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Ciências & Cognição 2004; Vol 02: 61-74 <http://www.cienciasecognicao.

org/> © Ciências & Cognição


Submetido em 27 de Junho de 2004 | Aceito em 15 de Julho de 2004 | ISSN 1806-5821 - Publicado on line 31 de Julho de 2004

Revisão

Desenvolvimento sexual e cognitivo das portadoras da síndrome de


Turner

Sexual and cognitive development of Turner's syndrome porters

Carla Araújo Popoire Wanderleya, Caroline de Souza Reis Príncipea, Emmy Uehara Piresa, ,
Leonardo de Miranda Ferreiraa, Lígia dos Santos Ferreiraa, Michelly Cunha Oliveira dos
Santosa, Renata Fontinhas Pachecoa, Rosane Porto Bandeiraa, Tatiana Lopes de Andrade e
Silvaa, Thiago Francisco Abraira Crespia, Viviane Lee Mennaa, Alfred Sholl-Francob, c, 
a
Instituto de Psicologia, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, UFRJ, Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, Brasil; bPrograma de Neurobiologia, Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, Centro de
Ciências da Saúde, UFRJ, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil; cNúcleo de Neurociências e
Ciências da Saúde, ICC, Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil

Resumo
A Síndrome de Turner caracteriza-se por uma anormalidade do cromossomo sexual ocorrida em
indivíduos com fenótipo feminino freqüentemente com o cariótipo 45,X. Esta anormalidade é
responsável pela alta taxa de mortalidade de zigotos portadores da síndrome de Turner em abortos
espontâneos. Dentre as especificidades apresentadas pelas mulheres portadoras desta síndrome, as
mais destacáveis são: baixa estatura e esterilidade. Para amenizar a baixa estatura as portadoras
utilizam tratamentos à base de hormônios como: oxandrolona, hormônio do crescimento e estrogênio,
o que pode aumentar a estatura média de 5 a 10 cm. Do ponto de vista psicológico, essas portadoras
não apresentam desvio de personalidade. Ou seja, a sua identificação psicossocial não é alterada.
Inicialmente, associava-se a síndrome de Turner a um grau de retardo mental. Contudo, verificou-se
que as sindrômicas apresentam apenas um déficit de percepção espacial e visual-motor, tendo
dificuldades gerais em tarefas não-verbais. Assim, elas possuem um QI não-verbal normal ou abaixo
da média, compensado por um QI verbal normal ou acima da média. © Ciências & Cognição 2004;
Vol. 02: 61-74.

Palavras-chaves: síndrome de Turner; tratamentos hormonais; cognição;


comportamento; alterações sexuais; desenvolvimento.

Abstract
The Turner's syndrome is characterized by an anomaly on the sexual chromosome, which occurs on
female's phenotypes usually with 45,X cariotype. This anomaly is responsible by the high taxes of fetal
mortality, and spontaneous aborts. Among the characteristics of Turner's women, the most important
 – E. U. Pires é Graduanda do Curso de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Endereço
para contato: E-mail: emmy@radnet.com.br; A. Sholl-Franco é Biólogo (FAMATh), Especialista em Neurobiologia
(UFF), Mestre e Doutor em Ciências (UFRJ). Atua como Professor no Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
(IBCCF – UFRJ) e Coordenador do Núcleo de Neurociências e Ciências da Saúde do Instituto de Ciências Cognitivas
(ICC) e Orientou este trabalho. Endereço para contato: Sala G2-032, Bloco G – CCS, Programa de Neurobiologia –
IBCCF- UFRJ, Av. Brigadeiro Trompowiski S/N – Cidade Universitária, Ilha do Fundão, Rio de Janeiro, RJ 21.941-
590, Brasil. Telefone: +55 (21) 2562-6562. E-mail: asholl@biof.ufrj.br.

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are: low height and sterility. To reduce the low stature is common the treatment with hormones, such
as oxalondrone, growth hormone, and estrogen, that can increase their stature around 5-10 cm.
Analyzing the psychological aspects of this syndrome, it is not observed any personality changes. In
this way, psychosocial identification is not modified. Initially, the Turner's syndrome porters were
observed to present a type of mental retarded, what is not real. It was verified that syndromics present
a spatial perception and motor-visual deficit, having general difficulties on non-verbal tasks. On the
other hand, they present a non-verbal IQ normal or under the rate, compensated by a verbal IQ
normal or higher. © Ciências & Cognição 2004; Vol. 02: 61-74.

Key-words: Turner syndrome; hormones treatment; cognition; behavior; sexual


alteration; development.

Índice

1. Introdução .............................................................................................................................................................. 62
1.1. Histórico .............................................................................................................................................................. 63
1.2. Etiologia .............................................................................................................................................................. 63
1.3. Quadro Clínico e Diagnóstico ........................................................................................................................... 64
1.4. Patogênese das Alterações Gonadais ................................................................................................................ 65
2. Mecanismos Hormonais Envolvidos na Síndrome ............................................................................................ 66
2.1. Função dos Principais Hormônios Envolvidos na Síndrome ......................................................................... 66
2.2. Tratamento Hormonal ....................................................................................................................................... 67
2.3. Tratamento Hormonal Combinado .................................................................................................................. 68
3. Puberdade Tardia ou Ausência de Puberdade ................................................................................................... 68
4. Alterações Cognitivas e a Personalidade das Portadoras da Síndrome ........................................................... 69
4.1 Acompanhamento Psicológico ........................................................................................................................... 70
5. Atualidades e Considerações Finais .................................................................................................................... 71
6. Referências Bibliográficas .................................................................................................................................... 71

