver com assuntos, conceitos de elaborar suas próprias propostas curriculares. Para a autora,
e decisões sobre o currículo conforme demonstra o estudo de estados e municípios se desobrigam de debater e produzir suas
Malleta (2017t ainda que haja significativas mudanças entre a próprias proposições curriculares.
primeira e a terceira versão da base. Além disso, os processos Embora existarn muitas definições para o currículo para a
de aprendizagem são vistos como mais irnportantes do que infância, todas elas incluem o conceito de metas e planos para as
conteúdo ou resultados numa faixa etária em que a base para a crianças adquirirem habilidades, con1petência e conhecimentos
construção dos conhecimentos é a experiência. através de atividades, experiências e oportunidades, ao 1nodo
Nesse sentido, a teoria do currículo tem sido, de certo modo, neoliberaF 6 . Nesse aspecto, a BNCC não é diferente, apesar dos
"fraca" em relação ao desenvolvirnento infantil e às teorias intensos debates e da sociedade civil organizacia para
pedagógicas, o que se expressa de forma mais clara no texto a constituição de uma base den1ocrática e histórica, social e cul-
final da BNCC. Em contraste, dentro dos quadros de políticas turahnente referenciada.
contemporâneas, a terceira versão da base, enquanto docurnento Na vertente neoliberaJ, um dos pesquisadores 1nais requisita-
de controle dos conteúdos e das práticas pedagógicas para a dos na atualidade, sobre tais investimentos na prüneira infância,
infância, tornou-se o local através do qual conteúdo, coerência é o professor da Universidade de Chicago, Jan1es Heck111an. Ao
e controle estão sendo articulados, como u1n meio de alinhar a ser perguntado por os estímulos nos prirneiros anos de vida
política de educação obrigatória, isto é, a partir dos 4 anos de decisivos o sucesso na idade adulta, ele respondeu:
idade, e assegurar que as crianças atinjam metas educacionais e "É unta se desenvolve etn velocidade
de prontidão escola1~ que, por sua vez, contribuem para objetivos tetn urn enorme poder
econômicos e sociopolíticos de longo prazo.
Na educação e cuidado da prüneira infância, por exern-
plo, a palavra currículo significa coisas diferentes para se essa
diferentes. Pode significar uma filosofia, um programa, uma
abordagem ou um conjunto de 1nateriais e atividades específicos 26. De acordo com I Ltrtwitch (2009) N<'olibcnllismo {> um conceito quc dt>sigrw a
que são comprados como ·u1n currículo '' en1 caixa", ou seja, algo adaptaçilo dP~> pt incípios do libcrillismo cl;íssico cxigôncias de urn modelo de Fstado.
Este lermo foi utiiL'.<Hio em du;1s difnenll's com dois significados scnlclh<llll<'s,
que prefeituras tendem a adquirir e implantar em suas
porém distintos: a) na prinwir<l ml'l<ldc d1J s(ntlo XX, significou <1 doutrina prnposta por
de ensino de modo ünpositivo, ou ainda há a irnposição de ccononlisios fr"<lllet'scs, atcmiics nortc-anwric;mo~; voll<1dd para a <Hhpl<lÇÜO dos
do libcra!isrnu cl;)s,<;ico .'1s cxig•;ncias de um Est.rdo rcgubdor <' <lssistcncialista; b) a
um padrão nonnativo baseado nos parân1etros curriculares, e,
dn d(·cmln de 19(,(), passou il a doutrin<l l'conômk<l que dcfcrHit• <1 absolul;l liber-
atuahnente, a ilnposição da BNCC de fonna descontextualizada dade de rnerccKlo e uma rcstri1,'i\o i1 intPrvençiio PSI.Jtal sobre a <:'conomio~, dev<•ndo esta
e acrítica. Lopes (2018) atenta o fato de que entes federados ocotTCI crn setores c aind,1 ;1ssim num mínimo (min<mptia). (\ ncsst'
'""",.'"'""' ~cnlido que o ll'rmo 0 mais usado hujc !'111 dia. sobre último que
demandam do Ministério da nos nc'ferimos m•st<· estudo.
106 CURY • REIS • ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 107

