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FAMÍLIA, ESCOLA, TRABALHO DOMÉSTICO E REPRODUÇÃO SOCIAL

Quando identificamos que a força de trabalho, no sistema capitalista, é também uma


mercadoria, vendida pelo trabalhador em troca de um salário, torna-se possível que nos
perguntemos quais são os processos que produzem essa mercadoria tão central para nossa
economia. A força de trabalho, como qualquer mercadoria, é produzida e mantida
essencialmente com trabalho humano. No caso da força de trabalho, chamamos “trabalho de
reprodução social” o trabalho que mantém as pessoas vivas e disponíveis para trabalhar, ou
seja, que mantém a força de trabalho funcionando e disponível para fazer girar a economia
capitalista. Com esses conceitos, é possível entendermos melhor por que o salário de um gerente
é mais alto do que o de um operário.
Não se trata de dizer que seu trabalho produz mais, e sim que, para que um gerente tenha
interesse em se manter no emprego e consiga criar filhos capazes de ocupar posições, no
mínimo, equivalentes à sua, ele precisa ser capaz de bancar seus hábitos de consumo e a
educação de seus filhos em moldes semelhantes ou superiores aos seus – algumas questões
importantes relativas a essa teoria da reprodução foram descritas em diversas obras de
diferentes pesquisadores, tendo se destacado nesse processo o francês Pierre Bourdieu (1930-
2002).
A educação e os hábitos de consumo de um gerente usualmente custam mais dinheiro do
que os hábitos e a educação de um operário, justamente pelas convenções, normas e relações
sociais envolvidas nos processos de estratificação social e distinção. Esses processos fazem
com que atribuamos certos sentidos às posições de gerente e de operário, respectivamente. O
valor da força de trabalho, portanto, envolve sentidos determinados cultural e simbolicamente,
para além da contribuição financeira/material em termos de riqueza produzida. O processo de
reprodução social – ou seja, de reproduzir as condições de vida das diferentes classes sociais,
mantendo os indivíduos em condições de seguirem trabalhando e realizando as atividades
diárias de manutenção da economia – tem a família e a vida privada como um de seus elementos
centrais. Importa, por isso, compreender a relação entre o trabalho remunerado realizado na
esfera “pública” das empresas, instituições governamentais etc. e o trabalho não remunerado
(ou remunerado) associado à manutenção da casa, ou seja, o trabalho doméstico.
Da mesma forma, sendo uma das instituições sociais responsáveis pela educação – ou
seja, pela transmissão de códigos de conduta, sistemas de valores, representações e sistemas
simbólicos que garantem a manutenção das estruturas sociais –, a família desempenha um papel
central no mundo do trabalho, além de ser a instituição que, por meio da coabitação, garante as
tarefas cotidianas de manutenção da força de trabalho (lavar, passar, cozinhar etc.). A escola,
como veremos em seguida, também opera como um dispositivo nesse processo.

Trabalho doméstico

Até agora, nesta Unidade, você compreendeu melhor a relação entre trabalho e produção
e distribuição de riqueza em nossa economia, e pôde investigar a instituição familiar como base
do trabalho de reprodução social. Assim, podemos dizer que os papéis determinados pelo nosso
sistema de parentesco, que apontam que lugar cada pessoa tem nessa instituição social que
chamamos de “família”, também têm relação direta com o trabalho doméstico e a reprodução da
vida e das condições de vida necessárias para que a força de trabalho possa continuar disponível
e produzindo. Por esse motivo, em toda discussão sobre trabalho, cabe também especial
atenção ao trabalho doméstico. Afinal, lavar, passar, cozinhar, fazer compras, cuidar de crianças
e outras pessoas que necessitam de atenção especial etc. são tarefas cotidianas da nossa
sobrevivência e que permitem a continuidade da sociedade.
No entanto, o espaço da casa, entendido como privado, tampouco está dissociado das
estruturas sociais mais amplas e do mundo público e político. Dessa maneira, a casa é também
um espaço onde se expressam desigualdades nas relações de poder. Uma delas é a
desigualdade entre homens e mulheres (mesmo que não sejam um casal – por exemplo, em se
tratando de irmãos e irmãs, ou de amigos que compartilham a mesma casa), que são
responsáveis de maneira bastante desigual pela carga de tarefas domésticas, mesmo quando
ambos trabalham fora de casa.
Outra desigualdade bastante significativa no espaço doméstico é aquela entre mulheres
de classes sociais mais altas – normalmente brancas – e mulheres mais pobres – geralmente
negras. É comum, no Brasil, que os domicílios de pessoas em melhor situação econômica
contratem mulheres mais pobres para realizar as tarefas domésticas mais extenuantes,
possibilitando que as mulheres desses domicílios disponham de mais tempo par a outras formas
de trabalho e lazer, sem que isso aumente a carga de trabalho doméstico dos homens. Embora
essa desigualdade seja um fenômeno do espaço doméstico, ela tem grande impacto na vida
social e se articula com fenômenos mais amplos.
A alta carga de trabalho doméstico das mulheres é apontada como uma das barreiras para
seu crescimento no mercado de trabalho, uma vez que muitas vezes precisam, por exemplo,
priorizar o cuidado com filhos pequenos que estão fora da creche ou cujas creches só dispõem
de turnos de meio período. Ao mesmo tempo, a suposição de que as mulheres sejam as
responsáveis pela casa e pelos filhos, mesmo em profissões de alta especialização, é usada
como justificativa por alguns empregadores para pagar menores salários – o que é contra o
princípio constitucional da não discriminação. Em muitos países, a carga de tarefas domésticas
das meninas, ainda crianças e adolescentes, também afeta o desempenho escolar. Os gráficos
da página ao lado procuram articular alguns dados sobre esses fenômenos.
Gráficos trabalho doméstico no Brasil

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