1. Introdução A ST caracteriza-se como uma


anormalidade genética expressa através de
A síndrome de Turner (ST) é uma uma monossomia (presença de apenas um
patologia cromossômica caracterizada por um cromossomo sexual) cujas portadoras
fenótipo feminino, com baixa estatura, apresentam fenótipo feminino e
infantilismo sexual e certo aspecto intelectual características fenotípicas peculiares. O
questionável. As causas genéticas são, em estudo do cariótipo das portadoras desta
termos numéricos, os determinantes mais síndrome normalmente indica 45
importantes das malformações congênitas, cromossomos, onde há apenas um X no que
embora problemas durante o nascimento e deveria ser um par de cromossomos sexuais
anomalias congênitas também sejam (XX). Foi avaliado que os fatores genéticos
expressões comumente empregadas para causam aproximadamente 1/3 de todas as
descrever problemas durante o irregularidades no nascimento e quase 85%
desenvolvimento. Quando analisamos a das anomalias com causa conhecida. No
população brasileira do sexo feminino, a qual máximo 1% dos embriões femininos com
foi calculada segundo o Instituto Brasileiro de monossomia do X se mantêm vivos (Hall,
Geografia e Estatística (IBGE) em 79.627.298 1996). A ST causa 18% dos abortos
meninas/mulheres, chegamos a um número espontâneos cromossomicamente anormais,
aproximado de 15.925 mulheres afetadas pela sendo esta monossomia do cromossomo
síndrome no país. A cada 2.500 nascimentos sexual de origem materna, o que indica o erro
uma criança apresenta o fenótipo meiótico como paterno. A falha na
característico da síndrome de Turner (Hook e gametogênese (não-disjunção) que causa a
Warburton, 1983) atingindo 1.500.000 monossomia do X, quando é detectada, está
mulheres no mundo (Elsheikh et al., 1999). no gameta do pai, em 75% dos casos
(Thompson, 1991).

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Várias pesquisas tem sido realizadas 1942). Entretanto, a descoberta desse


com o intuito de analisar as repercussões da cariótipo foi feita por Ford e colaboradores
baixa estatura, incidente também em outras (Ford et al., 1959). Embora esta síndrome
patologias, sobre a qualidade de vida, o tenha sido descrita e caracterizada a mais de
ajustamento psicológico e a baixa auto-estima meio século, o primeiro Grupo de contato
em indivíduos afetados (Almeida, 2001). entre portadoras só foi montado na Dinamarca
Entretanto, as características sexuais em 1981 ( http://www.aaa.dk/ ). Após uma
secundárias não se desenvolvem em 90% das conversa entre os pais de uma portadora da
meninas afetadas, tornando-se preciso a síndrome e o médico A. foi colocada a
substituição hormonal. Desta forma, as importância de se haver trocas de
portadoras dessa síndrome, durante o seu experiências entre pais de pacientes, de modo
desenvolvimento sexual, submetem-se a a se iniciar um mecanismo auxiliar no
tratamentos clínicos para amenizar as processo de troca de experiências e de apoio
características físicas e psicológicas psicológico para todos. Uma outra família
apresentadas por elas. A utilização do GH com uma filha portadora, também com 11
(hormônio do crescimento) é um exemplo anos, tinha contado ao mesmo médico que
destes tratamentos. gostaria de manter contato com pais na
mesma situação. Assim estava sendo dado o
1.1. Histórico primeiro passo para uma real aproximação
entre estas famílias. Sete meses depois, com o
Em 1938, o médico americano Henry compartilhamento de experiências e de um
Turner descreveu uma síndrome em sua maior contato, os pais verificaram que suas
mulher, tendo ela apresentado características filhas se tornaram mais sociáveis, mais felizes
como: baixa estatura e pouco e extrovertidas. Seu desempenho escolar
desenvolvimento dos caracteres sexuais melhorou sensivelmente e seus
secundários, ou seja, seios pequenos e poucos relacionamentos se estreitaram. Os resultados
pêlos pubianos. Ele também encontrou essas foram tão surpreendentes que elas se
características em sete pacientes que ainda informaram mais sobre a Síndrome e
expressaram: pescoço alado e cúbito valgo inclusive ministraram uma conferência em
(Nielsen, 1991). Antes porém, em 1930, esses sua escola explicando sua baixa estatura
sintomas foram constatados pelo pediatra através de uma abordagem sobre a síndrome.
alemão Otto Ullrich. Ele relatou o caso de A eficácia da aproximação entre as famílias
uma menina de oito anos de idade que de portadores da ST (assim como no caso de
também apresentava essas características, outras patologias) estimula a inserção de
além de expressar: palato em ogiva, ptose, outros pais. Desta forma montou-se o
orelhas de implantação baixa e linfedema primeiro grupo de contato, com grande
(Lippe, 1996 para revisão). Por essa razão, entusiasmo dos portadores e familiares
esta doença pode também ser conhecida como (Nielsen, 1991 para revisão).
Síndrome de Ullrich Turner (Lippe, 1996 para
revisão). 1.2. Etiologia
Em 1942, Albright e colaboradores
provaram a falência ovariana ao A ST é uma anomalia genética
demonstrarem a elevação de gonadotrofinas decorrente da ausência ou deficiência de um
urinárias nas portadoras da ST. Wilkins e dos cromossomos sexuais. Na maioria dos
Fleschman analisaram pacientes com a casos, as portadoras apresentam cariótipo
anomalia e observaram a presença de ovários 45,X, sem um segundo cromossomo sexual,
rudimentares e em 1959, foi achada uma X ou Y (Hibi e Takano, 1993; Thompson,
relação entre as características fenotípicas e a 1991). Uma vez que o número diplóide
anomalia cromossômica (o cariótipo XO humano normal é de 46 cromossomos,
responsável pela síndrome) (Albright et al., mudanças no número cromossomial