sucesso cairão; se ela for sólida, vão disparar na mesma propor- domínios de desenvolvimento físico, psicológico, social e cultural
ção. Em vista de suas afirmações, Heckman defende a ideia de são apoiados. Esses profissionais que fornecetn atividades e ex-
oferecer estímulos às crianças desde muito cedo. periências que integram todos os domínios estão lidando com
Heckman realizou estudos longitudinais a partir da primei- as necessidades da "criança inteira". O trabalho de professores
ra infância até a vida adulta, especialmente no que se refere à (homens e mulheres) desde a Educação Infantil, que consiste
qualidade da educação oferecida já na primeira infância. Nesse em pensar o espaço adequado às crianças, às suas brincadeiras,
caso, em particular, ele procurou compreender a diferença na é planejar e reconhecer o aprendizado que está ocorrendo nas
vida futura de crianças que tiveram a oportunidade ou não de atividades lúdicas, no de conta, nas e nos
ter acesso à educação integral, na qual as habilidades socioemo- conhecimentos sisten1atizados a elas oferecido a partir dos seis
cionais, como colaboração e abertura ao novo fazem parte do anos de no que se a conceitos matemáticos
cotidiano escolar. Ele chegou a várias conclusões, entre elas, que elaborados e aos processos de letramento. Proporcionar urna va-
crianças que tiveram as habilidades socioemocionais trabalhadas riedade de experiências e oportunidades, que são acessadas por
tneio de diferentes sisternas de distribuição, como livre escolha,
na primeira infância têm 35°/o menos chances de ter probletnas
atividades para pequenos grupos e grupos grandes, buscando
prisionais na vida adulta. Ele tatnbém verificou que essas crianças
satisfazer as diferentes necessidades das crianças. Sobre esses
têm ainda 44°/o maiores chances de concluir a educação básica.
aspectos do cotidiano, a BNCC é lacunar, incluindo afirmações
Porém, seus estudos não oferecem pistas sobre a superação
genéricas e autoexplicativas, como por exernplo
das desigualdades sociais, nem sobre subordinações sociais de
a ideia de cuidar e ou ainda, a ideia de
classe, gênero, etnia, geração, entre outras, o que conduz a urn
periência 1 te desenvolvidas,
modelo de educação que protege o rico e disciplina o pobre para
urna
a submissão.
do
de
tanto o currículo quanto a
pedagógica Educação Infantil e os cuidados
uma
rnomento en1 que a entra pela porta da creche ou r1f'1'3 -~'H-'-
cola, trazendo consigo un1a soc1ocultural e histórica, que
precisa ser considerada. rotinas diárias, fornecer condições
As crianças em condições adequadas de saúde, alimentação adequadas seu pleno desenvolvilnento cotno sujeitos
e proteção estão frequentemente ansiosas para aprender e ex- direitos, de
perhnentar coisas novas. atividades cotidianas consistem
em brincar, experimentar e aprender. Profissionais de educa- is
ção básica sabem que as aprendem quando todos os
108 CURY • REIS e~ ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 109

Ao compreendermos essa especificidade/ entendemos que incapazes de expressar a complexidade do conceito de Bildung,
a educação de infância não se concretiza com a in1posição de são, no rnáximo, reproduções mecânicas dele. Para as Ciências da
um currículo mínimo padronizado, mas na indissociabilidade Educação, é constitutivo o princípio que afirma que a educação e a
da tríade pedagógica educar-formar-ensinar. Bíldung têm cmno objetivo a autonomia do sujeito, o que equivale
a afinnar que a motivação que orienta o conhecimento nas Ciências
da Educação é a emancipação.

de foi
te por Wolfgang Klafki (1976, apud Gur-Ze' ev, 2005) e difere da
O legado do pensamento crítico possibilitou refletir sobre ideia básica da geisteswissenschaftliche Piidagogik, tmnbém conhe-
a educação de infância na sociedade capitalista do pós-guerra, cida cotno uma defensora da autononüa individual. Seguindo
cujas bases de teorização auxiliam a compreensão de fenômenos essa orientação de pensmnento, o conceito de autonomia está
educacionais contemporâneos, apresentando um importante po- relacionado unicatnente ao sujeito singular capaz de pensar por
tencial pedagógico, por meio de conceitos fundamentais, dentre si mesmo sem a condução de outrem, enquanto que, no â1nbito
eles o conceito de esclarecimento, desenvolvido por In1manuel da Ciência Crítica da Educação, a Bildung à sociedade
Kant (2011), o conceito de form_ação, conforme definido por co1no um todo.
Theodor Adorno e Max Horkheime1~ o conceito de experiência Para a Teoria as atitudes dos indivíduos e suas
conforme desenvolvido por Walter Benjamin, entre outros. regulamentos, norn1as e tnonopólios, sejam
No pensatnento de Adorno e Horkheimer (1985) o esclare- corporativos ou desenvolvendo nos indivíduos
cimento (Aufklarung) somente é possível a partir da Fonnação, Halbbildung, isto é, a
entendida con1o Bildung, constituindo an1bos (Aufkliirung c Tal entre a
Bildung) os conceitos fundan1entais da Teoria Crítica, cujo registro e os
encontra-se na Dialética do Esclarechnenlo (Dialeklik der Auflclânmg). Erlebcn (vi no sentido ano), Erlebn is (vivência)
De acordo com Reis (2015, p. 72): E1farung (designa etn oposiçflo a Erlebnis), r'IDL''"_L_

volvidos por Walter Benjatnitn, itnportantes para a


O conceito de Bildung (formação) teve origem no século XVIII, na da experiéncia conten1porânea educação de infância.
língua alemã. A palavra Bildung não possui equivalente em outras
Tal se u quando considermnos que essa
línguas, e esse fato torna mais complexa a compreensão desse ccm-
relação é condicionada pelos imperativos
ceito. Essa particularidade do conceito pode ser percebida quando
buscamos palavras semelhantes em outras línguas: em a
tes utn projeto político no
palavra mais próxima seria fornwtiun; em~ inglês, seria fonnalion. Po- à do
rém, de acordo com Adorno e ldorkheimer (1985), esses termos são neste texto.
110 CURY • REIS • ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 111

Tomemos de início o conceito de Pedagogia Negativa, crítica adequada à análise da educação de crianças no âtnbito
conforme formulado por Gruschka (2004). O adjetivo "negati- do capitalisn1o contemporâneo.
va" que segue o substantivo Pedagogia indica uma negação às Para tanto, a noção de experiência,. presente na BNCC, é de
pedagogias vigentes, normativas, de caráter prescritivo, isto é, suma importância para a compreensão do desenvolvimento de
configura-se como um conceito capaz de colocar em questão toda uma pedagogia que pretende formar utn tipo específico de homem
o pensamento pedagógico hegemônico, oferecendo uma crítica dinâmico, criativo e autorrealizado, enfatizando em sua formação
a ele. O autor analisa a Pedagogia Negativa como aquela capaz a experiência. CJ tratan1e11to teórico possibilitado pela teoria da
de analisar, a partir da Teoria Social e seus métodos, a e pela teoria social crítica, nos rernete a
teoria e a prática da educação. O tenno educação aqui define ret1exões sobre os conceitos de vivência e experiência, não co1no
a estrutura e o campo de pesquisa, baseada na reconstrução nônimos, n1as como conceitos ora cotnplementares, ora divergentes.
teórico-prática; a pedagogia negativa se aterá à crítica da ideo- Analisar o conceito benjan1iniano de experiência (E1jàhrung)
logia presente na relação ensino-aprendizagem, e nos interessa, pressupõe fazê-lo em oposição ao conceito de vivência (Erlebnis).
sobretudo, a denominada antipedagogia, isto é, a renúncia de O termo vivência (Erlebnis), na acepção benjaminiana, origina-se
toda a pedagogização, explicitada no conjunto de nonnativos do verbo alemão Erleben, que significa estar vivo quando um
regulatórios da BNCC. fato acontece (Benjamin, 1991; 2016). Requer a presença e
Alguns exemplos de Pedagogia da Negação percorrem a o testemunho ocular a um evento. A Erlebnis contém, por um
história do pensatnento pedagógico ocidental. O autor cita, por lado, a provisoriedade do Erleben, do vjvet~ do estar
exemplo, Sócrates e sua recusa em ensinar algo dado de antemão. por outro, o se (Konder, 1998)
Rousseau (1996) con1 o Emílio propõe uma nova pedagogia, do evento e a duração do t-oc,l·o•-.,
portanto uma pedagogia da negação: "A prüneira educação do ato
deve ser, portanto, puramente negativa, ela não deve ensinar à 2008) Erlehnis
criança a virtude e a sabedoria, senão proteger seu coraçé1o elo sua
vício e sua n1ente (razão) do erro" (p. 40). Gruschka (2004; 2009) prática, sua cotidianidade, é a que ser
reforça a ideia da atua1idade da teoria da sen1iformação, conceito assin1ilada efeitos in1ediatos.
que nos auxiliará na análise da pedagogia implícita na BNCC. O ho1nen1 moderno v sen1 laços co111 o passado,
Vislumbramos, portanto, as profundas transformações so- subjugado pelo excesso de apelos a sociedade de consurno
ciais, políticas, econômicas e culturais que 1narcaran1 a segunda presentes na atual
metade do século XX, período em que se desenvolve um modelo na qual a velocidade ao
específico de escola da infância e sua pedagogia, os quais rncnto, não havendo L.,.,u~,, a n1en1óría (Reis c 2016).
sistem até o início do século XXI. Os procedimentos teórico-me- Jci E1jah rung é o un1a
todológicos adotados permiten1 apontar os requisitos se acumula, que
112 CURY • REIS • ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 113

"como numa viagem". Observamos que o sufixo fahren em alemão


designa a ação de viajar. Assim, o sujeito integrado numa comu-
nidade dispõe de critérios que lhe permitem ir sedimentando as
O estudo empírico relativo ao fenômeno educativo/ fun-
coisas com o tempo. Significa o modo de vida que pressupõe o
damentado na teoria crítica, apresenta possibilidades analíticas
mesmo universo de linguagem e de prática, associando a vida
capazes de colocar em destaque que, subjacente a um modelo
particular à vida coletiva e estabelecendo um fluxo de corres-
que se pretende den1ocrático, inclusivo e abrangente, está, na
pondências alimentado pela memória.
verdade, um modelo de formação herdado do neoliberalismo 27,
Na modernidade/ no entanto, corn o advento da técnica
que apenas reforça o status vigente e produz a senüformação
científica, experiência significa prova, de1nonstração, tentativa ou
de crianças de O a 10 anos de idade. Para Adorno e Horkheüner
ensaio (Konder, op. cit.). O que equivale ao processo de experimen-
(1991, 2010) a ide ia de sen:1iformação é constitutiva da
tação enquanto método científico que consiste em observar um
reprodução da vida sob o monopólio da denominada cultura
fenômeno natural, sob condições determinadas, usando aparatos
de massa, e apresenta-se como a objetificação coisificada, isto
ou instrumentos que permitam aumentar o conhecimento que
se tenha das manifestações ou leis que regem um fenômeno, o é, a reificação do sujeito. modo, os dois filósofos aletnães
que nos remete à dimensão tecnicista similar ao funcionamento compreendem que as "massas" são senliformadas de maneira a
mecânico do relógio; no entanto, para Benjamin, a experiência confirmar a reprodução continuada do vjgente con1o cópia pela
não se esgota na apreensão cognoscível do pensamento racio- indústria cultural. Leo Maar (2003) afinna que:
nal. Matos (1989, p. 53) reafirma essa noção ao defender que a
tradição em Benjmnin cor responde à "unidade de um agora que Para Adorno nüo bast8 examinar tnr•-n·-'"''"