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representam aneuploidias ou poliploidias. A 1999) . Além disso, o braço longo do


ST é um exemplo de uma aneuploidia cromossomo X (Xq) está associado com
cromossômica, que costuma ser atestada no distúrbios auto-imune, hipotireoidismo e
nascimento ou antes da puberdade, por causa doença de Crohn (Conway, 2002).
das suas especificidades fenotípicas distintas. Existe ainda uma incidência de
A principal causa da aneuploidia é a não- sindrômicas com hipertrofia de clitóris onde,
disjunção durante a divisão celular, resultando nesses casos, verifica-se um fragmento não
na distribuição desigual de um par de identificado do que seria um cromossomo,
cromossomos homólogos para as células- além do X, considerado como Y anormal.
filhas, uma célula detém um cromossomo e a Desta forma, o cariótipo das mulheres na
outra não tem nenhum dos membros do par síndrome apresenta-se, muitas vezes, como
(Moore, 2001), com isso, cerca de 99% dos 46,XX enquanto do homem caracteriza-se por
fetos com cariótipo 45,X são abortados 46, XY (Hibi e Takano, 1993; Grumbach e
espontaneamente (Connor e Ferguson-Smith, Conte, 1992).
1987) e apenas um em cada 50 zigotos com A detecção específica desta patologia
essa síndrome chega ao nascimento (Motta, é obtida através de uma avaliação sobre a
1993). cromatina sexual (corpúsculo de Barr) das
A constituição cromossômica mais possíveis portadoras, visto que do mesmo
freqüente é 45,X porém, 50% dos casos modo que as mulheres normais, as portadoras
possuem outros cariótipos (Hibi e Takano, são consideradas cromatino-negativas. No
1993; Hook e Warburton, 1983). Pode se entanto, para se estabelecer o diagnóstico se
manifestar em mosaicos, de 30 a 40% dos faz necessária a determinação do cariótipo,
casos, ou em outras alterações estruturais no assim como a avaliação de uma possível
segundo cromossoma X. Em mosaicos (45,X/ malignidade nas gônadas estriadas (Hibi e
46,XX) encontra-se a presença de cromatina Takano, 1993). Foi observado que durante a
sexual, estando ausente em indivíduos de lactação das portadoras ocorre uma elevação
cariótipo 45,X (Otto, 1984). A provável falha na secreção do hormônio folículo-estimulante
genética responsável pela gênese de um (FSH), a qual decresce no meio da infância
individuo 45,X resulta de perda até a normalidade, para novamente aumentar
cromossômica durante a gametogênese em durante os 9 ou 10 anos de idade. Ao mesmo
qualquer dos genitores, ou de um erro tempo, o hormônio luterizante (LH) sérico se
mitótico durante uma das divisões de eleva enquanto os níveis de estradiol são
clivagem do zigoto fertilizado. baixos. Um dado curioso é que 2% das
Alguns sinais somáticos como baixa mulheres 45,X e 12% daquelas com
estatura, entre outros, são resultado da perda mosaicismo apresentam folículos residuais
de material genético, no ramo curto do suficientes para permitir alguma menstruação.
cromossoma X. E quando o material genético Foi relatada a gravidez ocasional em mulheres
falha, no ramo curto ou longo do X, gônadas minimamente afetadas, entretanto suas vidas
estriadas surgem (Motta, 1993). A reprodutivas são breves. Embora a anomalia
monossomia 45,X é o cariótipo mais cromossômica da ST, proveniente da não
freqüente e apresenta-se como o fenótipo disjunção em meiose, ocasione mortes ainda
evidenciado, enquanto que as pacientes com dos zigotos, por abortos espontâneos a
Turner com mosaico normalmente expectativa de vida da portadora é normal.
apresentam fenótipo menos severo, e cerca de
40% destas iniciam a puberdade 1.3. Quadro Clínico e Diagnóstico
espontaneamente antes de desenvolver
hipogonadismo. Mulheres com cariótipos As portadoras da ST freqüentemente
45,X/46, XY possuem o risco maior de apresentam atraso na primeira menstruação,
desenvolver gonadoblastoma e uma minoria além de déficits no desenvolvimento de outras
apresenta masculinização (Verreschi et al., características marcantes associadas à