contém o 'absolutamente presente'- como sendo unidade do tais como se verificam níl sociedade
presente, do futuro e do passado". tendo con1o referência o contexto de ·~·"·""··~~'"
",,..,,, "',-. ...,, soei a l em sua dialética
Tornada de forma apressada pela BNCC, expenencia e
histórica. Cultura e ser examinadas foríl do ilmbito
tratada co1no episódica, e se asscn1elha a utna escada em
estritamente cultural ou definidos na sociedade, para serem
cada sujeito avança na aquisição de conhecimento, nutn processo
~u''f'.."''· .. ''''
no plano da própria produção social da sociedade ern sua
crescente de acúmulo de. conteúdos fonnais. Nessa perspectiva,
fonna determ.inada. A v ia de acesso ao essencialt'' o processo de
a ideia de progressão e sedünentação está colocada às criancas
sua reprodução em sc·u aparecer presente. (p. 471)
desde a tenra idade até o quinto ano do ensino fundm11en;aL
quando as exigências quanto à alfabetização se contrapõen1, ou,
em certa medida, anulatn o letrmnento, constituindo assün su--
jeitos semi formados desde a infância. Analisamos que os modos to
pelos quais a BNCC foi construída reforça esta ideia de
socializada. 27. Sobre o Ncolibcr<1lismo vide nota
BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 115
114 CURY • REIS • ZANARDI

determinada situação social educacional. Refere-se a uma forma filosofia e sua adequação ao presente, conforme destacou Adorno
ordenada da sociedade contemporânea determinada conforme (1983a). Na década de 1930, os esforços de Benjamin para o de-
certo modo de produção social dos homens, e somente nesse âm- senvolvinlento de uma teoria n1aterialista dialética, orientada
bito pode ser adequadamente apreendida. A partir da teoria da politicamente, demonstrou ser um estímulo importante para a
semiformação podemos refletir de forma crítica sobre os problemas chamada "Escola de Frankfurt". Benjamin influenciou sobrema-
da educação contemporânea de modo geral e de modo particular neira as orientações teóricas da Teoria Crítica, cotno inspirou a
a educação mineira, por meio de categorias desenvolvidas por arte e mobilizou intelectuais, artistas, ensaístas e teatrólogos.
Adorno que têm como eixo central de discussão o processo de De acordo com e Borges (2016) originalmente recebidas
decadência cultural, e suas consequências para as novas gerações. no contexto da teoria literária e estética, a profundidade filosófica
A importância deste estudo, portanto, situa-se na possibilida- e atnplitude cultural do pensairtento de Benjanün só recenternente
de de aprofundar conhecimentos sobre proposições curriculares con1eçaran1 a ser totalmente apreciadas en1 diferentes campos do
dirigidas à formação de crianças, a decadência da formação e conhecimento, dentre eles a sociologia e ern especial nos estudos
consequentemente a primazia da semifonnação. Para tanto, uma a respeito da infância. Decorrente da envergadura de sua obra,
pesquisa desta natureza requer antes a compreensão do concei- seu trabalho continua a ser un1a fonte permanente de produção
to de formação, subsídio funda1nental para a reflexão sobre a intelectual e base para elaboração de novos conhecimentos.
semiformação. autoras destacan1 as teorizações de Benjamin concernentes
à infância, aos aos métodos de investigação por
para guc
no âtnbito

cultural.
A obra
Tomamos nestas reflexões os destacados estudos do filósofo tem contribuído o n1en to filosófico
alemão Walter Benjamin, e suas contribuições para se pensar buiçôes no da educaçilo tnodo geral, e em rticu lar

os conceitos de experiênCia e os fundamentos da educação de os e filosóficos que a consol i-


crianças pequenas. Sua importância como filósofo e teórico crítico dação dos estuclos no catnpo educação das
pode ser aferida pela diversidade de sua influência intelectual sibilitado. e aforisrnos
e a produtividade contínua de seu pensan1ento. PrincipaLmente a
considerado co1no pensador critico e ensaísta, o conteúdo filo- conjunto teórico cuja para a
Do n1esn1o rnodo, suas
sófico de seus escritos é cada vez 1nais reconhecido, consistindo
na Rua de L1nica utn
ntuna influência decisiva sobre a concepção da realidade
116 CURY e REIS • ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 117

a teoria cultural e os conceitos filosóficos da modernidade e da às experiências educativas na infância, entendida como a faixa
percepção que construímos sobre as novas gerações (Benjamin, etária de O a 10 anos de idade, nos deparamos cotn ideias de
1979). A compreensão de Benjamin sobre a educação tem sido habilidades e con1petências as quais contrastam com a noç2to de
uma fonte duradoura de reflexões teórico-metodológicas para experiência que vimos defendendo.
uma variada gama de pensadores filosóficos recentes; no entanto, Assiln encontramos um campo consideravelmente fértil
Jessop (2013) analisa que apesar do legado de Benjamin para a de teorizações capazes de fornecer pistas à compreensão do
compreensão do universo infantil, ele tem recebido pouca aten- conceito de experiência e suas implicações para a educação das
ção em trabalhos sobre a infância e, em estudos mais amplos de no v as gerações.
Benjamin, a infância recebe apenas um olhar difuso.
Em Experiência c pobreza (1996), Benjatnin disserta sobre a
perda contar histórias e corn
ensinamentos n1orais através do intercâmbio de experiências-,
que segundo ele se deu pela dissolução dos vínculos familiares e
o na
pelo etnpobrecimento experiências comunicáveis da população.
O filósofo alemão prossegue afirrnando que a Primeira
Por meio dos estudos de Reis e Borges (2016) e Reis e Gotnes
Guerra Mundial, com a exacerbação da mecanização e da racio-
(2015) reconhecetnos a preocupação de Benjamin com o delinea-
nalidade com bélicos, os combatentes voltaram taci
mento de uma experiência imediata, uma vez que ela é valiosa
por fornecer uma descrição temática e un1a oposição conceitual
aos modelos centrados no idealismo racionalista, cujas bases con-
ceituais são trabalhadas ao longo de toda a sua produção intelec-
tual. Como vimos anteriormente, Benjamin explora os conceitos
de experiência e vivência, os quais podem ser res
ou não. Consideramos que suas contribuições são fundamentais mais radicalmente
para a compreensão da educação de infância, contetnporânea; que a pela guerra de trincheiras, a C\Vt-,üt~IÔ110<'I Cl
sobretudo vislumbramps sua relevância para compreender o do corpo pela fonH', a expe~