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puberdade devido a ausência de hormônios insuficiência gonadal, sendo sempre o


importantes para um desenvolvimento sexual diagnóstico diferencial realizado através do
normal (Zinn et al., 1993). Dentre os sintomas cariótipo (Motta, 1993; Otto, 1984).
físicos mais comuns encontramos a presença Entretanto, existem casos em que as
de pescoço alado e a baixa estatura como características detectadas pelo ultra-som
características marcantes (Nielsen, 1991). O durante o pré-natal podem ser relacionadas a
gene responsável pelo crescimento dos ossos outras anomalias genéticas. Para esses casos a
se encontra ausente nas paciente de ST. A suspeita de uma possível ST poderá ser
maior estatura relatada foi de uma mulher confirmada com a coleta do líquido amniótico
com 1,40 m de altura. Se hormônios forem (Nielsen, 1991). Já em crianças, atesta-se pelo
administrados antes da puberdade (em torno cariótipo de cada uma. No caso de o cariótipo
dos 8 anos de idade), algumas portadoras no sangue de uma menina portadora da ST,
podem atingir uma estatura mais alta, embora estar normal é preciso que se analise outro
essa estatura varie bastante entre as tecido. Desta forma, a ST poderá ser
portadoras. Outro sintoma característico é o identificada ainda pelo cariótipo em
pescoço alado, tipicamente menor que o fibroblastos e tecido epidermal, obtidos por
normal e apresentando pele com uma textura biópsia (Martins, 2002).
que confere um aspecto “alado” à aparência A mais importante razão para um
da portadora. Somado a esses sintomas diagnóstico precoce é assegurar que os pais
existem outras características físicas incluídas estejam munidos com a melhor e mais
na síndrome: disgenesia gonadal, face compreensiva informação sobre tudo o que
incomum típica, linha posterior de for relacionado à ST, fazendo com que evitem
implantação dos cabelos baixa, tórax largo preocupações desnecessárias.
com mamilos amplamente espaçados.
Algumas podem apresentar anormalidades 1.4. Patogênese das Alterações Gonadais
cardíacas e renais, pressão sanguínea alta,
obesidade, diabetes mellitus, catarata, A insuficiência dos ovários manifesta-
problemas na glândula tireóide e artrite se clinicamente por ausência de menstruação,
(www.kidshealth.org/parent/medical/sexual/tu primária ou secundária. Essa disfunção
rner.html ). ovariana pode ser caracterizada pelos altos
O ciclo menstrual também é afetado níveis hormonais, mais especificamente as
na ST. O ciclo pode ser atrasado até a alta gonadotrofinas hipofisárias, destacando-se o
adolescência ou começar normalmente e FSH, e tem como causa a redução numérica
então sutilmente ir diminuindo. Embora a ou os rearranjos do cromossomo X (Hassum
maior parte das mulheres com a ST seja et al., 2001). Esses rearranjos podem ocorrer
infértil, a gravidez tem sido raramente no braço longo de X (Xq) e mutações podem
relatada (Sylven et al., 1991). Como a se instalar no cromossomo, estabelecendo
puberdade é freqüentemente atrasada ou relação com a disfunção dos ovários em
comprometida, as características sexuais meninas pré-púberes e em mulheres adultas
secundárias (e.g. desenvolvimento das jovens, com ausência de outros sinais clínicos
mamas) são diminuídas ou limitadas. A (Hassum et al., 2001, Therman e Susman,
apresentação de um quadro clínico difere com 1990). A insuficiência ovariana implica em
a idade e pode ser dividido em quatro alterações nos aspectos endócrino e
estágios: período neonatal, infância, reprodutivo das gônadas. Em relação ao
adolescência e vida adulta. O recém-nascido aspecto endócrino, a disfunção caracteriza-se
apresenta linfedema, má-formação cárdio- pelo hipogonadismo hipergonadotrófico, em
vascular e face característica. Na infância, o relação ao aspecto reprodutivo caracteriza-se
achado para o diagnóstico é a baixa estatura. pela ocorrência de infertilidade (Hassum et
Na adolescência e na idade adulta, as queixas al., 2001). Em jovens adultas, a falência
mais comuns estão relacionadas à ovariana pode se manifestar como amenorréia

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(ausência de menstruação) secundária, quatro e depois dos dez anos da idade