esvazian1ento do conceito de experiência constante na BNCC. riência moral pelos (Benjamin, 1996, p. 115).

Revisitando as elaborações teóricas de Benjamin,


que elas contrastam com os vazios, sem espírito, isto é, Geistlosen,
das "experiências" apenas acumuladas ao longo de uma vida,
Erlcbt, e o tipo privilegiado da que é preenchido com
conteúdo significativo por meio do contato cotn a
imaginação pueril. Ao analisarrnos a no
118 CURY • REIS • ZANARDI 119

processo de reificação dos sujeitos e de suas relações inter-


pessoais também contribuiu para a dissolução dos vínculos
familiares. O autor questiona que con1 a perda do vínculo
entre os indivíduos e o patrimônio cultural a partir das expe-
riências, a humanidade como um todo ficou mais pobre não
só de experiências transmissíveis, mas também culturalmente.
Esse contexto leva a um novo conceito de barbárie - o da
pobreza de experiências transmissíveis.
No ensaio A linguagem geral e a linguagem~ do homem, Benjatnin
oferece, ainda, uma concepção que define a experiência de modo
amplo, incluindo a percepção, que segundo ele é essencialmente
linguística, e que toda a linguagem humana, incluindo a escrita
que geralmente está associada a mera convenção é em verdade
essenciahnente expressiva e criativa. Considerando que a BNCC se situa na lógica do capital e
Em seus primeiros ensaios, a linguagem é privilegiada co1no traz urna determinação curricular tecnicista, individualista e
um modelo de experiência justa1nente porque mina e transgride meritocrática que responsabiliza os sujeitos da escola pública
as divisões e limitações que o modelo positivista impôs à menta- qualidade educação.
lidade ocidental, incluindo aquele fundamental que distingue o
sujeito do objeto de sensações. Se mnbos são constitutiva1nente
linguístico e linguagem, serve como um rrteio de experiência
que liga o "sujeito" e "objeto" cn1 uma relação mais profunda.
Em certa n1edida, Benjamin rejeita o sentido "hipócrita" da se-
paração kantiana entre con1preensão e sensibilidade com base
em uma noção vazia e puramente forn1al da razão pura, o que
pode apenas ser postulado de acordo con1 o concreto, isto é, co1n atuan1 nas redes de
o conteúdo estético da linguagem. Considerando que
Ao cotejarn1os as reflexões de Benja1nin com as disposiçôes proporcionen1 articular essa
da BNCC, concluúnos que a línguagen1 se sobrepõe e problen1a
diferentes de das crianças e jovens, social e ao
não apenas o etnpobrecünento dos jovens
como dos próprios
120 CURY • REIS • ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 121

entre oprünidos I as mediados pelo mundo que possibilita a dos estudantes e também sobre o medo que têm das formas padro-
superação da opressão, passamos aos seguintes fundamentos nizadas (Freire; Shor, 1986, p. 49).
freirianos na tentativa de contribuir para o debate curricular em
um mon1ento que habemus currículo nacional, a BNCC. Para Freire, o educador progressista não pode sonegar esse
Tetnos no horizonte que Paulo Freire não se debruçou dire- conhecimento-padrão aos alunos. Na Pedagogia da Esperança
tamente sobre uma teoria curricular, mas é inegável sua contri- (1992/2005b ), Freire faz uma defesa da transição da curiosida-
buição a partir de suas problematizações em relação aos saberes de ingênua para a criticidade como fator fundamental para a
e conhecimentos. Desde a Pedagogia do Oprimido (1968/2005a), etnancipação dos educandos.
publicada em 1968, temas geradores, conteúdos progran1áticos Sob u111a perspectiva freiriana, não há o desprezo ao conheci-
e ação dialógica passam a influenciar teorias curriculares, espe- mento acutnulado historicamente, mas un1 cuidado den1ocrático e
cialmente as críticas. A concepção de Freire (1996; 2005a; 2005b ), dialógico na construção da proposta curricular. A problematização
em relação ao conhecimento, valoriza a realidade concreta dos e a horizontalização das relações são fundamentos de utn diálo-
sujeitos, como ponto de partida para uma construção dialógica go que se pretende emancipatório em un1a proposta curricular.
com os conhecin1entos científicos tratados por ele como conhe- Con1preender a BNCC e sua proposta de currículo nacional
cimentos-padrão. Em obra escrita com. Ira Shor, Paulo Freire a partir de é, rejeitar que a escola, os
sintetiza com precisão sua concepção: cadores e os educandos tábulas rasas e serão reprodutores
habilidades e selecionados a priori.
O chamado "padrão" é um conceito profundamente ideológico, mas
é necessário ensinar a sua utilização enquanto se critican1, também,
suas implicações políticas. Agora, a questão é a seguinte: sabendo por desconhecer os homens como
de tudo isso, terá o professor libertador o direito de não ensinar as matizadora exatamente do carMer histórico e da historicidade
fonnas padronizadas? Terá o direito de dizer: "Sou um revolucionário, dos homens. Por isto mesmo é qm' os reconhece como que cslr1o
portanto, eu n5o ensino o 'bom' inglês?" Não. Do meu ponto de vlsta, como seres inacabamentos, inconclusos, em co/lt uma t'C<llidt:lde
o educador deverá tornar possível o domínio, peJos estudantes, do que, sendo histórica tambérn, é igualmente inacabada. (2005a, p.
inglês padrão, mas- e aqui está a grande diferença entre ele e outro
professor reacionário-- enquanto o professor tradicional ensina as
regras do inglês de primeira (risadas), ele acentua a do.minação dos É rio rejeitar utTia e111 que o Eu conhece e 'TIL
estudantes pela ideologia elitista, que está inserida nessas regras. O não conhece. A lógica ho COl1l
professor libertador lhes ensina a forma padronizada, para que pos- a
sam sobreviver, discutindo com eles todos os ingredientes kleológicos
dessa ingrata tarefa. Você está vendo? Acho que é dessa forma que
os professores podem refletir sobre o medo que eles têm da rejeição
122 CURY REIS o ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 123