acompanhada de esterilidade. Já em meninas cronológica (Boyar et al., 1978; Conte et al.,
pré-púberes pode se apresentar como 1975) o que vem a ratificar a teoria de que
amenorréia primária acompanhada de existe um controle sobre o desenvolvimento
infantilismo sexual. Quando há instalação de da puberdade através de um mecanismo
gônadas atrofiadas ainda na pré-puberdade, a inibitório intrínseco do sistema nervoso
ausência de desenvolvimento dos caracteres central. Além disso, doenças auto-imunes da
sexuais secundários, na presença ou não de tireóide (geralmente hipotireoidismo) são
aspectos característicos da doença, impõe o comuns nesta síndrome e a determinação da
exame do cariótipo mesmo antes de se função da tireóide e dos níveis de anticorpos
instalarem as altas concentrações de FSH. contra a tireóide é importante na avaliação das
pacientes, uma vez que a produção anormal
2. Mecanismos Hormonais Envolvidos na dos hormônios tireoidianos pode afetar o seu
Síndrome desenvolvimento normal.
Dados atuais demonstram que a baixa
Uma vez que vários hormônios estão estatura presente em pacientes com a ST não
envolvidos no modo como as pacientes da ST se deve a deficiência do hormônio do
exteriorizam seus traços característicos, crescimento, esteróides sexuais ou hormônios
analisar as principais funções dos hormônios tireoidianos (van Vliet, 1988). Além disso,
relacionados é de extrema importância para o como a disgenesia gonadal é outra
entendimento dos processos fisiológicos característica das pacientes com uma
inerentes a esta anomalia cromossômica. A constituição cromossomal 45, X, estudos
seguir, serão abordados diferentes temas abordando os níveis de secreção da
relacionados com o descontrole hormonal gonadotrofina basal e provocada pela
observados nos quadros clínicos da ST. aplicação do hormônio estimulador da
liberação de gonadotrofinas (GnRH) em
2.1. Função dos Principais Hormônios pacientes com disgenesia gonadal têm
Envolvidos na Síndrome indicado a existência uma ausência de
inibição por retro-alimentação do eixo
A falência da gônada disgenética em hipotálamo-hipofisário pelas gônadas
produzir esteróides sexuais é responsável disgenéticas, em lactentes ou crianças
pelos altos níveis de concentrações de afetadas. Assim, os níveis plasmáticos e
gonadotrofinas, principalmente o hormônio urinários das gonadotrofinas –
folículo estimulante (FSH), em grande parte particularmente os níveis de FSH – são altos
das pacientes com ST. O aumento da durante o início da lactância ou após 9 ou 10
produção destes hormônios gonadotróficos, anos de idade. Como a função ovariana está
pela hipófise, aniquila o efeito de retro- comprometida, a puberdade geralmente não
alimentação negativa no eixo hipotálamo- ocorre espontaneamente e, por isso, o
hipofisário (van Vliet, 1988). Além disso, as infantilismo sexual é uma característica dessa
concentrações de hormônio luteinizante (LH) síndrome.
são menores que as do FSH. Uma provável O estrogênio e seus derivados são os
explicação para essa diferença nas principais hormônios gonadais femininos,
concentrações séricas destas gonadotrofinas sendo os principais responsáveis pela
seria a menor produção, pelo ovário, de maturação da vagina, do útero e das tubas
inibina, um importante hormônio responsável uterinas, além do desenvolvimento das
pela inibição da secreção de FSH. Deste características sexuais secundárias femininas,
modo, durante o desenvolvimento das como, por exemplo, o desenvolvimento das
portadoras da ST, a secreção de hormônios mamas, do estroma, o fechamento das epífises
gonadotróficos apresenta um padrão difásico, ósseas, os contornos femininos (depósito de
com concentrações mais elevadas antes dos gordura localizada) (Greenspan e Strewler,

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2000 para revisão). Além do amadurecimento velocidade de crescimento e, provavelmente


uterino, o estrogênio atua no desenvolvimento também, o tamanho final da paciente entre 5 a
do endométrio. Quando sua produção é 10 cm, dependendo da duração do tratamento.
adequada, concomitante com a produção de O tratamento com GH em portadoras da ST é
progesterona, ocorre o ciclo menstrual padrão na Dinamarca na idade de 6 a 7 anos
normal. Em conjunto, estes dois hormônios até o crescimento ter começado a parar
são os responsáveis pela diminuição da (Nielsen, 1991). Os resultados de provas
reabsorção óssea, de modo a antagonizar a clínicas recentes indicam que os pacientes
ação do paratormônio (PTH) . O hormônio do tratados com hormônio do crescimento
crescimento (GH) tem como função primária recombinante (0,375 mg/kg/semana divididos
estimular o crescimento linear do organismo, em 7 doses uma vez ao dia), com ou sem
sendo o grande responsável pelo aumento da oxandrolona (0,0625 mg/kg/dia por via oral),
síntese de proteínas através da estimulação da tiveram um aumento da velocidade de
secreção do fator de crescimento semelhante a crescimento que foi mantido e resultou em um
insulina do tipo 1 (IGF-1), promovendo, desta aumento médio de 8-10 cm de altura após 3 a
forma, a captação de aminoácidos e 7 anos de tratamento ( Greenspan e Strewler,
acelerando diretamente a translação e 2000; Hibi e Takano, 1993 para revisão). Não
transcrição do ARNm (Greenspan e Strewler, foi constatado efeito sinérgico do tratamento
2000 para revisão). com estrogênio e hormônio do crescimento
A oxandrolona é um hormônio combinados sobre a altura final. Em pacientes
sintético que lembra o hormônio sexual tratados com hormônio do crescimento que
masculino; enquanto influencia o crescimento atingiram uma altura aceitável, bem como
do tecido ovariano operante, seu efeito naqueles que recusam o tratamento com
masculinizante é muito fraco. Quando usada hormônio do crescimento, a terapia de
sozinha, a oxandrolona, pode aumentar a reposição com estrogênio geralmente é
velocidade do crescimento no mesmo grau do iniciada com 12-13 anos de idade.
hormônio do crescimento, e o tamanho final é Estrogênios conjugados (0,3 mg ou menos)
aumentado de 3 a 4 cm quando administrado ou etinil estradiol (5mg) são administrados
por mais de 2 anos. Na Dinamarca é por via oral durante os primeiros 21 dias do
preferível administrar a oxandrolona em uma mês. A seguir a dose de estrogênio é
dose muito baixa junto com o hormônio do aumentada gradualmente, durante os
crescimento e não começar com oxandrolona próximos anos, 0,6-1,35 mg de estrogênios
antes dos 10 anos de idade, mas em alguns conjugados ou 10 mg de etinil estradiol
países o tratamento começa antes dessa idade diariamente, nos primeiros 21 dias do mês.
(Nielsen, 1991). Esta opção é adotada para se Deve ser administrada a dose mínima de
evitar a ação masculinizante durante o estrogênio necessária para manter as
tratamento com a oxandrolona. características sexuais secundárias e a
menstruação, bem como evitar a osteoporose.
2.2. Tratamento Hormonal Na grande maioria das mulheres com a
ST o estrogênio é reposto por via oral. No
O tratamento deve ser orientado para entanto, atualmente as vias transdérmica e
maximizar a altura final e induzir as percutânea vêm recebendo maior enfoque, por
características sexuais secundárias e a mostrarem vantagens sobre a administração
menarca em uma idade compatível com a dos oral. A aplicação transdérmica de estrogênio
seres normais. torna possível a liberação da dose efetiva mais
O GH, administrado na forma de baixa possível diretamente na circulação
injeções subcutâneas, é utilizado como sistêmica, proporcionando uma menor
paliativo, uma vez que as meninas portadoras flutuação dos níveis de estradiol plasmáticos,
da ST não apresentam falta deste hormônio. quando comparada à via oral (Alves, 2000) .
Isto ocorre devido ao fato do GH aumentar a Foram demonstradas melhora do perfil

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lipídico e diminuição dos fatores de risco de idade foi maior que 150 cm e muitas dessas
doença coronariana através da reposição meninas continuaram a crescer mesmo após o
hormonal tanto oral, quanto transdérmica em tratamento (Rosenfeld, 1998, 1992).
mulheres durante a menopausa (Ottesen e Uma vez que as portadoras da ST não
Sorensen, 1997). apresentam uma deficiência clássica de GH, o
A ST é a primeira alteração de interesse na reposição hormonal é focado no
cromossomos que pode ser tratada, uso de doses mais altas que 15IU/m2/semana
eficazmente, utilizando-se uma terapia de usado no tratamento padrão da insuficiência
reposição hormonal, de forma a proporcionar de GH. Numerosos estudos têm mostrado
uma melhora significativa na qualidade de uma argumentação resultante na velocidade e
vida. Os níveis de hormônios gonadotroficos melhora do crescimento na estatura final (Sas
das portadoras da ST possuem variação de et al., 1999; Carel et al., 1998; Plotnick et al.,
acordo com a idade cronológica e os 1998; Rosenfeld, 1998; Nilsson et al., 1996;
mecanismos de retro-alimentação do eixo Heinrichs et al., 1995; Rochiccioli e
hipotalâmico-hipofisário-gonadal aparente- Chaussain, 1995; Takano et al., 1995; Massa
mente são mantidos. A partir de um et al., 1995; Rosenfeld, 1992), ainda que com
entendimento mais apurado da fisiologia e da consideráveis variações. O impacto no uso
fisiopatologia desse eixo foi possível o adjunto de esteróides anabólicos,
desenvolvimento de novas técnicas e oxandrolona, e o timing da terapia de
protocolos de tratamento. Esse conhecimento estrogênio permanece matéria de debates e
foi ampliado mais ainda com a utilização do esses processos estão sendo investigados pelo
GnRH. UK Turner Study .
Corrigir a estatura baixa da ST vem
2.3. Tratamento Hormonal Combinado sendo um foco particular de interesse e
pesquisa, e benefícios com a terapia de GH
Na Dinamarca, tem-se 2-3 anos de têm sido extensamente examinados. Embora
experiência com a administração do hormônio seja difícil quantificar o impacto social e
do crescimento sozinho e hormônio do psicológico da estatura baixa nas pacientes
crescimento combinado com pequenas doses portadoras da ST, é altamente subjetivo se
de estrogênio (natural) (Nielsen, 1991). GH especular sobre as possíveis vantagens
juntamente com o estrogênio aumenta a psicológicas e físicas obtidas com os
velocidade de crescimento de forma mais centímetros extra na altura adulta,
eficiente que o estrogênio administrado particularmente em se tratando do contexto
sozinho, contudo, possivelmente não mais do psico-social desta complexa síndrome. Desta
que o GH sozinho, sendo a altura final forma, as parcas tentativas de examinar esses
aumentada apenas pela ação do GH (Nielsen, conceitos abstratos são muito genéricas e
1991). imprecisas, especialmente no campo da
Existe também um considerável pediatria. No entanto, o compromisso
número de resultados do tratamento de mostrado por tantas famílias com um
meninas portadoras da ST com GH sozinho intensivo regime de tratamento,
ou do tratamento combinado de GH com freqüentemente por um período de vários
oxandrolona, como demonstrado por anos, demonstra a valorização das mesmas
Rosenfeld e colaboradores (1998, 1992). com o aumento no crescimento e na estatura.
Após três anos de injeções de GH, aplicadas
três vezes por semana, a freqüência do 3. Puberdade Tardia ou Ausência de
tratamento foi modificada para injeções Puberdade
diárias, proporcionando melhores resultados.
Como resultado eles mostraram que após 4 O desenvolvimento das portadoras da
anos de tratamento, a média de estatura de 20 ST, marcado pela produção difásica de
portadoras da ST com mais de 16 anos de hormônios gonadotróficos (FSH e LH) entre