Uma percepção libertadora de currículo se desenvolve a existência humana e sua proposta transformadora se realiza
na relação Eu- Tu mediada pelo mundo (Freire, 2005a), ou pela possibilidade de se dizer a Palavra.
seja, Educando-Educador (professor-aluno) são mediados pelo
mundo vivido com suas experiências e saberes. Um mundo A existência r porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem tam-
onde o conhecimento I competências contidos na BNCC não se pouco pode nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras,
constituem em um a priori. São hipóteses de trabalho que serão com que os homens transforn1am o mundo. Existir, humanamente,
ratificadas/retificadas através do diálogo. A participação dos é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua
conhecimentos acumulados selecionados pelos especialistas vez, se volta problernatizado aos pronwzcíantes, a deles
(BNCC) deve se fazer presente nessa relação quando e somen- novo pronunciar. (Freire, 2005a, p. 90) .
te quando oferece explicações para a proble1natização que se
estabelece nesse diálogo. É pela pronúncia da Palavra que se efetiva o e1npoderamento
Não há a rejeição à BNCC, mas é lançado um olhar crítico que se constitui na conquista que ocorre a partir do educando e
para suas possibilidades de explicações do mundo problematiza- não como algo que lhe é doado.
do em sala de aula. A BNCC não é o mundo desvelado que faz A Pronúncia e a Leitura da Palavra não se dicotomizam
a mediação na relação Eu·- Tu, tnas tão somente mais uma seleção Leitura do Mundo, co1110 explica Freire:
interessada de explicações.
O currículo nacional se insere na tradição seletiva do conhe-
O que que eu quero dizer com dicotomia entre ler as e
cünento escolhido para ser transtnitido às gerações futuras. C)
ler o mundo? Minha é que a escola está aumentando a
conhecitnento selecionado é revelador do que os alunos podetn distância entre as que len1os c o mundo em que vivemos.
se apoderar e do destaque que sua cultura ou seu n1odo de vida Nessa dicotomia, o mundo da leitura só o mundo do de
possui na sociedade ou na escola. Michael Apple (1997) explica um mundo fechado, isolado do mundo onde vivemos
que o conhecilnento se encontra inserido etn lutas extren1amente üv•·u..n·•·c"-""'ê"" scJbre as quais não lemos. Ao ler palavras, a escola

complexas que envolve1n a definição de quem tem o direito de torna um lugar que nos t>nsina a ler apenas as lavras da
"nornear o mundo". Visív~l, por esse caminho, que a valorização escola'', e nào as "palavras da realidade". O outro mundo, o mundo
dos fatos, o rnundo díl vida, o mundo no qual. os eventos estão muito
da Palavra dos alunos e da comunidade é um componente in-
vivos, o mundo das lutas, o mundo da discriminação e da crise eco-
dispensável do currículo escolar.
nômica (todas essas coisas estão aí), não tem contato algum com os
O empoderatnento pelo conhecimento nem é o conhe- zllunos na escola através das palavras que a escob que eles leiam.
cünento aos outros, como ato de prescrição que subtraí a palavra Vocf' pode pensar nessa dicotomia como uma espécie de "cultura do
dos demais (Freire, 2005a). Daí a necessidade de compreensão silêncio" aos estudantes./\ leitura da escola mantém siléncio
de que o conhecimento deve ir para além do prescrito por es- a do mundo da (' o mundo da nvnnt•ii->t"lr'll':t
pecialistas, pois essas se pelo monólogo e silenciado sem seus textos críticos '"w" ............ c
125
CURY • REIS ZANARDI BJI.SE NACIONAL COMUM CURRICULAR
124

tanto 0 basismo quanto o elitismo são sectários, pois presos à e


Numa acepção freiriana, o empoderamento não se relaciona
em sua verdade, tornam-se incapazes de ir além de si mesmos.
com a ideia de aquisição individual de competências e habilidades
E é nessa obra, a Pedagogia da Esperança, que Freire (2005b) rejeita
como Young traz en1 sua concepção de Conhecimento Poderoso. Em
a mistificação do saber popular e atribui a acusação às leituras
Freire (2005a), empoderar-se é ton1ar posse do real, tomar posse
malfeitas feitas de seu trabalho por quem o leu mal, inconlpe-
de suas vidas e consciências num processo de libertação que de-
senvolve em uma relação dialética homem-rnundo. A construção tentemente, ou não o leu.
do conhecimento tem por base, nessa acepção, o diálogo entre O que deve se indagar a partir das concepções de currículo
sujeitos mediados pelo mundo vivido. Educadores e educandos nacional: não seria no mundo vívido que o currículo escolar
colocam-se como sujeitos cognoscentes em razão de seu inaca- encontraria 0 seu sentido e possibilitaria o etnpodermnento dos
bamento e de um mundo que está em processo. A seleção de sujeitos seria o conhecirnento contextualizado
conteúdos por especialistas distantes dessa realidade revela-se efetivamente potencializador para tomada de posse do real? E/ por
alienadora dos sujeitos em processo de conhecimento e despreza fim, não deveria os conhecimentos derivados da curiosidade dos
o mundo vivido e sua possibilidade de transformação. Não há educandos e educadores fazerem parte do currículo escolar? Para
desprezo pelo legado cultural já construído, co1no explica Freire responder a essas questões, necessário, primeiran1ent~, distingu~r
ao abordar papel dos saberes populares na educação escolarizada: que ao carrear para o currículo escolar apenas conhecimentos di-
tados por "especialistas" acaban1os promovendo o
curiosidade
do conhecilnento a ser escolarizado/ a castração
Respeitar esses, de que falo tanto, para ir 1nais além deJes, jamais
do o seu
poderia significar - nun1a leitura séria, radical, por isso crítica, eo
sectária nunca, rigorosa, bem-feita, competente, de meus textos
dever ficar o educador ou a educadora aderida a eles, os saberes de
experiências feitos. O respeito a esses saberes se insere no horizonte JS Zl certeza cl o
do
tnaior em que eles se geram- o horizonte do contexto cultural, que ) , ,. c'"'() lr'·rll'tt?t' Ctli"I.()S't'cladc do aluno, a SUa
sor. [ or tsso c· .. co
não pode ser entendido fora de seu corte de classe, até mesmo en1 o n•'t"tnCW{\t' autorihírio limita a sua também. Muitas
sociedades de tal fonna complexas em que a caracterização daquele por outro ladn 1 a que o aluno 1 livre para faz
corte é menos facilmente apreensível. O respeito, então, ao saber um tema, pode colocar ao ·~···~~, .. ,./,.. urn ângulo diferente, do qual
popular implica necessàriamente o respeito ao contexto cultural. A • .1 • uma rdlex8o mais crítica.
lhe será possível aprohtnu<H rnms
localidade do educando é o ponto de partida para o conhecimento
(Freire; Faundcz, P·
que eles vão criando do mundo. "Seu" mundo em última análise
é a primeira e inevitável face do mundo mesmo (2005b, p. 86-87).
o único se

Cotno se depreende, não há rnistj fie ação da experiência, nen1


do senso coJntun no pensmnento freiriano. Para (2005b), é
126 CURY "' REIS "' ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 127

manipulada. Ela se faz em nome de questões preestabelecidas Devernos sim construir uma concepção de currículo
pelo currículo, levando todos a "desaprenderem''a perguntar. n1etida co1n a realidade vivida e, portanto, faz-se
apresentar cotno, numa acepção freiriana, o currículo
Conforme Faundez,
limita aos conteúdos eleitos por "especialistas" e, tmnbén1, como
a experiência está além da motivação na busca pelo A
(... ) o professor deveria ensinar - porque ele próprio deveria sa- dicotomia e o sectarisn1o estabelecidos na concepção curricular
bê-lo- seria, antes de tudo, ensinar a perguntar. Porque o início do
unificada dificultan1 perceber o papel do contexto na construção
conhecilnento, repito, é perguntar. E somente a partir de perguntas é
que se deve sair em busca de respostas, e não o contrário: estabelecer
e estático, nào pode desprezar o contexto vivido. Sua função é
as respostas, cmn o que todo o saber fica justmnente nisso, já está
dado, é um absoluto, não cede lugar à curiosidade nem a elementos o diálogo entre os científicos e o tnundo vivi-
por descobrir. O saber já está feito, este é o ensino. Agora eu diria: do, pois será na comunidade, onde a escola está inserida, que o
"a única maneira de ensinar é aprendendo", e essa afirmação vale- conhecimento fará sentido. Apesar da con1plexidade do diálogo
ria tanto para o aluno como para o professor. Não concebo que um entre os saberes, a leitura do n1undo e a leitura da palavra não
professor possa ensinar sem que ele também esteja aprendendo; para podem ser dissociadas no projeto curricular da escola, sendo
que ele possa ensinar, é preciso que ele tenha de aprender. (Freire; a categoria lema gerador de Paulo Freire uma fcrran1enta
Faundez, 1985, p. 46). a construção de u1n currículo que possibilite un1 Conhechnento
Contextuali'zado e o etnpoderamento dos sujeitos
A curiosidade e a pergunta guardam, em urna perspectiva
freiriana, estreitos laços corn o diálogo e a problematização do a
conhecimento. l2 no encontro entre os sujeitos em processo de
humanização que a educação se realiza.
Ao desprezar o currículo como produto acabado, é rejeitada
a ideia de urrt processo educativo percebido como doação ou
ilnposição. O diálogo freiriano implica un1 pensar crítico que o reconhecimento
desafia a pronúncia do inundo e un1a educação mediatizada suas partes,
por este mundo. ta n1bérn a efetivoção probiernotizadorZI, con1o
ossevera (2005a).
a l'riori ser
A educação autêntica, repitamos, não se faz de A para B ou de A
sobre B, mas de A corn B, mediatizados pelo mundo. Mundo que da escola son1ert te
impressiona e desafia a uns e a outros, originando visões ou pontos que se
de vista sobre ele. (Freire, 2005a, p. 97). caso, corno
128 CURY • REIS • ZANARDI BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 129