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os 4 e 10 anos, ratificar a teoria de que existe precocemente. Aproximadamente 90% das


um controle sobre o desenvolvimento da pacientes apresentam falência ovariana em
puberdade através de um mecanismo função do braço longo do cromossomo X
inibitório intrínseco do sistema nervoso ausente nas bandas q13-q27 (Therman e
central (SNC), limitando a produção e a Susman, 1990) Já a ausência do braço curto
secreção de hormônios gonadotróficos até a não leva a falência ovariana, porém ocasiona
puberdade (Conte, Grumbach, Kaplan e alterações fenotípicas, como a baixa estatura
Reiter, 1980). A redução da inibição do SNC (Boechat, Westra e Lippe, 1996).
sobre a produção e a secreção do GnRH,
associado com a diminuição da sensibilidade 4. Alterações Cognitivas e a Personalidade
do eixo hipotálamo-hipofisário à retro- das Portadoras da Síndrome
alimentação negativa dos esteróides sexuais,
coexiste com a elevação nas concentrações de Foi encontrado pouco material no
hormônios após os 10 anos de idade. Brasil sobre o desenvolvimento cognitivo das
Uma vez que a função do GH está portadoras da S. T. Isso mostra que é
geralmente dentro dos padrões de necessário mais pesquisas acerca do assunto
normalidade na ST, a causa da baixa estatura no país, tornando contrastante a variedade de
não é plenamente conhecida. Entretanto, os informações encontradas na literatura
estudos de tratamento hormonal já internacional.
demonstraram que o tratamento combinado É observado que a maior parte das
com base no GH melhora a velocidade de meninas portadoras da ST apresentam
crescimento nas meninas afetadas. Os pêlos desempenho mediano ou até mesmo acima da
pubianos podem surgir tarde e geralmente têm média escolar, o que ocorre, em geral, pela
distribuição esparsa devido à ausência de dedicação que desenvolvem para com a
quaisquer secreções ovarianas. escola. Entretanto, algumas apresentam
A adrenarca, na ST, geralmente se faz dificuldades em geometria e aritmética, tal
presente com o surgimento de pêlos pubianos como em entender um mapa ou desenhar uma
em torno dos 11 aos 16 anos e sem diferenças figura; ocasionado principalmente por déficit
significativas entre os cariótipos. Todavia, até de percepção espacial e visual-motor. (Motta,
o inicio da reposição estrogênica, os pêlos 1993). Características marcantes são o grande
axilares e pubianos são raros, insinuando que interesse e a perseverança no cumprimento
entre o estrogênio ao nível periférico e os das tarefas escolares, geradas, muitas das
andrógenos adrenais há um sinergismo (Van vezes, pela necessidade de se sentirem mais
Vliet, 1988). Entretanto, grande parte das seguras ao responder as questões. Isso as
meninas portadoras de ST tem seus pêlos ajuda a fazer boas provas e a manter um bom
pubianos desenvolvidos espontaneamente. rendimento escolar (Nielsen, 1991). A
Este fato demonstra que o surgimento destes maioria das portadoras desenvolve
pêlos está mais ligado com a atividade da inteligência compatível com pessoas da
adrenal e que a gonadarca é um evento que mesma idade, sendo encontrado em apenas
não está aliado à adrenarca. A reposição uma pequena parcela delas um leve
estrogênica é importante na Síndrome, pois retardamento mental (Nielsen, 1991). Por esse
induz os caracteres sexuais secundários, motivo, antigamente a síndrome era associada
previne a osteoporose, melhora a função ao retardo mental. Somente com estudos mais
cognitiva, proporciona a aquisição de massa atuais essa idéia foi desmistificada (Nielsen,
óssea e diminui o risco cardio-vascular 1991). Deste modo, não existe nenhum déficit
(Elsheikh et al., 1999). intelectual em pacientes da ST, embora
Nas pacientes portadoras de ST, a apresentem melhor performance na área
redução da função do ovário é progressiva, verbal, em comparação com o desempenho
influenciada pelo cariótipo, e, perceptivo e espacial, que pode ser deficitário
freqüentemente, elas entram na menopausa (Motta, 1993).

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O relacionamento inter-pessoal com