(2005a), a captação e a compreensão da realidade se refazem e técnicas. O objetivo principal é a compreensão e a interpretação do
ganham um novo nível que até então não tinham. Educadores papel de cada educando no mundo. Sua ação se torna mn ato político
porque ela mostra ou ela oculta a realidade. (2008, p. 332)
e educandos passam a perceber que sua compreensão e que a
"razão" da realidade não está fora dela e não se encontram di-
cotomizadas, como se fosse um mundo misterioso e estranho. Por isso, o currículo não pode ser considerado urn produto
O Conhecimento Contextualizado é possível, assin1, por meio acabado e é necessário que a ação docente se funde na ação-re-
da investigação temática. Este se codifica em temas geradores, flexão-ação como forma de se confrontar corn as situações e con-
construídos através do diálogo, e decodifica-se também por meio dições desiguais que caracterizam a nossa sociedade.
do diálogo. O currículo, portanto, deve perceber que para a Lei- docente se caracteriza por um fazer-pensar que não pode ser
tura da Palavra é indispensável a Leitura do Mu11do e constituir-se A ação transforn1adora educação só viabiliza
a partir das teorias e das experiências. corno desveJan1ento da pretensa neutralidade do conhecilnento
A compreensão de um conhecimento que empodera os su- e um enquadramento que valorize a teoria enquanto potenciali-
jeitos para a transforn1ação in di vi dual e a social deve carninhar zadora da superação do contexto social injusto e desigual.
para o fortalecimento da capacidade docente em articular os
conhecimentos, tendo o texto valor dentro de seu contexto. Os
educadores, educandos e contexto são elementos de um sistema
dinâmico que o currículo não pode negligenciar.
A práxis, nos termos de Paulo Freire (2005a), envolve a ação temos o conhecirnento-padrão, ou lo
e reflexão que são indissociáveis, mas que não se confunden1. to
É a práxis que potencializa a transformação, não o verbalismo
sem ação ou ainda o ativismo sem reflexão. práxis educativa com o
en1podera os sujeitos em processo de educação conro LUJ~•"--"AVLLO
como
e pensadores que conhecem e produzen1 conhecimento.
crição a lbadatnente cun1prida, colocamos err1
A educação escolarizada se insere no contexto do encontro os Constituição de 1988 no que diz
entre sujeitos- educadores( as) e educandos( as) n1ediatizados e não discrin1inação. Princí-
pelo rnundo. A práxis educa ti v a se realiza na pronúncia desse pios que se constituern ern de nossa (frágil) dernocracia.
rnundo problematizado e contextualizado.
a
Corno explica Rossato: do cotidiano,

A educação deve partir ela realidade para compreender o homem


e ser posta a seu Não pode ser reduzida a um conjunto de
130 CURY • REIS • ZANARDI
131

Este novo desafio proporciona a necessidade de se renovar a


proposta emancipatória de Freire para valorizar os sujeitos como
senhores da história e não como meros espectadores. O currí-
culo deve contemplar a multiplicidade de relações dos sujeitos
da escola com o mundo. Paulo Freire já indicava a in1portância
dessas relações na efetividade de uma educação humanizadora.
E Ê
Há uma pluralidade nas relações do horne1n cmn o Intmdo. O homem
e smnente o homem é capaz de transcender, de distinguir "ser" do
"não ser" e de travar relações incorpóreas. Na sua capacidade de
discernir estará a raiz da consciência de sua temporalidade, obtida ABdC. Oocwnento produzido pela Associaçi'ío Bmsileirn de Currículo (AJJdC)
precisamente quando, atravessando o tempo, alcança o ontem, reco- encaminhado ao CNE no contexto das Audiências Ptíhlicas sobre a BNCC/2017.
nhece o hoje e descobre o a1nanhã. Homem- mn ser de relações, Disponível em: <http: I /wwvv.anped.org.br/ sites/ default/ files/ images/
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atnbiente escolar o espaço e o tempo para o seu desenvolvilnento.
Janeiro: 985.
A cotnpreensão de que o currículo é u1n produto que possibilita
resultados quantificáveis e padronizados implica em utn redu- Dialcktik der Aufkliirung: Phi Fr<lnkfurt:
cionismo do processo educativo enquanto hun1anizador. S. Fischet~ 2010.

A lógica do capital é a lógica da certeza da 1neritocracia.


Por isso, a escola precisa inverter essa lógica para que sejam
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