professores e colegas varia de bom a muito Pouco se tem explorado, no Brasil,
bom. Entretanto, periodicamente podem ser sobre a importância do acompanhamento
importunadas a respeito de sua baixa estatura. psicológico para as portadoras da Síndrome
Por outro lado, a maturidade emocional das de Turner e sua família. Para se avaliar tal
portadoras da ST apresenta-se tardiamente, questão, a componente do grupo Tatiana
principalmente se comparada com o Lopes de Andrade e Silva foi ao Instituto
desenvolvimento emocional observado em Fernandes Figueira (IFF) fazer uma entrevista
suas irmãs e amigas (Nielsen, 1991). Um com a psicóloga Alice Marinho.
ambiente superprotetor ou autoritário pode De acordo com a entrevista, pôde-se
levar ao desenvolvimento de um constatar que muitos pais dessas sindrômicas
comportamento imaturo, principalmente se não usufruem de um suporte psicológico
educadas de acordo com a estatura e não com durante o diagnóstico da Síndrome de Turner.
a idade. As portadoras da ST demonstram Com relação ao atendimento em hospitais
características marcantes, tais como públicos, o Instituto Fernandes Figueira é o
extroversão, dedicação, docilidade, vaidade e pioneiro em ter um psicólogo atuando
senso de organização (Motta, 1993). A juntamente ao médico para fornecer o
família das pacientes tende a encará-la como diagnóstico de malformações genéticas. O
sendo ainda uma criança, mesmo tendo ela já objetivo do IFF é transmitir o diagnóstico da
passado dessa fase. Essa situação pode gerar melhor maneira para os pais, e posteriormente
um vínculo de dependência com os pais, colocar um psicólogo a disposição deles.
adicionado ao fato da paciente ser Contudo, tem-se verificado no IFF
constantemente importunadas devido a sua uma baixa incidência de portadoras da
baixa estatura, encontrando assim apoio em Síndrome de Turner. A possível razão para tal
sua própria família. Desse modo, a postura fato é a dificuldade encontrada pelos médicos
mais adequada dos pais perante a portadora em detectar a existência dessa anomalia em
seria a de cobrar responsabilidade de acordo suas pacientes. Isso ocorre pelo fato das
com sua faixa etária. sindrômicas não expressarem, além da baixa
No Brasil, os hospitais públicos que estatura, as características físicas peculiares
fornecem tratamento para essa anomalia que denunciem sua condição de portadora.
genética, consideram a ST menos grave do No Brasil, o diagnóstico é comumente
que outras alterações cromossômicas. Sendo elaborado durante o período de puberdade das
assim, os pais que têm uma filha portadora ao sindrômicas. Ao compararmos a população
buscar um tratamento hormonal para elas, brasileira com a da Dinamarca, a baixa
encontram grandes dificuldades, como a fila estatura das brasileiras deixa de ser levada em
de espera para obter o tratamento de reposição consideração como uma evidência da
hormonal necessário para aumentar sua Síndrome de Turner. Na Dinamarca, a baixa
estatura e desenvolver suas características altura das sindrômicas em relação às outras
sexuais secundárias. Neste contexto seria meninas fica evidente, pois a altura média de
importante ser iniciado um acompanhamento uma dinamarquesa é elevada (1,70m) - o que
psicológico para a portadora da ST, bem pode levar os seus pais a procurarem um
como para sua família. Outro ponto médico para esclarecer o motivo dessa
importante é a inserção da portadora e de sua discrepância.
família em um grupo de contato, pois já é Segundo o relato da psicóloga Alice
conhecido o progresso psico-social que este Marinho, muitos pais das portadoras da
procedimento proporciona nos desempenhos Síndrome de Turner procuram o IFF para
escolares, sociais e familiares, além de elevar obter o diagnóstico e fornecer um tratamento
a auto-estima que pode estar debilitada. inicial para as sindrômicas. Logo após esses
procedimentos, os pais e as portadoras não
4.1 Acompanhamento Psicológico procuram mais o IFF. A razão para tal fato é a

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grande lista de espera em que a sindrômica Segundo Martins (2002):


deve se encaixar para obter o tratamento
hormonal no IFF. “O ultra-som seriado permitirá
Durante a entrevista, a componente do afastar malformações congênitas
grupo Tatiana Lopes de Andrade e Silva foi associadas que podem interferir no
convidada a montar um Grupo de Contato prognóstico da evolução fetal, quando
Turner no Brasil. Ao abordar a inexistência de ocorre hidropsia fetal não imune,
um Grupo de Contato no país, a psicóloga higromas císticos volumosos,
Alice Marinho colocou como relevante o cardiopatias, malformações renais,
interesse demonstrado pela estudante, etc.”.
sabendo que os benefícios gerados por trocas
de experiência entre portadoras é tão evidente Dessa maneira, ficará mais fácil
e presenciado em outros países. detectar a ST durante o pré-natal. Atualmente,
Em alguns países, onde a altura média tem se observado uma grande preocupação
das mulheres é superior a 1,70 (como por com as terapias para a baixa estatura das
exemplo, a Dinamarca), houve uma portadoras da ST. Os estudos sobre a
preocupação social com a adaptação das importância da reposição hormonal tem sido
mulheres portadoras da ST. Tal fato de grande valia para se contornar o problema
proporcionou a formação de Grupos de da baixa estatura, mas a influência destes
Contato. Os Grupos de Contato de Portadores tratamentos ao âmbito psicológico ainda está
da Síndrome de Turner tem como principal no início, principalmente no que se refere à
objetivo incentivar trocas de experiências. A influência no desenvolvimento cognitivo e
portadora da ST pode procurar um social das portadoras da ST. De acordo com
acompanhamento psicológico, caso sofra Almeida (2002), têm-se analisado as
rejeição ou por outras necessidades. implicações da ST sobre a auto-imagem das
Entretanto, algumas portadoras não portadoras e suas conseqüências
apresentam desvios de comportamento ao comportamentais sobre o meio psicossocial.
lidarem com as suas limitações, o que torna, Desta forma, apesar da grande gama de
desta forma, o tratamento psicológico com a informações sobre os aspectos genéticos e
portadora menos importante do que o suporte hormonais na ST estar disponível para o
psicológico para os pais da paciente, público leigo e especializado, a escassez de
principalmente após o diagnóstico no período estudos abordando as repercussões
pré-natal devido ao desenvolvimento de emocionais demonstram a necessidade um
sentimentos como culpa, angustia, depressão aprofundamento neste campo e da
e impotência frente a esta nova situação. importância do envolvimento de uma equipe
No Brasil ainda não há relato da multidisciplinar, o que poderia amenizar as
formação de um Grupo de Contato de conseqüências emocionais, que se fazem
Portadoras da Síndrome de Turner, embora presente pelas características físicas
seja extremamente importante a articulação apresentadas pelas portadoras da ST.
entre os pais das portadoras para que se
troque experiências. Isto poderá incentivar 6. Referências Bibliográficas
novas pesquisas sobre o tema, além de
proporcionar melhora na inserção social de Albright, B. F.; Smith, P. H. e Fraser, R.
mulheres portadoras da ST. Na Dinamarca, (1942). A syndrome characterized by primary
por exemplo, as portadoras que participam ovarian insufficiency and decreased stature .
deste grupo são incentivadas a darem Am. J. Med. Sci. , 204, 625-648.
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